打印全文
Proc. nº 963/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Março de 2013
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, feriados obrigatórios


SUMÁRIO:

I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 24/89/M, terá direito a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n.101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber apenas mais um dia de salário (salário médio diário x1).




Proc. nº 963/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo feminino, representada pelo Ministério Público, com os demais sinais dos autos, intentou acção de processo comum de trabalho contra a “STDM - Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SARL”, pedindo a condenação desta no pagamento do valor de Mop$ 218.868,61, referente a dias de descanso semanal, anual e feriados que não gozou e que não foram pagos durante o tempo de duração da relação laboral estabelecida entre ambos.
*
Foi na oportunidade proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de Mop$ 30.75 e HKD$ 2.975,00, acrescida de juros de mora à taxa legal.
*
Dessa sentença recorre primeiramente a autora da acção, que nas respectivas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“A. Houve erro no julgamento da matéria do quesito 7.º da Base Instrutória.
B. A resposta ao quesito 7.º da Base Instrutória resultam de um erro de percepção na produção de prova, dado que, do depoimento transcrito da testemunha B resulta claramente que a Autora provou o que lhe competia, ou seja, de que não gozou os dias de descanso obrigatório remunerado e feriados obrigatórios a que tinha direito durante o período em que trabalhou para a Ré.
C. Acresce que a Ré não instou as testemunhas da Autora nem produziu qualquer contraprova destinada a tomar duvidosos os factos constitutivos do direito da Autora.
D. O ponto concreto da matéria de facto a que respeita o quesitos 7.º da Base Instrutória foi, assim, incorrectamente julgado, tendo em conta as passagens do depoimento do B dos minutos 00:09 a 00:41 da gravação in Translator 2 - Recorded on 27-Mar-2012 at 17.26.15 (0BSAQ}H103311270) e dos minutos 00:02 a 00:49 da gravação in Translator 2 - Recorded on 27-Mar-2012 at 17.27.04 (0BSAS(6103311270) transcritas no parágrafo 4.º do corpo destas Alegações, pelo que requer que a respectiva resposta seja alterada para PROVADO.
E. Acresce que a Autora, face ao disposto no art.º 337.º, n.º 1 ex vi do art.º 788.º, n.º 1 do CCM, beneficia de dispensa ou liberação do ónus da prova do incumprimento do contrato de trabalho pela Ré quanto ao gozo remunerado dos feriados obrigatórios a que respeitam os quesitos 7.º e 17.º da Base Instrutória.
F. Assim, uma vez que não ficaram provados quaisquer factos (impeditivos, modificativos ou extintivos) susceptíveis de elidir a presunção resultante do art 788.º, n.º 1 do CCM de que a Autora não gozou os dias de feriados remunerados a que tinha direito, por outro, prevalece, a final, essa presunção lega1.
G. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário da A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B) a H) dos Factos Assentes.
H. A quase totalidade da remuneração da A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alíneas B) a H) dos Factos Assentes), o qual integra o salário.
I. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
J. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
K. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
L. A doutrina invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
M. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
N. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
O. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
P. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (nas alíneas B) a H) dos Factos Assentes).
Q. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas B) a H) dos Factos Assentes.
R. A Ré tinha o dever' jurídico de pagar à A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (nas alíneas B), E) e F) dos Factos Assentes.
S. O pagamento da parte variável da retribuição da A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador (Alínea H) dos Factos Assentes).
T. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição da A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
U. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pela A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
V. Acaso se entenda que o salário da A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
W. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pela A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário da A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
X. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
Y. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também nas alíneas I) e J) dos Factos Assentes e das respostas aos quesitos 5.º e 9.o da Base Instrutória.
Z. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
AA. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
BB. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o da A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
CC. Assim, a decisão relativa ao montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por interpretação incorrecta do disposto nos art.os 7.º, n.º 1, al. b); 17.º, n.º 6, a), 25.º, n.º 2; e 27.º, n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, fixando-se esse valor em MOP$158,816.70, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
DD. Por outro lado, dado que o valor da remuneração variável faz parte do salário, o montante da compensação por descanso anual deverá ser fixado em conformidade no valor de MOP$26,845.89.
EE. A decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 2) de cálculo do montante da compensação por feriados obrigatórios remunerados deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$25,745.49, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3), por conseguinte, Ré condenada no pagamento do valor total de MOP$80,503.75.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito que V. Exas. se encarregarão de suprir, deverá ser revogada a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, pois só assim se fará a já costumada JUSTIÇA.
*
A STDM respondeu ao recurso formulando as seguintes conclusões nas suas alegações:
“1. Entende a Recorrida que sejam quais forem as declarações que a testemunha prestou no tocante à matéria em causa, para além do declarado pelas restantes testemunhas, mormente as arroladas pela aqui Recorrida, o Tribunal a quo terá sempre de as valorar em conjunto com todos os restantes meios de prova constantes dos autos;
2. Assim, para além da observância e cumprimento do princípio da aquisição processual, no âmbito do qual “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova (cfr. o artigo 436.º do CPC), de entre o conjunto de todas as provas carreadas para o processo, o Julgador goza da livre apreciação da prova (cfr. o n.º 1 do artigo 558.º do CPC);
3. Assim, para além das declarações referidas pela Recorrente, o Tribunal a quo teve em consideração todas as restantes provas carreadas para o processo, nomeadamente documentais e declarações das restantes testemunhas, tendo legitimamente julgado na base dos invocados princípios da aquisição processual e livre apreciação da prova;
4. No entendimento da aqui Recorrida, não se está perante uma questão de hipotético erro na apreciação da prova, conforme a pretende enquadrar a Recorrente, mas somente de uma divergência de entendimento no que toca ao atendimento e valoração de toda a prova carreada para os autos, a qual, evidentemente, não serviu os intentos da aqui Recorrente;
5. É este o entendimento da jurisprudência de Macau, mormente a espelhada no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo n.º 502/2006, de 22 de Março de 2007, e no Acórdão do mesmo Tribunal proferido no processo n.º 277/2003, de 9 de Setembro de 2004;
6. Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que não decorre do depoimento transcrito quais os feriados nos quais, supostamente, terá a Autora prestado trabalho, pelo que nunca poderiam, nem podem, tais declarações relevar para prova de qualquer facto;
7. Nestes termos, deverá o recurso improceder no que a esta parte concerne, mantendo-se a Decisão constante da douta Sentença, o que se requer;
Ainda concluindo,
8. As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário;
9. A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos: é uma prestação regular e periódica; em dinheiro ou em espécie; a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal; como contrapartida pelo seu trabalho;
10. No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral nunca poderia o trabalhador ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento, inexistindo aquela oferta por parte dos clientes;
11. A Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero;
12. Na Jurisprudência e Doutrina de Portugal, é entendimento maioritário que as gorjetas oferecidas pelos clientes não constituem parte do salário. E, na verdade, a única diferença relevante entre os dois sistemas é a circunstância de as regras / critérios de distribuição das gratificações / gorjetas serem definidas, em Macau, pela entidade empregadora, enquanto em Portugal, esses critérios / regras encontram-se definidas pelo membro do Governo responsável pelo sector do turismo, ouvidos os representantes dos trabalhadores;
13. Também em Portugal os trabalhadores dos casinos estão proibidos de fazerem suas, a título individual, as gorjetas recebidas, devendo depositá-las, após o recebimento, em caixa própria, sendo as ditas gorjetas distribuídas, posteriormente, pelos trabalhadores de acordo com os ditos critérios definidos por via legislativa;
14. Cremos que o facto de a definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações, até porque, nem quando começou a trabalhar para a ora Recorrida, nem durante toda a relação contratual, a Recorrente alguma vez se interessou por esta questão, aceitando tais critérios sem questionar;
15. Dispõe o artigo 25.º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”;
16. Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos da Recorrente, não se pode dizer que à Autora não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente da Recorrente e sua família;
17. Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do Douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da Doutrina e Jurisprudência maioritárias de Portugal, é também entendimento da Recorrida que: “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”;
18. É, pois, forçoso concluir - como fez e bem o Tribunal a quo - que o rendimento dos trabalhadores dos casinos da STDM, proveniente das gorjetas concedidas pelos clientes, não pode ser qualificado como prestação retributiva e, desta forma, ser levado em linha de conta no cálculo de uma eventual indemnização que o ex-trabalhador, pudesse reivindicar da aqui Recorrida pelos dias de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios;
Ainda concluindo,
19. Andou bem a Douta Sentença do Tribunal a quo relativamente ao tipo de salário auferido pela Autora, considerando-o salário diário;
20. Foi dado como provado - cfr. o ponto 19. da douta matéria assente - que: “Tal quantia fixa foi de MOP$4,10 por dia desde o inicio da relação laboral até 30 de Junho de 1989 e de HKD$10,00 por dia desde 1/7/1989 até à cessação da relação laboral.” - (Realces nossos)
21. Não se percebe, assim, como e sem qualquer fundamento, a pretensão da Recorrente, porquanto depois de ter sido acordado entre o trabalhador e a entidade patronal que a contrapartida pelo seu trabalho era de uma importância diária, tal como provado, não se vislumbra nem se aceita qualquer fundamentação sobre a consideração de que a Autora auferia um salário mensal;
22. A Recorrente não apresenta suporte factual para sustentar a solução de direito que alega dever ser aplicada, pelo que deve a decisão recorrida ser mantida quanto a esta parte;
Ainda concluindo,
23. Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar a ora Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais eventualmente devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24/89/M: salário diário x 1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
3. DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24 DL 24/89/M e DL 32/90/M: salário diário x 0 (e não x1 ou x3, porque uma parcela já foi paga e porque a Ré não impediu a Autora de gozar quaisquer dias de descanso);
iii. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
1. DL 101/84/M: salário diário x 0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
2. DL 24/89/M e DL 32/90/M: DL 24/89/M: salário diário x 1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
24. Subsidiariamente, caso se entenda que as fórmulas supra expostas não devem ser as adoptadas para o cálculo de uma eventual indemnização devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
Em face de todo o exposto, deverá o recurso apresentado pela Recorrente ser considerado improcedente porque infundado e, em consequência, ser mantida em conformidade a douta Sentença recorrida, na parte em que absolveu a aqui Recorrida, fazendo-se desta forma e mais uma vez a devida Justiça.
*
Recorreu também a STDM subordinadamente, em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
“1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve improceder o recurso principal já interposto pela Autora e aqui Recorrida Subordinada, mantendo-se a douta Sentença recorrida, ainda que esta não tenha aplicado a devida fórmula ao cálculo da eventual compensação por trabalho prestado em dias de descanso anual, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
2. A aqui Recorrente Subordinada considera que há erro manifesto na apreciação da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 599.º do Código de Processo Civil;
3. O trabalho prestado nos dias de descanso anual era remunerado à razão do triplo do salário de um dia de trabalho efectivo, apenas nos casos de impedimento, pelo empregador, do gozo de dias de descanso do trabalhador, o que não é o caso por não resultar de qualquer facto constante da matéria dada como provada;
4. Nestes termos, não existem factos que possam servir de fundamento para se concluir que a Autora não gozou de dias de descanso anual porque a Ré o impediu, bem pelo contrário;
5. Era à Autora que se impunha a alegação, por um lado, e a prova, pelo outro, de que não gozou de dias de descanso anual porque a Ré o impediu, porquanto trata-se de factos constitutivos do direito que deveria ter invocado e peticionado, nos termos do n.º 1 do artigo 335.º do Código Civil;
6. Porque a Autora não alegou nem provou o impedimento por parte da Ré, entende a aqui Recorrente Subordinada que, nesta parte da decisão, há erro manifesto na apreciação da prova, assim como na subsunção da matéria de facto provada à solução de direito encontrada;
7. Tal matéria nunca foi abordada nos presentes autos em primeira instância e até se pode ter dado o caso de o não gozo de dias de descanso ter ocorrido a pedido do próprio trabalhador; não sabemos, não é matéria assente nem foi quesitada;
8. E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual sem impedimento por parte da entidade patronal, entende a Recorrente subordinada que nada mais tem a pagar que não a remuneração já recebida pela Autora, ou seja, um dia de salário, pelo que deve, o que se requer, ser a douta Sentença revogada no que a esta parte diz respeito;
Termos em que se requer a manutenção do doutamente decidido na Primeira Instância quanto à questão do salário e gratificações e, no que respeita ao Recurso Subordinado ora interposto, a sua procedência pelo Mmo. Tribunal ad quem, revogando-se a decisão sobre o a forma de cálculo da eventual compensação por trabalho prestado em dias de descanso anual, fazendo V. Exas., deste modo, a habitual e costumada Justiça.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1. A autora começou a trabalhar para a Ré STDM, em data anterior a 12 de Março de 1988 e cessou a sua relação laboral em 30 de Setembro de 1993.
2. Foi admitida como empregada de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa e outra variável, esta em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designado por gorjetas.
3. As “gorjetas” eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. A autora, entre os anos de 1988 a 1993, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1988 - MOP. 36,760.00;
b) 1989 - MOP. 77,892.00;
c) 1990 - MOP. 119,037.00;
d) 1991 - MOP. 123,071.00;
e) 1992 - MOP. 135,872.00;
f) 1993 - MOP. 100,981.00.
5. Foi acordado entre a autora e a ré que a autora tinha direito a receber as “gorjetas” conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente a autora a sua parte nas “gorjetas”.
7. A autora, como empregada de casino, era expressamente proibida pela ré de guardar para si quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As “gorjetas” sempre integraram o orçamento normal da autora, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. A autora prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1 º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
11. A autora podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
12. A autora nunca gozou qualquer dia de descanso semanal durante o tempo em que trabalhou para a ré.
13. À autora nunca foi pago qualquer acréscimo salarial a título de serviços prestados em feriados obrigatórios.
14. A autora nunca gozou dias de descanso anual.
16. E não recebeu qualquer compensação salarial por não os ter gozado.
17. Autora e ré acordaram que o autor poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
18. Autora e ré acordaram que aquela só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse.
19. Tal quantia fixa foi de MOP$4,10 por dia desde o início da relação laboral até 30 de Junho de 1989 e de HKD$10,00 por dia desde 1/7/1989 até à cessação da relação laboral.
***
III- O Direito
1 – A sentença recorrida
Considerou não ter sido feita prova sobre o não gozo dos dias de feriado obrigatório e a consequente e efectiva prestação de trabalho pela autora nesses dias. Daí que nessa parte tivesse julgado improcedente a respectiva pretensão.
Entendeu, por seu turno, ter sido feita a prova quanto aos dias de descanso semanal e anual.
Havia, porém, já manifestado na sentença anterior – anulada pelo TSI – e nesta o manteve, o entendimento de que as gorjetas não entram na composição do salário.
Depois disso, fez incidir os factores multiplicadores variáveis, consoante a natureza dos dias em que houve prestação de trabalho em dias de descanso (factor 1 para os descansos semanais; factores 1 e 3 para os descansos anuais, consoante o período em que eles ocorreram), vindo a apurar uma indemnização em patacas (30,75) e em dólares de Hong kong (2.975,00), em função do período a que se reporta a prestação (MOP$ até 30/06/1989; HKD$ desde 1/07/1989).
*
2- Do recurso independente
2.1- Vem a recorrente começar por colocar em crise a sentença com base em erro na apreciação da prova da matéria de facto.
O vício estará, na tese da recorrente, na resposta ao quesito 7º da Base Instrutória, onde se perguntava se “o autor prestou serviço nos feriados obrigatórios no período em que durou a sua relação laboral”, e que mereceu resposta negativa.
Para sustentar o recurso, a recorrente serve-se do depoimento de duas testemunhas, que transcreve. Ora, se é certo que tais testemunhas, isoladamente, nos transmitem aparentemente uma situação factual que nos remete para uma resposta afirmativa à matéria do quesito, a verdade é que ela, ainda assim, não se mostra suficiente para extrair tal conclusão. Antes de tudo, porque, se a matéria quesitada não discrimina os dias de feriados obrigatórios (é portanto matéria que se estende a todos os feriados obrigatórios) em que a ora recorrente terá trabalhado sem compensação, a resposta que vem transcrita nas alegações do recurso atém-se simplesmente aos dias de feriado do Ano Novo Lunar. Cremos que bastaria este aspecto para se não poder acolher uma resposta totalmente afirmativa como a pretende a recorrente. Em segundo lugar, a avaliação da prova é contextual e integrada num corpo mais vasto de provas que resulte, nomeadamente, da audição de outras testemunhas e de documentos que tenham sido juntos aos autos. Isto é, não podemos fazer sobressair certos elementos de prova em prejuízo de outros. Para tanto, não tem este tribunal possibilidade de indagar até que ponto foi bem feita a avaliação pela 1ª instância dos factos provados. Ou seja, se o tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo (art. 436º do CPC), a verdade é que o CPC confere ao julgador o poder de fazer uma apreciação livre e subjectiva nos termos em que o permite o art. 558º do mesmo Código.
Neste sentido, a transcrição feita pela recorrente não acode aos seus intentos. Tal como se pode ler no sumário do Ac. do TSI, de 22/3/2007, “… o legislador não pretendeu uma reapreciação da prova quando uma ou duas testemunhas disseram porventura diferentemente do que ficou provado; especialmente quando pelas actas se comprova que à mesma matéria depuseram outra testemunhas e foram apresentados outros elementos de prova…” (Proc. nº 502/2006). Ou como se alcança do seu conteúdo “O juízo de ponderação e valoração da prova testemunhal, apesar da gravação, está fora do controlo do tribunal de recurso, quando resulte como não evidente a existência de qualquer erro de apreciação”.
No mesmo sentido, aliás, o Ac. deste TSI, de 9/09/2004, Proc. nº 277/2003, onde se pode ler que “De um mesmo testemunho não se têm de ter como provados todos os factos contidos nas respectivas afirmações, sem que os mesmos se tenham de considerar inidóneos”.
É por isso que, para ser procedente a invocação do erro na apreciação da prova tem que se detectar uma “ evidente contradição entre o resultado de toda a prova produzida e a convicção do Tribunal, para tal não bastando uma mera alegação assente numa apreciação pessoal pela recorrente feita de parte de alguns depoimentos prestados em julgamento” (Ac. do TSI, de 24/11/2005, Proc. nº 250/2005).
Deixemos falar mais uma vez este TSI sobre o assunto: “Uma alteração da matéria de facto, ainda que processualmente admissível e regulada na lei, implica um segundo julgamento com a perda da frescura e da imediação inerentes, por natureza, ao primeiro julgamento da matéria de facto. Ressalta assim que as razões que ditam uma reescrita dos factos terão de resultar como claras e evidentes, não podendo deixar margem a dúvidas ou interpretações alternativas” (Ac. TSI, de 8/02/2007, Proc. nº 522/2006).
Entendemos, portanto, que não há evidente erro na apreciação da referida matéria. De resto, não se pode dizer que, por via do art. 788º do CC, a autora da acção não tinha que fazer a prova do facto. Com efeito, antes de se saber se o incumprimento não procede de culpa do devedor (pressuposto do citado normativo), impor-se-ia a prova do incumprimento. E esta incumbia ao autor, por fazer parte do seu ónus (art. 335º, nº1, do CC). Ora, o que ficou a faltar foi, precisamente, a prova de que a recorrente tivesse trabalhado nos dias de feriado obrigatório.
Por estas razões, não podemos sufragar o invocado erro na apreciação da prova. Razão pela qual não se apurará o eventual e reclamado direito a compensação pelos dias de trabalho prestado nos feriados obrigatórios.
*
2.2 – Do conceito de salário
Neste ponto do recurso, o que a recorrente pretende é fazer ver o erro em que teria caído a sentença ao excluir do salário as gorjetas.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
Aliás, e para terminar este ponto, não podemos deixar de salientar uma questão que emerge da própria matéria assente. Com efeito, se é líquido que o autor da acção recebia desde o início da contratação uma parte fixa e outra variável (ver facto C) e ponto 3 da fundamentação de facto), e se a composição do rendimento a que se alude na referida alínea C) foi acordada entre A e R (facto M) e ponto13 da fundamentação de facto), então dificilmente se aceita que entre as partes não tenha sido estabelecida desde logo a fórmula de composição do salário de modo a que abrangesse tanto a contrapartida fixa, como a parte variável das gorjetas.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
*
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011 e 726/2012, de 22/11/2012, entre tantos outros, cuja melhor doutrina aqui fazemos nossa em sustento da fundamentação do presente aresto.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
*
3 – Do recurso subordinado
Entende a recorrente STDM que houve erro manifesto na apreciação da prova porquanto não resulta dos autos que ela tivesse impedido a autora da acção de gozar os seus descansos anuais. Logo, não podia o tribunal aplicar o factor 3 na fórmula de cálculo da indemnização.
Trataremos da questão, porém, aquando da análise da compensação dos dias de descanso.
*
4 – Do montante compensatório
Defende a recorrente, autora da acção, que, no que respeita aos factores a inserir nas fórmulas para o cálculo da indemnização, deve ser o 2 quanto aos descansos semanais (a sentença achou que fosse o 1) e 3 quanto aos dos feriados obrigatórios.
Pois bem. No que respeita a estes últimos, encontra-se a matéria prejudicada, face à decisão sobre a prova e acima já tratada. Portanto, nada há a censurar na sentença sobre este ponto.
Vejamos, então, um a um, o apuramento da compensação dos restantes dias de descanso, apreciando em simultâneo os recursos principal e subordinado quanto a este aspecto.
*
4.1 – Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M
Para além de a sentença ter entendido que o diploma em epígrafe não concedia nenhuma compensação pecuniária pelos dias de trabalho prestado nos períodos de descanso semanal, ela aqui não é devida especificamente face à decisão tomada no despacho saneador segundo a qual estariam prescritos os créditos vencidos em data anterior a 6/04/1989 (fls. 93).
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não 1, como foi decidido na sentença. Procede, pois, o recurso nesta parte.
Assim:


Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
03/04/89 a 31/12/89
39
216,37

16.876.96
1990
52
330,66

34.388,64
1991
52
341,86

35.553,44
1992
52
377,42

39.251,68
1/01 a 30/09/1993
39
369,89

28.851,42
Total: 154.922,14
*
4.2 - Descanso anual
Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada se determinará, tendo em atenção a decisão sobre a prescrição tomada no despacho saneador.
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil, e sem perda de salário (art. 21º,nº1), tal como acontecia com o DL nº 101/84/M. Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do nº2 do artigo citado.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado, mas a matéria de facto adquirida na acção desmente a existência desse impedimento.
Como compensar, então, qualquer trabalhador que tenha prestado serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se entendemos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 21º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 26, nº1º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
Concluindo: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 e não 3 como decidiu tal como decidido na 1ª instância.
Assim, o cálculo será o seguinte:


Nº de dias de descanso anual
Salário médio diário
Factor:
X1
Valor da indemnização
03/04/89 a 31/12/89
4,5
216,37

973,66
1990
6
330,66

1.983,96
1991
6
341,86

2.051,16
1992
6
377,42

2.264,52
1/01/1993 a 30/09/1993
4,5
369,89

1.664,50
Total: 8.937,80
O valor total da indemnização a atribuir é, portanto, de Mop$ 163.859,94.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento aos recursos, independente e subordinado, revogando consequentemente a sentença recorrida em igual medida, e condenam a STDM a pagar à autora da acção a indemnização no valor de Mop$ 163.859,94, acrescida de juros de mora calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas duas partes, e em ambas as instâncias, em função do decaimento.
TSI, 07 / 03 / 2013

_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(com declaração de voto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo no 963/2012
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 07MAR2013

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------