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Processo nº 1002/2012
Data do Acórdão: 23MAIO2013


Assuntos:
Princípio da adequação formal




SUMÁRIO

O princípio da adequação formal destina-se a introduzir alguma flexibilidade na tramitação ou marcha do processo, permitindo adequá-la integralmente a possíveis especificadas ou peculiaridades da relação controvertida ou à cumulação de vários objectivos processuais a que correspondam formas procedimentais diversas, visando ultrapassar – através do estabelecimento de uma tramitação “sucedânea” – possíveis inadequações ou desadaptações das formas legais e abstractamente instituídas, no âmbito de qualquer tipo de processo.





O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 1002/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção especial de reforma de documentos, de que foi requerente A e requeridos B e C, todos devidamente identificados nos autos, registada sob o nº CV2-08-0138-CPE, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a sentença julgando improcedente a acção e absolvendo os requeridos do pedido – vide as fls. 175 a 177 dos p. autos.

Inconformado com a sentença, veio o Autor A, recorrer para o Tribunal de Segunda Instância.

Por Acórdão datado de 12JAN2012 do Tribunal de Segunda Instância, foram determinadas:

1. a procedência parcial do recurso;
2. a anulação de todo o processado a partir da citação; e
3. a baixa dos autos à instância a fim se proceder a nova citação e posterior tramitação – vide as fls. 260 a 264 dos p. autos.

Baixados os autos e com vista ao cumprimento do determinado nesse Acórdão do TSI, o Exmº Juiz titular do processo ordenou ex oficio a deslocação de um funcionário à morada onde o Acórdão do TSI determinou que se tentasse a citação do 1º requerido (Av. XXX, nº X/X), a fim de confirmar o facto de a morada ser um parque de estacionamento de veículos automóveis de acesso reservado, de que tem conhecimento o Exmº Juiz titular do processo por virtude do exercício das suas funções no âmbito dos presentes autos, e se possível a tiragem de fotografias do mesmo sítio.

Realizada a diligência e tiradas as fotografias ora constantes das fls. 273 e 274, confirmou-se o tal facto, isto é, a morada é um parque de estacionamento de veículos automóveis de acesso reservado.

Apoiando-se no invocado princípio da adequação formal, consagrado no artº 7º do CPC, o Exmº Juiz titular do processo proferiu o seguinte despacho com vista ao cumprimento do contraditório e em preparação da prática dos actos que, no seu entender, melhor se ajustem ao cumprimento do ordenado no Acórdão do TSI:

Da adequação formal.
O Douto Acórdão do Venerando Tribunal de segunda Instância de fls. 260 a 264 anulou o processado e ordenou que se tentasse a citação pessoal de um dos requeridos na Av. XXX, nº X/X.
Porém, tal endereço é, desde há alguns anos, de um parque de estacionamento. Por isso e porque não foi a última residência conhecida nos autos ao requerido é que o tribunal ali não tentou a citação pessoal nem ali afixou o edital para citação por esta via.

Com absoluto e incondicional, devido e merecido respeito ousamos colocar a hipótese de a douta decisão do tribunal superior ter origem em lapso material.
Na verdade, o requerido nasceu em 1927 (fls. 10 e 113), sendo que a fls. 126 se refere que a residência Av. XXX, nº X/X é de um indivíduo com nome igual ao do requerido, mas que terá nascido em 1972. É certo que temos de admitir que qualquer das datas de nascimento esteja erradamente mencionada e que em relação à de fls. 126 isso seja muito provável. Mas, mesmo assim, afigura-se-nos não haver certeza que o indivíduo referido a fls. 126 como residente na Av. XXX, nº X/X seja o requerido. Além disso parece também não poder haver certeza que o requerido ali reside ou que aquela seja a última residência que teve de entre as que lhe são conhecidas. Por isso colocamos, respeitosamente, a hipótese de o tribunal superior ter tomado por iguais as duas diferentes datas de nascimento e se ter convencido que a morada referida a fls. 126 é a residência actual do requerido ou a última que teve de entre as que se lhe conheceram.

Mas a Av. XXX, nº X/X, além de ser actualmente um parque de estacionamento, não é a actual nem a última residência conhecida nos autos ao requerido em Macau:
- O autor disse na petição inicial que a última residência que conheceu ao requerido foi na Travessa do XX, nº XXA;
- A Direcção dos Serviços de Identificação diz que em 1972 (há cerca de 40 anos, portanto) um indivíduo com o nome do requerido mas com diferente data de nascimento forneceu a Av. XXX, nº X/X como sendo a sua residência;
- A Direcção dos Serviços de Finanças informou que a morada que presentemente conhece ao requerido é a Calçada de XX, nº 5 (fls. 128) e que até 2008 lhe conhecia, para efeitos de contribuição industrial, residência na Rua da XXX, nº 40;
- O Sr. Funcionário deslocou-se a todas as moradas fornecidas como sendo as do requerido e, devido à já mencionada diferença de datas de nascimento, não se deslocou à Av. XXX, nº X/X;
- Nas moradas a que se deslocou não foi possível ao Sr. Funcionário citar o requerido por ali não se encontrar nem ser ali conhecido, com excepção da Rua do XX (fornecida pelo autor) onde foi o Sr. Funcionário informado que o requerido reside actualmente em Hong Kong;

Assim, a residência actual do requerido continua desconhecida e a última residência que teve e lhe foi conhecida só pode ser a que indicou o autor ou a que indicou a Direcção dos Serviços de Finanças e nunca a indicada pela Direcção dos Serviços de Informação a fls. 126, uma vez que esta Direcção de Serviços disse que obteve o referido endereço há quase 40 anos.

Notificou-se o autor das diligências feitas para citação do requerido e da sua frustração, mas não se lhe deu conta de fls. 126 porquanto, a fls. 125, a DSI pediu sigilo.
O autor pediu a citação edital do requerido, o que lhe foi deferido.

Desde a entrada da petição inicial em juízo passaram mais de 3 anos.

Estamos agora com a hipótese de, seguindo inflexivelmente a determinação do Douto Acórdão do TSI, tentar a citação num local onde já sabemos que não vai ter sucesso e, assim, sem mais, perder 3 anos de actos processuais realizados e de gastar mais algum tempo a repeti-los, provavelmente sem utilidade.
Mas porque, respeitosamente, ousamos admitir que o que fundou a decisão do TSI foi um mero lapso, que não se pode agora corrigir nem as partes promoveram a correcção, e porque se deve evitar a perda de mais de 3 anos de tramitação processual, se estiver escorreita, afigura-se-nos dever adequar formalmente o processo de forma a que não se desrespeite o caso julgado, nem se inutilize o processado que se venha a revelar desnecessário inutilizar. De facto a tramitação prevista (de o juiz do tribunal a quo não poder promover a correcção do apontado eventual lapso do tribunal ad quem nem o esclarecimento de que tal lapso não existe) não se adequa às especificidades da presente situação processual que reclama que, sendo possível e oportuno, se tente evitar a perda de mais de 3 anos de processado e de evitar que o presente processo continue mais tempo sem solução.

Assim, propomo-nos seguir o seguinte formalismo processual:

1 - Ordenar ao Sr. Funcionário que se desloque à Av. XXX, nº X/X a fim de aí tentar a citação pessoal do requerido B e certificar a citação ou as razões da sua impossibilidade.
2 - No caso de a citação ali não ser possível, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para os fins entendidos por convenientes, designadamente aproveitando o anteriormente processado ou devolvendo novamente os autos para sua efectiva repetição.

Com efeito, caso exista o lapso manifesto que humilimamente pensamos ter existido, só o TSI o poderá eventualmente corrigir, nos termos do disposto no art. 569º a 573º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 633º, nº 1 do mesmo código. E o juiz do processo não tem ao seu dispor qualquer mecanismo para corrigir o eventual lapso nem para promover a sua correcção. Daí se nos afigurar imperiosa neste momento a adequação formal.

Considerando o regime da citação e das nulidades afigura-se que aquele lapso material consistiu em:
- se ter tomado a residência mencionada a fls. 126 (Av. XXX, nº X/X) como sendo a que o requerido ainda tem presentemente em Macau ou que foi a última que teve de entre as que lhe foram conhecidas.
Ora, isso não ocorre e, crê-se, nem resulta dos autos, pelo que o lapso se nos apresenta como manifesto e corrigível.

De facto, só se a residência actual do requerido for conhecida nos autos é que não pode recorrer-se à citação edital sob pena de nulidade de conhecimento oficioso. Se não se conhece a residência do requerido e se fazem as diligências adequadas a apurar a sua última residência conhecida, mas não se tenta a citação em todas as encontradas, mas apenas na última conhecida, já se deverá concluir, ou que não existe qualquer defeito ou que o defeito é apenas de nulidade dependente de arguição. Na verdade, a al. c) do art. 141º do Código de Processo Civil, quando se refere ao emprego indevido da citação edital, refere-se apenas aos casos em que os réus residem em parte certa e são citados editalmente, como se residissem em parte incerta. Admite-se que também esteja em causa a situação em que o réu é indicado pelo autor como residente em parte incerta e o tribunal não procura saber a sua última residência conhecida nem nela tenta a citação pessoal. Com efeito, no caso em que os réus residem em parte incerta e são citados editalmente depois de se fazerem as diligências adequadas a descobrir a sua morada e de se tentar a sua citação pessoal na última residência que lhe foi conhecida, já, a existir, o vício da citação é outro. É o do art. 144º, nº 1 do C.P.C. – “é nula a citação quando não tenham sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”. E tratando-se de citação edital, o prazo para arguir esta nulidade só se conta a partir da primeira intervenção do citado no processo e só ele tem legitimidade para a arguir. Com efeito, quer o art. 190º, nº 1, quer o 193º, nº 6, quer o 194º, nº 3, reportam-se à última residência, não determinando que o tribunal tente a citação em todas as residências que o réu teve. Basta que tente na que lhe é conhecida como tendo sido a última.
E o sistema é claramente compreensível. Presume-se que é na última residência que lhe foi conhecida que melhor se poderão obter informações sobre o actual paradeiro do réu e que melhor espalhará a notícia da citação o edital ali afixado. O direito moderno não tira consequências enormes de causas mínimas1. É equilibrado na dose de efeitos jurídicos que retira dos factos. Não desperdiça mais de 3 anos de processado apenas porque o tribunal não procurou mais uma pista aparente da morada do réu, pista essa que surgiu há 40 anos num pedido de renovação de BIR que desde 1982 não mais foi renovado. Nesse caso, o direito moderno espera que o réu diga se se sente prejudicado com isso. E dá-lhe prazo a partir da sua primeira participação nos autos. E sana-se tudo se ele não vier dizer que se sente prejudicado. É o que resulta dos arts. 140º, 141º, 142º, 144º e 148º a 151º do Código de Processo Civil. O Direito de Macau é um direito moderno, não desperdiça mais de três anos de processado por o tribunal não ter ido a todas as moradas que o réu teve (em cerca de 85 anos de idade) verificar se ainda ali mora. Isto se o tribunal foi às residências mais recentes do réu que o autor e os serviços públicos lhe indicaram. Só quando se conhece a residência do réu e se cita por via edital ou quando não se procura ou se lhe conhece a última que teve e não se tenta ali a citação pessoal é que é indevido o recurso à citação edital. Só aí é que a causa é suficiente para a consequência ser a inutilização do processado e, mesmo aí, se o vício não dever considerar-se sanado por o réu ter vindo aos autos e não ter arguido a falta da sua citação (arts. 142º e 148º do C.P.C.). E, no caso em apreço, não se conhece a actual residência do réu, o tribunal procurou saber a última residência que o mesmo teve em Macau e tentou a citação pessoal na que apurou ser a última que teve de entre as que lhe foram conhecidas. E o réu foi, a final, absolvido do pedido. Crê-se que, quando o autor indica o réu como residente em parte incerta, a lei pretende que se procure a última residência conhecida do réu para dois fins: para ver se ele ainda aí mora e, caso contrário, para aí afixar o edital para citação (art. 194º, nº 3 do Código de Processo Civil).
É também por isso que se crê que o TSI terá incorrido em lapso e se convenceu que é conhecida nos autos a morada actual do requerido e que o mesmo não é ausente em parte incerta ou que não se tentou a sua citação pessoal na última morada que teve de entre as que lhe são conhecidas nos autos. De outra forma não se compreenderia uma decisão a anular o processado em vez de, por exemplo, apenas mandar, por cautela, baixar os autos para ir tentar citar o requerido na morada constante de fls. 126.

Desta forma, só é concebível a nulidade que o TSI decretou se nos autos o requerido é residente em parte certa ou se não se tentou a sua citação pessoal na sua última residência conhecida. Pois, se o requerido é residente em parte incerta e o tribunal não foi a todas as residências, mas apenas à última conhecida, a entender-se que existe nulidade é ela dependente de arguição e só o requerido a pode arguir, o que não aconteceu. Se o TSI tivesse entendido que o requerido é residente em parte incerta e que o tribunal se dirigiu à última residência conhecida e deveria ter feito mais diligências na procura da residência, então não teria anulado a citação sem que isso lhe tivesse sido requerido pelo citado editalmente. Crê-se, pois, que, por lapso, o Venerando TSI entendeu que nos autos é conhecida a residência actual do requerido ou que não foi tentada a sua citação pessoal na última residência que lhe foi conhecida. Mas não é isso que ocorre. Não podemos esquecer que a residência que o TSI tomou como sendo a do requerido (última conhecida ou actual) é hoje um parque de estacionamento de veículos automóveis.
No caso dos autos, respeitosamente, crê-se que há lapso, pois só tomar pela mesma pessoa o requerido e o identificado a fls. 126 e tomar a residência ali referida como sendo a actual ou a que nos autos é conhecida como a última que o requerido teve ou tem em Macau é que permitia anular a citação edital feita. Crê-se que foi isso que aconteceu. Crê-se que o Venerando TSI tomou o réu como residente em parte certa ou que a sua última residência em Macau foi a referida a fls. 126 e considerou que o tribunal o citou indevidamente como residente em parte incerta ou que partiu para a sua citação edital sem tentar a sua citação pessoal na sua última residência conhecida.

Assim, crê-se que não serve o formalismo processual estabelecido no Código de Processo Civil para a melhor solução do caso em apreço, havendo que recorrer ao mecanismo da adequação processual regulado no art. 7º do Código de Processo Civil, que pressupõe a audição prévia das partes.
Propõe-se assim este tribunal ordenar ao Sr. Funcionário que se desloque à Av. XXX, nº X/X a fim de aí tentar a citação pessoal do requerido B e certificar a citação ou as razões da sua impossibilidade e, no caso de a citação ali não ser possível, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para os fins entendidos por convenientes, designadamente aproveitando o anteriormente processado ou devolvendo novamente os autos para sua efectiva repetição.

Configurando este procedimento, segundo se crê, adequação formal do processo, haverá que ouvir as partes antes de se seguir tal rumo processual.
Pelo exposto, notifique as partes para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem, nos termos do disposto no art. 7º do Código de Processo Civil, sobre a orientação que o tribunal pretende seguir.

Notificado do despacho, veio o Requerente A, ora recorrente, pronunciar-se negativamente quanto à tramitação que o Exmº Juiz titular do processo pretende seguir para o cumprimento do ordenado no Acórdão do TSI.

Cumprido o contraditório, o Exmº Juiz titular do processo proferiu o seguinte despacho determinando seguir aquela tramitação por ele proposta no despacho anterior:
Ouvidas as partes continua a entender-se oportuno adequar formalmente o processo em conformidade com o teor do despacho de fls. 276 a 280, numa tentativa de inutilizar apenas os actos processuais que efectivamente se revelem inúteis.
Com efeito, continua a afigurar-se, com absoluto, incondicional, devido e merecido respeito, que poderá haver lapso material rectificável caso tenha sido entendido que dos autos resulta que o 1º requerido reside no n° X/X da Av. XXX, ou que essa foi a sua última residência conhecida.
Se assim for, a adequação processual que se pretende levar a cabo poderá “salvar” muitos actos processuais antes praticados. E se assim não for, em pouco se belisca o princípio da economia processual e em nada se belisca a observância do caso julgado. Na verdade, se for conseguida a citação pessoal do 1° réu, tudo será repetido em conformidade com o Douto Acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância. E se aquela citação se frustrar, tudo dependerá do que venha a ser decidido por aquele mesmo Tribunal superior. Assim, apresenta-se-nos como adequada a sequência processual delineada.
*
Notifique e tente a citação pessoal, por funcionário, do 1° réu na Av. XXX, nº X/X.

Não se conformando com o decidido, veio o Requerente A, recorrer do mesmo concluindo e pedindo que:

A. Por Acórdão proferido pelo T.S.I. nestes autos em 12.1.2012, transitado em julgado, foi declarada a falta de citação do 1.º R. e, em consequência, ordenada a remessa dos autos à 1ª Instância a fim de se proceder a nova citação e posterior tramitação.
B. Nos termos da al. c) do art. 141.º e do art. 140.º do Cód. Proc. Civ., a citação edital indevida constitui falta de citação e gera a nulidade absoluta de todo o processado subsequente.
C. Tal sanção consiste, na prática, na inutilização de todo o processado posterior à petição inicial, salvando-se esta por não ser contaminada por tal causa de nulidade.
D. Logo, é inquestionável que na sequência da anulação do processado em virtude de falta de citação, não são passíveis de aproveitamento quaisquer actos (inicialmente) praticados em momento posterior à citação indevida.
E. Em conformidade com o Acórdão proferido pelo T.S.I. nestes autos em 12.1.2012, mostrando-se frustrada a (nova) citação do 1.º R., devem os autos prosseguir a sua regular tramitação, praticando-se (novamente) os actos processuais pertinentes, nos termos em que o ora Tribunal a quo entender por mais adequados.
F. No entanto, o Despacho de fls. 294 determina que se aquela citação se frustrar, tudo dependerá do que venha a ser decidido por aquele mesmo Tribunal superior.
G. Uma vez que o Despacho de fls. 294 determina a remissão dos autos ao T.S.I. para uma nova decisão em vez do prosseguimento da respectiva tramitação, é o mesmo contraditório com o Acórdão do T.S.I. de 12.1.2012, constituindo ofensa de caso julgado.
H. No entendimento jurídico do Recorrente, em conformidade com o citado Acórdão, se for impossível a realização daquela citação através da informação obtida nas diligências previstas no art. 190.º do Cód. Proc. Civ., o Tribunal recorrido deverá mandar novamente a citação edital nos termos do art. 194.º do Cód. Proc. Civ., bem como mandar proceder os autos seguintes.
I. Face ao exposto, o Despacho recorrido viola o disposto no art. 574.º do Cód. Proc. Civ., bem como os arts. 190.º e 194.º do do Cód. Proc. Civ..
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se, em conformidade, o Despacho de fls. 294 e substituindo-se tal decisão por outra que, nos termos do Acórdão proferido pelo T.S.I. nestes autos em 12.1.2012, ordene a prossecução dos autos e a repetição de todos os actos processuais subsequentes à citação, assim fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada JUSTIÇA!

Ao recurso não houve respostas e o Exmº Juiz autor do despacho recorrido proferiu despacho sustentando o decidido e ordenando a remessa do recurso a este TSI.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

A única questão levantada na presente lide recursória consiste em saber se ao Tribunal a quo é legalmente possível “salvar” os actos processuais já praticados, com fundamento no princípio da adequação formal, consagrado no artº 7º do CPC, quando na verdade o Acórdão do TSI já determinou a anulação de todo o processado a partir da citação e ordenou a repetição de toda a tramitação.

Mais concretamente falando, o que o Exmº Juiz a quo pretende fazer, em vez de repetir todo o processado entretanto anulado pelo TSI, é tentar citar pessoalmente o requerido no endereço que o TSI identificou, mas na óptica do Exmº Juiz a quo foi lapso manifesto, e no caso de a citação ali não ser possível, determinar a remessa dos autos ao TSI para os fins tidos por convenientes, nomeadamente corrigir o tal lapso que o TSI poderá corrigir ou devolver novamente os autos para sua efectiva repetição.

Assim, a tramitação que o Exmº Juiz a quo pretende seguir representa obviamente um desvio aos parâmetros normativos estabelecidos no artº 140º do CPC, à luz do qual “é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta.”, o que em regra conduz sem alternativa à sua repetição.

Então vamo-nos debruçar sobre a questão de saber se o Exmº Juiz a quo podia fazê-lo ao abrigo do princípio da adequação formal.

O princípio da adequação formal está expressamente consagrado no artº 7º do CPC, à luz do qual “quando a tramitação processual prevista na lei não se adeque às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem aos fins do processo.”.

Trata-se de uma excepção ao princípio de legalidade de forma processual.

A propósito da vocação e alcance do princípio da adequação formal, Lopes do Rego ensina que o princípio se destina a introduzir alguma flexibilidade na tramitação ou marcha do processo, permitindo adequá-la integralmente a possíveis especificadas ou peculiaridades da relação controvertida ou à cumulação de vários objectivos processuais a que correspondam formas procedimentais diversas, visando ultrapassar – através do estabelecimento de uma tramitação “sucedânea” – possíveis inadequações ou desadaptações das formas legais e abstractamente instituídas, no âmbito de qualquer tipo de processo.

Mais enfatiza o mesmo Autor que acentua-se com a consagração deste princípio – que se substitui ao do estrito e rígido respeito pela legalidade das formas processuais – o carácter funcional ou instrumental do processamento ou tramitação, que não pode ser perspectivado como encerrando um fim em si mesmo, mas antes entendido como visando a realização de objectivos substanciais: a justa composição do litígio, alcançada com respeito integral dos princípios essenciais estruturantes do processo civil…… - in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 261.

Inteirados do sentido e do alcance do princípio da adequação formal, voltemos ao caso em apreço.

Para justificar o recurso ao princípio da adequação formal, o Exmº Juiz a quo diz em síntese que como desde a entrada da petição inicial em juízo já passaram mais de 3 anos, se tiver de seguir inflexivelmente o determinado no Acórdão do TSI, ou seja, tentar citar de novo o requerido num local onde já se sabe que não vai ter sucesso (por ser ali um parque de estacionamento), vai inevitavelmente gastar inutilmente mais algum tempo, mais de 3 anos talvez, a repetir os actos ou o processado, cuja inutilização se venha a revelar desnecessária.

E antes pelo contrário, na óptica do Exmº Juiz a quo, a tramitação “sucedânea” por ele sugerida virá inutilizar apenas os actos processuais que não poderão deixar de ser anulados.

Assim, o motivo que levou o Exmº Juiz a quo a estabelecer uma tramitação “sucedânea” é a salvaguarda da economia e celebridade processual e dos actos aproveitáveis.

Vimos nos apontamentos doutrinários supra que o princípio em causa visa ultrapassar, através do estabelecimento de uma tramitação “sucedânea”, possíveis inadequações ou desadaptações das formas legal e abstractamente instituídas.

In casu, não estão em causa tais inadequações ou desadaptações.

O que o Exmº Juiz a quo não está a enfrentar é a eventualidade de perder mais tempo na repetição do processado, se acatar rigidamente com o decidido no Acórdão do TSI.

E para fazer face a isso, resolveu estabelecer uma tramitação “sucedânea” visando a evitar a perda de mais tempo e procurando aproveitar na medida do possível o processado e os actos já praticados.

Admitimos que é elogiável a intenção do Exmº Juiz a quo.

Mas o certo é que o Exmº Juiz está a recorrer ao princípio da adequação formal para o fim diverso daquele para que a lei o consagra.

É portanto ilegal e não é de manter o seu despacho ora recorrido.

Por outro lado, como salienta o Autor citado, o princípio em causa visa à justa composição do litígio, mas sempre alcançada com respeito integral dos princípios essenciais estruturantes do processo civil.

Assim, na esteira desse ensinamento, o despacho sob censura é sempre de revogar porque ofende um dos princípios estruturantes do processo civil, que é o da imutabilidade intraprocessual do caso julgado formal.

Ora, in casu, o que ficou decidido no Acórdão do TSI, já há muito transitado em julgado, foi “baixar os autos à 1ª Instância a fim de se proceder a nova citação e posterior tramitação”.

Por desrespeitar o assim decidido, já transitado em julgado, consequentemente com a força obrigatória dentro do processo, a tramitação “sucedânea” estabelecida no despacho recorrido não é juridicamente sustentável por força do caso julgado formal do decidido no Acórdão do TSI.

O que também conduzirá necessariamente à revogação do mesmo despacho.

Sem mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso interposto pelo Requerente A, revogando o despacho recorrido.

Sem custas.

Registe e notifique.

RAEM, 23MAIO2013

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
1 Oliveira Ascensão, Direito Civil – Sucessões, p. 247.
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