打印全文
Processo nº 777/2013 Data: 12.12.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 777/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 76 a 79-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 82).

*

Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“Inconformado com a decisão do indeferimento da concessão da liberdade condicional, exarado pela Mttma. J.I.C., datado de 01/11/2013, a reclusa A vem recorrer para o Tribunal da 2°. Instância, invocando a violação do art.° 56 do C.P.M..
Entendemos que, em conformidade da douta resposta à motivação do Digno Magistrado do M.P., deve ser reconhecida razão à recorrente A, por estarem preenchidos os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Por força do art.° 56 n.° 1 do C.P.M., com a concessão da liberdade condicional depende da co-existência do pressuposto formal e do pressuposto material.
É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à vista da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídica e da paz social.
Em relação ao pressuposto material exigido no instituto da liberdade condicional, o Dr. Jorge de Figueiredo Dias ensinou-nos que “…para que a liberdade condicional seja concedida, que os condenados tenham tido «bom comportamento prisional» e mostrem «capacidade de se readaptarem à vida social e vontade séria de o fazerem». Nisto reside o pressuposto material da liberdade condicional, que pode correctamente interpretar-se como exigência de uma juízo de prognose favorável - a que por vezes se chama «prognose de exarcelação» - sobre o comportamento futuro do delinquente em liberdade." (Cfr. «Direito Penal Português-As consequências Jurídicas do Crime», 2°. Reimpressão, §848).
In casu, a recorrente A acabou de cumprir no dia 03/11/2013 dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, preenchendo o pressuposto formal previsto no art.° 56 n.° 1 do C.P.M..
A recorrente A declarou consentir que seja feita a proposta para a concessão de liberdade condicional (cfr. fls. 16).
Foram emitidos pareceres favoráveis, quer pelo Sr. Director do E.P.M. quer pelo Ministério Público, ao pedido de concessão de liberdade condicional da recorrente, em consideração da sua manifestação de arrependimento e do comportamento adequado durante o período do cumprimento da pena de prisão, sendo a recorrente merecedora .de uma avaliação global de "Bom" no E.P.M. (cfr. fls. 15,7 e 35 e v.).
Analisados os autos, a recorrente A cometeu um crime de furto qualificado p.° e p.° no art.° 198 n.°1 al. a) e três crimes de burla p.° e p.° 211 n.° 1, tudo do C.P.M., cujam gravidade criminal é elevada e rigorosa, prejudicando o direito patrimonial dos ofendidos e perturbando a ordem jurídica e a paz social desta R.A.E.M.. No entanto, face à devolução, através de um amigo, de um telemóvel furtado, antes do dia de audiência de julgamento, segundo os factos dados provados constantes no douto acórdão pelo qual foi a recorrente condenada (v. fls. 22), configura-nos uma circunstância atenuante que pode reflectir a personalidade da recorrente.
Além de mais, tendo em consideração a realidade social de Macau e a exigência 'da prevenção geral quanto aos tipos de crimes praticados pela recorrente, acreditamos que, mediante determinadas medidas nomeadamente a de proibição de reentrada, a influência que a liberdade antecipada da recorrente virá trazer para a comunidade será compatível com a ordem jurídica e a paz social, nos termos do disposto n.° 56 n.° 1 do C.P.M., nomeadamente, o prejuízo da expectativa da eficiência das leis.
É previsível que a recorrente, através da liberdade condicional, irá conduzir, muito provavelmente, a sua vida de modo socialmente responsável, sem voltar a cometer crimes, tendo em linha de conta a evolução desta durante a execução de prisão em que foi condenada.
Pelo exposto, em conformidade com a douta resposta à motivação do Digno Magistrado do M.P., conseguimos chegar a uma conclusão favorável à recorrente para lhe conceder a liberdade condicional, por vermos que as condições em que a recorrente se encontra encontrem eco no disposto do art.° 56 n.° 1 do C.P.M., satisfazendo os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Concluindo, entendemos que deve ser dada procedência ao recurso interposto pela recorrente A”; (cfr., fl.s 97 a 98).

*

Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 18.12.2012, foi, A, sem residência fixa em Macau, ora recorrente, condenada na pena única de2 anos e 3 meses de prisão pela prática, em concurso real, de 1 crime de “furto qualificado” e outros 3 de “burla”;
– a mesma recorrente, deu entrada no E.P.M. em 04.05.2012, e em 03.11.2013, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 03.08.2014;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à Indonésia, de onde é natural, indo viver com a sua família.

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 04.05.2012, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos, sem embargo do muito respeito por opinião em sentido diverso, que de sentido negativo deve ser a resposta.

De facto, atento os tipos de crimes pela ora recorrente cometidos, em especial, o de “furto qualificado”, (enquanto empregada doméstica), leva-nos a considerar que fortes são as necessidades de prevenção geral e, assim, que importa acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 12 de Dezembro de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


Proc. 777/2013 Pág. 14

Proc. 777/2013 Pág. 13