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Processo nº 71/2013 Data: 16.05.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “emissão de cheque sem provisão”.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 71/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (XXX), com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática de 2 crimes de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e no pagamento do montante total de MOP$1.395.365.64 e juros ao assistente XXX (XXX); (cfr., fls. 406 a 412 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Em síntese, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena” considerando violados os art°s 40°, 64° e 65° do C.P.M.; (cfr., fls. 419 a 431-v).

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Respondendo, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 457 a 461).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequados e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 471 a 472).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados como provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 407-v a 408-v, e que aqui se tem como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que atrás se deixou relatado, vem o arguido recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. e que o condenou como autor da prática de 2 crimes de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e no pagamento de MOP$1.395.365.64 e juros ao assistente XXX (XXX).

Imputa ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena” considerando violados os art°s 40°, 64° e 65° do C.P.M.

–– Vejamos, começando, como é lógico, pelo “vício da matéria de facto”.

Pois bem, em relação ao sentido e alcance do assacado “erro notório” tem este T.S.I. repetidamente afirmado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 21.03.2013, Proc. n.° 113/2013 do ora relator).

No caso dos presentes autos, evidente é que inexiste o assacado vício, pois que não se vislumbra onde, como ou em que termos desrespeitou o Colectivo a quo qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, apresentando-se a decisão recorrida clara na sua fundamentação e lógica no seu sentido.

Improcede, assim, manifestamente, o recurso na parte em questão.

–– Quanto à “pena”.

Aos crimes de “emissão de cheque sem provisão” pelo arguido cometido cabe a pena de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias; (cfr., art. 214°, n.° 2, al. a) do C.P.M.).

Nos termos do art. 40° do mesmo Código:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, estatui o art. 64° da aludida lei substantiva que:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Atenta a factualidade provada, e nomeadamente, os montantes envolvidos, (H.K.D.$1.109.422,15 e H.K.D.$365.301,77), e as necessidades de prevenção deste tipo de crime, afigura-se-nos claro que a pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. (Aliás, não se pode esquecer que o Tribunal a quo decretou a suspensão da execução da pena única fixada).

Em relação aos “critérios para a determinação da pena” elencados no art. 65° do C.P.M. tem-se entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Ora, perante uma moldura penal de 1 mês, (cfr., art. 41°, n.° 1 do C.P.M.), a 5 anos de prisão, evidente também nos parece que excessiva não é a pena parcelar de 5 meses de prisão pelo Tribunal a quo fixado para cada 1 dos crimes de “emissão de cheque sem provisão” pelo recorrente cometidos, o mesmo sendo de se dizer da pena única de 7 meses de prisão fixada em resultado do seu cúmulo jurídico, que se mostra inteiramente em sintonia com os critérios do art. 71° do C.P.M..

Dest’arte, e evidente sendo a improcedência do recurso, imperativa é a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 16 de Maio de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 71/2013 Pág. 12

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