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Processo n.º 249/2013 Data do acórdão: 2013-5-30 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Não ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, quando não se mostrar evidente que o tribunal julgador de factos tenha violado quaisquer regras da experiência da vida quotodiana humana em normalidade de situações, ou qualquer norma legal sobre o valor da prova, ou ainda quaisquer leges artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 249/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente: B (B)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 147 a 151v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-13-0051-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de burla, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, sob condição de pagamento a favor do estabelecimento ofendido “Sauna e Massagem XXXX”, durante o prazo da suspensão da pena, da quantia indemnizatória arbitrada oficiosamente em MOP50.586,00 (cinquenta mil, quinhentas e oitenta e seis patacas), com juros legais contados a partir da data da sentença até integral pagamento, veio recorrer a arguida B, já aí melhor identificada, para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir o reenvio do processo para novo julgamento, com base na existência do invocado vício de erro notório na apreciação da prova, tendo para o efeito alegado na sua motivação (apresentada a fls. 157 a 167 dos presentes autos correspondentes) essencialmente o seguinte:
– o Tribunal a quo socorreu-se da lista dos clientes da “Sauna e Massagem XXXX”, por sinal, elaborada pela própria empresa, e conluiu que todos os cartões de membros registados no computador da recorrente entre Julho de 2010 e Março de 2011 tinham sido objecto de descontos de 5% indevidos e de ilegítimas apropriações pela recorrente, com provocação do prejuízo global de MOP50.586,00 à “Sauna e Massagem XXXX”;
– mas esse entendimento do Tribunal é, de todo, inaceitável, porque, efectivamente, a recorrente, tal como adimtiu ela própria na audiência de julgamento, apenas praticou naqueles actos entre Fevereiro e Março de 2011, com a mera intenção de compensar o montante que devido a erros de cálculo tinha deixado de cobrar aos clientes, no montante total de MOP2.000,00, pelo que a recorrente não cometeu o crime de que vinha acusada, e, por isso, não devia ter sido condenada em primeira instância;
– a decisão recorrida padece, assim, do erro notório na apreciação da prova, previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do vigente Código de Processo Penal (CPP).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 169 a 172) no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 181 a 182), preconizando também a improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Por sentença proferida nos subjacentes autos de Processo Comum Singular n.° CR4-13-0051-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, a arguida ora recorrente foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de burla, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do CP.
A tese fáctica defendida pela arguida na sua motivação do recurso, no sentido de que apenas praticou os factos entre Fevereiro e Março de 2011, com a mera intenção de compensar o montante que devido a erros de cálculo tinha deixado de cobrar aos clientes do estabelecimento ofendido “Sauna e Massagem XXXX”, no montante total de MOP2.000,00, foi materialmente referida no primeiro parágrafo da fundamentação probatória do julgamento de factos tecida pela M.ma Juíza autora da dita sentença, mas a M.ma Juíza acabou por considerar provada, após feita a análise, em global, da prova documental constante dos autos, com exame do objecto apreendido nos autos, das declarações da arguida e da prova testemunhal, a versão fáctica então acusada à recorrente, no sentido de que esta, sendo trabalhadora de caixa do estabelecimento “Sauna...”, e conhecedora da regra de concessão de 5% de descontos aos clientes membros da “Sauna”, se aproveitou do horário do trabalho e das facilidades oferecidas por esse seu posto de trabalho no período de 1 de Julho de 2010 a 21 de Março de 2011, para, com o fim de obtenção, para si, de vantagem ilegítima, fazer intencionamente, e o fez efectivamente, mediante truques feitos no sistema de liquidação de conta no computador, com que o responsável desse estabelecimento ofendido tenha acreditado na efectiva concessão de descontos aos clientes membros da “Sauna” no valor total de MOP50.586,00 naquele período de tempo, quando, na verdade, as respectivas contas em questão foram todas elas de clientes não membros da “Sauna” a quem a recorrente cobrou primeiro na totalidade do preço e depois reteve para si os 5% (no referido valor total de MOP50.586,00) desses preços todos em causa para proveito próprio dela.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, e depois de lida a motivação do recurso, é de concluir que a recorrente acabou por colocar apenas a questão de alegado cometimento, pelo Tribunal recorrido, do erro notório na apreciação da prova.
Entretanto, ante os elementos coligidos do exame dos autos, e já acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, é patente a improcedência dessa tese da recorrente, porquanto depois de vistos todos os elementos probatórios referidos pela M.ma Juíza a quo na fundamentação probatória do seu julgamento de factos, não se mostra evidente ao presente Tribunal ad quem que essa M.ma Juíza tenha violado quaisquer regras da experiência da vida quotodiana humana em normalidade de situações, ou qualquer norma legal sobre o valor da prova, ou ainda quaisquer leges artis vigentes na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, estando, pois, o resultado do julgamento de factos a que chegou a mesma M.ma Juíza dentro dos padrões da razoabilidade, pelo que não pode vir a arguida, através daquela sua tese fáctica vertida na motivação do recurso, sindicar gratuitamente desse resultado do julgamento de factos, ao flagrante arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.o 114.o do CPP.
Sendo, pelo acima visto, evidentemente infundado o recurso, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos ditados nos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso, com custas pela arguida, com três UC de taxa de justiça, e quatro UC de sanção pecuniária referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal.
Comunique a presente decisão ao estabelecimento ofendido.
Macau, 30 de Maio de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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