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Processo nº 293/2013 Data: 30.05.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo.

Verificando-se que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a “matéria que constituía o objecto do processo” dos autos, elencando a factualidade que do julgamento resultou provada e não provada, e fundamentando, de forma adequada, esta sua decisão, não existe “insuficiência”.

2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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Processo nº 293/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu perante o Colectivo do T.J.B. vindo a ser condenado como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; e,
- 1 crime de detenção de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 263°, n.° 3 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão.
- em cúmulo, foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 420 a 428).

*

Inconformado, o arguido recorreu para em síntese, imputar ao Acórdão recorrido os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 439 a 446).

*

Em Resposta e posterior Parecer, pugna o Ministério Público pela integral confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 448 a 451e 470 a 472-v).


*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 423 a 425, e que aqui dão-se como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o (2°) arguido A recorrer do Acórdão do Colectivo do TJB que o condenou como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão;
- 1 crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; e,
- 1 crime de detenção de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 263°, n.° 3 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão.
- em cúmulo, foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

E, como (também) se deixou relatado, imputa ao Acórdão recorrido os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

Cremos porém que nenhuma razão tem o arguido ora recorrente, afigurando-se-nos ser o presente recurso “manifestamente improcedente”, e assim, de rejeitar; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos.

–– Da “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Pois bem, este vício da decisão da matéria de facto tem sido entendido como aquele que apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013).

E, no caso, evidente é que não incorreu o Colectivo a quo em tal vício.

Com efeito, o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria que constituía o objecto do processo dos autos, elencando a factualidade que do julgamento resultou provada e não provada, e fundamentando, de forma que nos parece adequada, esta sua decisão.

–– Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”.

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 21.03.2013, Proc. n.° 113/2013 do ora relator).

E, no caso, também não se vislumbra qualquer violação de nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, limitando-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando assim, frontalmente, o “princípio da livre apreciação das provas”, o que, como é óbvio, não colhe.

De facto, dizer que os objectos que lhe foram apreendidos – 80 palhinhas e garrafas de plástico, transformadas, com tubos, com vestígios de estupefaciente, e que se encontram fotografados nos autos – não constituem “utensílios para o consumo de estupefaciente” é que seria uma decisão contra as regras de experiência.

–– Da “pena”.

Aqui, coloca o arguido a questão apenas em relação ao crime de “tráfico”, alegando que excessiva é a pena fixada de 8 anos de prisão, e que violados foram os art°s 40° e 65° do C.P.M..

Pois bem, nos termos do art. 40°:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, nos termos do art. 65°:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Dito isto, vejamos.

Tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Ao crime de “tráfico” cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009).

A favor do recorrente, nada (de relevante) se apurou.

Por sua vez, é sabido que o crime em questão coloca em causa a “saúde pública”, fortes sendo as necessidades da sua prevenção, (pois que notória é – também – a preocupação social em relação ao mesmo).

Nesta conformidade, atenta a factualidade provada, nomeadamente a natureza e quantidade de estupefacientes em causa, a moldura penal para o dito crime, a pena em questão, e atentas as decisões judiciais que sobre esta matéria existem motivos não há para se reduzir a pena.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$2.500,00.

Macau, aos 30 de Maio de 2013

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)


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