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Recurso nº 678/2008
Recorrente: A
Recorrida: B


  


A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A solteira maior, de nacionalidade portuguesa, residente na RAEM, propôs acção declarativa de condenação com a forma de processo ordinário contra B, solteira maior, residente na RAEM, pedindo:
a. Declarar a Autora dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada por XXX do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avenida Jardins do Oceano, n.º 75-A a 147, Jardim Beira-Mar – Lei Tak Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero 22093 (B109A, 185) com aquisição registada a seu favor pela inscrição número 39848G.
b. Condenar a Ré a reconhecer à Autora aquele direito de propriedade bem como a restituir à Autora aquela fracção autónoma, totalmente livre e devoluta de pessoas e bens;
c. Condenar a Ré a indemnizar a Autora, pelos danos já causados, que se computam neste momento, pelo menos, em MOP$42.000,00, acrescido de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
d. Condenar a Ré a pagar de MOP$20.000,00, correspondente a honorários de advogado já suportados pela Autora, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
e. Condenar a Ré a pagar a Autora indemnização a fixar pelo Tribunal em montante não inferior a MOP$200.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescido de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
f. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente à indemnização devida pela privação da utilização da casa e, ainda, à indemnização devida pela ofensa à sua honra;
g. Condenar-se o Ré em custas.

À acção contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção.
Na fase de prova, o Mmº Juiz titular do processo proferiu o seguinte despacho:
“Na sequência da exposição a fls. 331 da aqui Ré veio o Exmº Sr. Juiz Presidente a sugerir a alteração da data de julgamento antes designada e sugerindo agora para aquele efeito o dia 16.04.2008 - vide fls. 332 verso.
Todavia, apesar desta alteração de data, o requerimento de prova da Ré não observa a antecedência legal de 30 dias prevista no art. 432°/n.º 1 do CPC., pois que o dito requerimento data de 1.04.2008 e o julgamento está agora aprazado para o dia 16.04.
Porém, em nosso entender, o dito requerimento de prova terá que ser admitido, sob pena de, por via da marcação de julgamento, o tribunal eliminar um direito processual que assiste às partes e que pode comprometer a sua pretensão deduzida em juízo.
Ora, assim sendo e tendo presente o preceituado nos arts. 4° e 8° do CPC., decide-se:
- para o julgamento designa-se agora, sob sugestão do Exmº Sr. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, o dia 16.04., pelas 16 h.
- admite-se o rol de testemunhas da Ré a fls. 331, cujas testemunhas serão a apresentar.
- notifique a parte contrária para, querendo, usar de igual faculdade, em 5 dias – arts. 432º/nº 1 do CPC..
Com a decisão de admissão do rol de testemunhas não concordou, recorreu para esta instância, que tinha sido fixado a subida diferida, alegando que:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho de fls 333 proferido nos vertentes autos, admitiu o rol de testemunhas da Ré a fls 331, apresentada a 1 de Abril de 2008.
2. A decisão do Mm. Juiz a quo violou o disposto nos art.4°, 8°, 431° e 432° do Código de Processo Civil, por não considerar extemporâneo o rol de testemunhas apresentado pela Ré.
3. São três os momentos em que as partes podem oferecer o seu rol de testemunhas: i) com os articulados, ii) no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho que procedeu à selecção da matéria de facto ou do despacho que decide das reclamações, iii) até 30 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento.
4. A Ré só apresentou o rol de testemunhas no dia 1 de Abril de 2008 e a audiência de discussão e julgamento realizou-se no dia 22 de Abril de 2008, data da inquirição das testemunhas.
5. O rol de testemunhas não foi apresentado com antecedência de 30 dias em relação à data da audiência de julgamento, em violação do previsto no artigo 432° do Código de Processo Civil.
6. O prazo do art. 432° do Código de Processo Civil enquadra-se no disposto no nº 3 do art. 95° do mesmo diploma legal, tratando-se de prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento, que, diga-se, não foi invocado pela Ré no seu sobredito requerimento.
7. O douto Tribunal a quo poderia ter então ressalvado a possibilidade de a audiência de julgamento poder vir a iniciar-se em momento posterior à data para que se encontrava marcada, e alcançar-se por essa via a tempestividade do requerimento de prova da Ré, mas não podia fundamentar a admissão daquele requerimento de prova por preterição, ou eliminação, de um direito processual da parte, nem tão pouco em homenagem aos princípios da igualdade e cooperação das partes, consagrado no art.º 8º ambos do Código de Processo Civil.
8. O princípio da cooperação orienta as partes e os juízes a cooperar entre si de modo a alcançar com a maior brevidade uma justa composição do litígio não pode ser entendido como um meio de subverter as regras sobre prazos estabelecidas na Lei, permitindo que as partes apresentem requerimentos extemporâneos.
9. O facto de não mediarem 30 dias entre o dia da notificação do despacho que designa data para a audiência e o dia em que se realizou essa audiência não significa que tenha sido postergado à Ré um direito processual, porquanto entre a data em que são notificadas do despacho saneador ou do despacho que decide as reclamações e a data da audiência de discussão e julgamento, as partes podem, em qualquer altura, apresentar o rol de testemunhas, o alterarem ou adicionarem as vezes que entenderem necessárias, sem terem de aguardar pela notificação do despacho que designa a data para a audiência.
10. Não tendo a parte, dentro do prazo legal, apresentado rol de testemunhas, perdeu o direito de praticar esse acto.
11. Nos termos do artigo 147º do CPC deve ser anulado o douto despacho de fls. 333 e 334 dos autos, e dada sem efeito a admissão do rol de testemunhas apresentado pela Ré, e bem assim a respectiva inquirição em sede de julgamento, com a consequente anulação de toda a resposta aos quesitos da Base Instrutória que tenha sido alcançada por referência ao depoimento prestado pelas referidas testemunhas indicadas pela Ré.
Ao recurso do autor, respondeu a ré alegando para concluir que:
a. O nº 1 do artº 432º do CPC confere a faculdade às partes para oferecer ou alterar ou aditar o rol de testemunha no último momento, isto é, 30 dias antes realização da realização da audiência de discussão e julgamento;
b. Sendo faculdade expressamente conferida pela lei, deve o Juiz ter em conta esse prazo ao designar a data para a realização da audiência de discussão e julgamento;
c. O exercício da referida faculdade pelas partes nunca pode ficar apenas sujeito à sorte de ver se a data de realização da audiência de discussão e julgamento designada tenha uma antecedência de 30 dias ou não;
d. Se a lei confere às partes a faculdade para oferecer ou alterar ou aditar o rol de testemunhas no momento até 30 dias antes da realização da audiência de discussão e julgamento, essa faculdade é para as partes usarem, querendo;
e. O juiz não pode designar uma data com a antecedência inferior a 30 dias para a realização da audiência de discussão e julgamento, impedindo, assim, as partes usarem a referida faculdade;
f. Pode e deve o Tribunal, ao abrigo do art° 548º do CPC., sempre ordenar determinadas pessoas cujo conhecimento de factos importantes para a decisão da causa e apuramento da verdade, para virem depor em juízo, mesmo que as mesmas não são arroladas pelas partes como testemunhas.
g. O douto despacho ora recorrido é perfeitamente correcto e legal, e não violou nenhum princípio geral de direito, nem sofreu de nenhum vício que importa a sua anulação.
Nestes termos, nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deverá improceder o presente recurso, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos.

Correndo normalmente os termos processuais, o Colectivo respondeu aos quesitos, e finalmente, Mmº Juiz-Presidente decidiu o seguinte:
1. Julgar infundados todos os pedidos da Autora, deles absolvendo-se a Ré.
2. Julgar igualmente improcedentes os pedidos da Ré.

Com esta sentença não conformou, recorreu para este Tribunal A, alegando que:
1. O presente recurso é limitado à parte da sentença proferida pelo douto Tribunal a quo em que julgou infundados os seguintes pedidos da Recorrente, deles absolvendo a Recorrida: (a) Declarar a Autora dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada por XXX do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avenida Jardins do Oceano, n.º 75-A a 147, Jardim Beira-Mar – Lei Tak Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 22093 (B109A, 185) com aquisição registada a sue favor pela inscrição número 39848G; (b) Reconhecer à Autora aquele direito de propriedade bem como a restituir à Autora aquela fracção autónoma, totalmente livre e devoluta de pessoas e bens;
2. Face à matéria constante dos autos, e dos meios probatórios que serviram de base aos factos considerados assentes, bem como à prova dos factos constantes da base instrutória, nunca poderia o douto Tribunal a quo retirar as conclusões que retirou, estando-lhe pois vedado decidir como decidiu, ou seja, julgar improcedente in totum os pedidos formulados pelo Autora;
3. O Acórdão proferido a fls 411 e sgts. Pelo Tribunal a quo nos termos do preceituado no artigo 556º CPCM considerou que “A convicção do Tribuna baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls 11 a 36 e 61 a 267 dos autos, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.” (sublinhado nosso);
4. A única prova atendível pelo douto Tribunal a quo foi a documental, não tendo sido valorada a prova testemunhal apresentada pelas partes;
5. Os escritos particulares juntos aos autos a fls 350 a 407 não cumprem os requisitos legais para serem qualificados como documentos, nos termos do preceituado no artigo 367º Código Civil, e certamente por isso, o douto Tribunal a quo os não considerou ou valorou;
6. Os supra identificados documentos constituem todos aqueles que foram juntos aos autos;
7. Nos presentes autos verifica-se a existência de evidente erro na apreciação da matéria factual por parte do douto Tribunal a quo, o que possibilita a sindicação e modificação por parte desse douto Tribunal de Segunda Instância das respostas dadas aos quesitos;
8. Uma vez que os depoimentos das testemunhas não foram atendidos para efeitos do julgamento da matéria de facto que o Tribunal julgou provada e que julgou não provada, estão reunidos todos os elementos que permitam sindicar essa mesma matéria fáctica, nos termos do disposto no artigo 599º do Código de Processo Civil;
9. Da leitura dos articulados e da sua conjugação com a prova documental não se compreende donde resultam as respostas dadas aos quesitos 7º a 18º da Base Instrutória, com base nas quais o Tribunal a quo ilidiu, sem mais, a presunção registral de que goza a Autora.
10. Na acção de reivindicação os autores têm de provar o direito cujo gozo reivindicam e alegar a falta de título do detentor da coisa reivindicada, enquanto à outra parte compete impugnar o direito invocado pelos autores, ou, então, alegar a existência de título que legitime a sua detenção;
11. Na vertente acção, a Recorrente invocou como título do seu direito de propriedade a escritura pública de compra e venda referido no ponto C) da Especificação, e o registo referido na Conservatória do Registo Predial conforme alínea A) da Especificação, pelo que desnecessário se tornou invocar quaisquer outros factos que suportassem esse seu direito de propriedade;
12. Por via do registo a Recorrente goza da presunção legal de propriedade, conforme preceituado no artigo 7º do Código de Registo Predial, pelo que segundo o art. 343º, n.º 1, do Código Civil, quem tiver a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz;
13. Beneficiando a Recorrente de uma presunção legal de existência e titularidade do domínio sobre a coisa objecto da acção e estando esta isentada do ónus de provar os factos concretos integradores da aquisição, sobre a Recorrida impenderia o ónus de ilidir a presunção de existência do direito de propriedade, para o que teria de alegar e provar factos concretos demonstrativos de que a coisa não é propriedade da Recorrente;
14. O douto Tribunal a quo foi do entendimento que a Recorrida cumpriu esses ónus ao ilidir a presunção do supra citado artigo 7º, com base nos fundamentos da matéria de facto, integrante da Base Instrutória e dado como provada em sede e julgamento;
15. O Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu, sem esclarecer ou justificar porque é que, não obstante os vários documentos emitidos e provenientes de entidades públicas (providos portanto de fé pública) juntos aos autos pela Recorrente, como seja a escritura pública de compra e venda, a certidão de registo predial, a certidão matricial, admitiu por válida a tese urdida pela Recorrida de que “é, desde sempre a única e verdadeira dona e legitima proprietária e possuidora da identificada fracção autónoma, por ter comprado, em primeira mão à sociedade de investimento predial denominadaXX建築置業公司“(artigos 12º da Contestação);
16. O Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, o que não sucedeu, pelo que não se mostram cumpridos os mínimos exigidos para a fundamentação da decisão de facto, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 556º do Código de Processo Civil;
17. Da matéria de facto dos autos não existem elementos que permitam pôr em causa a propriedade da Recorrente, propriedade anteriormente registada em nome da “SOCIEDADE DE FOMENTO PREDIAL XXX, LDA” e que se transferiu para a Recorrente por mero efeito do contrato de compra e venda, celebrado segundo as exigências legais no que toca ao respectivo formalismo, ou seja, por escritura pública;
18. Nos autos não existem elementos que permitam retirar que a anterior proprietária do imóvel, ou seja, a Sociedade de Fomento Predial XXX tenha recebido das mãos da Recorrida o preço no valor de MOP%500.000.00 na data da celebração da escritura pública de compra e venda (9 de Janeiro de 2002) ou em qualquer outra data anterior;
19. A Sociedade de Fomento Predial XXX era, à data da celebração da escritura pública de compra e venda, ou seja 9 de Janeiro de 2002, a titular inscrita da referida fracção, pelo que só esta poderia ser considerada proprietária do imóvel;
20. O pagamento da quantia de HK$480.000.00, alegadamente efectuado pela Recorrida à Empresa de Construção Civil XXX , Limitada, em romanização XXX Kon Chock Chi Ip Iao Han Kong Si, sociedade não titular da fracção, sem qualquer tipo de presunção de propriedade sobre a mesma, nem com nenhuma relação comprovadamente estabelecida com a proprietária, não pode ser entendido, nem considerar-se nos autos como prova de pagamento do preço de aquisição da fracção em causa nos autos;
21. O relacionamento contratual entre a Empresa de Construção Civil XXX, Limitada e a Recorrida é completamente estranho à relação contratual estabelecida entre a Recorrente e a anterior proprietária do imóvel, a Sociedade de Fomento Predial XXX.
22. A Sociedade de Fomento Predial XXX, Limitada, em romanização XXX Kin Chock Chi Ip Iao Han Kong Si, com sede em Macau na Rua da Praia Grande, n.º XX, Edifício do Banco Comercial de Macau, 13º andar, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Moveis sob n.º 2693(SO), e a Sociedade Empresa de Construção Civil XXX, Limitada, em romanização XXX Kin Chok Chi Ip Iao Han Kong Si, está registada sob n.º 2668(SO), sendo duas pessoas colectivas distintas;
23. Para atacar o pedido do reconhecimento do direito de propriedade que a Autora se arroga, a Ré teria de ter alegado e provado que a coisa lhe pertence e que a adquiriu validamente por um dos modos previsto no artigo 1241º do Código Civil;
24. Não tendo ficado provado que a propriedade pertence a outrem que não a Autora inscrita ter-se-á que concluir que a Recorrida não ilidiu a presunção de propriedade da Recorrente;
25. A Recorrida não alegou, e consequentemente não provou, que sobre o imóvel tivesse qualquer outro direito real que justificasse a sua posse, ou mesmo que possui o bem em virtude de um direito pessoal bastante;
26. Invocada e não ilidida a propriedade da Recorrente, e assente a detenção ilegítima do bem por parte da Recorrida (alínea E), F) e G) da Especificação), tal importará necessariamente a sua restituição à Recorrente, a acção tem necessariamente que proceder;
27. Ao decidir como decidiu o douto acordão recorrido violou os princípios da presunção registral conforme o disposto no Art. 7º do Código do Registo Predial, e ainda o disposto nos artigos 1235º e 1241º do Código Civil;
28. Devendo ser revogado e substituído por douto aresto desse Venerando Tribunal de Segunda Instância que declare ser a Recorrente proprietária da fracção em causa nos autos, e condene a Recorrida na restituição da mesma à Recorrente, totalmente livre e devoluta de pessoas e bens.

B respondeu ao recurso alegando que:
1. A e ora Recorrente pretende por em crise a douta sentença que julgou improcedente a acção ordinária intentada contra a Ré e ora Recorrida e, consequentemente, absolveu a mesma de todos os pedidos formulados, por considerar infundados.
2. Com o intuito de sustentar o presente recurso, a Recorrente tentou a sua “sorte” em invocar, nas suas alegações de recurso, entre outros, “erro na apreciação da matéria factual por parte do douto Tribunal a quo” e “flagrante contradição entre a matéria dada como assente e a resposta dada aos quesitos”.
3. Ora, salvo o melhor respeito pela Recorrente, as alegações invocadas não são correctas nem pode ser acolhidas. Vejamos.
4. A sentença ora recorrida foi proferida pelo Tribunal a quo com base na matéria de factos assentes, que resulta, por um lado, dos autos (vide “Factos Assentes” de fls. 308 e ss.), e por outro, das respostas dadas aos quesitos da Base Instrutória (vide “Acórdão” de fls.)
5. É de salientar que os referidos “Factos Assentes” (de fls. 308 e ss.) e as respostas aos quesitos da Base Instrutória não foram objectos de reclamação ou impugnação, nos termos e para os efeitos dos artºs 430º e 556º do CPC, respectivamente em tempo oportuno.
6. Pois, a pretexto dos ora alegados “erro na apreciação da matéria factual por parte do douto Tribunal a quo” e “flagrante contradição entre a matéria dada como assente e a resposta dada aos quesitos”, a Recorrente pretende obter uma “re-apreciação” das provas produzidas no caso em apreço.
7. Tal pretensão não é legalmente viável em face da lei processual por, fundamentalmente, as duas seguintes razões.
8. Em primeiro lugar, não se pode pôr em causa o juízo de valor do Tribunal a quo na apreciação das provas segunda a sua prudente convicção (princípio de livre apreciação das provas); e
9. Em segundo, no caso sub judice, ao contrário do que a Recorrente pretender fazer crer, não se verifica qualquer erro na apreciação na matéria de facto, nem tão-pouco qualquer contradição entre a matéria dada com assente e a resposta dada aos quesitos; antes pelo contrário, as provas produzidas nos presentes autos foram correcta e legalmente apreciadas pelo Tribunal a quo segunda a sua prudente convicção.
10. Quanto às demais alegações apresentadas pela Recorrente com a junção de dois documentos (que não são supervenientes), parece que a Autora pretende, em sede do presente recurso, entrar (novamente) na discussão de matéria de facto. Tal pretensão, no humilde entender da ora Recorrida, seria legalmente inadmssível, independentemente dos fundamentos de que carecem.
11. Pelo exposto, se concluir que:
a. Não se pode pôr em causa o juízo de valor do Tribunal a quo na apreciação das provas segundo a sua prudente convicção em nome do princípio de livre apreciação das provas;
b. No caso sub judice, não se verifica qualquer erro na apreciação na matéria de facto, nem tão-pouco qualquer contradição entre a matéria dada como assente e a resposta dada aos quesitos;
c. As provas produzidas nos presentes autos foram correcta e legalmente apreciadas pelo Tribunal a quo segundo a sua prudente convicção.
d. A douta sentença ora recorrida é pefeitamente correcta, adequada e legal, e não violou nenhum princípio geral de direito, nem sofreu de nenhum vício que importa a sua anulação.
   Nestes termos, nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deverá improceder o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Cumpre-se decidir.
Foram colhidos os vistos legais.

À matéria de facto foi dada por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- Encontra-se registada em nome da Autora A a fracção autónoma, para habitação, designada pela XXX do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal sito na Avenida Jardins do Oceano, n.º 75-A a 147, Jardim Beira-Mar – Taipa, descrito na CRP sob o n.º 22093, pela inscrição n.º 39848G, conforme documento a fls. 11 a 19 dos autos (alínea A) da Especificação).
- A referida fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o n.º 40745 em nome da Autora A, conforme documento a fls. 20 dos autos (alínea B) da Especificação).
- Mediante escritura pública outorgada a 9.01.2002, Hoi In Peng Airosa, na qualidade de procuradora substabelecida da sociedade comercial por quotas “Sociedade de Fomento Predial XXX, Lda.”, com sede em Macau, na Rua da Praia Grande, 26, declarou que, pelo preço de quinhentas mil patacas, já recebidos pela sua representada, vende à segunda outorgante A a fracção autónoma para habitação designada por “I – do décimo segundo andar” do prédio urbano n.ºs 75-A a 147 da Avenida dos Jardins do Oceano, declarando, por sua vez a segunda outorgante Iolanda T. Xavier que aceita esta venda e que a fracção se destina a habitação própria, conforme documento a fls. 21 a 30 dos autos (alínea C) da Especificação).
- Ainda na mesma escritura pública a segunda outorgante Iolanda T. Xavier confessou-se devedora ao Banco “Weng Hang, SA” da quantia de MOP$445,608.90, para cujo reembolso e pagamento de despesas e demais encargos constituiu a favor do mesmo banco hipoteca sobre aludida fracção, hipoteca esta aceite pelo dito banco, conforme documento a fls. 21 a 30 dos autos (alínea D) da Especificação).
- A Ré vem ocupando/habitando a fracção acima identificada (alínea E) da Especificação).
- A 6.11.2006, a Autora, através dos seus Mandatários, enviou à Ré a carta de fls. 33/34, intimando-a para, em 15 dias, a contar da recepção da dita carta, restituir o imóvel acima descrito (alínea F) da Especificação).
- Após a dita carta, a Ré continuou a ocupar o imóvel (alínea G) da Especificação).
Da Base Instrutória:
- A Autora deixou de viver na fracção autónoma referida na alínea a) dos factos assentes (resposta do quesito n.º 1).
- Por recurso às vias judiciais, a Autora pagará de honorários e despesas aos seus Mandatários a quantia de MOP$20,000.00 (cfr. fls. 36) (resposta do quesito n.º 4).
- Tendo em vista a adquisição da fracção autónoma em causa, a Ré pagou à Empresa de Construção Civil XXX (XXX建築置業公司) a quantia total de MOP$480,000.00 (cfr. fls. 71 a 74) (resposta do quesito n.º 7).
- A Ré e a Autora eram amigas (resposta do quesito n.º 8).
- Antes da outorga da escritura pública referida na alínea c) dos Factos Assentes, a Autora pediu à Ré para que lhe permitisse figurar na escritura como compradora (resposta do quesito n.º 10).
- Para ela, Autora, obter junto de um banco um financiamento e puder beneficiar de subsídio de residência como trabalhadora da Administração Pública, para resolver as suas dificuldades financeiras (resposta do quesito n.º 11).
- Tendo a Autora comprometido-se a outorgar, em simultâneo, uma procuração a favor da Ré para puder transferir de novo a fracção para o nome da Ré, quando as prestações mensais do financiamento bancário estivessem totalmente pagas (resposta do quesito n.º 12).
- A Ré acabou por aceder ao pedido da Autora (resposta do quesito n.º 13).
- A Ré fê-lo apenas para ajudar a Autora (resposta do quesito n.º 14).
- A Autora, porém, nunca chegou a outorgar a procuração referida sobre o artigo 12º da base instrutória (resposta do quesito n.º 15).
- A Autora, através do negócio referido em C) dos factos assentes, nunca quiz adquirir a referida fracção (resposta do quesito n.º 17).
- Nem a Ré nunca quiz vender a mesma fracção à Autora, nem recebeu desta nenhum preço (resposta do quesito n.º 18).

Conhecendo.
Há dois recursos, ambos interpostos pela autora, um é interposto pelo despacho do Mmº Juiz que admitiu o rol de testemunha apresentado pela ré, alegando que a sua apresentação não cumpriu o prazo peremptório do artigo 436º do Código de Processo Civil; outro interposto da decisão final.
Vejamos então o primeiro recurso.
Prevê o artigo 432º nº 1 que:
“1. Findo o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, podem ainda as partes oferecer o rol de testemunhas, bem como alterá-lo ou aditá-lo, até 30 dias antes da data em que se realize a audiência de discussão e julgamento, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de 5 dias.”
Por sua vez disse o artigo 431º que “1. Quando o processo tiver de prosseguir, a secretaria notifica as partes do despacho saneador ou, não havendo a ele lugar, do despacho que procedeu à selecção da matéria de facto ou que decidiu as reclamações, para, em 15 dias, requererem as provas, alterarem os requerimentos probatórios que tenham feito nos articulados e requerem a gravação da audiência de discussão e julgamento”.
Em conformidade com o disposto no artigo 432º, as partes apresentarão os róis de testemunhas “até 30 dias antes da data em que se realize a audiência de discussão e julgamento”, findo o prazo para “requerer as provas” previsto no artigo 431º nº 1.
A faculdade prevista no artigo 432º nº 1 destina-se tão só a indicação de testemunhas, mas não relativamente a outros meios de prova a produzir em audiência,1 independentemente da data que findou o prazo previsto nº 1 do artigo 431º, desde que a sua apresentação do rol seja feita com 30 dias de antecedência da data em que será realizada a audiência.
Vejamos o que ocorreu na realidade.
Dos autos resultou que:
- No dia 15 de Janeiro de 2008, foi proferido o despacho que decidiu a reclamação do despacho saneador (fl. 318).
- Deste despacho foi notificado, por carta registado com a data de 18 de Janeiro de 2008.
- A autora apresentou o rol de testemunha e foi admitido pelo despacho do Mmº Juiz, titular do processo e ordenou concluir ao Senhor Juiz Presidente para designar a data de julgamento (fl. 323).
- Por despacho de 13 de Março de 2008 (fl. 324), com a sugestão do Juiz-Presidente, foi designada a data de julgamento em audiência, para o dia 9 de Abril de 2008.
- Por carta registada de 17 de Março de 2008, foi notificado ao mandatário do réu do despacho que designa a data de julgamento.
- Por ter entendido que o réu foi privado da oportunidade de exercer a faculdade conferida no artigo 432º do Código de Processo Civil e requereu, com a data de entrada de 1 de Abril de 2008, que fosse adiada a data de julgamento designada (fl. 331), ao mesmo tempo apresentou o rol de testemunha.
- O Senhor Juiz-Presidente sugeriu a nova data de julgamento em 16 de Abril de 2008, e o Mmº Juiz titular do processo proferiu o despacho ora recorrido (acima transcrito), designando a data de julgamento em 16 de Abril de 2008, com a admissão do rol de testemunha apresentado pelo réu.
Com este relatado dos termos processuais, podemos ver claramente, foi o Tribunal que encurtou o período necessário da antecedência para que as partes pudesse exercer a faculdade de apresentação do rol de testemunhas, nos termos do artigo 432º nº 1 do Código de Processo Civil, tanto com a primeira data como a segunda sugerida, as partes nomeadamente para o réu.
Por força do disposto neste artigo 432º do Código de Processo Civil, a lei não só confere às partes a faculdade para oferecer ou alterar ou aditar o rol de testemunhas no momento até 30 dias antes da realização da audiência de discussão e julgamento, como também pretende dar um período razoável tanto às partes para preparar a lista das testemunhas como ao Tribunal para proceder a notificação às testemunhas da data de julgamento e audiência. Assim sendo, não pode o Tribunal designar uma data com a antecedência inferior a 30 dias para a realização da audiência de discussão e julgamento, impedindo as partes de usarem a referida faculdade.
Tão como justificou a decisão recorrida, “o dito requerimento de prova2 terá que ser admitido, sob pena de, por via da marcação de julgamento, o tribunal eliminar um direito processual que assiste às partes e que pode comprometer a sua pretensão deduzida em juízo”.
Esse encurtamento não beneficiou mas sim prejudicou efectivamente a parte do réu, este, porém aceitou. Caso tivesse de dar procedência do presente recurso, a solução só poderia dar benefício à parte prejudicada, com a prolongamento do período entre a notificação da data de julgamento e a realização do mesmo, mas isto não faria qualquer sentido.
O que impõe a improcedência do recurso interlocutório da autora.

Vejamos então o segundo recurso, da decisão final.
Neste recurso, a autora não concordou com a sentença na parte em que julgou infundados os seguintes pedidos da Recorrente, deles absolvendo a Recorrida:
(a) Declarar a Autora dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada por XXX do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avenida Jardins do Oceano, n.º 75-A a 147, Jardim Beira-Mar – Lei Tak Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 22093 (B109A, 185) com aquisição registada a sue favor pela inscrição número 39848G;
(b) Reconhecer à Autora aquele direito de propriedade bem como a restituir à Autora aquela fracção autónoma, totalmente livre e devoluta de pessoas e bens.
Levanta-se as seguintes questões:
1 - Do erro na apreciação da matéria factual, que consiste na errada valoração dos documentos que não se satisfazem os requisitos legais e em não valoração dos depoimentos das testemunhas, sindicando o julgamento da matéria de facto nas respostas aos quesitos 7 a 18 da Base instrutória;
2 - Presunção legal da propriedade e ónus da prova na acção da reivindicação.
Quanto à primeira questão, digamos que a recorrente tem razão.
De facto, ao responder aos quesitos, o Colectivo fundamentou a sua convicção nos termos seguintes: “A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls 11 a 36 e 61 a 267 dos autos, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.” E mais nada.
Efectivamente o nº 2 do artigo 556º do Código de Processo Civil exige que o Tribunal (neste caso colectivo), ao declarar os factos provados e os não provados, analise “criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.
Cremos a ideia legislativa consiste em que se permita as partes percebam a razão do julgamento de facto na consignação pode assentes os factos e o Tribunal superior possa apreciar do julgamento de matéria de facto, cuja impugnação é admissível por via de recurso (artigo 629º do Código de Processo Civil).
Trata-se da exigência legal da fundamentação do julgamento de matéria de facto, no novo Código, tendo embora inserido novidades relativamente ao Código anterior (no seu artigo 653º), mantinha ainda esta exigência da fundamentação, pois no Código anterior exige que o Tribunal especificar “os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.
O Tribunal ponderou tão só os documentos!
Por um lado, se os factos pudessem dados como provados pelos documentos, deveriam ser levados para os factos assentes e decidir directamente a causa.
Por outro, o julgamento designado limita-se essencialmente para a inquirição das testemunhas, para efeito de responder aos quesitos, pela resposta esta que se permitam dar como provados ou não provados os factos contidos nos quesitos.
Porém, o Tribunal não ponderou os depoimentos das testemunhas, apesar de terem-se procedidos em audiência, nomeadamente os factos constantes dos quesitos nºs 8 a 18, que só poderiam ser dados como provados ou não provados pela prova testemunhal, ou seja os seguintes factos:
- A Ré e a Autora eram amigas.
- …, a Autora pediu à Ré para que lhe permitisse figurar na escritura como compradora.
- Para ela, Autora, obter junto de um banco um financiamento e puder beneficiar de subsídio de residência como trabalhadora da Administração Pública, para resolver as suas dificuldades financeiras.
- A Ré acabou por aceder ao pedido da Autora.
- A Ré fê-lo apenas para ajudar a Autora.
- A Autora, …, nunca quiz adquirir a referida fracção.
- Nem a Ré nunca quiz vender a mesma fracção à Autora, nem recebeu desta nenhum preço.
- A Autora, porém, nunca chegou a outorgar a procuração referida sobre o artigo 12º da base instrutória.
Como ficou provado a resposta ao quesito nº 15, a resposta ao quesito carece também prova testemunhal, “tendo a Autora comprometido-se a outorgar, em simultâneo, uma procuração a favor da Ré para puder transferir de novo a fracção para o nome da Ré, quando as prestações mensais do financiamento bancário estivessem totalmente pagas”.
Sem ter recorrido à prova testemunhal, ficou totalmente imperceptível a fundamentação do Colectivo do julgamento de matéria de facto, que tinha com base na prova documental, enquanto os documentos referidos na sua fundamentação que justificou a sua convicção não disse minimamente respeito aos elementos que se permitem comprovar os factos das respostas aos quesitos nºs 8 a 18, incorrendo assim na manifesta contradição entre fundamentação e a decisão (da matéria de facto).
Esta contradição, por ter envolvido a convicção do tribunal, não é susceptível de ser suprida por Tribunal de recurso, o que impõe a revogação da decisão da matéria de facto nesta parte, que deve ser substituída por outra que tomará nova decisão da matéria de facto.
Para este efeito, este Tribunal não deixa de ponderar a dificuldade da nova reunião do Colectivo original por o Juiz-Presidente e deixou o mesmo cargo, ficando obrigado a construção do novo Colectivo, e cremos ser adequado recorrer à nova fundamentação, com a audição da gravação do julgamento, suprindo assim o vício.
Decidida esta parte, ficou prejudicada a apreciação da restante.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em:
- Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pela autora. Custas pela recorrente.
- Conceder provimento ao recurso interposto pela autora da decisão final, nos exactos termos acima consignados. Custas pelo vencido na decisão final.
RAEM, aos 16 de Maio de 2013
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Viriato M.P.de Lima, Manual de Direito Processual Civil, p.475.
2 De facto, foi confundido o requerimento da prova previsto no artigo 431º com o requerimento da apresentação do rol da testemunha previsto no artigo 432º, ambos têm diferentes inícios da contagem do prazo, prazos estes que não podem ser confundidos. Pelo que, aqui, tem que falar-se o da apresentação do rol de testemunha e não o requerimento da prova.
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