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Processo nº 91/2013
Data do Acórdão: 15OUT2015


Assuntos:

Intervenção no processo penal
Erro nos pressupostos de facto
Princípio in dubio pro reo
Fortes indícios
Conceitos indeterminados
Falta de fundamentação


SUMÁRIO

1. A natureza pessoal de determinados actos processuais do arguido no âmbito de processo penal nunca é fundamento para a declaração da nulidade ou a anulação de um acto administrativo de interdição de entrada na RAEM.

2. Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto.

3. Os conceitos indeterminados, não se tratam de conceitos consistentes em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceitos cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma. Para a captação do sentido e do alcance e a integração dos requisitos previstos no artº 12º/3 da Lei nº 6/2004, é preciso um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão decisor.

4. Ao contrário do que sucede com a discricionariedade, que é um poder derivado da lei que se consubstancia na liberdade reconhecida à Administração de escolher uma solução de entre várias soluções juridicamente admissíveis, o legislador, quando empregar conceitos indeterminados na previsão da norma, não está a conferir ao aplicador de direito qualquer liberdade de escolher de entre várias soluções legalmente admissíveis, mas sim fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento. O preenchimento do conceito indeterminado constitui portanto a actividade estritamente vinculada à lei, e consequentemente sindicável por via contenciosa.

5. Uma das finalidades da fundamentação é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão naquele sentido e não noutro de modo a que este possa, se discordar, recorrer aos meios legais ao seu dispor para poder ver alterada a decisão. Se no caso concreto resultar dos autos que o recorrente entende perfeitamente as razões do indeferimento do seu pedido, até porque veio atacar todos os fundamentos invocados pela entidade recorrida para justificar a solução consubstanciada no acto recorrido, inexiste o vício da falta da fundamentação.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 91/2013

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Senhor Secretário para a Segurança que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve a decisão do Senhor Comandante da PSP que lhe determinou a interdição da entrada na RAEM por três anos, concluindo e pedindo:

A,上指卷宗之司法上訴人,現於 閣下指定期間內,按照《行政訴訟法典》第51條第1款及第2款之規定,為補正上訴人先前自行提交的司法上訴狀中的形式瑕疵,現提交本

結論

具體內容如下:
1. 由於對保安司司長在2012年11月15日作出的禁止入境決定不服,司 法上訴人決定提起本司法上訴。
2. 上訴人認為,有關決定違反程序正義,存在事實前提錯誤,及違反第 6/2004號法律第12條第3及第4款之規定,應屬無效。
3. 首先,上訴人認為,其本人作為7465/2012號刑事偵查卷宗內之嫌犯, 依法有權參與刑事程序的進行。
4. 但是,被訴實體作出禁止入境之決定,剝奪了上訴人參與刑事訴訟的權利,故此,違反了程序正義。
5. 其次,在該決定中,被訴實體指控上訴人涉嫌觸犯了《刑法典》第191 條第1款a項所規定的“不法之錄製品及照片罪”、第312條第1款b項所規定的“違令罪”、第311條所規定的“抗拒及脅迫罪”以及第137條所規定的“普通傷害身體完整性罪”,彼等指控與基本事實不符。
6. 實際上,如同上訴人在聲明異議及訴願中所述,按照《刑法典》第191 條第1款a項,法律非常明確地排除了以公眾為對象之言詞錄音。
7. 而事發時,賭場管理人員作出的解釋係對所有公眾(包括上訴人在內) 應盡的義務的履行,因此,上訴人對之錄音明顯沒有違反《刑法典》第191條第1款a項。
8. 而且,賭場亦無不得錄音之規定。
9. 因此,上訴人認為其本人並沒有觸犯《刑法典》第191條第1款a項所規定的“不法之錄製品及照片罪”。
10. 另外,在與警員交涉過程中所作的錄音,目的亦僅為存證用途,對上訴人而言,這是一項權利。
11. 更重要的是,上訴人從來沒有對警員使用暴力或作出威脅辱罵,亦沒有作出任何反抗。
12. 事發現場X中心的現場錄像錄音資料,也能清楚顯示上訴人並無任何行為暴力或語言暴力。
13. 因此,被訴實體指控上訴人實施《刑法典》第312條第1款b項所規定的“違令罪”、第311條所規定的“抗拒及脅迫罪”以及第137條所規定的“普通傷害身體完整性罪”,完全與事實不符。
14. 另外,有關決定實際上亦欠缺具體內容,從來未有說明到底存在何種 “強烈跡象”顯示上訴人曾在澳實施犯罪。
15. 按照《刑事訴訟法典》第245條第2款之規定,存在犯罪消息時,原則上檢察院必須立案偵查,因此,絕對不能將“已被立案偵查”等同於“存有強烈的犯罪跡象”。
16. 既然有關決定未能說明存在何種“強烈跡象”顯示上訴人曾在澳實施 犯罪,可見該決定實際上僅依據上訴人被立案調室一事作為依據,這樣,有關決定顯然違背無罪推定原則。
17. 最後,按照第6/2004號法律第12條第3款之規定,“以第4/2003號法律第4條第2款(2)及(3)項所載理由,作出禁止入境的決定,必須以對澳門特別行政區的公共安全或公共秩序確實構成危險為依據。”另同條第4款亦規定,“禁止入境的期間須與引致禁止入境行為的嚴重性、危險性或可譴責性成比例。”。
18. 這樣,由於上訴人並無行為暴力亦無語言暴力,確實沒有對澳門的公共安全或秩序確實構成危險,被訴實體的決定顯然存在事實前提錯誤。
19. 同時,該決定也違反了第6/2004號法律第12條第3款及第4款之規定,應屬無效。

Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.

Tanto o recorrente como a entidade recorrida apresentaram as alegações facultativas, reiterando aquele grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos nas conclusões da petição do recurso e reafirmando esta última a posição no sentido de improcedência do recurso.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela não procedência do presente recurso.

Dos elementos constantes dos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente é residente da RPC e titular do Salvo-Conduto para Hong Kong e Macau nº ...;

* Em 01AGO2012, encontrava-se na RAEM com a autorização da permanência até 04AGO2012;

* No âmbito do inquérito nº 7465/2012-A de que é arguido o recorrente, foram-lhe imputados factos susceptíveis de integrar a prática de um crimes de gravações ilícitas, p. e p. pelo artº 191º/1-a), de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 312º/1-b), de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo artº 311º, e de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artº 137º/1, todos os do Código Penal, e foi-lhe imposta, a título de medida de coacção, a prestação de caução no valor de MOP$5.000,00;

* Pelos mesmos factos que deram lugar à abertura do inquérito nº 7465/2012-A, e ao abrigo do disposto no artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003 e no artº 12º/2-1), 3 e 4 da Lei nº 6/2004, o Senhor Comandante da PSP determinou-lhe a interdição de entrar na RAEM, pelo período de três anos;

* Inconformado com essa decisão, interpôs dela recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança;

* Em sede de recurso hierárquico, o Senhor Secretário para a Segurança, por despacho seu datado de 15NOV2012, negou-lhe provimento e manteve a interdição de entrada nos mesmos termos*; e

* Inconformado com esse despacho, o recorrente interpôs o recurso contencioso para o TSI.


Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da violação do direito de intervenção no processo penal;

2. Dos erros nos pressupostos de facto;

3. Dos erros nos pressupostos de direito; e

4. Do falta de fundamentação.

Então vejamos.

1. Da violação do direito de intervenção no processo penal

Para o recorrente, a interdição ora imposta pela Administração impede a sua entrada na RAEM a fim de ai intervir no processo penal contra ele instaurado, o que lhe retirará o direito de participar pessoalmente no processo penal e gerará injustiça processual.

De acordo com a matéria de facto assente, foi aberto inquérito contra o recorrente, a quem foram aplicadas medidas de coacção.

Uma vez constituído arguido, o recorrente passou a gozar vários direitos processuais, nomeadamente o de estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte e intervir no inquérito e na instrução, oferendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias – cf. artº 50º/1-a), b) e f) do Código de Processo Penal.

Como se sabe, se é verdade que a lei reserva ao defensor a prática de certos actos eminentemente técnicos, não é menos verdade que a nossa lei impõe que muitos actos processuais, especialmente de defesa devam ser pessoalmente praticados pelo próprio arguido, embora tecnicamente assistido pelo defensor.

Todavia, a natureza pessoal de determinados actos processuais do arguido no âmbito de processo penal nunca é fundamento para a declaração da nulidade ou a anulação de um acto administrativo de interdição de entrada na RAEM.

Pois por um lado, a própria lei processual penal já estabelece quais as consequências jurídicas para sancionar a inobservância das regras processuais que imponham a natureza pessoal da prática de actos processuais, e por outro lado, estão previstos meios de reacção próprios no processo penal à disposição dos sujeitos processuais, incluindo o arguido, para tutelar o direito de intervenção pessoal de arguidos, mais concretamente falando, são os meios de arguição perante a competente autoridade judiciária na respectiva fase processual previstos no regime de nulidades e irregularidades processuais.

Em termos práticos, a preocupação constitui uma questão falsa, pois o arguido, quando notificado para estar presente em determinado acto processual e pretender estar presente em qualquer acto processual que, face à lei, tem direito de intervir ou assistir, pode perfeitamente requerer à autoridade judiciária competente para oficiar às autoridades de imigração solicitando a tomada das medidas necessárias ao levantamento provisório da interdição, por forma a permitir a entrada do recorrente a fim de intervir no acto processual ou assistir à realização do acto processual.

De qualquer maneira, o presente recurso contencioso nunca é sede própria para a tutela dos direitos de um arguido no âmbito do processo penal e o que alegou o recorrente não constitui fundamento para a anulação da interdição de entrada que lhe foi determinada pela Administração, muito menos para a declaração da nulidade dessa interdição.

Improcede esta parte do recurso.

2. Dos erros nos pressupostos de facto

Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto.

In casu, na óptica do recorrente, a Administração actuou com erros nos pressupostos de facto quando reputou como verdadeiros os factos de que foi acusado no âmbito de inquérito não correspondem à verdade.

Assim, ao determinar a interdição com base nesses factos, a entidade recorrida errou nos pressupostos de actos.

Não tem razão o recorrente.

Ora, dos autos do procedimento administrativo consta um ofício da Polícia Judiciária dirigido ao Senhor Comandante da PSP, em que foram relatados os seguintes factos, parte ocorridos no casino XX e parte nas instalações da própria Polícia Judiciária:

  於2012年08月01日本局人員接獲X中心娛樂場保安部通知,A因積分不能兌換餐券之問題,在娛樂場與一名會藉部經理(即本案被害人)發生口角,其後A在女經理多次反對之情況下,持續使用手提電話的錄音器錄下與女經理之對話,其後女經理要求報案追究A之刑事及民事責任。
  其後,本局在接手處理事件期間,曾多次警告A停止繼續錄音,並再三解釋及告知A如繼續錄音,將會構成刑事犯罪且可被判處徒刑,但A在表示清楚明白有關警告後,仍聲稱不會停止錄音,故此,本局人員隨即向A發出口頭拘留令,將A拘留
  及後,在帶A返回本局期間,本局人員著令A立即停止錄音,但A拒絕並將手機放於身後,為免A會將手提電話內之錄音檔案刪除,本局人員著令A馬上交出手提電話,否則A將構成違令罪,但A拒絕並開始揮舞雙手,故本局人員為了保存本案之重要證據免遭毀滅,本局人員便使用適當之武力嘗試取走A之手提電話,但A情緒激動不斷揮舞雙手作出反抗,最終本局人員合力將A制服及成功取走該手提電話,而在將A制服時,本局刑事偵查員B因A之抗拒行為導致雙手受傷。
  本局刑事偵查員B因A作出之不法錄製、抗拒及脅迫而令到身體受到傷害,故亦聲明要求追究A之刑事及民事責任。
  在完成相關調查工作後,尤其載於案發之錄像清楚顯示,A將手提電話放於女經理工作之櫃檯進行錄音之情況,本局製作實況筆錄並於2012年08月02日將卷宗及拘留犯A送交檢察院偵辦。

Muito sinteticamente falando, aconteceu o seguinte:

* O recorrente efectuou a gravação da conversa que ele tinha com uma gerente no Casino X, contra a vontade dessa mesma gerente;

* Após a intervenção dos elementos da Polícia Judiciária, o recorrente continuou a proceder à gravação com o seu telemóvel;

* Mesmo alertado para não continuar com essa altitude sob pena de incorrer na prática de crimes de gravações ilícitas e desobediência, o recorrente não parou de fazer gravação;

* Foi-lhe dada a ordem de detenção;

* Recusou a entrega o telemóvel que a Polícia Judiciária pretende apreender para servir de meios de prova, tendo para o efeito resistido a actuações dos elementos da Polícia Judiciária; e

* Foi conduzido ao Ministério Público, com o auto de notícia dos factos ocorridos.

Ora, confrontando esses factos com os factos relatados na informação-proposta nº 733/2012-Pº222.18, ora constantes das fls. 83 e 84 do processo administrativo, para os quais o despacho do Senhor Secretário para a Segurança remeteu e acolheu para a fundamentação de facto da sua decisão, ora recorrida, que em sede de recurso hierárquico manteve a ordem de interdição determinada pelo Senhor Comandante da PSP, não se verifica qualquer discrepância nem incompatibilidade entre eles.

Na verdade, os factos em que se apoiou a entidade recorrida para proferir a decisão ora recorrida são justamente os mesmos que foram relatados e dados por indiciados no inquérito.

Inexistindo erro de facto, improcede o recurso nesta parte.

3. Dos erros nos pressupostos de direito
Apesar de o recorrente ter misturado as considerações tecidas para sustentar a sua tese de erro de facto com as relativas ao invocado de erro na subsunção dos factos à previsão das normas em causa, com alguns esforços nós captámos a ideia que o recorrente pretender dizer.

O recorrente avançou com vários argumentos para sustentar o invocado erro de direito.

Em primeiro lugar, diz que ao dar como assentes os factos relatados para fundamentar a interdição de entrada, a entidade violou o princípio in dubio pro reo.

Como se sabe, mesmo no processo penal, o princípio in dubio pro reo só é invocável na fase de julgamento, e nunca nas fases de inquérito e de instrução.

Infelizmente, a invocação deste princípio é sempre “abusada” por alguns operadores de direito.

É o que sucede no caso sub judice.

Ora, o princípio in dubio pro reo impõe que, se apesar de toda prova examinada e produzida na audiência de julgamento, permanecerem ainda factos que tendo sido já submetidos ao julgamento, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do Tribunal, o tal non liquet na questão de prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Eis o verdadeiro sentido e conteúdo que se afirma este princípio fundamental do processo penal.

Demonstrada a sem razão do recorrente quanto à invocação do princípio in dubio pro reo, passemos a debruçar-nos sobre os outros “erros de direito” invocados.

Na óptica do recorrente, os factos em que se apoiou a entidade recorrida para fundamentar o despacho recorrido não integram os pressupostos de facto para a determinação da medida de interdição.

Mais uma vez o argumento do recorrente é destituído de qualquer razão.

Para fundamentar a sua decisão, a entidade recorrida invocou com normativos aplicáveis o artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003 e o artº 12º/3 da Lei nº 6/2004.

O artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003 diz que:

2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) ……;
2) ……;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;

Por sua vez o artº 12º/3 da Lei nº 6/2004 reza que:

A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.

Para a entidade administrativa, foi determinativa da necessidade de interditar a entrada do recorrente na RAEM a existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, demonstrado pelos fortes indícios de terem praticado um crimes de gravações ilícitas, p. e p. pelo artº 191º/1-a), de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 312º/1-b), de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo artº 311º, e de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artº 137º/1, todos os do Código Penal determinativa da não concessão da licença.

Bom, a lei exige a existência de fortes indícios da prática de crime como demonstrativos do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM como requisitos para a interdição da entrada.

De acordo com os elementos constantes dos autos, nomeadamente o auto de notícia em que foram relatados os factos que foram presenciados por elementos da Polícia Judiciária e imputados ao recorrente no âmbito do inquérito, não temos dúvidas sobre a existência de fortes indícios a que se refere o artº 4º/2-3) da Lei nº 4/2003.

Em relação à exigência do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, a que se alude o artº 12º/3 da Lei nº 6/2004, estamos perante um chamado conceito indeterminado.

Os conceitos indeterminados, não se tratam de conceitos consistentes em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceitos cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

Pois a captação do sentido e do alcance e a integração desses requisitos previstos no artº 12º/3 da Lei nº 6/2004, pressupõe efectivamente um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão decisor.

E ao contrário do que sucede com a discricionariedade, que é um poder derivado da lei que se consubstancia na liberdade reconhecida à Administração de escolher uma solução de entre várias soluções juridicamente admissíveis, o legislador, quando empregar conceitos indeterminados na previsão da norma, não está a conferir ao aplicador de direito qualquer liberdade de escolher de entre várias soluções legalmente admissíveis, mas sim fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento.

O preenchimento do conceito indeterminado constitui portanto a actividade estritamente vinculada à lei, e consequentemente sindicável por via contenciosa.

Então passemos a apreciar a bondade da valoração feita pela Administração dos factos para o preenchimento dos tais conceitos constantes do artº 12º/3 da Lei nº 6/2004.

In casu, ao dizer, depois de ter valorado os factos alegados pelo recorrente no recurso hierárquico, que a presença do recorrente na RAEM constitui o perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, a Administração expõe as razões para o preenchimento dos tais conceitos constantes do artº 12º/3 da Lei nº 6/2004.

De facto, se estivéssemos colocados perante os factos relatados e indiciados nos autos do procedimento administrativo, extrairíamos o mesmo juízo valorativo que a Administração fez, isto é, concluir pela existência do perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.

Por outro lado, para além de serem “curtos” os argumentos alegados, o recorrente não conseguiu concretizar em que consiste o invocado erro de direito.

Assim sendo, entendemos que bem andou a Administração ao na determinação da interdição da entrada do recorrente na REAM por três anos.

4. Do falta de fundamentação

O recorrente imputa ao acto recorrido o vício da falta de fundamentação.

Como é sabido, uma das finalidades da fundamentação é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão naquele sentido e não noutro de modo a que este possa, se discordar, recorrer aos meios legais ao seu dispor para poder ver alterada a decisão.
No caso concreto resulta dos autos que o recorrente entende perfeitamente as razões do indeferimento do seu pedido, até porque veio atacar todos os fundamentos invocados pela entidade recorrida para justificar a solução consubstanciada no acto recorrido.

É portanto manifestamente improcedente esta parte do recurso.

Chegamos aqui, já estamos em condições de julgar totalmente improcedente o presente recurso.

No entanto, para evitar de sermos acusados de omissão da pronúncia, cabe uma nota final de que, dada a sua manifesta falta de consistência, não pode ser considerada como objecto da nossa apreciação a simples referência que o recorrente fez, no ponto 17 das conclusões da petição do recurso, ao princípio da proporcionalidade consagrado no artº 4º/4 da Lei nº 6/2004.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 15OUT2015
Fui presente Lai Kin Hong
Mai Man Ieng João Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
* DESPACHO

ASSUNTO: Recurso hierárquico necessário
RECORRENTE: A

  Por despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 17/09/2012, que aqui se dá por reproduzido, foi aplicada a medida de interdição de entrada a A, não residente, cidadão da República Popular da China, titular do Salvo-Conduto n.º ..., pelo período de 3 (três) anos, com fundamento legal no artigo 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 4/2003 conjugado com o artigo 12.º, n.ºs2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004.
  O despacho do Comandante do CPSP apropriou-se dos fundamentos do parecer e proposta n.º 733/2012, P. 222.18, de 02/08/2012, para aplicar a medida de interdição de entrada em apreço, tendo como fundamentos de facto a existência de fortes indícios da prática, pelo recorrente, do crime de gravações e fotografias ilícitas, crime de desobediência, crime de resistência e coacção e, crime de ofensa simples à integridade física (respectivamente, arts. 191.º, 312.º, n.º 1, aI. b), 311.º e 137.º, do Código Penal).
  A aplicação da medida de interdição de entrada nas situações com os contornos do caso em apreço justifica-se e depende da verificação de dois requisitos essenciais:
  - A existência de fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes (aI. 3), n.º 2, art. 4.º, da Lei n.º 4/2003) conjugada com a existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM; (n.º 3, art. 12.º, da Lei n.º 6/2004);
  - Sendo que, a verificação do segundo destes requisitos está sempre dependente do primeiro no que respeita à natureza e gravidade das infracções e do modo como eventualmente se repercutem em sede de segurança interna e ordem pública;
  Colhe-se do ofício da Polícia Judiciária (PJ), a fls. do processo instrutor, um acervo de elementos que permite concluir pela existência de fortes indícios da prática dos crimes imputado ao recorrente e pela constatação, "in casu" da existência de perigo efectivo para a segurança e ordem públicas, consubstanciado na possibilidade de virem a ser praticados crimes.
  Sendo certo que o acto impugnado se mostra adequado, necessário e proporcionai em sentido estrito, por o período de interdição de entrada de 3 anos se enquadrar no padrão decisório dos meus anteriores despachos aplicados a situações idênticas à em apreço.
  Assim, considero que a decisão proferida é legal, adequada e mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, confirmo a decisão recorrida, negando provimento ao presente recurso.
  Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 15 de Novembro de 2012.
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