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Proc. nº 214/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 09 de Maio de 2013
Descritores:
-Informação procedimental e não procedimental
-Intimação para obtenção de certidões
-Confidencialidade fiscal


SUMÁRIO:

I- O art. 67º do CPA estabelece as condições de acesso aos arquivos e registos administrativos, permitindo a obtenção de certidões de documentos nominativos às pessoas a quem os dados digam respeito ou a terceiros que demonstrem ter nelas um interesse directo e pessoal.

II- Não revela esse interesse o advogado que, dizendo carecer da certidão solicitada somente para “fins judiciais”, nada esclarece se o faz para si mesmo ou se assim age em representação de alguém para uso nalgum processo em curso ou a instaurar.

III- E mesmo que tal pedido se inscrevesse no âmbito da informação procedimental a que se refere o art. 66º do mesmo Código, nem por isso o mesmo advogado pode aceder aos elementos solicitados (saber se determinada pessoa está inscrita nas Finanças para efeito do exercício de alguma actividade e qual, na hipótese afirmativa), sempre que, em tais circunstâncias, e contra a exigência plasmada no nº2 do referido normativo, não prove o interesse legítimo na obtenção da pretendida certidão.




Proc. nº 214/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, advogado em causa própria, com os sinais dos autos, movera no Tribunal Administrativo contra a Directora dos Serviços de Finanças da RAEM, acção para passagem de certidão que oportunamente lhe requerera, mas que por despacho de 17 de Janeiro de 2013 fora negada.
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A acção viria a ser julgada improcedente por sentença de 7/03/2013, sendo dela que ora vem interposto o presente recurso, em cujas alegações o recorrente, Dr. A, formulou as seguintes conclusões:
“1.ª Estando O recorrente a agir como advogado e visando a obtenção de dados e elementos tendentes ao uso em Tribunal de Macau, os mesmos deveriam sempre, em princípio, ser-lhe disponibilizados.
   2.a É que um advogado, de acordo com o princípio do Estado-de-Direito, com a sua repartição de poderes e mútuos escrutínios, é um servidor do Direito e da Justiça, colaborando de forma essencial para a sua boa administração, devendo, por conseguinte, ser entendimento a adoptar que, salvo casos contados, a regra é a da legitimidade do acesso aos dados por si solicitados, ou seja, que o “interesse legítimo” a que alude o art. 66.º, n.º 2 do C.P.A. em se tratando de um advogado no exercício profissional que solicita elementos para uso judicial, se deve considerar ou presumir, ainda que ilidivelmente, deter uma tal legitimidade de interesse.
   3.ª O pedido formulado pelo recorrente não incide sobre elementos que retratem a capacidade contributiva, por um lado, nem incide, por outro lado, em elementos que denunciem a fonte dos rendimentos da referida Sr.ª B.
   4.ª Quando muito, tais elementos dão nota de um potencial e meramente declarado título de actuação profissional em Macau, mas não indicam necessariamente a fonte dos rendimentos dessa pessoa nem ilustram ou reflectem necessariamente a sua capacidade de pagar tributos.
   5.ª Ao não ter assim decidido, fez o Tribunal recorrido, salvo o muito respeito que lhe é devido, errada interpretação e aplicação da lei material aplicável, concretamente dos artigos 66.º do C.P.A. e 15.º do Estatuto do Advogado.
NESTES TERMOS e nos mais de Direito, requer-se a V. Ex.as a revogação da douta sentença a quo consequentemente, que a Direcção dos Serviços de Finanças seja intimada a satisfazer a pretensão do ora recorrente, ou seja, que, para efeitos judiciais, certifique se B se encontra ou não inscrita para o desempenho de actividade(s) atinente(s) a profissão liberal e técnicas e, em caso afirmativo, quais.”
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A entidade recorrida respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo que julgou improcedente a acção para prestação de informação interposta pelo recorrente na qualidade de advogado absolvendo a requerida do pedido de intimação para certificar, para efeitos judiciais, se B se encontra ou não inscrita para o desempenho de actividade(s) atinente(s) a profissão liberal e técnicas e, em caso afirmativo, quais.
2. O artigo 15º do Estatuto do Advogado, no que concerne a informações e dados pertencentes a terceiros - que não o cliente - tem de ser interpretado conjugadamente com as normas próprias referentes ao sigilo ou reserva e natureza daqueles dados, bem como dos registos, públicos ou não, em que elas se inscrevem.
3. Os dados relativos aos contribuintes encontram-se protegidos pelo princípio da confidencialidade fiscal adoptado nos artigos 89º RICR, 91 º RIP, 132º RCPU e 62º RCI assim corno por constituir a situação económico-financeira dos contribuintes um elemento da vida privada protegido pelo direito de reserva da intimidade da vida privada constante do artigo 39º da Lei Básica e do artigo 74º do Código Civil, fazendo-se igualmente apelo à Lei nº 8/2005, a lei da protecção de dados pessoais.
4. O direito de acesso aos documentos nominativos constantes dos arquivos e registos administrativos previsto no artigo 67º do CP A, que consagra o princípio da administração aberta, é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal (nº 2). Podendo o acesso aqueles ser recusado em matérias relativas à (...) intimidade das pessoas (nº 3), a qual abrange a situação patrimonial destas.
5. O recorrente não é a pessoa a cujos dados pretende aceder, nem a representa, sendo apenas um mero “terceiro”.
6. Há que fazer a conjugação do princípio da confidencialidade fiscal com a protecção legal dos dados ditos pessoais, buscando no recurso à noção de capacidade contributiva e de personificação dos dados o critério delimitador do objecto do sigilo fiscal, ressalvando-se, os dados detidos pela Administração que tenham natureza pública, quando a sua divulgação já decorrer de outros institutos. Porque quando está em causa, v.g. o acesso à situação matricial de um prédio, não é a perspectiva de urna leitura dessa capacidade contributiva que releva, como o não será sempre que se procure obter qualquer informação ligada a bens, actos ou factos que relevem, enquanto tais em termos de incidência real (Breve Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, por Carlos Pamplona Corte-Real e outros, in C.T.F, 368, pág. 18 e ss).
7. Já relevará a leitura dessa capacidade contributiva no caso de tais informações serem solicitadas em função dos respectivos titulares porque aí já ressalta uma preocupação da personalização, que naturalmente implica a confidencialidade desses dados. (Breve Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, por Carlos Pamplona Corte-Real e outros, in C.T.F. 368, pág. 18 e ss).
8. O ora i Recorrente veio suscitar junto da Administração Fiscal uma busca personalizada, veio recolher elementos em função de uma pessoa concreta, factos que com maior ou menor alcance identificam a proveniência dos seus rendimentos, ou seja, veio fazer um pedido de informação em função da identificação de um sujeito, ressaltando uma preocupação da personalização que implica a confidencialidade desses dados.
9. Acresce igualmente que da satisfação do pedido poderá resultar uma utilização indevida das bases de dados à guarda da Administração Tributária que não servem para identificar o património de cada um, nem identificar a sua capacidade contributiva ou identificar a proveniência dos seus rendimentos, nem para prestar informação a eventuais credores.
10. Com efeito “Na confidencialidade fiscal, ora em causa, privilegia-se essencialmente a tutela da intimidade da vida privada, mas não só: deve ter-se ainda em conta o respeito pela relação de confiança entre o contribuinte e a Administração - o fundamento do segredo profissional/fiscal interferente no âmbito da confidencialidade fiscal” e que “Não há qualquer contradição entre o princípio da administração aberta (...) e o princípio da confidencialidade fiscal. (Procuradoria Geral da República, de 09.02.95, P000201994).
11. Não tendo razão o recorrente ao fundamentar a legitimidade do acesso à informação solicitada por esta se mostrar “designadamente crucial em sede de providências a adoptar em sede cautelar (arrestos o outras) ou em sede de acção executiva (por exemplo, para efeitos de penhora do salário) ” como o disse na petição inicial.
12. Com efeito, a propósito da acção executiva o artigo 722º do Código de Processo Civil dispõe que sempre que o exequente justificadamente alegue séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, incumbe ao juiz determinar a realização das diligências adequadas (nº 1). Podendo ainda o juiz determinar que o executado preste ao tribunal as informações que se mostrem necessárias à realização da penhora, sob pena de ser considerado litigante de má fé (nº 2).
13. “Quer dizer: o interesse do requerente, de natureza privada como é, encontra cobertura no CP, Civil, pelo que, até por aí, ofenderia o princípio da proporcionalidade a sua satisfação à custa ou em prejuízo daquela confidencialidade.” (Veja-se a este propósito o Acordão do STA, de 13.05.98 in Acordãos Doutrinais).
14. A informação solicitada, no caso em apreço, constitui pois matéria sujeita a confidencialidade fiscal carecendo o recorrente de legitimidade para a ela aceder.
15. Conforme referido no Parecer da Procuradoria-geral da República citado “ (...) Os advogados e os solicitadores não têm acesso aos dados previstos na referida disposição legal, salvo quando representem os contribuintes a que esses dados digam respeito, ou terceiros com interesse directo e pessoal.”
16. Não padecendo a sentença recorrida errada interpretação e aplicação da lei material aplicável.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser mantida a Sentença do Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2013.”.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Não nos merece censura o decidido.
   Os dados relativos aos contribuintes encontram-se protegidos pelo princípio da confidencialidade fiscal, constituindo a sua situação económico-financeira um elemento da vida privada protegido pelo direito da respectiva reserva de intimidade - cfr artºs 89º, RICR, 91º RIP, 32ºRCPU e 62º RCI, para além dos artº 39º da LBRAEM, 74º, C.C., com apelo à lei da protecção de dados pessoais (Lei 8/2005), privilegiando-se, para além daquela intimidade da vida privada a relação de confiança entre o contribuinte e a Administração, sendo que o artº 15º do Estatuto do Advogado, no que tange a informações e dados pertencentes a terceiros, que não o cliente, carece, obviamente, de ser interpretado e conjugado com aquelas normas referentes ao sigilo e reserva daqueles dados.
   A informação solicitada pelo recorrente no sentido da certificação, para efeitos judiciais, sobre se a visada se encontra ou não inscrita para o desempenho de actividade atinente a profissão liberal e técnica e, em caso afirmativo, quais, constitui, em nosso critério, matéria sujeita àquela confidencialidade fiscal, carecendo o recorrente de legitimidade para a ela aceder, por não representar o contribuinte a quem os dados dizem respeito, ou terceiro, com interesse directo e pessoal.
   Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos e aderindo, por inteiro, às doutas considerações expendidas pela entidade recorrida, a que nada temos a acrescentar e que demonstram eficazmente a falta de razão do alegado pelo recorrente, somos a entender não merecer provimento o presente recurso”.
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
   1º- Em 09/11/2012, o requerente apresentou à DSF um requerimento para a emissão de certidão relativa à inscrição no arquivo sobre o desempenho de actividade atinente a profissão liberal e técnica da determinada pessoa singular (vide fls. 11 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   2º- Através do ofício datado de 28/11/2012 (n.º de Ref. 5118/NIP/DISR/RFM/2012), a entidade requerida solicitou ao requerente apresentar documentos justificativos, tais como procuração ou mandato, etc, para justificação do direito à aquisição dos dados constantes do processo do respectivo interessado (vide fls. 12 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   3º- Em resposta datada de 13/12/2012, o requerente tentou justificar a dispensa da exibição da procuração e a informação pedida foi pública e não sigilosa para fins judiciais, nem estando em causa documentos com carácter reservado ou secreto (vide fls. 13 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   4º- Através do ofício datado de 24/01/2013 (n.º de Ref. 009/NAJ/CF/2013), o requerente foi notificado do despacho da entidade requerida, pelo qual foi decidido de rejeitar o seu pedido da passagem de certidão (vide fls. 18 a 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   5º- O requerente intentou a presente acção contra a entidade requerida e apresentou o petitório em 18/02/2012 via telecópia.
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III - O Direito
1 - O pedido do interessado
O recorrente, advogado, formulou um pedido à Administração Tributária com vista a que lhe fosse fornecida uma certidão que fizesse constar se determinado indivíduo estava inscrito para o exercício de actividade atinente a profissão liberal e técnica e, na hipótese afirmativa, lhe fosse informada qual a concreta actividade desenvolvida.
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2 - A decisão da Administração
O indeferimento foi fundado na circunstância de a informação - de que o recorrente pretendia certidão - por ser relativa a dados de carácter fiscal e concernentes à situação tributária e à capacidade contributiva de um contribuinte, ter carácter sigiloso, não podendo ser fornecida a terceiros. Estaria em causa, portanto, a falta de legitimidade e a tutela da confidencialidade relativa à vida patrimonial privada.
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3 - A sentença do T.A.
A sentença sob censura seguiu o seguinte iter decisório.
Considerou, em primeiro lugar, que o recorrente era “terceiro” na relação jurídica-tributária estabelecida entre o indivíduo em causa e a administração tributária.
Considerou depois que, sem mandato ou procuração conferida pelo próprio indivíduo, apenas poderia ver satisfeita a sua pretensão desde que provasse o “interesse legítimo” ou o “interesse directo e pessoal” no conhecimento dos elementos pretendidos ao abrigo dos arts. 66º, nº1 e 67º, nºs 1 e 2 do CPA. E, nesse sentido, ajuizou que a justificação incluída no requerimento apresentado “para efeitos judiciais” não é suficiente para a revelação desse interesse.
Entendeu, por fim, que o art. 15º do Estatuto do Advogado não pode interpretar-se desligado do regime do CPA.
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4 - A nossa posição
4.1 - Como é sabido, há dois regimes de acesso a documentos em poder da Administração (sem se excluir os que tenham natureza fiscal). Um, que disciplina o acesso à informação procedimental; outro, que regula o acesso à documentação arquivada e registada administrativamente. Quanto aos primeiros, as respectivas regras descobrem-se nos arts. 63º a 65º do CPA; quanto à segunda, o comando-mor está vazado no art. 67º do mesmo diploma.
Convém ainda esclarecer que o art. 66º do Código, com a epígrafe “Extensão do direito à informação”, continua a ser uma emanação do direito à informação procedimental. Simplesmente aborda a questão da legitimidade para o acesso, reconhecendo-a a “quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendem”.
Portanto, porque se nos afigura essencial à compreensão do problema que aqui se discute, importa concluir que estamos perante realidades diversas com parâmetros de intervenção também diferentes, tanto ao nível da legitimidade activa, como ao nível dos requisitos para a densificação do direito. No que à primeira das hipóteses concerne, não podemos assim esquecer que se impõe a existência de um procedimento em curso, ao passo que o segundo a não exige. A distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta, por conseguinte, no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e no distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela. Desta maneira, o direito à informação reveste natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos que integram um concreto procedimento em curso. Diferentemente, tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou em arquivos ou registos administrativos, o direito à informação tem natureza não procedimental.
As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa, numa estipulação normativa que se dá pelo “princípio da administração aberta”.
Ora, se a situação dos autos não visa senão permitir o acesso a um dado que possa fazer parte (não sabemos se existe, embora o indeferimento com a justificação fornecida aponte para a sua existência) dos elementos tributários referentes a determinada pessoa, o mesmo é dizer, se aquilo que o digno recorrente pretende é uma informação estática a respeito de um possível contribuinte líquido e não um facto ou documento que faça parte intrínseca de um procedimento administrativo em marcha, parece-nos que a situação foge à previsão dos arts. 63º a 66º do CPA, para se abrigar sob a protecção do art. 67º do Código. E não é elemento procedimental, uma vez que se trata da qualidade de um cidadão que fica registada na base própria da Administração Tributária. É a qualidade de contribuinte colectado, como agente produtivo de uma determinada actividade industrial ou comercial, como produtor de serviços em regime liberal, etc. Trata-se, portanto, de um elemento em poder dos órgãos fiscais próprios e ao abrigo do qual periodicamente (anualmente) lhes é permitida abertura de um procedimento tributário com vista à liquidação e cobrança do tributo que ao caso concretamente couber.
Este direito de acesso aos documentos nominativos existentes em arquivos ou registos administrativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito, mas também pode ser accionado por “terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal”(nº2).
Não pode ser um interesse qualquer, claro. É preciso que seja directo e pessoal. Ora, um interesse directo, para este efeito, afigura-se-nos ser aquele que traz um aporte à esfera do requerente, que satisfaz a necessidade de informação do requerente com vista à obtenção de uma posição de vantagem ou utilidade presente ou futura. Quer dizer, enquanto o direito à informação procedimental por parte do próprio interessado no procedimento (art. 63º, CPA) não carece mais do que a simples qualidade de administrado que desencadeou ou contra quem foi desencadeado o procedimento (salvo nos casos em que o que dele pretendam seja confidencial, secreta ou reservada: art. 64º do CPA), já de acordo com o art. 67º do CPA a Administração só se abre perante terceiros que mostrem dispor de um interesse sério, real e proveitoso à sua esfera carecida de tutela. Deste modo, não pode o interesse radicar num mero desejo de “saber o que se passa” de “estar a par” de aplacar o anseio da mera curiosidade, já que isso poderia representar uma intolerável intromissão na vida de certas pessoas, órgãos e instituições, razão pela qual tais propósitos estão excluídos da dimensão tituladora do interesse. É forçoso, pois, que, ao atingir o conhecimento do elemento pretendido obter, o requerente passa a dispor de um instrumento capaz de lhe proporcionar a realização de um direito conexo.
E também tem que ser pessoal o interesse, diz a lei. Logo, tem que dizer respeito ao próprio requerente. É, pois, necessariamente suposto que haja, uma descrita relação essencial entre a pessoa e o pedido, de modo que se possa fazer uma conexão fundamental de vantagem entre a pretensão e a sua satisfação ou de lesão entre pretensão e o seu indeferimento.
Nada disto está em colisão com o art. 15º do Estatuto do Advogado. Na verdade, se eles “podem solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos…, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração”, a satisfação dessa solicitação carece da revelação de dois importantes requisitos: a) que tais documentos ou que a certidão não recaiam sobre elementos ou documentos, com carácter secreto ou reservado; b) que a solicitação perante o tribunal ou repartição pública esteja a ser feita “No exercício da sua profissão”.
É, aliás, por isso, que o STA em Portugal, a respeito do art. 15º do Estatuto dos Advogados de Macau, chegou a afirmar que “I- O direito ao exame de processos, livros ou documentos, bem como à obtenção de certidões dos mesmos, conferido aos advogados pelo respectivo Estatuto em Macau no n. 1 do seu art. 15 (aprovado pelo DL n. 31/91/M, de 6 de Maio) assume natureza instrumental, já que pressupõe o exercício pelo advogado, ou de mandato judicial, ou de consultadoria jurídica ou de representação voluntária. II - O advogado, quando desligado de uma relação profissional deste tipo, não detém por si o direito a que se refere a conclusão anterior”1
Assim sendo, o simples apelo a este dispositivo não surte os desígnios de uma pretensão certificativa, se o advogado (mesmo que não precise de exibir procuração) não mostra representar os interesses de alguém (seu constituinte) no exercício do seu “munus” ou não revela que o interesse lhe pertence particularmente e em exclusivo. Ou seja, se o advogado se dirige à Direcção de Serviços e pede uma certidão de um elemento arquivado ou ali registado, deve dizer se a informação que solicita é para si mesmo ou se é para o seu representado; e, em qualquer circunstância, deve revelar a utilidade concreta da informação requerida pela via da certidão, de modo a que a entidade emitente possa avaliar do interesse directo e pessoal nos moldes acima referidos. Na hipótese de o interesse directo e pessoal ser do próprio advogado, deverá esclarecer em que termos ele o demonstra2.
Em suma, estamos em crer que a decisão contenciosamente impugnada está correcta, o que equivale a dizer que a sentença não merece censura.
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4.2 - Imaginemos, agora, que a situação, em vez de se abrigar à sombra do art. 67º do CPA, merece ser subsumida à previsão do art. 66º do mesmo Código. Terá o recorrente sido capaz de provar o “interesse legítimo” no conhecimento dos elementos pretendidos?
A este propósito, deve entender-se que o direito previsto no art. 66.º, n.º 1 do CPA é independente do interesse no procedimento, ou seja, da sua dinâmica em vista de um resultado, pois, basta um interesse legítimo, no sentido de interesse atendível no conhecimento dos elementos que pretende. Nesta hipótese, o interesse de quem requer as informações não ressalta da mera formulação do pedido, devendo o mesmo ser alegado pelo requerente da informação, provado pelo mesmo em termos documentais e apreciada pelo dirigente do serviço a sua existência nos termos do n.º 2 do mesmo artigo (cfr. inter alia, Acs. do STA de 09.02.1993 - Proc. n.º 31.484, de 14.07.1994 - Proc. n.º 35.251, de 12.06.1997 - Proc. n.º 42.310, de 12.11.2003 (Pleno) - Proc. n.º 47.985, in www.dgsi.pt/jsta).
O conceito de interesse legítimo não corresponde à noção de interesse legalmente protegido ou interesse reflexo, com os quais esse conceito aparecia tradicionalmente identificado: interesse legítimo na informação pretendida é qualquer interesse atendível (protegido ou não proibido juridicamente) que justifique, razoavelmente, dar-se ao requerente tal informação3. O interesse legítimo de que trata o art. 66.º, n.º 1 do CPA, não deriva tanto da influência positiva ou negativa que o procedimento concreto possa trazer para a esfera jurídica das pessoas, mas antes e verdadeiramente da simples constatação de um determinado elemento contido em certo procedimento, cujo conhecimento poderá ser útil para o interessado e proporcionar-lhe a realização de certo objectivo.
Nesta perspectiva, o enfoque do interesse legítimo não reside no agir ou no intervir decisivamente no procedimento, mas no conhecimento total ou parcial do conteúdo deste. Por isso, o interesse tem que ser próprio, comprovado, sério e útil4.
Ou seja, o exercício do direito à informação protegido pelo art. 66.º do CPA supõe, para além da invocação do interesse por parte do requerente, a alegação e prova de elementos que contribuam para a formação de um juízo por banda da entidade administrativa decisora que seja de molde a concluir pela atendibilidade do interesse do requerente invocado.
Ora, nem mesmo sob a égide deste normativo é possível captar qual o interesse que o digno requerente tinha subjacente ao formular aquele pedido à DSF. Na verdade, podia ser para “fins judiciais” (e não é definível o que isso seja no caso em apreço), como podia ser para outro qualquer fim que pudesse ficar escondido sob a capa daquele. Aliás, que não basta a afirmação genérica do género da que o recorrente utilizou prova-o o art. 66º, nº2, quando estatui que o exercício do direito à informação em apreço deve ser feito através de requerimento escrito, “instruído com os documentos probatórios do interesse legítimo invocado”.
Temos que ser sinceros: não nos convence a tese da digna entidade recorrida exposta na contestação de que a recusa também se pode fundamentar na circunstância de o deferimento do pedido corresponder a fornecer a terceiros elementos de cariz tributário protegidos pela confidencialidade fiscal. Não estamos de acordo com a afirmação. Com efeito, o que o recorrente pretendia era tão-somente saber se aquela pessoa estava “colectada” nalguma actividade e qual, na hipótese afirmativa. Não pretendia saber qual o seu rendimento declarado, qual o tributo liquidado e cobrado, de que benefícios fiscais gozava, etc, etc. Nada disso estava em causa e, assim, não nos parece que os elementos pedidos estivessem cobertos pela confidencialidade fiscal5. Somente era sua intenção saber se ela estava inscrita nalguma actividade técnica ou liberal e qual. E isso, em nossa opinião, não contende com o direito à reserva da vida privada, nem com o carácter secreto ou confidencial de elementos fiscais, repetimos. Aliás, a legitimação para o exercício de certa actividade que resulta da inscrição própria nas Finanças tem carácter público e apreensível, tal como pública será a cognoscibilidade por efeito da inscrição no registo comercial (art. 2º do CRC). Se são cognoscíveis por recurso a essa via, públicos haverão de ser tais elementos. E sendo públicos por esse prisma, terão índole neutra em termos da expressão personalizada de uma situação tributária (como sucede, por exemplo, quanto à indicação de bens)6. Quer dizer, não é por essa via que a recusa se pode manter.
Mas, de qualquer maneira, se tal argumentação não procede, já nos impressiona o facto de o digno recorrente não ter procedido como manda o art. 66º, nº2 do CPA, caso se entenda aplicável aos autos, o que aqui apenas por mero exercício de hipotética admissibilidade se concede. Na realidade, para nós o caso está muito mais afeiçoado ao disposto no art. 67º do mesmo Código, circunstância que, como vimos, levaria, por outras razões, a idêntico resultado.
Em suma, até por este caminho, a sentença deverá manter-se.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que fixamos em 7 UC.
TSI, 09 / 05 / 2013
Presente José Cândido de Pinho
Victor Coelho Lai Kin Hong
Chou Mou Pan
1 Ac. STA de 24/11/1998, Proc. nº 042729
2 Isto mesmo o conclui o Parecer da PGR nº 000201994, de 9/02/1995, segundo o qual “5 - Os advogados e os solicitadores não têm acesso aos dados previstos na referida disposição legal, salvo quando representem contribuintes a que esses dados digam respeito, ou terceiros com «interesse directo e pessoal”.
3 Mário Esteves de Oliveira e outro, in Código de Procedimento Administrativo anotado, I, pag. 340.
4 Ac. TCA, de 25/01/2001, Proc. nº 0370/01
5 Pode o advogado saber da existência de bens no âmbito de uma relação existente em processo de imposto sucessório, que nem por isso a informação está coberta pela confidencialidade fiscal, como decorre do Ac. do STA de 14/02/1995, Proc. nº 020303. O que está em causa, aqui negativamente, é saber da legitimidade activa para o pedido, do apuramento sobre quem pode aceder a tal informação e em que termos o pode fazer.
6 Apud, Breves Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, de Carlos Pamplona Corte Real e outros in «Cadernos de Técnica Fiscal», nº 368, pag. 19.
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