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Processo nº 813/2012
Data do Acórdão: 13JUN2013


Assuntos:

Fundamentação da sentença


SUMÁRIO

A fundamentação visa dar conhecimento às partes quais são as razões de facto e de direito que serviram de base da decisão judicial, ou seja, permitir às partes conhecerem o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo tribunal, para que possam optar em aceitar a decisão ou impugná-la através dos meios legais.

Assim, a fundamentação existe desde que haja uma especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 813/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV2-08-0020-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença, julgando improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção:

  I – Relatório :
  A, casado, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na Avenida do XX, nº XX, Edifício XX r/c, «AE»,
  veio intentar a presente
  Acção Ordinária
  contra
  B, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na Avenida de XX, nºs XX, XXº andar «R»,
  com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 4,
  concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1. Declarar-se ser o Autor o legítimo proprietário da fracção autónoma «R21», sita em Macau, para habitação, do prédio com o nºs XX da Avenida XX, inscrito na matriz predial da freguesia da Sé, Concelho de Macau, descrito na conservatória do Registo Predial sob o nº 21604, a fls 50, do livro B52;
2. Condenar-se o Ré a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turvadores do seu exercício, e
3. Ordenada a restituição dessa fracção ao Autor.
*
  O Réu contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 36 a 40 dos autos pedindo que seja chamado C para se associar a si.
  Além disso, pediu que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora.
*
  Deferido o chamamento, foi citado C que contestou a acção com os fundamentos constantes de fls 83 a 91.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor bem como julgados procedentes os pedidos reconvencionais por si formulados.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
*
  Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
  II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
- Sob o número 137784G, por apresentação Nº 137 de 24/08/2006, o Autor tem registada a seu favor no registo predial a aquisição, por compra, do direito resultante da cessação por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, da fracção autónoma «R21», sita em Macau, para habitação, do prédio com o nºs 72 a 90 da Avenida XX, inscrito na matriz predial da freguesia da Sé, Concelho de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21604, a fls 50, do livro B52 (alínea A) dos factos assentes).
- A fechadura da fracção autónoma em causa foi substituída e a mesma fracção está ocupada pelo ora R. (alínea B) dos factos assentes).
- O R. habita na fracção identificada pelo A., há já pelo menos cinco anos, por referência à data da apresentação da contestação em juízo (16 de Junho de 2008) (alínea C) dos factos assentes).
- Foi o irmão do R. que dizendo-se proprietário, autorizou o R. a ocupar a fracção em causa (alínea D) dos factos assentes).
*
  Da Base Instrutória:
- A referida fracção foi habitada, antes do Réu, pelo irmão deste (o Interveniente) e respectiva família por um período de cerca de 10 anos (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- O irmão do R. C, acordou comprar a referida fracção com D por volta do ano de 1988 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Desde o referido ano de 1988 que o Interveniente, irmão do Réu, tem pago a prestação bancária em nome de D, respeitante à compra da referida fracção, junto do Banco Tai Fung (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Desde final do ano de 1988, que o Interveniente verbalmente se comprometeu e assumiu a compra do imóvel em crise nos autos (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Em data não apurada, mas antes ao ano de 1989, o Interveniente reconheceu que tinha prometido vender o imóvel ao Interveniente (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Tendo pago de sinal a quantia de MOP$20.000,00 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- E recebido o referido imóvel e passado a viver no mesmo com a sua família (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Ao longo de cerca de 10 anos (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Altura em que o seu irmão, ora Réu, com o seu consentimento passou a lá residir (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- Além da quantia acima mencionada, o Interveniente pagou ainda, a título de reforço de sinal, a quantia de MOP$30.000,00 (trinta mil patacas) (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Bem como, as restantes prestações em dívida relativamente ao empréstimo com recurso a facilidades bancárias que o original proprietário, havia contraído junto do Banco Tai Fung (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Tendo, para tal, o Interveniente despendido, pelos menos, MOP$79.936,75 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- As formalidades com a escritura pública de compra e venda, foram sendo adiadas ao longo dos anos, em virtude da ausência do Território da RAEM, por parte do original proprietário, D, o qual, se encontrava a residir em Taiwan (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- Desde finais de 1988, as chaves do imóvel estavam e sempre estiveram em poder do Interveniente (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- Desde finais de 1988, que o Interveniente vem ocupando o reivindicado, sem oposição de ninguém (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- À vista de toda a gente, familiares, amigos e vizinhos (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
***
  III – Fundamentos:
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Arrogando-se da qualidade de proprietário da fracção autónoma designada por “R21” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21604 a fls. 50 do Livro B52, qualidade essa resultante da compra do imóvel, veio o Autor reivindicá-lo por alegadamente o Réu ter estado a ocupá-lo sem qualquer título.
  Contestando a acção, veio o Réu impugnar a ocupação ilegítima a ele imputada defendendo que fora o seu irmão, ora Interveniente, que, afirmando-se proprietário da fracção autónoma lhe cedeu o gozo.
  Por sua vez, o Interveniente, veio contestar a pretensão do Autor alegando semelhantes factos e relatando com detalhe a relação de compra e venda estabelecida entre o Interveniente e o então proprietário do imóvel. Além disso, acrescentou outros factos relacionados com alegados vícios da compra e venda celebrada entre o Autor e o então proprietário e com a posse que o Interveniente alega exercer sobre o imóvel desde a data da aquisição. Com base no exposto, pede o Interveniente que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor e declarada nula a compra e venda celebrada entre o Autor e o então proprietário do imóvel ou, subsidiariamente, reconhecida a aquisição do direito de propriedade do imóvel por parte do Interveniente por meio de usucapião.
*
  Antes de entrar no mérito da causa, urge aquilatar a questão da legitimidade de um dos pedidos reconvencionais formulados pelo Interveniente.
  Como foi referido, pede o Interveniente que seja declarada nula a compra e venda celebrada entre o Autor e o então proprietário do imóvel, D com o consequente cancelamento do registo.
  Nos termos do artº 58º do CPC, “Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
  No entanto, dispõe o artº 61º, nº 1, do CPC que, “É igualmente necessária a intervenção de todos os sujeitos quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeitos útil normal; a decisão produz o seu efeitos útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes sujeitos, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”
  Caso o pedido acima referido merecer provimento, os efeitos a produzir serão os previstos no artº 282º do CC. Assim, está-se inequivocamente numa situação de litisconsórcio necessário visto que a eventual sentença final que faz extinguir o negócio jurídico ex tunc não produzirá o seu efeito normal se ela não for eficaz em relação a um dos outorgantes. É que, não se concebe uma situação em que a compra e venda se mantém em relação ao vendedor (para o qual deixou e continua a deixar de ser o proprietário do bem vendido) mas extinta por nula ou por ter sido anulada em relação ao comprador (para o qual terá que restituir o bem ao vendedor que “volta” a ser o proprietário do bem vendido).
  Conforme o Acórdão do STJ, de 1 de Fevereiro de 1995, in BMJ, 444º - 531, “Só existe litisconsórcio necessário quando a lei ou a lógica exijam a presença de todos os interessados para que a decisão produza os efeitos erga omnes, por ela exigidos. Quando o ordenamento jurídico aceite que a decisão possa produzir efeitos só contra algumas pessoas, de modo que a relação jurídica subsista, ainda que ineficaz face às partes, não há litisconsórcio.” –.
  Ora, dessas passagens retira-se facilmente que o presente caso se trata de uma situação de litisconsórcio necessário visto que nem a lógica nem o ordenamento permite que o negócio, a ser invalidado, subsista em relação a alguma das partes que não interveio no processo.
  Aliás, o Acórdão da RP, de 27 de Novembro de 1990, in BMJ, 401º - 647, refere expressamente que “O pedido de declaração de nulidade de contrato de compra e venda outorgado por escritura pública tem que ser formulado não só contra o comprador mas também contra o vendedor.”
  Nestes termos, julgo o Autor parte ilegítima em relação ao pedido ora em análise e absolvo o Autor da instância deste pedido.
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  Nos termos do artigo 1235º, nº 1, do CC, “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertencer.”
  Desse preceito vê-se que os pedidos formulados pelo Autor só procedem se o mesmo for realmente proprietário da fracção autónoma por si indicada e o Réu e o Interveniente estiverem a ocupá-la sem título.
  Conforme os factos assentes, o Autor está registado como proprietário da fracção autónoma reivindicada a qual continua a ser ocupada pelo Réu, ocupação essa autorizada pelo Interveniente que se arroga da qualidade de proprietário. Ademais, está também provado que, à data da contestação, o Réu ainda estava a habitar na fracção autónoma.
  Deverão, então, proceder os pedidos formulados pelo Autor?
  Julga-se que não.
  Senão, vejamos.
*
  Conforme também os factos assentes, em 1988, o Interveniente acordou comprar a fracção autónoma com o então proprietário do imóvel, D, tendo, por isso, pago o valor total de MOP$50.000,00 a título de sinal, recebido o imóvel detendo as respectivas chaves desde finais de 1988, passado a viver nele com a sua família por cerca de 10 anos e, a partir de então, autorizado o Réu a viver na fracção autónoma. Ademais, ficou provado que a escritura de compra e venda pela aquisição feita pelo Interveniente foi sendo adiada em virtude de o D se encontrar a residir em Taiwan. A isso acresce que se apurou que o Interveniente tinha pago as prestações mensais do empréstimo bancário contraído pelo então proprietário, D, para adquirir o imóvel sub judice e a ocupação do Interveniente foi feita sem qualquer oposição de ninguém e à vista de toda a gente, familiares, amigos e vizinhos.
  Ora, foi com base nesses factos que o Interveniente formula o pedido de aquisição originária da propriedade do imóvel fundada na posse do mesmo.
  “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actual por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” – artigo 1175º do CC.
  Conforme Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in Direitos Reais, Livraria Almedina, Coimbra, pgs 181, 189 a 190, “Dos artºs 1251º e 1253º do CC (a que correspondem aos artigos 1175º e 1177º do CC de Macau), verifica-se que a posse exige o “corpus” e o “animus” identificando-se o corpus “... como os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa” e traduzindo o animus “... na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.”.
  Dos factos provados, vê-se que, desde finais de 1988, o Interveniente tem vindo viver no imóvel e depois, na qualidade de proprietário do mesmo, autorizou o seu irmão, ora Réu, a viver nele. Além disso, o Interveniente pagou as amortizações do mesmo. Analisando os actos, não se vislumbram grande diferença entre estes e os que um proprietário praticaria. Há, portanto, o corpus possidendi em termos de propriedade plena sobre a fracção autónoma.
  Desses mesmos factos pode-se retirar a conclusão de que o Interveniente tinha convicção de actuar como verdadeiro proprietário do bem. Com efeito, depois de prometer comprá-lo, passou a viver nele com a sua família, pagou o empréstimo bancário contraído pelo então proprietário para a aquisição do imóvel. Ora, esses factos demonstram inequivocamente que o Interveniente se considera proprietário do bem. A isso acresce que, mesmo quando deixou de morar na fracção autónoma em questão, autorizou o seu irmão, ora Réu, a habitar nela. Este facto reforça o entendimento de que o Interveniente está convencido de que é proprietário do imóvel. Verifica-se também o animus possidendi.
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  Assente que o Interveniente exerce sobre a fracção autónoma poderes em tudo semelhante aos de um proprietário com a convicção de o ser, em princípio, deve considerá-lo como possuidor da mesma. Pois, estão presentes quer o corpus quer o animus possidendi.
  Carece, porém, de aquilatar se, como e quando o Interveniente adquiriu a posse que aparenta ter. É que, só se pode afirmar que alguém é possuidor depois de este mesmo adquirir a respectiva posse. A isso acresce que só depois de adquirida a posse, com determinadas características, é que se inicia a contagem do prazo necessário da usucapião almejada pelo Interveniente.
  Nos termos do artigo 1187º, b), “A posse adquire-se pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor.”
  Tendo em conta o disposto no preceito acima transcrito, urge analisar se o D era possuidor do bem a que se refere os presentes autos e se o Interveniente dele recebeu o bem.
  Está assente o referido D era o original proprietário do imóvel. No entanto, nada consta dos autos de que o D era possuidor do imóvel e de que o Interveniente dele recebeu o imóvel.
  Resta, portanto, analisar se o Interveniente adquiriu a posse por qualquer outro meio.
  Nos termos do artigo 1187º, a), do CC, “A posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito.” (sublinhado nosso)
  Dos factos provados, vê-se que o Interveniente vem praticando os actos materiais acima referidos, desde finais de 1988.
  Conforme Oliveira Ascensão, Direitos Reais, Centro de Estudos de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa-1971, pg 240 a 241, “É então necessário que se pratiquem actos de intensidade suficiente para se afirmar que o sujeito colocou a coisa debaixo do seu poder. ... É pois natural que a investidura exija uma intensidade maior que o mero protrair da situação constituída. Di-lo claramente o artº 1263º, a) (o correspondente ao artigo 1187º, a), do CC de Macau),ao prever entre as causas de aquisição da posse a prática reiterada dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito. Em todo o caso, supomos que essa prática reiterada se refere mais à intensidade que à duração: se alguém subtrai um anel e o põe no bolso ou encontra um fóssil e o guarda em casa, consumou-se tudo o que era necessário para o apossamento.”
  Tendo em conta esses ensinamentos, não restam dúvidas de que a exigida prática reiterada, consubstanciada na intensidade dos actos materiais praticados pelo Interveniente, ocorreu em finais de 1988, altura em que o Interveniente começou a viver nela e dispor dela como coisa sua, pagar as amortizações da mesma, actos que um verdadeiro proprietário praticaria.
  No que se refere ao requisito da publicidade, ficou assente que o Interveniente pratica os actos acima referidos à vista de toda a gente sem a oposição de ninguém.
  Segundo António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II Volume, Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças, Imprensa Nacional-Casa de Moeda, 1979, pg 664, “O termo ‘publicidade’ tem, contudo, de ser tomado com cuidado. Deduzimos do artigo 1267º, nº 2, (o correspondente ao artigo 1192º, nº 2, do CC de Macau), que a posse se pode constituir ocultamente, em relação à comunidade social: deve ser conhecida apenas pelo possuidor anterior, prejudicado pela nova posse. Pensamos, por isso, que a publicidade é, aqui, o conhecimento da situação por parte dos interessados.”
  Ora, tendo o Interveniente praticado os actos acima referidos perante toda a gente sem qualquer oposição de quem quer que seja, conclui-se que os actos são públicos também em relação ao anterior possuidor.
  Assim, pode-se concluir que o Interveniente tinha adquirido a posse do bem pela via referida no artigo 1187º, nº a), do CC em finais de 1988.
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  Nos termos do artigo 1221º, do CC, “Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé, independentemente do carácter titulado ou não da posse.”
  Tendo em conta os factos assentes, pode-se concluir que a posse do Interveniente é pacífica e pública – cfr. artigos 1185º e 1186º do CC.
  Apesar de a posse do Autor não ser titulada e, como tal, presumidamente de má fé – cfr. artigos 1183º e 1184º do CC, as circunstâncias em que o Interveniente obteve a posse da coisa permitem-nos afastar esta presunção. Com efeito, o Interveniente recebeu o bem depois de ter acordado comprá-lo ao proprietário original. A isso acresce que o mesmo pagou as prestações para amortizar o empréstimo contraído pelo proprietário original precisamente para adquirir o bem em questão. Ora, é natural ao Interveniente acreditar que ninguém ficou lesado com a sua aquisição da posse.
  Conjugando todo o expendido, a usucapião da propriedade do imóvel pode dar-se depois de o Interveniente possuí-lo por 15 anos.
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  Como foi referido acima, o Interveniente tinha adquirido a posse do bem em finais de 1988.
  Nos termos do artigo 315º, nº 1, do CC, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
  Conforme o aviso de recepção de fls 77, o Interveniente recebeu a carta de citação em 12 de Março de 2009. Assim, por referência à data da sua citação para intervir na presente acção, a sua posse durou cerca de 20 anos e alguns meses.
  Pelo que, à data em que o Interveniente foi citado, já se tinha completado o prazo de prescrição aquisitiva de 15 anos, não podendo a citação produzir qualquer efeito impeditivo previsto no artigo 315º, nº 1, do CC, em relação à pretensão do Interveniente.
*
  É, pois, de concluir que, em 12 de Março de 2009, data em que o Interveniente foi citado para a presente acção, este já tinha adquirido originariamente a fracção autónoma.
  Ensina Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Reimpressão, Coimbra 1992, pg 15, que “Na aquisição originária ... Pode suceder também que preexistisse à aquisição o direito dum titular anterior, direito que se extinguiu ou ficou limitado ou comprimido em virtude da aquisição. Mas o direito do adquirente não se filia no do titular anterior. Não depende dele nem na sua existência nem na sua extensão. Não foi adquirido por causa desse direito, mas apesar dele. E mesmo quando esta aquisição faz extinguir um direito preexistente e esse direito seja da mesma natureza e conteúdo que o direito adquirido, ele não passa para o adquirente, mantendo-se idêntico através da mudança do respectivo titular. ... Depois disto, é fácil ver que a prescrição aquisitiva constitui um modo de aquisição originária. Claro que, quando se consuma esta prescrição, se extingue ou sofre redução o direito do proprietário anterior, que sempre terá existido, pois de outro modo só poderia dar-se a ocupação – aliás impossível para os imóveis que sempre têm dono. Extingue-se quando o direito adquirido por prescrição é a propriedade, e sofre redução uqando tal direito é apenas um direito de gozo ... .”
  Assim, tendo o Interveniente adquirido originariamente a propriedade da fracção autónoma e sendo este direito incompatível com o direito do Autor, este último direito cede perante aquele. Ademais, por ser de mesma natureza, conteúdo e extensão que o direito adquirido pelo Interveniente, o direito do Autor extingue por força da constituição do direito do Interveniente.
  Face ao expendido, verifica-se que o Autor jamais é proprietário da fracção autónoma a que os presentes autos se referem o que o impede de se arrogar da qualidade de proprietário e de reinvindicar o bem contra quem quer que seja. Improcedem, pois, os seus pedidos.
  Por outra banda, por o Interveniente ter adquirido a mesma fracção autónoma por meio de usucapião, é de julgar procedente o pedido reconvencional.
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  Pede o Autor a condenação do Réu como litigantes de má fé por ter faltado à verdade porque, para justificar a sua ocupação, afirmou falsamente que o Interveniente comprou o imóvel ao anterior proprietário.
  Feito o julgamento, foi dado como provado que o Interveniente tinha prometido comprar o imóvel ao anterior proprietário. Apesar de uma promessa de compra ser diferente de uma compra, o facto de estar também provada a ocupação do imóvel por parte do Interveniente após a aquisição do imóvel, pode perfeitamente o Réu ter confundido uma compra com uma promessa de compra. Aliás, não sendo o próprio Réu o promitente comprador, pode perfeitamente este estar convencido de que o Interveniente comprou mesmo o imóvel.
  Não se vislumbra, pois, qualquer propósito de faltar à verdade por parte do Réu.
  Improcede consequentemente o pedido de condenação em questão.
***
  IV – Decisão (裁 決):
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvencção e, em consequência, decide:
1. Absolver o Autor, A, da instância relativa ao pedido de declaração de nulidade da escritura de compra e venda e de cancelamento do registo de aquisição formulado pelo Interveniente, C.
2. Absolver o Réu, B, e o Interveniente, C, dos pedidos formulados pelo Autor, A;
3. Declarar o Interveniente, C, proprietário da fracção designada por «R21», sita em Macau, para habitação, do prédio com o nºs 72 a 90 da Avenida de Artur XX, descrito na conservatória do Registo Predial sob o nº 21604, a fls 50, do livro B52, onde se encontra registado em nome do Autor, A, conforme inscrição nº 137784G;
  Custas pelas Autora e o Interveniente na proporção dos respectivos decaimentos.
  Registe e Notifique.
  ***
  據上論結,本法庭裁定訴訟理由不成立及反訴理由部分成立,裁決如下:
1. 駁回參與人C要求宣告買賣合同無效及註銷相關登記之起訴,開釋原告A;
2. 駁回原告提出之請求,開釋被告B及參與人C;
3. 宣告參與人C為以下物業之所有人:標示於物業登記局21604號B52簿冊第50頁,座落於XX大馬路XX號XX之獨立單位,根據登錄編號137784G現時業權人為原告A。
  訴訟費用由原告及參與人按勝負比例承擔。
  依法作出通知及登錄本判決。

Não se conformando com o decidido, veio o Autor A recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

O Autor formulou para o efeito as seguintes conclusões:

  1.ª Foi o presente recurso interposto do, aliás, douto Acórdão julgou improcedente a acção por não provada, decidindo absolver o Réu e o Interveniente dos pedidos formulados pelo Autor, declararando como proprietário da fracção em causa o ora Interveniente;
  2.ª Ocorre vício de falta de fundamentação de direito quando a sentença, ainda que implicitamente, não revela o enquadramento jurídico deixando ininteligível os fundamentos da decisão;
  3.ª De harmonia com a lei, o juiz na sentença deve concluir pela decisão final, o que se vem entendendo reconduzir-se, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação discursiva entre:
- uma premissa maior, delineada na base da facti species plasmada no quadro normativo aplicável;
- uma premissa menor integrada pelo universo factual dado como provado;
- e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo;
  4.ª No presente caso, a decisão ora recorridanão tomou em consideração, na fixação da matéria de facto, factos que resultaram plenamente provados e que constam dos autos, os quais eram decisivos para uma decisão antagónica da que ora se recorre, nomeadamente, quanto ao facto de a posse não ter sido contínua;
  5.ª a Existe, ainda, uma manifesta falta de fundamentação na decisão recorrida por não especificação dos fundamentos de direito em que se ancora;
  6.ª Com efeito, consta da douta decisão que o Interveniente tem a posse da fracção em causa desde finais de 1988 e que, entretanto, deixou a fracção e quem nesta vive é o seu irmão, ora Réu, desde 1998;
  7.ª A (insuficiente) fundamentação apresentada, para além de contrária à lei, à jurisprudência e à Doutrina, é confusa, chegando mesmo, em alguns passos, a ser imperceptível, sendo que a imposição legal vai no sentido de que a mesma deve ser expressa, clara e precisa;
  8.ª Existindo contradição, obscuridade ou insuficiência, deve tal circunstância equiparar-se à sua falta;
  9.ª Encontra-se, pois, verificado, o vício da falta de fundamentação;
  10.ª Paralelamente, no decurso da presente acção, o Réu e o ora Interveniente não lograram provar que a prática dos actos de posse fosse levada a cabo na convicção de o fazerem no exercício de um direito correspondente ao de propriedade, e bem assim como que a prática de tais actos fosse realizada continuamente (sem interrupção no tempo ou até reiteradamente, com exclusão de outrem);
  11.ª A posse do direito é, assim, um dos requisitos estruturais da usucapião, que funciona como condição «sine qua non» da prescrição aquisitiva, sendo o outro o de curso decerto lapso de tempo da duração da posse do direito;
  12.ª Efectivamente, através da estrutura dos direitos reais tipificados, consegue-se alcançar a ordenação dominial definitiva, que é uma ordenação tão concreta quanto possível, a qual, para que se torne completa, ou seja, para que não deixe lacunas na regulamentação dos bens, a fim de evitar que se criem situações de dúvida sobre a existência, espécie e títulos de domínio, impõe o recurso ao sistema da ordenação dominial provisória, que tem subjacente a posse;
  13.ª O artigo 1175.º do Código Civil de Macau, define a posse como “(...) o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercicio do direito de propriedade ou de outro direito real”;
  14.ª Por isso, a posse é um direito real provisório, porquanto os seus efeitos são independentes da circunstância de se saber quem é o titular do direito real sobre a coisa que está na esfera do possuidor, pelo que só actua, enquanto não for, definitivamente, apurado quem é o autêntico titular do direito real sobre o bem, e cessa, não havendo, anteriormente, usucapião, perante a acção de reivindicação;
  15.ª O corpus exige, assim, um permanente e contínuo contacto físico com a coisa, não bastando que esta esteja, virtualmente, no âmbito do poder de facto do possuidor ou que este dela retire as vantagens económicas correspondentes;
  16.ª É, pois, necessária uma ligação estável, de modo que, durante todo esse período, se tenham praticado actos respeitantes ao direito de propriedade, qualquer que seja a intensidade do aproveitamento efectuado mediante tais actos;
  17.a Ora, no presente caso o ora Interveniente, desde 1998, que nada tem a ver com a fracção autónoma em causa. Fracção esta que desde essa data é a casa de morada de família do ora Réu;
  18.ª É, pois, de salientar que os factos dados como provados não demonstram a existência de actos de posse conducentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião por parte do Interveniente dos presentes autos;
  19.ª Não se encontram preenchidos os requisitos da usucapião para que esta tenha provimento.
  Termos em que, e no sentido em que supra se concluiu, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue o pedido do Autor, ora Recorrente, procedente nos termos então peticionados, assim se fazendo,
  JUSTIÇA.

Notificados o Réu B e o Interveniente C, nenhum deles contra-alegou.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição dos recursos interpostos por ambas as partes, são em síntese as seguintes questões de direito que delimitam o objecto da nossa apreciação:

1. Da falta de fundamentação; e

2. Da posse.

Então vejamos.






Ficou assente a seguinte matéria de facto:

* Sob o número 137784G, por apresentação Nº 137 de 24/08/2006, o Autor tem registada a seu favor no registo predial a aquisição, por compra, do direito resultante da cessação por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, da fracção autónoma «R21», sita em Macau, para habitação, do prédio com o nºs XX da Avenida XX, inscrito na matriz predial da freguesia da Sé, Concelho de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21604, a fls. 50, do livro B52 (alínea A) dos factos assentes).

* A fechadura da fracção autónoma em causa foi substituída e a mesma fracção está ocupada pelo ora R. (alínea B) dos factos assentes).

* O R. habita na fracção identificada pelo A., há já pelo menos cinco anos, por referência à data da apresentação da contestação em juízo (16 de Junho de 2008) (alínea C) dos factos assentes).

* Foi o irmão do R. que dizendo-se proprietário, autorizou o R. a ocupar a fracção em causa (alínea D) dos factos assentes).

* A referida fracção foi habitada, antes do Réu, pelo irmão deste (o Interveniente) e respectiva família por um período de cerca de 10 anos (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).

* O irmão do R. C, acordou comprar a referida fracção com D por volta do ano de 1988 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).

* Desde o referido ano de 1988 que o Interveniente, irmão do Réu, tem pago a prestação bancária em nome de D, respeitante à compra da referida fracção, junto do Banco Tai Fung (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).

* Desde final do ano de 1988, que o Interveniente verbalmente se comprometeu e assumiu a compra do imóvel em crise nos autos (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).

* Em data não apurada, mas antes ao ano de 1989, o Interveniente reconheceu que tinha prometido vender o imóvel ao Interveniente (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).

* Tendo pago de sinal a quantia de MOP$20.000,00 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).

* E recebido o referido imóvel e passado a viver no mesmo com a sua família (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).

* Ao longo de cerca de 10 anos (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).

* Altura em que o seu irmão, ora Réu, com o seu consentimento passou a lá residir (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).

* Além da quantia acima mencionada, o Interveniente pagou ainda, a título de reforço de sinal, a quantia de MOP$30.000,00 (trinta mil patacas) (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).

* Bem como, as restantes prestações em dívida relativamente ao empréstimo com recurso a facilidades bancárias que o original proprietário, havia contraído junto do Banco Tai Fung (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).

* Tendo, para tal, o Interveniente despendido, pelos menos, MOP$79.936,75 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).

* As formalidades com a escritura pública de compra e venda, foram sendo adiadas ao longo dos anos, em virtude da ausência do Território da RAEM, por parte do original proprietário, D, o qual, se encontrava a residir em Taiwan (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).

* Desde finais de 1988, as chaves do imóvel estavam e sempre estiveram em poder do Interveniente (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).

* Desde finais de 1988, que o Interveniente vem ocupando o reivindicado, sem oposição de ninguém (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).

* À vista de toda a gente, familiares, amigos e vizinhos (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).

Então vejamos.


1. Da falta de fundamentação

Apesar de denominar o vício que imputa à sentença recorrida “falta de fundamentação”, o recorrente no fundo está a dizer que a fundamentação da sentença é deficiente, contraditória ou até imperceptível.

Porque para ele, a fundamentação deficiente, contraditória ou imperceptível equivale à falta de fundamentação.

Tal expressão adjectival e conclusiva “deficiente, contraditória ou até imperceptível” utilizada pelo recorrente apoia-se essencialmente na circunstância de a alegada interrupção temporal da posse de que se arrogou o Interveniente dever ser, na óptica do recorrente, decisiva para uma decisão antagónica da decisão recorrida.

Isto é, como o Interveniente tinha a posse da fracção em causa desde finais de 1988 e entretanto deixou a fracção e quem nesta vive desde 1998 é o seu irmão, ora Réu.

A propósito da questão de falta de fundamentação, este TSI já chegou a pronunciar-se no seu Acórdão de 19ABR2012, tirado no processo nº 444/2011 o seguinte, que:

……

Em relação à alegada falta de fundamentação, cumpre dizer que não se deve confundir a falta de fundamentação com a falta de fundamentos.

A primeira é um vício formal ao passo que a segunda é um vício substancial cuja verificação implica o erro de julgamento.

A fundamentação visa dar conhecimento às partes quais são as razões de facto e de direito que serviram de base da decisão judicial, ou seja, permitir às partes conhecerem o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo tribunal, para que possam optar em aceitar a decisão ou impugná-la através dos meios legais.

Assim, a fundamentação existe desde que haja uma especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.

Ora, in casu, é de frisar que, conforme se vê na sentença recorrida, ora integralmente transcrita no relatório do presente Acórdão, a Exmª Juiz Presidente do Colectivo autora da sentença, expôs as razões de facto e de direito para sustentar todas as decisões constantes do dispositivo da sentença.

E pelos argumentos deduzidos pelo recorrente para sustentar o seu pedido do recurso, podemos concluir seguramente que o Autor, ora recorrente, percebeu perfeitamente as razões da procedência parcial da reconvenção do interveniente, só que não concorda com elas.

A questão de saber se os factos assentes sustentam ou não a decisão de direito já é uma questão de fundo que vamos analisar a seguir, ao passo que a de saber se os factos assentes estão ou não em oposição com a decisão de direito já é questão de eventual nulidade de sentença a que se refere o artº 571º/1-c) do CPC.

Todavia, conforme iremos demonstrar, não existe erro de julgamento nem nulidade de sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.

2. Da posse

Diz o recorrente nas conclusões do seu recurso que:

17.a Ora, no presente caso o ora Interveniente, desde 1998, que nada tem a ver com a fracção autónoma em causa. Fracção esta que desde essa data é a casa de morada de família do ora Réu;

18.ª É, pois, de salientar que os factos dados como provados não demonstram a existência de actos de posse conducentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião por parte do Interveniente dos presentes autos;

19.ª Não se encontram preenchidos os requisitos da usucapião para que esta tenha provimento.

Para questionar a decretada aquisição pelo Interveniente do imóvel por usucapião, o recorrente apoia-se de novo na alegada interrupção da posse pelo Interveniente originada pela circunstância de ele ter deixado em 1998 a fracção ao seu irmão para este viver ali a partir dai.

Não tem razão o recorrente.

É verdade que o irmão do Interveniente passou a viver na fracção em causa a partir de 1998.

Todavia nem por este simples facto que o Interveniente deixou de exercer a posse sobre o imóvel, pois foi o Interveniente que se dizendo proprietário, autorizou o seu irmão, ora Réu, a ocupar a fracção em causa – alínea D dos factos assentes na Especificação do saneador.

Ora, a disponibilização de um bem a favor de outrem é sem dúvida uma das manifestações do exercício do direito de propriedade que, de acordo com o artº 1229º do CC, comporta as faculdades de usar, fruir e dispor.

Tal como sucede na relação entre o senhorio e o arrendatário, nem pelo simples facto de um imóvel se encontrar ocupado pelo arrendatário o senhorio deixou de exercer o direito de propriedade.

Aliás ao dar de arrendamento um imóvel, está a exercer uma das faculdades integrantes do conteúdo do direito de propriedade.

Além disso, o recorrente entende os factos dados como provados não demonstram a existência de actos de posse conducentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião por parte do Interveniente.

Atendendo ao que foi alegado na petição do recurso, o recorrente está referir-se à celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa entre o Interveniente e o ex-proprietário, à tradição do imóvel ao Interveniente e ao pagamento do preço pelo Interveniente.

Para o recorrente, o contrato-promessa não tem efeito translativo da posse.

Ao dizer isso, o recorrente está impugnar uma coisa que não existe, uma vez que, com uma leitura atenta da sentença recorrida, verificamos que a Exmª Juiz a quo nunca fundamentou a aquisição da posse por parte do Interveniente com base no facto de ter sido apenas verbalmente celebrado o contrato de promessa entre o ex-proprietário e o Interveniente.

Pois por força do disposto no artº 410º/2 do CC, na versão vigente no momento da promessa, já era preciso que constasse de um documento assinado pelos promitentes a promessa de compra e venda de um imóvel.

Não sendo validamente celebrada a tal promessa por inobservância da forma legal, naturalmente não se deve atribuir qualquer efeito translativo da posse à tal promessa verbal.

De facto, conforme se vê na sentença recorrida, foi com base nos seguintes factos dados na primeira instância que a Exmª Juiz fundamentou a aquisição da posse por parte do Interveniente:

* Foi o irmão do R. que dizendo-se proprietário, autorizou o R. a ocupar a fracção em causa (alínea D) dos factos assentes).

* A referida fracção foi habitada, antes do Réu, pelo irmão deste (o Interveniente) e respectiva família por um período de cerca de 10 anos (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).

* O irmão do R. C, acordou comprar a referida fracção com D por volta do ano de 1988 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).

* Desde o referido ano de 1988 que o Interveniente, irmão do Réu, tem pago a prestação bancária em nome de D, respeitante à compra da referida fracção, junto do Banco Tai Fung (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).

* Desde final do ano de 1988, que o Interveniente verbalmente se comprometeu e assumiu a compra do imóvel em crise nos autos (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).

* Tendo pago de sinal a quantia de MOP$20.000,00 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).

* E recebido o referido imóvel e passado a viver no mesmo com a sua família (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).

* Ao longo de cerca de 10 anos (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).

* Altura em que o seu irmão, ora Réu, com o seu consentimento passou a lá residir (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).

* Além da quantia acima mencionada, o Interveniente pagou ainda, a título de reforço de sinal, a quantia de MOP$30.000,00 (trinta mil patacas) (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).

* Bem como, as restantes prestações em dívida relativamente ao empréstimo com recurso a facilidades bancárias que o original proprietário, havia contraído junto do Banco Tai Fung (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).

* Tendo, para tal, o Interveniente despendido, pelos menos, MOP$79.936,75 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).

* Desde finais de 1988, as chaves do imóvel estavam e sempre estiveram em poder do Interveniente (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).

* Desde finais de 1988, que o Interveniente vem ocupando o reivindicado, sem oposição de ninguém (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).

* À vista de toda a gente, familiares, amigos e vizinhos (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).


Foi justamente essa factualidade que habilitou a Exmª Juiz a concluir que o Interveniente tinha adquirido a posse do bem pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade do imóvel em causa.

Improcede assim todos os argumentos, para questionar a posse, levados às conclusões do recurso pelo recorrente.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar negar provimento ao recurso interposto pelo Autor, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo Autor.

Registe e notifique.

RAEM, 13JUN2013

_________________________
Lai Kin Hong
(Relator)

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Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)