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Processo nº 887/2012 Data: 23.05.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física” e de “ameaça”.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. O crime de “ofensa à integridade física” abrange a prática de actos lesivos do “corpo” ou da “saúde” de uma pessoa.

2. Pode haver “ofensa à integridade física de uma pessoa”, sem que esta sofra “lesão, dor, ou incapacidade para o trabalho”.

3. Integra o crime de “ameaça” a conduta do arguido que, dirigindo-se em tons sérios a uma pessoa, diz-lhe para não se intrometer numa briga, sob pena de “levar uma pancada”, causando nesta medo ou inquietação.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 887/2012
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva responderam A, B e C, (respectivamente, 1°, 2° e 3°) arguidos, proferindo-se, a final, Acórdão com o seguinte dispositivo (na parte que interessa):

“Pelo acima exposto, este Tribunal Colectivo declara parcialmente procedente a acusação deduzida e condena os três arguidos A, B e C os seguintes:
1. Declara improcedente a acusação de 1 crime de ofensa simples à integridade física p. e p. pelo artigo 137.º n.º 1 do Código Penal deduzida contra o 1.º arguido A, e em consequência, absolve o arguido.
2. Condena o 2.º arguido B e o 3.º arguido C na pena, cada um deles, de 7 meses de prisão pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 crime de ofensa simples à integridade física p. e p. pelo artigo 137.º n.º 1 do Código Penal;
3. Condena o 2.º arguido B e o 3.º arguido C na pena, cada um deles, de 5 meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de ameaça p. e p. pelo artigo 147.º n.º 1 do Código Penal;
4. Em concurso dos dois crimes, condena o 2.º arguido B e o 3.º arguido C numa pena, cada um deles, de 10 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos, sob condição de os dois arguidos B e C pagarem, cada um deles, ao Governo da RAEM um contributo de MOP$10.000,00 no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do presente acórdão, no sentido de compensar as consequências negativas por si causadas;
5. Condena o 2.º arguido B e o 3.º arguido C a pagar solidariamente ao ofendido D uma indemnização no montante de MOP$3.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data do presente acórdão até ao seu integralmente pagamento”; (cfr., fls. 274 a 275-v).

*

Irresignado, o (2°) arguido B recorreu, produzindo a final da sua motivação o seguinte quadro conclusivo:

“Salvo o devido respeito, o recorrente tem os seguintes entendimentos sobre a decisão do tribunal a quo:
(i) Os factos assentes não podem provar que o recorrente B praticou o crime de ofensa simples à integridade física
1. O recorrente foi condenado na pena de 7 meses de prisão pela prática de 1 “crime de ofensa simples à integridade física” p. e p. pelo artigo 137.º n.º 1 do Código Penal.
2. Os bens jurídicos protegidos são o corpo e a saúde da pessoa singular e só constitui a ofensa aos bens jurídicos – o corpo e a saúde - quando o corpo e a saúde do ofendido foram lesados pelo recorrente.
3. No ponto 3.º dos factos dados como provados no acórdão do tribunal a quo: “(…) o arguido B agrediu o ofendido D com socos e uma cadeira (…)”
4. Conforme os factos dados como provados não se pode provar quais partes do corpo do ofendido D que foram feridas pelo recorrente nem se pode provar o grau de gravidade das lesões, ou seja, não se pode provar que as lesões sofridas pelo ofendido foram causadas pelo recorrente.
5. É muito importante apurar quais partes do corpo do ofendido D que foram agredidas pelo recorrente, uma vez que a existência da dúvida razoável nos factos provados leva a que gere dúvida se a saúde e a integridade física do ofendido foram verdadeiramente lesadas pelo recorrente.
6. Além disso, em conjugação com outros factos provados, também não é possível provar indubitavelmente que a saúde e a integridade física do ofendido foram lesadas pelo recorrente.
7. Já que não se pode certamente julgar a possibilidade de o recorrente ofender a saúde e a integridade física do ofendido, não existe o requisito constitutivo do crime de ofensa simples à integridade física.
8. Pelo que, o recorrente entende que o acórdão violou o artigo 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicando erradamente o artigo 137.º n.º 1 do Código Penal.
9. Por outras palavras, conforme os factos dados como provados não se pode certamente julgar a possibilidade de recorrente ofender a saúde e a integridade física do ofendido, pelo que, deve-se cumprir o princípio in dubio pro reo.
10. Na dúvida sobre a existência dos factos, devem ser considerados inexistentes tais factos e deve ser proferida uma decisão a favor do recorrente, de forma a absolver o recorrente.
11. Além disso, os dois recorrentes (sic.) também invocam os seguintes fundamentos do recurso:
(ii) Os factos provados não são suficientes para condenar o recorrente pela prática do crime de ameaça
12. O recorrente foi condenado na pena de 5 meses de prisão pela prática de 1 crime de ameaça p. e p. pelo artigo 147.º n.º 1 do Código Penal de Macau.
13. Do ponto 5.º dos factos dados como provados no acórdão do tribunal a quo pode-se saber que na altura o recorrente disse ao ofendido E em tom sério e em voz alta para não intervir na referida briga.
14. Quando enfrenta tal situação, para evitar qualquer rixa que iria acontecer em breve, o ofendido E, sendo um agente policial, é obrigatório impedir alguém de ofender a integridade física de outra pessoa, senão, constitui crime de ofensa à integridade física por omissão p. e p. pelo artigo 9.º do Código Penal em conjugação com o artigo 137.º n.º 1 do Código Penal.
15. Aliás, E já desempenha as funções de agente policial há quase 20 anos, caso este sentisse medo e não se atrevesse a impedir a rixa só por causa das expressões proferidas pelo recorrente em tom sério e em voz alta, isto, efectivamente, é irrazoável.
16. Pelo que, parece que as expressões proferidas pelo recorrente não são adequadas a ameaçar a liberdade de determinação ou a liberdade pessoal de E, de forma a provocar-lhe medo.
17. Além disso, os factos dados como provados revelam: “Depois de ouvir isso, E (ofendido) sentiu medo e exigiu à sua mulher F que comunicasse o caso à polícia para pedir ajuda”.
18. Aqui, “sentir medo” é uma expressão utilizada pelo legislador no artigo 147.º n.º 1 do Código Penal, é um conceito jurídico abstracto e não é um facto da realidade de vida. A nível da aplicação da lei, o julgador deve provar um facto da vida, e depois, integrar tal facto no conceito jurídico abstracto e só produz a devida consequência jurídica quando o facto da vida preenche o conceito jurídico abstracto.
19. Dado que não existe um facto da realidade de vida que pode preencher o conceito jurídico abstracto – medo, só o conceito jurídico - “sentir medo” não pode ser considerado que já se provou um facto da realidade de vida, pelo que, não pode produzir a consequência de punição prevista nos referidos dispostos legais.
20. Pelo que, as condutas do recorrente não preenchem os requisitos constitutivos do “crime de ameaça” previstos no artigo 147.º n.º 1 do Código Penal de Macau, deve, por isso, proferir uma decisão mais favorável ao recorrente, de forma a absolver o recorrente desse crime”; (cfr., fls. 285 a 289).

*

Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:

“1. No caso sub judice, o tribunal a quo condenou o arguido B, em co-autoria e na forma consumada, na pena de 7 meses de prisão pela prática de 1 crime de ofensa simples à integridade física p. e p. pelo artigo 137.º n.º 1 do Código Penal e, em autoria material e na forma consumada na pena de 5 meses de prisão pela prática de 1 crime de ameaça p. e p. pelo artigo 147.º n.º 1 do Código Penal, e em concurso desses dois crimes, condenou-o na pena de 10 meses de prisão, com a suspensão da sua execução pelo período de 2 anos, sob condição de pagar ao Governo da RAEM um contributo de MOP$10.000,00 no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do presente acórdão, no sentido de compensar as consequências negativas por si causadas e, condenou o arguido B e o 3.º arguido C a pagar solidariamente ao ofendido D uma indemnização no montante de MOP$3.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data do presente acórdão até ao seu integralmente pagamento.
2. Inconformado com o assim decidido pelo tribunal a quo, o recorrente (ou seja, o 2.º arguido dos autos) interpôs recurso, no qual concluiu que o acórdão do tribunal a quo enferma do vício previsto no artigo 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal, não sendo suficientes os factos provados para provar que o recorrente praticou o crime de ofensa simples à integridade física e o crime de ameaça, violando assim os artigos 137.º n.º 1 e 147.º n.º 1 do Código Penal, por isso, pediu que fosse revogado o acórdão do tribunal a quo e fosse absolvido o recorrente.
3.Quanto ao acórdão do tribunal a quo, o recorrente suscitou 2 questões na sua petição do recurso:
(1) Integração do crime simples à integridade física;
(2) Integração do crime de ameaça.
4.Em relação à 1.ª questão, o recorrente entendeu que nos factos dados como provados, o tribunal a quo não indicou quais são as partes do corpo concretas do ofendido que foram feridas pela agressão perpetrada pelo recorrente nem indicou o grau de gravidade das lesões, por isso, não se pode provar indubitavelmente que o recorrente praticou o crime de ofensa simples à integridade física.
5.O artigo 137.º do Código Penal prevê que para a integração do crime de ofensa à integridade física apenas se exige que o acto tenha provocado ofensa ao corpo ou à saúde de outra pessoa, não se exigindo a indicação das partes do corpo específicas onde se encontram as lesões enquanto o grau de gravidade das lesões é para determinar se o acto constitui o crime de ofensa simples à integridade física ou o crime de ofensa grave à integridade física.
6. No caso sub judice, os factos abaixo referidos são os factos dados como provados pelo tribunal a quo:
“(…)
3.
(…) o arguido B agrediu o ofendido D com socos e uma cadeira (…)
(…)
8.
Após o sucedido, o ofendido D foi transportado para o Centro Hospitalar de Conde S. Januário para receber tratamento. Submetido a exame médico-legal, diagnosticou-se que o ofendido sofreu contusões e equimoses nos tecidos moles da testa, da região à volta da órbita do olho esquerdo e da parte de trás da cabeça do lado lateral direito e as lesões correspondem às características das lesões provocadas por objecto contundente ou semelhante, estimando-se que as lesões necessitassem de 3 dias para se recuperar (cfr. o relatório do exame directo a fls. 3 dos autos e o relatório de clínica médico-legal a fls. 57 dos autos).
(…)”
7. O recorrente manteve-se em silêncio na audiência de julgamento e o ofendido D referiu expressamente na audiência de julgamento que “imediatamente, estes dois arguidos B e C agrediram o ofendido D, e a seguir, o arguido A agrediu o ofendido D na cabeça, o arguido B agrediu-o nas costas com cadeira e o arguido C bateu-o com uma garrafa de cerveja na cabeça deste”. A testemunha que estava presente no local aquando da ocorrência do caso, ou seja, o ofendido do crime de ameaça E afirmou que “os outros dois arguidos B e C começaram a agredir D com socos, a seguir, o arguido B agrediu D com cadeira nas costas deste enquanto o arguido C agrediu D com uma garrafa de cerveja não aberta na parte de trás da cabeça deste”.
8. Dos aludidos factos dados como provados pode-se saber que apesar de o relatório médico-legal não indicar expressamente quem provocou as lesões sofridas pelo ofendido D, não se pode negar que na ocorrência do caso, o recorrente empregou, junto com o 3.º arguido, violência contra o corpo do ofendido, provocando-lhe lesões que determinaram 3 dias para recuperação. Tais factos já são suficientes para constituir o crime de ofensa simples à integridade física, não sendo necessário indicar expressamente as partes do corpo onde se encontram as lesões e, do relatório médico-legal a fls. 57 dos autos, já se consta expressamente o grau de gravidade das lesões.
9. O recorrente referiu que os factos dados como provados pelo tribunal colectivo do tribunal a quo não são suficientes para provar a prática pelo recorrente do crime de ofensa simples à integridade física, isto é manifestamente improcedente.
10. Além disso, o recorrente referiu que a ameaça não é um facto mas sim um conceito jurídico, não existindo factos para o tribunal a quo provar a existência da ameaça, mais ainda que o ofendido do crime de ameaça é um agente policial com muitas experiências profissionais, as expressões e a ameaça do recorrente e do 3.º arguido não são adequadas a provocar-lhe medo, por isso, deve absolver o recorrente dum imputado crime de ameaça.
11. A “ameaça”, sem dúvida, é um conceito jurídico previsto no artigo 147.º do Código Penal, porém, tal expressão também pode descrever o sentimento subjectivo apresentado pelos comportamentos correntes ou expressões. Para pesar se é adequado a provocar medo ou inquietação que o crime de ameaça exige, deve ter como critério a reacção apresentada pelo homem médio perante o referido acto ameaçador em normalidade de situações.
12. Os factos dados como provados do presente processo revelam que na ocorrência do caso, “Ao ver isso, o ofendido E pretendeu impedir a agressão dos três arguidos. Na altura, o arguido B disse-lhe imediatamente em tom sério e em voz alta: “Aqui não tem nada a ver contigo caralho! É assunto privado, é melhor não intervir neste assunto, caralho. Se não levas logo uma pancada!” “(…) Depois de ouvir isso, o ofendido E sentiu medo e exigiu à sua mulher F que comunicasse o caso à polícia para pedir ajuda”.
13. As expressões proferidas pelo recorrente provocaram ameaça ao ofendido E, tal sentimento apresenta-se quando qualquer homem médio ouve tais expressões. O ofendido sentiu medo por causa de tais expressões, sendo isso uma reacção normal dum agente policial perante o aludido incidente. Apesar de o ofendido ter exercido funções na corporação policial há quase 20 anos, isto não tem qualquer relação directa com a reacção por si apresentada depois de ouvir as palavras ameaçadoras proferidas por outro colega. A reacção do ofendido pode revelar que conforme as suas ricas experiências, o ofendido entendeu que não podia ignorar a ameaça do seu colega, ou também pode revelar que conforme as suas experiências acumuladas no passado, apesar de a referida ameaça não se concretizar imediatamente, para assegurar a sua própria segurança e a do seu familiar, o ofendido julgou que a comunicação do caso à polícia para pedir ajuda era a melhor resolução. Os actos e as expressões do recorrente ao ofendido E já bastam para constituir o crime de ameaça.
14. Pelo que, o tribunal a quo deu como provado que o recorrente praticou o crime de ofensa simples à integridade física e o crime de ameaça, isto não violou os dispostos legais, sendo manifestamente improcedentes os fundamentos do recurso invocados pelo recorrente.

Pelos acima expostos, os fundamentos do recurso invocados pelo recorrente são totalmente improcedentes, devendo ser rejeitado o recurso, com consequente manutenção do julgado do Tribunal a quo.
”; (cfr., fls. 293 a 296).

*

Admitido o recurso do arguido B – e só este foi interposto – com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“A nossa Exma Colega evidencia, muita claramente, a sem razão do recorrente.
E nada temos a acrescentar, efectivamente, às suas judiciosas e circunstanciadas considerações.
É incontroversa, efectivamente, a bondade da condenação pelo crime de ameaça do art. 147°, n°. 1 do CPM.
Conforme se sublinha na resposta do M.P., em conformidade dos factos dados como provados, as palavras do arguido B, ora recorrente, "foram dirigidas ao ofendido E ... "e "depois de ouvir isso, o ofendido sentiu medo e exigiu à sua mulher que comunicasse o caso à polícia para pedir ajuda". Não pode assim questionar-se, "in casu", o preenchimento do respectivo tipo subjectivo de ilícito.
Analisados os autos, entendemos também que seja correcta a condenação do arguido B, ora recorrente, pelo crime de ofensa simples à integridade física do art. 137°, n°. 1 do CPM.
Tal como se afirmou no resposta do M.P., "Dos aludidos factos dados como provados pode-se saber que apesar de o relatório médico-legal não indicar expressamente quem provocou as lesões sofridos pelo ofendido D, não se pode negar que no ocorrência do coso, o recorrente empregou, junto com o 3° arguido, violência contra o corpo do ofendido, provocando-lhe lesões que determinaram 3 dias poro recuperação ... ". Assim, tais factos são suficientes para preenchimento do respectivo tipo constitutivo de ilícito.
Deve, em conformidade, o recurso ser julgado improcedente”; (cfr., fls. 388 a 388-v).

*

Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Colectivo a quo foram dados como provados os factos seguintes:

“1.
Alguns anos atrás, o ofendido D e o arguido A tiveram uma briga quando trabalhavam juntos.
2.
Pelas 23h00 do dia 16 de Agosto de 2010, o ofendido E estava a jantar com a sua mulher F e um amigo, ora o ofendido D, no “Estabelecimento de Comida XXX” situado na Rua Nova do Patane, altura em que dois colegas do ofendido D, ora os arguidos A e B, também estavam a jantar com o arguido C no referido estabelecimento de comida.
3.
Na altura, o arguido A e os outros dois arguidos B e C dirigiram-se ao ofendido D, exigindo-lhe que esclarecesse a briga ocorrida no passado, durante o qual, o arguido A bateu levemente com a sua palma da mão na cara de D; o arguido B agrediu o ofendido D com socos e uma cadeira e o arguido C pegou numa garrafa de cerveja com a mesma com agrediu o ofendido D que o atingiu na parte de trás da cabeça.
4.
Ao ver isso, o ofendido E pretendeu impedir a agressão dos três arguidos.
5.
Na altura, o arguido B disse-lhe imediatamente em tom sério e em voz alta: “Aqui não tem nada a ver contigo caralho! É assunto privado, é melhor não intervir neste assunto, caralho. Se não levas logo uma pancada!”
6.
Ao mesmo tempo, o arguido C também disse a E: “Foda-se a tua mãe, é melhor não intervir neste assunto, caralho. Se não vais levar também uma porrada e nunca saias daqui.
7.
Depois de ouvir isso, o ofendido E sentiu medo e exigiu à sua mulher F que comunicasse o caso à polícia para pedir ajuda.
8.
Após o sucedido, o ofendido D foi transportado para o Centro Hospitalar de Conde S. Januário para receber tratamento. Submetido a exame médico-legal, diagnosticou-se que o ofendido sofreu contusões e equimoses nos tecidos moles da testa, da região à volta da órbita do olho esquerdo e da parte de trás da cabeça do lado lateral direito e as lesões correspondem às características das lesões provocadas por objecto contundente ou semelhante, estimando-se que as lesões necessitassem de 3 dias para se recuperar (cfr. o relatório do exame directo a fls. 3 dos autos e o relatório de clínica médico-legal a fls. 57 dos autos).
9.
Agindo de forma livre, voluntária e consciente, os dois arguidos B e C agrediram conjunta e dolosamente D por meio de violência, fazendo com que D sofresse ofensa à integridade física.
10.
Os dois arguidos B e C agiram de forma livre, voluntária e consciente ao dirigirem dolosamente palavras ameaçadoras a E, fazendo com que E sentiu medo e inquietação.
11.
Os dois arguidos B e C bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Os três arguidos são primários.
O 1.º arguido A é agente policial do CPSP, auferindo o vencimento correspondente ao índice 260, tendo como habilitações académicas o ensino secundário completo, tendo a seu cargo três filhos.
O 2.º arguido B é agente policial do CPSP, auferindo o vencimento correspondente ao índice 290, tendo habilitações académicas o bacharelado, tendo a seu cargo a mãe e dois filhos.
O 3.º arguido C é alfandegário dos Serviços de Alfândega, auferindo o vencimento correspondente ao índice 310, tendo como habilitações académicas o 11.º ano de escolaridade, tendo a seu cargo a mãe e dois filhos”; (cfr., fls. 208-v a 270).

Do direito

3. Vem o arguido B recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. e que o condenou nos termos já relatados.

Entende que não deve ser condenado como co-autor do crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137° do C.P.M. dado que não se provou: “quais partes do corpo do ofendido D que foram feridas pelo recorrente nem se pode provar o grau de gravidade das lesões, ou seja, não se pode provar que as lesões sofridas pelo ofendido foram causadas pelo recorrente”; (cfr., concl. 4ª).

Entende, também, que não devia ser condenado pela prática de um crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147° do C.P.M., dado que os “factos provados não são suficientes…”; (cfr., concl. 10ª e 18ª).

Ora, só por (manifesto) equívoco terá o ora recorrente assumido o exposto entendimento, pois que nenhuma razão lhe assiste, sendo o recurso de rejeitar dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

–– Comecemos pelo crime de “ofensas à integridade física”.

Pois bem, nos termos do art. 137° do C.P.M.:

“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. O procedimento penal depende de queixa.
3. O tribunal pode dispensar de pena quando:
a) Tiver havido lesões recíprocas e não se tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor”.

Diz o recorrente que devia ser absolvido porque provado não está a parte do corpo do ofendido por ele agredido.

Ora, decididamente, não é assim.

Para se dar como verificado o crime em questão necessário é que provado esteja que houve “ofensa à integridade física de uma pessoa”, que tanto pode ocorrer com uma ofensa – acto (violento) lesivo – ao “corpo” ou à “saúde” de uma pessoa.

Por sua vez, sendo o “direito à integridade física” um “direito fundamental”, (inviolável, e em relação ao qual não são admissíveis limitações), (cfr., art. 45° da L.B.R.A.E.M. e art. 71° do C.C.M.), sentido não fazia que o legislador penal ao incriminar e punir os actos violadores de tal “direito” com vista a assegurar a sua defesa o fizesse por forma limitada ou discriminadora.

Por outro lado, (e como se deixou relatado), a lei tanto protege a “ofensa ao corpo” como a “ofensa à saúde” – cfr., art. 137° do C.P.M. – pelo que se impõe aceitar que os actos violadores do direito em questão podem ocorrer ainda que não haja dor, ou lesão.

Aliás, e como já se tem entendido, pode haver “ofensa à integridade física de uma pessoa”, sem que esta sofra “lesão, dor ou incapacidade para o trabalho”, pois que o crime em questão não implica “lesões no ofendido”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 18.12.1991, Proc. n.° 41618, in D.R., I-A, n.° 33, de 08.02.1992, pág. 775, e o recente Ac. da Rel. de Guimarães de 04.03.2013, Proc. n.° 159/11, in www.dgsi.pt, aqui citados como mera referência).

Não se deixa contudo de reconhecer que melhor é – e normalmente sucede – que provada fique a “parte” atingida com a ofensa.

Seja como for, no caso dos autos, não se pode esquecer que o ora recorrente foi condenado como “co-autor”, e provado ficou que “após o sucedido, o ofendido D foi transportado para o Centro Hospitalar de Conde S. Januário para receber tratamento. Submetido a exame médico-legal, diagnosticou-se que o ofendido sofreu contusões e equimoses nos tecidos moles da testa, da região à volta da órbita do olho esquerdo e da parte de trás da cabeça do lado lateral direito e as lesões correspondem às características das lesões provocadas por objecto contundente ou semelhante, estimando-se que as lesões necessitassem de 3 dias para se recuperar (cfr. o relatório do exame directo a fls. 3 dos autos e o relatório de clínica médico-legal a fls. 57 dos autos)”; (cfr., “facto provado” n.° 8).

Assim, clara parecendo a solução a adoptar, mais não é preciso dizer.

–– Quanto à “ameaça”.

Tal crime vem previsto no art. 147° do C.P.M., onde se prescreve que:

“1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade ou autodeterminação sexuais ou bens patrimoniais de valor considerável, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
2. Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3. O procedimento penal depende de queixa”.

Pois bem, no caso, está provado que:
- “o ofendido E pretendeu impedir a agressão dos três arguidos”,

- “Na altura, o arguido B disse-lhe imediatamente em tom sério e em voz alta: “Aqui não tem nada a ver contigo caralho! É assunto privado, é melhor não intervir neste assunto, caralho. Se não levas logo uma pancada!”, e que,
- “Depois de ouvir isso, o ofendido E sentiu medo e exigiu à sua mulher F que comunicasse o caso à polícia para pedir ajuda”.

Diz, em síntese, o ora recorrente, que “os factos provados” não são suficientes para o condenar como autor de 1 crime de “ameaça”, que “as expressões proferidas pelo recorrente não são adequadas a ameaçar a liberdade de determinação ou a liberdade pessoal de E, de forma a provocar-lhe medo” e que “sentir medo” é uma expressão utilizada pelo legislador no artigo 147.º n.º 1 do Código Penal, é um conceito jurídico abstracto e não é um facto da realidade de vida”.

Ora, também aqui, não é assim.


A matéria provada preenche, na íntegra, a previsão normativa em questão, (art. 147° do C.P.M.), pois que com a sua conduta não deixou o ora recorrente de, por forma explícita e em tons sérios, “prometer uma ofensa à integridade física”, causando no seu destinatário, temor e intranquilidade, sendo também de dizer que “ter ou sentir medo”, (como se provou), não deixa de ser, independentemente do demais, um “facto” que reflecte um determinado “estado comportamental de uma pessoa”.

Ociosas sendo outras observações sobre a questão, e tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 23 de Maio de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 887/2012 Pág. 28

Proc. 887/2012 Pág. 1