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Processo n.º 106/2013
(Recurso cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 2/Maio/2013


ASSUNTOS:

- Erro - vício
- Requisitos do erro negocial no novo CC
- Anulabilidade de uma compra e venda de uma quota ideal de uma fracção destinada a parqueamento que se encontrava penhorada
- Desculpabilidade do erro e sua relevância

SUMÁRIO :
     
1. Se uma determinada pessoa compra uma quota ideal de uma fracção destinada a parqueamento que se encontrava penhorada, quando o vendedor lhe diz que a venda era feita livre de ónus e encargos, esse erro não deixa de relevar para efeitos de anulabilidade do negócio, mesmo que o vendedor pensasse ser verdade o afirmado e mesmo que o notário não tenha advertido desse ónus no acto da escritura.

2. Esse erro não deixa de ser cognoscível se uma leitura mais aturada da certidão registral do objecto da venda aponta no sentido de que grande parte dessa fracção está penhorada e ainda que aquela quota ideal não esteja materialmente concretizada, o facto de grande parte dela estar penhorada, a quota ter provindo de alguém que fora o concessionário e construtor do prédio e que viu os seu bens penhorados, é de crer que a penhora também incidisse sobre aquela quota.

    3. O erro, pedra de toque na disciplina do negócio jurídico, configurado no novo CC com uma disciplina moderna e inovadora em relação ao CC67, veio rasgar a orientação tradicional, tutelando melhor os interesses negociais em presença de uma forma mais razoável, deixando de se distinguir as diferentes categorias sobre que o erro incidiu, afastando-se a subjectivização, equilibrando a posição do declarante e do declaratário, o que se obtém pela alteração do critério da cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro para a cognoscibilidade do próprio erro, de modo a afastar as críticas de que bastaria o mero conhecimento da essencialidade de um elemento sobre que aquele incidiu, ainda que o erro em si não fosse cognoscível, para que um dado negócio pudesse ser anulado.

    4. Há então que ser cauteloso na interpretação da norma do artigo 240º, n.º 3 do CC e atentar bem nos seus elementos: possibilidade de conhecimento do erro; visto o conteúdo e circunstâncias do negócio; situação das partes, partes enquanto pessoas de normal diligência.

5. Em sede do requisito da cognoscibilidade releva a possibilidade de detecção do erro e não interessa já uma justificação para a não incursão no mesmo, sendo que a desculpabilidade não constitui um requisito integrante do erro, desde que objectivamente essencial.

    6. A parte final do n.º 1 do artigo 240º, a par da cognoscibilidade do erro e da sua essencialidade para o declarante, prevê ainda a relevância do erro quando este tenha sido causado por informações prestadas pelo declaratário.

7. Ao deslocar o requisito da cognoscibilidade do elemento sobre que incidiu o erro, ainda que contra a doutrina até então maioritária, o novo CC de Macau, na linha de Mota Pinto, reforça o princípio da tutela da confiança.



              O Relator,



















Processo n.º 106/2013
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 2/Maio/2013

Recorrentes: A
B

Recorrida: C Limited

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A e sua mulher B, réus nos autos à margem referenciados, não se conformando com a douta sentença de 18 de Julho de 2012 proferida nos presentes autos que decidiu anular a compra e venda de 1/306 da fracção autónoma "AR/C" mais bem identificada nos autos e, consequentemente, condenar os RR. a pagar à Autora a quantia de MOP$ 307.720,73, acrescida dos juros, à taxa legal, desde 1 de Junho de 2010 até efectivo e integral pagamento, e, bem assim, os juros do empréstimo contraído para aquisição da referida quota indivisa vencidos a partir de 30 de Janeiro de 2010, a liquidar em execução de sentença, dela vem interpor recurso, alegando em síntese conclusiva:
     1ª
    O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls. 331 e ss. proferida pelo TJB que julgou parcialmente procedente a presente acção, decidindo anular a compra e venda de 1/306 avos da fracção autónoma "AR/C" do prédio urbano melhor identificado nos autos, celebrada em 29 de Janeiro de 2008 entre a Recorrida, na qualidade de compradora, e os Recorrentes, na qualidade de vendedores, e, em consequência, condenar estes a pagar à primeira uma indemnização, nos termos do artigo 901º do CCM.
     2ª
    Em primeiro lugar, vêm os recorrentes impugnar a decisão de facto, ao abrigo do artigo 599º, n.º 1 do CPC, particularmente as respostas positivas dos quesitos 3º, 4º, 8º e 16º da base instrutória, pontos concretos da matéria de facto que os Recorrentes consideram incorrectamente julgados, tomando em conta os meios probatórios, constantes do processo, que impunham sobre essa questão decisão diversa da recorrida.
     3ª
    Até à compra e venda do espaço de estacionamento em causa (correspondente a 1/306 avos da referida fracção autónoma AR/C") acima referenciada, foi feito o registo de uma única penhora junto da CRP incidente sobre 157/avos daquela fracção, em 23 de Novembro de 2011 (v., fls. 64 e 263 dos presentes autos).
     4ª
    Ora, não resultou provado que a penhora em causa incidente sobre a quota indivisa da fracção "AR/C" incluísse a quota (de 1/306) que os Recorrentes venderam à Recorrida em 29/01/2008, e, muito menos, que tivesse sido registada qualquer penhora incidente sobre a mesma quota (de 1/306) em data anterior à aludida aquisição pela Recorrida, bastando analisar a Certidão Predial de fls. 258 e ss. dos autos, respeitante a esse bem, para se chegar à conclusão que não havia qualquer registo de penhora incidente sobre a mesma quota indivisa.
     5ª
    Sendo que não foi ilidida a força probatória plena daquele documento autêntico, mediante a arguição da sua falsidade, nos termos estabelecidos no artigo 366º do Código Civil e nos artigos 471º e ss. do CPC.
     6ª
    Termos em que se conclui que, existindo apenas só um registo de penhora incidente sobre aquela fracção autónoma conforme inscrição n.º 26008 do livro F, de 23/11/2000 (cfr. fls. 64 e 263), por um lado, e sendo certo que, em 15/09/2006 (data da emissão da referida certidão de fls. 257 e ss.), não havia qualquer registo de penhora incidente sobre a quota indivisa que veio a ser adquirida pela Recorrida, por outro, nunca poderia o Tribunal a quo ter considerado como assente que aquela quota parte indivisa fazia parte integrante da quota indivisa do imóvel em causa que havia sido objecto da penhora.
     7ª
    Não esteve assim bem o Tribunal a quo ao decidir do modo como o fez relativamente aos quesitos 3°, 4° e 8° da Base Instrutória, sem prejuízo do princípio da livre apreciação das provas que lhe assiste e do critério de objectividade e das regras da experiência comum: é que a matéria aqui em discussão só poderia ser dada como assente por documento autêntico, com força probatória plena (vide, artigo 558°, n.º 2 do CPC).
     8ª
    Ora, bastaria o Tribunal recorrido ter analisado o documento autêntico de fls. 258 e ss., assim como a certidão judicial de fls. 71 e ss. e as escrituras públicas de compra e venda de 20/09/2006 (de fls. 185 e ss.) e de 29/01/2008 (de fls. 17 e ss.), em conjugação com o depoimento das duas testemunhas ouvidas em Tribunal acima assinalado, particularmente do Dr. Hugo Ribeiro Couto, para concluir que não havia qualquer registo de penhora incidente sobre a referida quota parte indivisa de 1/306 avos na altura em que os Recorrentes venderam a referida quota à Recorrida.
     9ª
    É certo que a possibilidade conferida pela lei do Processo Civil de reapreciação da matéria de facto configura um meio excepcional, circunscrito às hipóteses em que a renovação dos meios de prova se revele absolutamente indispensável ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos da matéria de facto impugnada.
     10ª
    No entanto, e não obstante esse carácter excepcional da renovação dos meios de prova em sede de recurso, a alteração da matéria de facto no caso sub judice justifica-se e impõe-se de forma inequívoca tomando em conta o conjunto de elementos de prova, de natureza documental e testemunhal, acima referenciados.
     11ª
    A matéria retratada nos quesitos 3°, 4° e 8° encerra factos positivos cuja prova competia à Recorrida por ter sido ela que invocou essa matéria de facto integrante da causa de pedir (v., artigo 5°, n.º 1 do CPC), sendo que essa prova apenas se poderia fazer através de documento, o que manifestamente não sucedeu.
     12ª
    Pelo contrário, a prova documental junta aos autos, particularmente a acima identificada, parte dela dotada de força probatória plena (v., artigos 363°, 364° e 365° do CCM), conjugada com o depoimento das referidas testemunhas, constitui, sim, contraprova irrefutável daquela matéria, devendo a mesma ser dada como não assente.
     13ª
    Com efeito, a alteração da matéria de facto deverá in casu ter lugar porquanto, como se viu, existem elementos de prova constantes dos autos que a determinam muito claramente, não se limitando esses meios de prova a sugerir respostas diferentes das que foram dadas pelo Tribunal Colectivo mas, antes, determinando de forma clara e evidente uma modificação da decisão de facto nos termos pretendidos pelos ora Recorrentes, sem deixar qualquer dúvida ou interpretação alternativa.
     14ª
    Em suma, as provas acima assinaladas são claras e evidentes ao ponto de determinarem respostas diferentes das que foram dadas aos quesitos em causa, conduzindo à conclusão que a convicção do Tribunal de 1.ª instância relativamente aos quesitos em questão assentou em erro flagrante e que a decisão de facto não pode subsistir.
     15ª
    Termos em que se requer a V. Exas. que seja dada como não provada a matéria do quesito 3° - na parte em que refere "onde se incluia a quota indivisa de 1/306 que os RR. venderam á A., tendo tal penhora sido registada em 23 de Novembro de 2000" - e, bem assim, toda a matéria dos quesitos 4° e 8° da Base instrutória.
     16°
    Por sua vez, a matéria do quesito 16° não poderia, em caso algum, ser dada como provada na sua plenitude, não se vislumbrando qualquer suporte documental existente nos autos que permita chegar à conclusão que o valor pago pela Recorrida no montante de MOP$5.083,63, com referência ao crédito bancário em questão, fosse exclusivamente a título de juros.
     17ª
    De modo que deve resultar provado, com referência ao quesito 16° da base instrutória, que: "A Autora até 29 de Janeiro de 2010, já tinha pago um total de HKD4.935,57, a título de capital e juros sobre o crédito concedido para aquisição da referida quota indivisa da fracção autónoma AR/C, equivalente a MOP5.083,63, e ainda terá de pagar outros juros com vencimento posterior".
     18°
    Decaindo a causa de pedir que sustentava a presente acção, i. e., a alegada existência de uma penhora sobre a quota parte indivisa que foi adquirida pela Recorrida, decai, de igual modo, a presente acção porquanto não resultaram provados qualquer dos fundamentos invocados por esta sociedade que sustentavam o pedido de anulação do contrato de compra e venda daquele bem, devendo, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada na parte em que declarou a anulação da mesma compra e venda e em que arbitrou uma indemnização a pagar pelos Recorrentes a favor da Recorrida.
     19ª
    A respeito da anulabilidade por erro no que toca à venda de bens onerados, estabelece o artigo 896° do Código Civil de Macau (CCM), aqui aplicável, que: "Se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações não constantes do contrato que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade." .
     20ª
    O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio ou, se quisermos, na ignorância ou na falsa ideia por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade.
     21ª
    Por outras palavras, se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante, neste caso, a Recorrida, não teria realizado o negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou, aí residindo, pois, a essencialidade do erro.
     22ª
    Ora, os requisitos legais da anulabilidade no que respeita ao erro-vício vêm consagrados no artigo 240º do CCM quando prescreve que:
    "1. A declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro fosse cognoscível pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este.
    2. O erro é essencial quando:
    a) Tenha recaído sobre os motivos determinantes da vontade do errante, de tal modo que este, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos; e
    b) Uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos.
    3. O erro considera-se cognoscível quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de normal diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele.
    4. Contudo, o negócio não pode ser invalidado se o risco da verificação do erro foi aceite pelo declarante ou, em face das circunstâncias, o deveria ter sido, ou ainda quando o erro tenha sido devido a culpa grosseira do declarante." .
     23ª
    Ora, dúvidas não se levantam de que o erro-vício em causa não era (nem poderia ser em caso algum) cognoscível pelos declaratários (ou seja, pelos ora Recorrentes) nem tão pouco foi o mesmo causado por informações prestadas por estes.
     24ª
    Quanto à questão da cognoscibilidade por parte do declaratário, conceito esse que, como se sabe, incide sobre o erro propriamente dito e não sobre a essencial idade do mesmo erro, nos termos redigidos no artigo 240º do CCM, considerou o Tribunal recorrido, e bem, que, em face da matéria que resultou provada nos presentes autos, o erro-vício em causa não era (nem poderia ser de modo algum) cognoscível pelos Recorrentes, enquanto declaratários.
     25ª
    Sucede que o Tribunal recorrido entendeu, e mal, que o erro na formação da vontade negocial da Recorrida foi causado pela declaração constante da escritura, prestada pelos Recorrentes, de que o bem estava livre de ónus e encargos, aplicando assim o regime previsto nos artigos 896º e 240º do CCM e julgando, dessa forma, procedente o pedido formulado por aquela ao anular o contrato de compra e venda em causa de 29 de Janeiro de 2008.
     26ª
    Em primeiro lugar, é por demais óbvio que não resultou minimamente provado dos presentes autos, nem tão pouco foram invocados factos nesse sentido pela Recorrida, de que o erro-vício desta declarante tivesse sido causado por informações prestadas pelos Recorrentes, particularmente por essa declaração que consta da escritura pública de compra e venda.
     27ª
    Os Recorrentes limitaram-se a outorgar a escritura, ficando a constar nesse documento notarial, como é óbvio, a situação registral do bem objecto da compra e venda - designadamente que estava livre de quaisquer ónus ou encargos - em conformidade com o teor da certidão predial de teor passada em 22 de Janeiro de 2008 que instruiu a respectiva escritura de 29/01/2008 (v. fls. 28 dos autos), redacção essa preparada pelo Notário e que, desse modo, deu forma legal e conferiu fé pública ao respectivo acto notarial.
     28ª
    O erro da Recorrida traduzido na ignorância acerca da existência da penhora incidente sobre aquela quota parte indivisa pode ter sido provocado por uma série de circunstâncias de facto que, frise-se, não foram alegadas e, muito menos, dadas como assentes nos presentes autos, como o facto da escritura ter sido lavrada perante um Notário ou, inclusivamente, pela referida certidão predial que instruiu a escritura em causa ao não mencionar, a exemplo das restantes certidões que instruiram as escrituras anteriores, de que a quota de 1/306 avos em causa estava penhorada.
     29ª
    Em segundo lugar, a declaração de venda da quota parte indivisa, livre de ónus e encargos, por parte dos Recorrentes, constante na respectiva escritura pública de 29 de Janeiro de 2008, é, em bom rigor, um pro forma, uma mera formalidade, que não poderá, em caso algum, constituir a informação que, in casu, induziu ou provocou a Recorrida em erro.
     30ª
    Constitui um facto notório, nos termos do artigo 434° do CPC, de que a declaração de venda de um imóvel ou de quota parte indivisa de um imóvel constante em qualquer escritura, acompanhada da referência de que esse bem está livre de ónus e encargos, é preparada pelo respectivo Notário, cabendo-lhe não só dar forma legal e conferir fé pública ao acto notarial em causa (artigo 10, n.° s 1 e 2, do Código de Notariado), como também conferir a inscrição definitiva do direi to de quem os aliena (v., artigo 76°, n.º 2 do CN) e, consequentemente, conferir que sobre aquele bem não existe qualquer ónus ou encargo, designadamente qualquer penhora.
     31ª
    Não é ainda admissível o entendimento expresso na sentença recorrida que o erro de que o bem era livre de ónus ou encargos foi causado pela informação prestada pelos Recorrentes em face das próprias circunstâncias em que decorreu a celebração da mesmas escritura: ambos os outorgantes (vendedores e representante da compradora) limitaram-se a assinar esse documento, redigido em língua portuguesa que os mesmos não compreendem, depois de naturalmente o respectivo intérprete lhes ter traduzido verbalmente, na língua que compreendem (língua chinesa), o teor da mesma escritura e daquele mesmo intérprete ter garantido ao mesmo Notário que a mesma correspondia à vontade dos outorgantes, como se infere do texto da própria escritura a fls. 17 e ss. dos autos.
     32ª
    Sendo de destacar ainda que todos os sujeitos que intervieram nesse processo (ou seja, os Recorrentes, a Recorrida, o Notário em causa e o próprio Conservador da CRP) não detectaram o erro em causa.
     33ª
    Por fim, a disposição legal do artigo 240° do CCM na parte em que refere que "A declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro ( ... ) tenha sido causado por informações prestadas (pelo declaratário)" deve ser interpretada no sentido de que, da parte do declaratário, terá que haver dolo - definido este como "sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante" (v., artigo 246°, n.º 1 do CCM - ou, no mínimo, mera culpa.
     34ª
    Por virtude de uma interpretação sistemática dos artigos 240° a 247° do CCM, a declaração negocial só é anulável, nos termos do artigo 240°, n.º 1 do CCM, por erro essencial do declarante, desde que o erro tenha sido causado por informações prestadas pelo declaratário, com dolo ou mera culpa deste.
     35ª
    Caso contrário, o regime previsto no artigo 240° do CCM revelar-se-ia escandalosamente gravoso para a confiança do declaratário e da própria segurança do tráfico jurídico ao ponto de se admitir a anulabilidade do negócio meramente pelo facto do erro em causa ter sido causado por informação prestada por aquele, não obstante não existir dolo ou sequer mera culpa por parte deste declaratário (ou seja, dos ora recorrentes) e, inclusivamente, como reconhece a sentença recorrida, estarem também estes em erro acerca daquela realidade registral.
     36ª
    De modo que a aplicação do critério do artigo 240º ao caso sub judice, nos termos explicitados na sentença recorrida, lesa com extrema injustiça os interesses dos Recorrentes e a própria segurança do tráfico jurídico, sendo que, por essa razão, a anulação da compra e venda em causa não se mostra legalmente possível, por ofensa expressa do princípio do artigo 326º do CCM (Abuso do direito de anular).
     37ª
    Constitui abuso de direito "o ilegítimo exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito", conforme prescreve o artigo 326º do CCM, obstando assim esse princípio à anulação da compra e venda por ofender esta, de forma extremamente injusta, os interesses dos Recorrentes e a própria segurança do tráfico jurídico, ao arrepio dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito.
     38ª
    Nestes termos, a anulação da compra e venda nos termos plasmados na decisão recorrida constituiria um flagrante abuso de direito, ofensivo da boa fé e do fim económico do direito correlativo.
     39ª
    Em conclusão, o erro-vício, a existir, nunca poderia determinar, à luz da lei em vigor em Macau, a anulabilidade do negócio e, como tal, não se mostrava possível, do ponto de vista legal, anular o negócio com base em erro e, consequentemente, aplicar o regime previsto no artigo 9010 do CCM, no que concerne à indemnização em caso de simples erro, que foi adoptado pela sentença recorrida.
     40ª
    Pelo que deviam todos os pedidos formulados pela Recorrida ser julgados improcedentes, por não provados, e, consequentemente, os Recorrentes ser absolvidos dos mesmos, devendo assim a sentença recorrida ser revogada nestes termos.
     41ª
    Dispõe o artigo 901º do CCM que: "Nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato que não resultem de despesas voluptuárias".
     42ª
    Ora, a indemnização prevista naquela norma não abrange, no caso sub judice, os juros pagos pelo empréstimo contraído pela Recorrida para aquisição da quota parte indivisa.
     43ª
    Acresce que os Recorrentes foram condenados a pagar a quantia de MOP$307.720,73, acrescida dos juros, à taxa legal, desde 1 de Junho de 2010 até efectivo e integral pagamento, incluindo-se neste montante o valor de MOP$5,083.63 que inclui não só os juros como ainda o capital que foi pago com referência ao crédito concedido à Recorrida para aquisição da referida quota indivisa.
     44ª
    Sendo totalmente inadmissível que os Recorrentes sejam obrigados a pagar à Recorrida o preço da quota indivisa (MOP$288,400.00) e ainda as prestações bancárias, a titulo de capital, com referência ao referido empréstimo, o que constituiria um enriquecimento sem causa por parte desta, nos termos do artigo 467º e ss. do Código Civil.
     45ª
    Violou assim a decisão recorrida, entre outros, os artigos 240º, 363º, 364º, 365º, 366º, 467º, 896º e 901º do CCM e os artigos 434° e 558°, n.º 2 do CPC.
    Termos em que se requer que seja dada como não provada a matéria do quesito 3° - na parte em que refere "onde se incluía a quota indivisa de 1/306 que os RR. venderam à A., tendo tal penhora sido registada em 23 de Novembro de 2000" - e, bem assim, toda a matéria dos quesitos 4° e 8° da Base instrutória.
    Termos em que se requer ainda que, com referência ao quesito 16° da base instrutória, seja dado como provado que: "A Autora até 29 de Janeiro de 2010, já tinha pago um total de HKD4.935,57, a titulo de capital e juros sobre o crédito concedido para aquisição da referida quota indivisa da fracção autónoma AR/C, equivalente a MOP5.083,63, e ainda terá de pagar outros juros com vencimento posterior".
    Neste quadro, deve ainda a sentença recorrida ser revogada na parte em que declarou a anulação da mesma compra e venda e em que arbitrou uma indemnização a pagar pelos Recorrentes a favor da Recorrida.
    Considerando que o erro-vício, a existir, nunca poderia determinar, à luz da lei em vigor em Macau, a anulabilidade do negócio, devem todos os pedidos formulados pela Recorrida ser julgados improcedentes, por não provados, e, consequentemente, os Recorrentes ser absolvidos dos mesmos, revogando-se assim a sentença recorrida nestes termos.
    Por mera cautela de patrocínio, requer-se ainda, caso aquele pedido não seja entendido, que a indemnização a pagar pelos recorrentes à recorrida não inclua os juros pagos pelo empréstimo contraído por esta para aquisição da quota parte indivisa em causa.
    
    C LIMITED, Autora nos autos à margem identificados, tendo sido notificada da interposição de recurso e das respectivas alegações, vem nos termos do artigo 613º, n.ºs 2 e 6, do CPC, apresentar as suas
CONTRA-ALEGAÇÕES, o que faz, em síntese:

    A. Os considerandos feitos pelos Recorrentes relativamente às penhoras efectuadas nos autos de execução com o no. 1040/98 e posteriormente com o n.º CV2-98-0021-CEO, bem como ao seu posterior registo predial, nunca foram alegados por nenhuma das partes nos presentes autos, nem constam do despacho saneador (que não foi objecto de qualquer reclamação nesta matéria), pelo que não devem ser atendidos no presente recurso;
    B. O facto relevante, plenamente provado pelos documentos autênticos nos autos é apenas que o Tribunal, no âmbito do processo de execução efectivou a penhora de uma quota indivisa da fracção "AR/C" sendo tal penhora registada em 23 de Novembro de 2000;
    C. Esse facto não pode ser negado ou posto em causa, pois da certidão predial consta claramente o registo da penhora sobre 157/306 avos da quota indivisa (que se tornou definitivo na parte respeitante a 135/306 avos), que incluía a quota-parte de 1/306 avos adquirida pela A. pois acabou por ser vendida em hasta pública;
    D. Não se pode dizer que o registo da penhora (sobre a quota-parte adquirida pela Recorrida) não existia apenas porque não resultava claro das certidões emitidas por ocasião das sucessivas compras e vendas, nomeadamente da certidão emitida em 15/09/2006 - mesmo nessa certidão, é fácil de verificar que algumas das quotas-partes da fracção autónoma AR/C se encontravam penhoradas;
    E. Deve ser rejeitado o argumento dos Recorrentes de que os documentos juntos aos autos não provam a existência da penhora sobre a quota-parte de 1/306 avos adquirida pela Recorrida; pelo contrário, os mesmos demonstram precisamente que a penhora existia e se encontrava devidamente registada à data da compra e venda cuja anulação foi - e bem - ordenada pelo Tribunal a quo;
    F. Quanto ao depoimento do Dr. Hugo Couto cumpre afirmar que a afirmação de que "não foi feita nenhuma menção à existência da penhora sobre a quota parte indivisa que foi objecto da escritura" não tem qualquer relevância, tendo a própria Recorrida alegado esse facto logo na petição inicial e sendo o mesmo perfeitamente óbvio face ao teor da escritura (aliás, se não fosse tal facto, nunca teria sido instaurada a presente acção);
    G. Quanto às outras partes do depoimento citado nas alegações de recurso, a mesma testemunha nunca negou que a penhora existia e que a mesma incidia sobre a quota parte transmitida, tendo apenas justificado porque retirou determinadas conclusões da certidão que extraiu para outorgar a escritura - quando interrogada pela parte contrária se negava a existência da penhora e que a mesma abrangia a quota parte transmitida, respondeu que não o podia negar, tendo posteriormente, em resposta à Meritíssima Juíza a quo, afirmado que "em abstracto, não é possível excluir a hipótese" de a penhora em questão ter incidido sobre aquela quota parte;
    H. Em parte alguma do depoimento do Dr. Hugo Couto se consegue vislumbrar alguma afirmação ou sugestão que permita concluir que as suas declarações constituem contraprova dos factos constantes dos quesitos 3º, 4º e 8º;
    I. Quanto ao depoimento da Conservadora do Registo Predial, os Recorrentes apenas o mencionam superficialmente, e o mesmo acaba por confirmar a veracidade da matéria vertida nas respostas aos quesitos tendo esta testemunha afirmado várias vezes que a certidão predial faz uma menção, se bem que genérica, da penhora e que é possível verificar as quotas parte sobre as quais esta incide, desde que se proceda a uma investigação mais aprofundada;
    J. Também esta testemunha nada disse que pudesse ser considerado como contraprova da matéria de facto posta em causa pelos Recorrentes - antes pelo contrário, o seu depoimento constitui prova para se dar a matéria de facto em questão como plenamente provada;
    K. Toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos, quer pela Recorrida, quer pelos próprios Recorrentes, demonstra que a quota parte de 1/306 avos da fracção "AR/C" se encontrava penhorada desde Novembro de 2000 e que os Recorrentes venderam à Recorrida um bem onerado, concluindo-se necessariamente que o Tribunal a quo decidiu correctamente quanto a esta matéria;
    L. O quesito 16º dá como provado o pagamento pela Recorrida de certa quantia em juros sobre o crédito concedido para a aquisição da referida quota parte de 1/306 avos, resultando da prova documental e testemunhal que os valores reclamados se restringem ao pagamento de juros e não de capital;
    M. Os extractos bancários incluem, relativamente a cada mês, valores separados para as prestações a título de juros e a título de capital (cfr., nomeadamente, o extracto referente ao mês de Outubro de 2008, o valor de HKD9,882.88 em juros e o valor de HKD23,983.77 em capital) pelo que deste modo, os valores indicados e reclamados a título de indemnização correspondem apenas ao pagamento dos juros;
    N. Concluindo-se que toda a matéria de facto constante dos quesito 3º, 4º, 8° e 16º foi devidamente provada, tendo o Tribunal a quo decidido bem em dar a mesma por assente, pelo que deve ser negado provimento ao presente recurso no que se refere à reapreciação da prova;
    O. Quanto à cognoscibilidade do erro, é facto assente e foi confirmado pelas testemunhas, que era possível, perante a certidão predial, detectar a existência de uma penhora sobre uma quota indivisa da fracção autónoma "AR/C" pela inscrição n.º 26008 do Livro F, que na certidão predial extraída para a outorga da escritura tem a referência clara de "PENH";
    P. Sendo esta também a posição do douto Tribunal a quo, que na sentença Recorrida afirma que "da certidão de registo predial não é impossível concluir pela existência ou não de qualquer ónus e encargos sobre determinada quota indivisa do imóvel apesar de, para o efeito, a certidão em questão tem de conter todos os factos registados relativamente a cada uma das quotas indivisas do bem. [ ... ] Aliás, da certidão de registo predial junta pela própria Autora vê-se que a mesma conseguiu identificar a cadeia de transmissões da quota em questão, cadeia esta que iniciou com a 1.ª transmissão feita pela concessionária/executada bem como concluir que antes de qualquer transmissão a quota em questão já tinha sido penhorada.";
    Q. O Tribunal constatou que, naquelas situações concretas (das vendas sucessivas), os respectivos Notários não tomaram as devidas diligências para averiguar se a penhora mencionada genericamente na certidão predial atingia a quota parte a ser vendida, sendo que, na sua qualidade profissional de Notários, o deveriam ter feito;
    R. Embora não fosse exigível aos Recorrentes terem conhecimentos suficientes para detectarem facilmente a existência da penhora anterior, ao Notário que celebrou a escritura por instrução dos Recorrentes, essa diligência já seria expectável, pelo que, no caso sub judice, o pressuposto da cognoscibilidade do erro deve ser aferido tanto na pessoa dos Recorrentes, como na pessoa que lhes prestou o serviço profissional, o Notário;
    S. Estando o ónus devidamente registado pela inscrição no. 26008 do Livro F, com a menção de "PENH" a constar em todas as certidões e sendo o registo público, o erro era, por definição, cognoscível;
    T. Estando preenchidos todos os requisitos legais previstos no artigo 240º do CCM, sendo o erro-vício cognoscível aos Recorrentes, quer pessoal e directamente quer na pessoa do Notário, que, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, colocado na posição do declaratário, se podia e devia ter apercebido dele;
    U. Quanto à questão do erro ser causado por declarações do declaratário (os Recorrentes), da matéria de facto dada por assente (e não impugnada pelos Recorrentes) consta que os RR., ora Recorrentes, declararam vender a quota parte correspondente aos 1/360 avos à A., ora Recorrida, livre de quaisquer ónus ou encargos:
    V. Logo, o erro do declarante (a Recorrida) foi causado por essa declaração, na medida em que, se a declaração negocial não estivesse ferida de erro, ou seja, se a declaração negocial reflectisse que o bem vendido se encontrava penhorado, a Recorrida não teria celebrado o negócio, ou tê-lo-ia feito noutras condições;
    W. Por outro lado, a alegada falta de invocação por parte da Recorrida de que o erro tinha sido causado pela declaração, é igualmente falsa, uma vez que tal resulta das suas alegações de direito;
    X. A declaração feita numa escritura pública de compra e venda de que um bem é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos é essencial quanto à qualificação do objecto do negócio, não sendo por acaso que negócios como a compra e venda de imóveis serem apenas válidos se celebrados por Notário, precisamente para assegurar que a situação jurídica do bem corresponde à vontade das partes, a bem da segurança do tráfico jurídico, foi essa a declaração efectuada pelos Recorrentes e validada pelo Notário, incumbindo a ambos certificarem-se se a mesma era verdadeira;
    Y. Não se concorda com a afirmação dos Recorrentes que a declaração negocial só é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro tenha sido causado por informações prestadas pelo declaratário, com dolo ou mera culpa uma vez que o regime do art. 2400 do CCM trata do erro simples, ou seja, exclui o erro qualificado por dolo que se encontra regulado nos arts. 246º e 247º do mesmo Código, pelo que a verificar-se a necessidade de haver dolo por parte do declaratário, tal teria de estar expressamente estipulado, o que não é o caso;
    Z. Quanto à mera culpa, a Recorrida discorda igualmente da interpretação que os Recorrentes fazem do regime do art. 240º do CCM mas ainda que assim não se entenda, na linha de orientação explanada supra em relação à cognoscibilidade do erro, em que se defende que os declaratários não agiram de acordo com a diligência exigível (na pessoa do Notário), considera-se que os declaratários agiram com culpa por não terem tomado as diligências necessárias (directamente e através do Notário) para averiguar se a declaração correspondia à verdade;
    AA. Como já foi demonstrado supra em sede de matéria de facto, a Recorrida reclama apenas as prestações mensais relativas ao empréstimo contraído a título de juros, pelo que não fazem qualquer sentido as alegações dos Recorrentes quanto a esta matéria.
    Termos em que deverão improceder as alegações apresentadas pelos recorrentes e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
     “Da Matéria de Facto Assente:
    - Em 29 de Janeiro de 200S, a Autora adquiriu dos Réus, com recurso a financiamento bancário, 11306 (um trezentos e seis avos) da fracção autónoma designada por "AR/C", do rés-do-chão "A", com c/v, para estacionamento, pelo preço de HKD280.000,00 (duzentos e oitenta mil dólares de Hong Kong) - do prédio com os nos. 279 a 585 da Estrada Nordeste da Taipa, inscrito na matriz predial de Macau sob o artigo n.º 40782, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22132 (alínea A) dos factos assentes).
    - Para garantia das obrigações contraídas ao abrigo das facilidades bancárias então concedidas à A. pelo "D Bank Limited Sucursal de Macau", foi ainda constituída, a favor do mesmo, hipoteca sobre o Imóvel (alínea B) dos factos assentes).
    - Os RR. declaram vender os referidos 1/306 à A. livres de quaisquer ónus ou encargos (alínea C) dos factos assentes).
    - Na escritura pública o Notário não fez qualquer advertência quanto à existência de quaisquer ónus sobre o direito vendido pelos RR. à A. (alínea D) dos factos assentes).
    - A A. é a 3ª proprietária do referido direito que foi objecto de duas transmissões anteriores, a saber (alínea E) dos factos assentes):
    a) compra por E à primitiva proprietária, F Limitada - Sociedade Imobiliária, concessionária por arrendamento do terreno onde se localiza o imóvel, a 27 de Março de 2001;
    b) compra pelos RR. a E, a 20 de Setembro de 2006.
    - Sempre que por ocasião da celebração das escrituras de compra e venda eram obtidas certidões de registo sobre a fracção AR/C, para efeitos de verificação da sua situação jurídica, não era feita menção de que a quota de 11306 avos adquirida pela autora estava penhorada (alínea F) dos factos assentes).
    - A A. desconhecia totalmente o processo de execução que estava pendente em que era executada a primitiva dona da quota de 11306 da fracção autónoma AR/C que a autora adquiriu - F Limitada - Sociedade Imobiliária (alínea G) dos factos assentes).
*
    Da Base Instrutória:
    - O financiamento bancário referido em a) dos factos assentes foi contraído com juro anual de 3,2%, acrescidos de 3% em caso de mora em 14 de Janeiro de 2008 e, após revisão de 2 de Setembro de 2009, com juros de 2,2%, acrescidos de 3% em caso de mora (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
    - Em 10 de Agosto de 2009, a A. foi surpreendida com a notícia de que a quota indivisa da fracção autónoma AR/C que adquirira aos réus fora vendido em hasta pública, sem que antes a A. tenha alguma vez sido notificada da existência de uma penhora sobre o mesma (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
    - Em 22 de Novembro de 2000, no âmbito de uma execução intentada em 1998 pela sociedade "G (Hong Kong) Company Limited" contra a primitiva proprietária, F Limitada Sociedade Imobiliária (Execução Ordinário n.º 1040/98 - 4°/ 6° Juízo, posteriormente Proc. n.º CV2-98-0021-CEO), este Tribunal efectuou a penhora de uma quota indivisa da fracção "AR/C" supra identificada onde se incluía a quota indivisa de 1/306 que os RR. venderam à Autora, tendo tal penhora sido registada em 23 de Novembro de 2000 (resposta ao quesito da 3° da base instrutória).
    - No dia 18 de Junho de 2009, procedeu-se à venda em hasta pública da quota indivisa penhorada onde se incluía a quota indivisa que a A. adquirira aos RR. (resposta ao quesito da 4° da base instrutória).
    - Proferido o despacho de adjudicação e passado título de arrematação, procedeu-se ao registo da transmissão da quota indivisa adquirida pela autora a favor da Exequente e Adjudicatária (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
    - No termo da penhora e no auto de arrematação do processo de execução não havia individualização dos espaços de estacionamento através de referência a inscrições ou a titulares que correspondessem à quota penhorada (resposta ao quesito da 6° da base instrutória).
    - No registo da penhora na Conservatória do Registo Predial também não havia individualização dos espaços de estacionamento através de referência a inscrições ou a titulares que correspondessem à quota penhorada (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
    - A quota de 11306 adquirida pela autora fazia parte integrante da quota que havia sido objecto da penhora (resposta ao quesito da 8° da base instrutória).
    - Depois de proferido a Auto de Arrematação, o Exequente requereu a identificação das inscrições de propriedade então em vigor em que a executada era o sujeito passivo primitivo das transmissões feitas em data posterior à data da penhora e juntou uma tabela com a discriminação de todos os titulares dos avos que compõem o bem arrematado, incluindo a Autora, solicitando que a emissão do título de arrematação fosse feita por referência a essa tabela, ao que o Tribunal acedeu com algumas precisões (resposta ao quesito da 10° da base instrutória)
    - A Ao, se soubesse que a quota indivisa que adquiriu estava penhorada não a teria adquirido ou só a teria adquirido noutras condições (resposta ao quesito da 11° da base instrutória).
    - Se o registo da penhora tivesse identificado os espaços de estacionamento que compunham a quota penhorada por referência às inscrições e aos respectivos titulares, a autora e qualquer pessoa de normal diligência podia aperceber-se que a quota da fracção AR/C que a autora adquiriu estava penhorada (resposta ao quesito da 12° da base instrutória).
    - A Ao pagou pela compra da quota referida o valor de HKD280.000,00 (duzentos e oitenta mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP288.400,00 (duzentos e oitenta e oito mil e quatrocentas patacas) (resposta ao quesito da 13° da base instrutória).
    - O imposto de selo comportou a quantia de MOP$9.085,00 (nove mil e oitenta e cinco patacas) (resposta ao quesito da 14° da base instrutória).
    - A A. gastou MOP4.243,68 (quatro mil duzentas e quarenta e três patacas e sessenta e oito avos) (110.340,00 x 3,846%), a título de emolumentos notariais, honorários e outras despesas associadas com a celebração do contrato-promessa e a outorga da escritura pública de compra e venda (resposta ao quesito da 15° da base instrutória).
    - A Autora, até 29 de Janeiro de 2010, já tinha pago um total de HKD4.935,57 em juros sobre o crédito concedido para aquisição da referida quota indivisa da fracção autónoma AR/C, equivalente a MOP5.083,63, e ainda terá de pagar outros com vencimento posterior (resposta ao quesito da 16° da base instrutória),
    - Nos termos do contrato de concessão de facilidades bancárias celebrado entre a A. e o D Bank Limited - Sucursal de Macau, aquela teve de despender, para constituir um seguro contra riscos de incêndio e outros relativos à quota indivisa que adquiriu aos réus, a quantia de HKD293.98 (resposta ao quesito da 17º da base instrutória),
    - Tendo a A. desembolsado três prémios anuais (respeitantes aos períodos de 29/01/2008 - 28/01/2009, 29/01/2009 - 28/01/2010 e 29/01/2010 - 28/01/2011), o custo correspondente ascende a HKD881,96 ou seja MOP908,42 (novecentas e oito patacas e quarenta e dois avos) (resposta ao quesito da 18° da base instrutória).
    - A Autora teve despesas e custos de honorários, que ascenderam MOP$19.166,00 (resposta ao quesito da 19° da base instrutória). “
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Da impugnação da matéria de facto;
    - Da anulabilidade da compra e venda e do regime do erro vício à luz da lei de Macau - arts. 896° e 240° do Código Civil;
    - Erro causado por informações prestadas pelos declaratários vendedores;
    
    2. Dos quesitos 3°, 4° e 8°
    2.1. Em primeiro lugar, os recorrentes vêm impugnar a decisão de facto constante da douta decisão recorrida, designadamente as respostas aos quesitos 3º, 4º e 8º, alegando, a propósito, que o Tribunal a quo não valorou não só o depoimento de diversas testemunhas que foi prestado em sede de julgamento como ainda os documentos juntos aos autos que impunham sobre aqueles pontos da matéria de facto, na perspectiva dos ora alegantes, decisão diversa da recorrida.
    
    2.2. Não se conformam os recorrentes com as respostas positivas dadas pelo Tribunal Colectivo de 1.ª instância aos quesitos seguintes:
     - 3° - PROVADO que em 22 de Novembro de 2000, no âmbito de uma execução intentada em 1998 pela sociedade "G (Hong Kong) Company Limited" contra a primitiva proprietária, F Limitada - Sociedade Imobiliária (Execução Ordinário n.º 1040/98 - 4°/6° Juízo, posteriormente Proc. No. CV2-98-0021-CEO), este Tribunal efectuou a penhora de uma quota indivisa da fracção "AR/C" supra identificada onde se incluía a quota indivisa de 1/306 que os RR. venderam à Autora, tendo tal penhora sido registada em 23 de Novembro de 2000;
    - 4º - PROVADO que no dia 18 de Junho de 2009/ procedeu-se à venda em hasta pública da quota indivisa penhora onde se incluía a quota indivisa que a A. adquirira aos RR.;
    - 8º - PROVADO que a quota de 1/306 adquirida pela autora fazia parte integrante da quota que havia sido objecto da penhora.
Fez-se ainda consignar: “No caso sub judice, pode-se concluir que foi efectivada uma penhora nos autos de execução com o n.º 1040/98 (posteriormente com o n.° CV2-98-0021-CEO), no ano de 1999, incidente sobre a quota indivisa da fracção autónoma "AR/C", do rés-do-chão "A", com c/v, para estacionamento, do prédio descrito na CRP sob o n.º 22132, melhor descrito nos autos.”
    
    2.3. Perdem-se os recorrentes numa longa diatribe para tentar demonstrar que a quota de 1/306 da fracção em causa não estava penhorada, tentando jogar com uma prova formal que pretensamente resultaria de uma não prova documental e de duas testemunhas que não terão afirmado que a penhora existia.
    Tratando-se de uma parte ideal relativa a uma quota indivisa, o que aparece registado é uma outra quota indivisa que, não obstante, ser maior, não se comprova ter sido transmitida e que o objecto de anulação esteja abrangida por aquele registo.
    Diga-se desde já que o argumento dos recorrentes é meramente formal, esgrimindo com a dificuldade de, por via do registo, se obter a concretização daquela quota indivisa, isto é, tal como se mostra o registo, não se poder determinar qual a parte indivisa da fracção destinada a estacionamento que estava penhorada e a que correspondem as diferentes quotas que se mostram registadas, ou seja, a dificuldade resulta do facto relatado na resposta afirmativa ao quesito 12º e nem seria necessário quesitá-lo, para se saber que se o registo da penhora tivesse identificado os espaços de estacionamento que compunham a quota penhorada por referência às inscrições e aos respectivos titulares, a autora e qualquer pessoa de normal diligência podia aperceber-se que a quota da fracção AR/C que a autora adquiriu estava penhorada.
     Este um primeiro aspecto que importa considerar.
    
     2.4. O outro, passa por constatar que o registo embora retrate a realidade registada, não retrata a realidade, se esta não foi ao registo ou está indevidamente registada.
     Em qualquer dos casos a dilucidação desta questão passa por saber se a dita quota estava penhorada, ainda que tal não resulte ou não se observe com clareza do registo efectuado numa leitura mais ligeira que se faça do mesmo.
    
    2.5. Sobre o assunto a Mma Juíza consignou na sua douta sentença:
    “No que à penhora se refere, a matéria assente é esclarecedora. Consta aí que no âmbito do processo de execução CV2-98-0021-CEO foi ordenada a penhora de uma quota indivisa da fracção autónoma ARJC do prédio acima referido, quota esta que incluía a quota indivisa que os Réus venderam à Autora tendo a penhora sido registada em 23 de Novembro de 2000.
    Tendo em conta que está provado que a venda dessa quota indivisa feita pelos Réus à Autora teve lugar em 29 de Janeiro de 2008, é manifesto que o bem estava onerado. Pelo que, em vão foi a defesa dos Réus de que não a referida quota não estava penhorada nem havia qualquer registo de penhora.”
    Nada do que os recorrentes afirmam é de molde a infirmar este facto.
    
    2.6. Não há elementos que consintam uma interpretação diferente da que teve o Tribunal Colectivo aquando da reclamação das respostas aos quesitos, no sentido de que carecia a reclamação de qualquer fundamento, dado que, ao contrário do que alegaram os réus, a documentação junta aos autos, nomeadamente os documentos 1-5 juntos à petição inicial, bem como a Certidão Predial junta pelos Réus, em 24/11/2011, apontava no sentido de que a penhora incidiu sobre a quota (de 1/306) que os Réus venderam à Autora em 29/01/2008, e bem assim, que essa penhora foi registada em data anterior à referida aquisição.
    O mesmo se diga quanto ao depoimento do Notário que exarou a respectiva escritura, o Sr. Dr. Hugo Couto, o qual foi claro em afirmar que essa penhora existia àquela data, declarando apenas que a sua existência não tinha sido verificada perante Certidão Predial do imóvel, já que a mesma (penhora) se encontrava registada sobre um conjunto de quotas, não tendo sido possível detectar o ónus sobre aquela quota específica.
    O depoimento da Sra. Conservadora do Registo Predial também foi inequívoco relativamente ao facto de a penhora se encontrar registada desde que fora ordenada pelo Tribunal e que teria sido possível verificar que a mesma incidia sobre a quota de 1/306 vendida pelos Réus à Autora.
    
    2.7. Mas analisemos com mais detalhe a argumentação expendida pelos recorrentes.
    O facto de o Tribunal ter ordenado no âmbito dos autos de execução uma penhora de 237/306 avos da quota indivisa da fracção autónoma "AR/C" em 20 de Setembro de 1999 e, posteriormente, uma outra penhora que incidia apenas sobre 53/102 avos trata-se, ainda que de matéria não alegada, de argumento não decisivo, daí não se podendo retirar que a quota em causa incluía ou não incluía aquele acervo.
    Nem sequer releva o facto de ter sido apenas feito o registo junto da Conservatória do Registo Predial (CRP) de uma única penhora "incidente sobre aquela fracção AR/C, em 23 de Novembro de 2011". Como se disse já, e repete-se, o registo não se mostra decisivo a partir do momento em que por aí não se sabe, estando registado apenas uma parte de quotas ideais, se a que foi transmitida integra ou não aquele elenco.
    Na verdade, o facto relevante e determinante deste aparente imbróglio, facto que está documentalmente provado e ninguém fala dele, é o despacho da Mma Juíza (fls 84 e 85) que vem determinar o alcance da adjudicação à exequente G (Hong Kong), esclarecendo que a quota ideal de 131/306 corresponde às quotas inscritas a favor dos titulares descriminados a fls 1216 a 1217, onde se inclui a quota de 1/306 inscrita a favor da autora, aqui recorrida.
    Está bem que esse despacho foi posterior à venda e adjudicação, mas não deixa de integrar e concretizar o objecto da penhora, esclarecendo aquilo que do registo predial não se alcança e não consta que esse despacho não tenha transitado em julgado.
    
    2.8. Tanto bastaria para nos ficarmos por aqui e decidir no sentido de que a quota ideal de 1/306, objecto da anulação na presente acção foi realmente penhorada e, como tal, vendida em hasta pública e adjudicada, incluindo-se na penhora registada em 23 de Novembro de 2000.
    Na verdade, consta da certidão predial, documento autêntico que faz plena prova, apresentada nos autos pela recorrida (doc. 4 junto à petição inicial), o registo da penhora sobre 157/306 avos da quota indivisa daquela fracção (sendo que esse mesmo registo se tornou definitivo na parte respeitante a 135/306 avos - cfr. AP n.º 2 de 23/11/2000, Inscrição n.º 26008F e respectivo averbamento).
    Mesmo dessa certidão resulta que algumas das quotas-partes da quota indivisa que compunham a fracção autónoma AR/C se encontravam penhoradas e quando se cancela o averbamento da penhora (cfr. pág. 69 dos autos) essa quota não deixa de ser reportada àquela que está em causa, não se deixando de mencionar o título em que radica, ou seja, com base na arrematação a que se procedeu no Proc. n.º CV2-98-0021-CEO, do 2º Juízo do TJB da RAEM.
     O facto de o Ilustre Notário não ter realizado mais diligências junto da CRP para averiguar a quota-parte de 1/306, correspondente ao espaço de estacionamento adquirido pela recorrida pela escritura lavrada, no sentido de apurar se poderia estar abrangida pela mesma penhora, não se mostra concludente.
    
    2.9. Os recorrentes fundam ainda as suas conclusões nos depoimentos de duas testemunhas, o Exmo Sr. Dr. Hugo Couto, Ilustre Notário que lavrou a escritura pública de compra e venda de 29 Janeiro de 2008, através da qual a recorrida adquiriu dos recorrentes a referida quota-parte, e a Exma Sra. Dra. Cecília Leong Mei Leng, Ilustre Conservadora do Registo Predial.
    Lendo e ouvindo aqueles depoimentos, o que se não deixou de fazer na íntegra, verifica-se que eles não são de molde a sufragar a tese dos recorrentes.
     Quanto ao depoimento do Sr. Dr. Hugo Couto (com referência ao início e termo do respectivo suporte digital), a conclusão que os recorrentes retiram dos mesmos são incorrectas, para além de terem omitido certas passagens do depoimento que reforçam a existência da penhora.
    Em primeiro lugar, a confirmação de que "não foi feita nenhuma menção à existência da penhora sobre a quota parte indivisa que foi objecto da escritura" não tem qualquer relevância, tendo a própria recorrida alegado esse facto logo na petição inicial. Como o não tem o facto de se afirmar que da inscrição no Registo Predial nada se alcança em termos definitivos, em termos directamente incidentes sobre essa quota, por via de qualquer averbamento. A essa conclusão não deixa de chegar qualquer entendido na matéria e que saiba ler minimamente uma certidão do registo.
     Quanto às restantes declarações desta testemunha, citadas nas alegações de recurso, note-se que a testemunha apresenta apenas argumentos para explicar a razão que a levou a não fazer essa menção e a concluir que a penhora não incidia sobre a quota parte objecto da escritura de compra e venda por si lavrada. É uma opinião, respeitável, face aos elementos de que dispunha, mas nada mais do que isso. Acresce até, quando interrogada pela parte contrária, se negava a existência da penhora e que a mesma abrangia a quota parte transmitida, a testemunha respondeu expressamente que não o podia negar e reconheceu, ainda que a posteriori, que a aquela quota estava efectivamente penhorada. Afirmação que repete perante a Mma Juíza.
    No fundo, o que afirmou é que a realidade não se demonstrava pelos elementos relevados que confrontou (pela análise da certidão e da prática do anterior notário interveniente na transmissão precedente que também não fez qualquer advertência quanto à existência dessa penhora), mas isso não excluía a existência dessa penhora, que, aliás, não deixou, ainda que posteriormente, de reconhecer.
    
    2.10. Quanto ao depoimento da segunda testemunha acima mencionada, a Exma Conservadora do Registo Predia,l esta testemunha afirma várias vezes que a certidão predial faz uma menção, se bem que genérica, da penhora e que é possível verificar as quotas-partes sobre as quais esta incide, desde que se proceda a uma diligência mais aprofundada, nomeadamente aos documentos que serviram de título à inscrição das diferentes penhoras.
    Com efeito, de acordo com o respectivo registo digital (cfr. Translator 1, Recorded on 24-Nov-2011 at 16.12.58 e Recorded on 24-Nov-2011 at 16.24.48) "na certidão relativa àquela fracção havia uma cota para revelar todos os dados desta fracção […] incluindo a penhora [...] a folha 2, parte final, havia uma inscrição número 26008 com uma letra PENH [...] e também tem o número da penhora e a data [...], assim temos a menção".
    O depoimento desta testemunha também não se mostra de alguma forma decisivo no sentido pretendido pelos recorrentes.
    
    2.11. Somos, pois, a concluir, face aos elementos dos autos e à prova produzida, que a conclusão a que o Tribunal chegou não se mostra abalada. E não se diga que, a ser verdade o que os recorrentes alegam, sempre podiam e deviam ter feito a prova de quanto alegam. Bastar-lhes-ia perseguir a execução original, em que foram dados à penhora os diversos bens da sociedade executada, a concessionária, bens que ainda estavam em seu poder e discorrer sobre os que já não lhe pertenciam. Assim, bem podiam ter demonstrado a exclusão pretendida, se tal fosse real.
    Improcede, pois, a argumentação induzida.
    
    3. Analisemos de seguida a resposta ao quesito 16º
    3.1. Resultou aí provado que: "A Autora até 29 de Janeiro de 2010, já tinha pago um total de HKD4.935,57 em juros sobre o crédito concedido para aquisição da referida quota indivisa da fracção autónoma AR/C, equivalente a MOP5.083/63, e ainda terá de pagar outros com vencimento posterior"
     Esta matéria, sustentam os recorrentes, não poderia, em caso algum, ser dada como provada na sua plenitude, não se vislumbrando qualquer suporte documental existente nos autos que permita chegar à conclusão que o valor pago pela recorrida no montante de MOP$5.053,63, com referência a esse crédito bancário, fosse exclusivamente a título de juros, crédito aquele concedido para a aquisição da referida quota parte de 1/306 avos da fracção respeitante ao parque de estacionamento.
    
    3.2. Acolhe-se aqui a argumentação expendida pela recorrida
    Os recorrentes não produziram qualquer contraprova relativamente a esta matéria.
    De acordo com a prova documental, verifica-se que a taxa de juro efectivamente acordada ao abrigo das facilidades bancárias então concedidas à Recorrida, é de 3.95% (Prime Rate - 2.8%), conforme resulta do respectivo contrato (doc. 2 junto à petição inicial) e, após revisão de 2/09/2009, de 2.2% (Prime Rate - 2.8%).
    
    3.3. Por outro lado, é igualmente claro que os extractos bancários (doc. 8 junto à petição inicial) incluem, relativamente a cada mês, valores separados para as prestações a título de juros e a título de capital (cfr., nomeadamente, o extracto referente ao mês de Outubro de 2008, do qual consta o valor de HKD9,882.88 em juros e o valor de HKD23,983.77 em capital), não sendo assim difícil, por mero cálculo matemático, chegar aos valores peticionados, tal como se pode verificar pela confrontação da tabela do artigo 53º da p.i. e do referido doc. 8 junto à mesma, tendo sido esses os valores indicados e reclamados a título de indemnização.
     Não deixa de ser legítimo pensar que o amortizado seja imputado nos juros, face até ao critério de imputação do pagamento, tal como resulta do artigo 774º, n.º 1 do CC - “Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas de indemnização, dos juros e do capital.” -, donde não se ver que o Tribunal tenha errado em considerar provada essa matéria, aliás comprovada pela testemunha H James que confirmou aqueles valores como pagos a título de juros (cfr. Translator 1, recorded on 24-Nov-2011 at 16.12.58 e recorded on 24-Nov-2011 at 16.04.11)
    
    3.4. De qualquer modo, trata-se de questão que não se mostra relevante, a partir do momento em que na douta sentença recorrida os réus não foram condenados nessa verba, correspondente a pagamento do capital do empréstimo, sendo que a recorrida reclama apenas as prestações mensais de juros relativas ao empréstimo contraído, pelo que perdem sentido as alegações dos recorrentes quanto a esta matéria.
    
    4. Da anulabilidade da compra e venda e do regime do erro vício à luz da lei de Macau - arts. 896° e 240° do Código Civil
    4.1. Posto isto, entremos, então, na matéria do erro, fundamento do pedido de anulação do negócio.
    A autora comprou um parque de estacionamento, ou melhor, uma quota ideal de uma fracção destinada a estacionamento, não sabendo que estava penhorada, e tanto assim que essa quota veio a ser vendida e adjudicada na sequência dessa penhora, tendo-se provado que que se tal soubesse não teria celebrado o negócio, invocando ainda os réus, aqui recorrentes que não pode haver erro, pois que a coisa não estava penhorada (já se viu acima que não o conseguiram demonstrar), por outro lado, que também eles não sabiam desse facto, que esse erro não era perceptível a partir dos elementos disponíveis, assim sendo, tal erro não pode relevar.
    
    4.2. Actualizamos aqui, o que sobre o assunto foi dito na douta sentença recorrida, não havendo razões que nos levem a afastarmo-nos do entendimento ali vertido:
    “Resta, portanto, analisar se a Autora incorreu em erro acerca da existência do referido ónus aquando da celebração da compra e venda e se esse erro releva para os efeitos por ela pretendidos.
    Estipula o artigo 240º do CC que "1. A declaração negocial é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro fosse cognoscivel pelo declaratário ou tenha sido causado por informações prestadas por este. 2. O erro é essencial quando: a) Tenha recaído sobre os motivos determinantes da vontade do errante, de tal modo que este, caso tivesse conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos; e b) Uma pessoa razoável colocada na posição do errante, caso tivesse tido conhecimento da verdade, não teria celebrado o negócio ou, a celebrá-lo, só o teria feito em termos substancialmente distintos. 3. O erro considera-se cognoscivel quando, face ao conteúdo e circunstâncias do negócio e à situação das partes, uma pessoa de norma diligência colocada na posição do declaratário se podia ter apercebido dele. 4. Contudo, o negócio não pode ser invalidado se o risco da verificação do erro foi aceite pelo declarante ou, em face das circunstâncias, o deveria ter sido, ou ainda quando o erro tenha sido devido a culpa grosseira do declarente."
    Dessa norma vê-se que, para os efeitos pretendidos pela Autora, é necessário que a mesma tenha incorrido em erro acerca da situação jurídico real da quota indivisa adquirida, que este erro é essencial nos termos indicados no n.º 2 da norma acima transcrita e que este erro era cognoscível pelos Réus ou tenha sido causado por informações prestadas por estes.
    *
    Da matéria dada como provada retira-se que houve erro por parte da Autora quanto à existência de uma penhora registada sobre a quota indivisa por si adquirida.
    Com efeito, está provado que a Autora desconhecia do processo de execução que estava pendente em que era executada a primitiva dona da quota de 11306 da fracção autónoma AR/C que a Autora adquiriu e que, apenas em 10 de Agosto de 2009, é que tomou conhecimento da venda dessa quota no processo em que foi ordenada a penhora.
    *
    Quanto à essencialidade do erro, tendo em conta os eventuais efeitos que uma penhora anterior registada tem sobre os adquirentes subsequentes já acima referidos, não se pode deixar de dizer que o erro incorrido pela Autora de que o bem era livre de ónus e encargos incide sobre uma aspecto determinante na sua decisão de celebração do negócio. Uma vez que está assente que se a Autora soubesse que a quota indivisa que adquiriu estava penhorada, não a teria adquirido ou só a teria adquirido noutras condições, está verificado o requisito da essencialidade prevista na alínea a) do n.º 2 da norma acima transcrita.
    No que se refere à essencialidade prevista na alínea b) do n.º 2 da mesma norma, novamente tendo em conta a relevância que uma penhora anterior registada tem para qualquer adquirente posterior, qualquer pessoal normal, se soubesse da existência da penhora, teria decidido não celebrar a compra e venda ou teria celebrado a mesma em termos substancialmente distintos.
    Pelo que, o erro incorrido pela Autora é essencial.
    *
    Finalmente, urge apurar se o erro era cognoscível pelos Réus ou se foi causado por informações prestadas por estes.
    No que diz respeito à cognoscibilidade, defendem os Réus que a penhora não era possível a quem quer que fosse aperceber-se do erro acerca da existência da penhora.
    Para fundamentar esse seu entendimento, alegam os Réus que aquando da sua aquisição da quota indivisa em questão, em 2006, da certidão de registo predial emitida em 18 de Setembro de 2006 não constava a menção da penhora e a Notária que interveio na celebração da respectiva escritura pública não fez qualquer advertência acerca da existência da penhora. No que diz respeito à venda feita pelos Réus à Autora, alegam aqueles que aconteceu exactamente o mesmo, apesar de desta vez o que está em causa é uma certidão de registo predial emitida em 22 de Janeiro de 2008. A isso acresce que do contrato-promessa de compra e venda que precedeu à celebração da escritura de compra e venda outorgada pelos Autora e Réus, também não fazia referência à existência de qualquer ónus.
    Também a Autora deu conta disso alegando que "na escritura pública o Notário não fez qualquer advertência quanto à existência de quaisquer ónus sobre o direito de propriedade do Parque de Estacionamento vendido pelos RR. à A .." e que "E sempre que por ocasião da celebração das escrituras de compra e venda eram obtidas certidões de registo sobre a fracção AR/C, para efeitos de verificação da sua situação jurídica, não era feita menção de que a quota específica de 1/306 avos (incluindo o Parque de Estacionamento objecto da presente acção), estava penhorada por fazer parte integrante da quota de 135/306 que havia sido objecto da penhora."
    Por os Réus terem reconhecido expressamente esses factos, foram dados como assentes nas alíneas D) e F) dos factos assentes.
    No entanto, convém realçar que, contrariamente ao que defendem as partes, para os casos como os presentes autos, da certidão de registo predial não é impossível concluir pela existência ou não de qualquer ónus e encargos sobre determinada quota indivisa do imóvel apesar de, para o efeito, a certidão em questão tem que conter todos os factos registados relativamente a cada uma das quotas indivisas do bem. Com efeito, só assim é que se consegue começar pelo registo de aquisição dos Réus para se inteirar de todas as aquisições anteriores relativamente à mesma quota a fim de aquilatar se a 1ª aquisição (aquela feita pelo 1º adquirente junto da concessionária/executada) foi feita antes ou depois da penhora registada.1
    Aliás, da certidão de registo predial junta pela própria Autora vê-se que a mesma conseguiu identificar a cadeia de transmissões da quota em questão, cadeia esta que iniciou com a 1ª transmissão feita pela concessionária/executada (cfr. fls. 66 a 68) bem como concluir que antes de qualquer transmissão a quota em questão já tinha sido penhorada (cfr. 64).
    Não obstante o expendido, é também de reconhecer que a identificação da cadeia de transmissões não é fácil para os casos como os autos em que estão envolvidos várias quotas indivisas e para quem não está familiarizado com o registo predial. Assim, tendo em conta que o imóvel em questão é dividido em 306 quotas indivisas e o facto de nada dos autos indicar que os Réus tinham qualquer especial conhecimento sobre o registo predial, é de reconhecer que o erro não lhes era cognoscível.
    *
    Posto isto, é de analisar se o erro foi causado pelas informações prestadas pelos Réus.
    Consta dos factos assentes que, em 29 de Janeiro de 2008, os Réus declararam vender a quota indivisa à Autora livre de quaisquer ónus e encargos. Trata-se de uma declaração que consta da escritura pública de compra e venda assinada nesse dia.
    Ora, uma vez que essa declaração foi feita no próprio momento da venda, altura em que se opera o efeito translativo da compra e venda (cfr. artigo 402°, n.º 1, do CC), ao proferir essa declaração, os Réus actuaram como se estivessem a informar a Autora que não havia qualquer ónus ou encargo sobre o bem. Caso contrário, teriam de dizer que vendiam o bem com determinado ónus ou encargo que seria (ou não) expurgado depois da compra e venda.
    A respeito desta última afirmação, não adianta argumentar que os próprios Réus também estavam em erro facto que os impedia de advertir a Autora da existência da penhora. É que, o que agora está em causa não é o conhecimento ou cognoscibilidade do erro que foi já analisado na parte anterior. O que interessa apurar nesta sede é se o convencimento da Autora de que o bem estava livre de ónus e encargos foi causado pelas informações prestadas pelos Réus que podiam até estar eles próprios em erro acerca disto.
    Perspectivando as coisas do lado da Autora, é legítimo dizer que a representação errónea da situação real do bem foi criada pela declaração dos Réus. Pois, no momento da venda, os Réus disseram à Autora que com a compra, a ocorrer naquele preciso momento, esta iria adquirir um bem sem qualquer ónus e encargo. Pelo que se conclui que o erro de que o bem era livre de ónus e encargos foi causado pela informação prestada pelos Réus.”
    
    4.3. Perante isto pouco mais haverá a dizer, pois as questões que vêm suscitadas já ali foram abordadas. Não nos exiremos, contudo, a mais alguns comentários.
    Estabelece o artigo 896° do Código Civil de Macau (CCM) , aqui aplicável, o seguinte:
    "Se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações não constantes do contrato que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade." .
    
    4.4. Da essencialidade do erro.
    O erro, pedra de toque na disciplina do negócio jurídico, configurado no novo CC com uma disciplina moderna e inovadora em relação ao CC67, veio rasgar a orientação tradicional, tutelando melhor os interesses negociais em presença de uma forma mais razoável, deixando de se distinguir as diferentes categorias sobre que o erro incidiu, afastando-se a subjectivização, equilibrando a posição do declarante e do declaratário, o que se obtém pela alteração do critério da cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro para a cognoscibilidade do próprio erro, de modo a afastar as críticas de que bastaria o mero conhecimento da essencialidade de um elemento sobre que incidiu, ainda que o erro em si não fosse cognoscível, para que um dado negócio possa ser anulado.
    Não há Doutrina produzida sobre este novo regime do erro negocial, pelo que há que ser muito cuidadoso na abordagem do mesmo. É a norma que nos aponta e define os dois critérios em que se funda a relevância do erro, enquanto causa de anulação do negócio jurídico; a essencialidade do erro e a sua cognoscibilidade.
    Quanto ao primeiro requisito, parece que não pode haver dúvidas algumas. A resposta está fixada na matéria de facto e mesmo que o não estivesse parece que a posição que uma pessoa normal, cada um de nós, tomaria, perante uma compra de um dada fracção que se supunha estar livre de ónus e encargos e viesse a ser vendida e adjudicada a outrem, por estar penhorada, pensamos que não há dúvida sobre a conclusão que, se de tal houvesse conhecimento antecipado, ninguém adquiriria essa fracção, nada se evidenciando em termos justificativos, fosse em termos de justificação material ou moral, que motivasse a celebração, malgré tout, de tal negócio.
    Assim se observa o requisito do n.º 2, al. a) do art. 240º do CC. E a ele não se deixaria de chegar sempre por via da al. b) do n.º 2 desse mesmo artigo.
    
    4.5. Passemos agora ao requisito da cognoscibilidade.
    Os recorrentes dizem que não se verifica, no caso sub judice, o pressuposto da cognoscibilidade do erro, determinando a inaplicabilidade do regime do art. 240º do Código Civil de Macau de 1999 (CCM), pelo que o mesmo erro não poderia conduzir à anulabilidade da compra e venda.
    Para tal, argumentam que seria impossível a uma pessoa de normal diligência colocada na posição daqueles ter-se apercebido desse erro, dado que da certidão predial exibida na respectiva venda não constava nenhuma penhora.
    Aqui o assunto configura-se como um pouco mais complicado. O vendedor diz que não sabia da penhora, que já comprara assim. Numa leitura mais ligeira da certidão do registo não se evidencia directamente que aquela quota de 1/306 esteja penhorada. O certo é que o comprador paga por uma coisa como se estivesse livre, limpa, o seu valor real e de um momento para o outro fica sem ela porque vendida em hasta pública.
    
    4.6. Há que ter algum cuidado com a interpretação do n.º 3 do artigo 240º, podendo uma leitura porventura mais literal da norma destruir a finalidade que lhe está subjacente.
    Imaginemos uma situação de uma compra e venda de uma jóia, estando comprador e vendedor convencidos que é de ouro, mas vem-se a descobrir que é peschisbeque. É pago o preço, como se de ouro se tratasse. Se o comprador de tal soubesse não teria celebrado o negócio e parece que não haverá dúvida quanto à possibilidade de anulação do negócio, não obstante a redacção do n.º 3 do artigo 240º.
    Há então que ser cauteloso na interpretação daquela norma e atentar bem nos seus elementos: possibilidade de conhecimento do erro; visto o conteúdo e circunstâncias do negócio; situação das partes, partes enquanto pessoas de normal diligência.
    Ao deslocar o requisito da cognoscibilidade do elemento sobre que incidiu o erro, ainda que contra a doutrina até então maioritária, o novo CC de Macau, na linha de Mota Pinto, reforça o princípio da tutela da confiança.2
    
    4.7. As partes no caso acima ensaiado podiam ser ourives, técnicos de ourivesaria ou não; no nosso caso podiam ser juristas ou não, podiam saber ler uma certidão registral ou não. Naquele caso, estando em caso o valor ínsito à coisa, ou se confia ou se manda avaliar ou se pede aconselhamento de um perito; também assim no nosso caso. O circunstancialismo atinente a uma falsificação na jóia é corrente e implica um procedimento cauteloso e preventivo; também assim na compra de uma fracção, especialmente numa área onde o incumprimento e as execuções são recorrentes, em particular ao comprar-se uma parte indivisa de uma fracção, observando-se à vista desarmada que grande parte dessa fracção estava penhorada.
    Porquê partir logo do pressuposto, ao não se ter a certeza da concretização dessa quota ideal, que a parte adquirida não estava abrangida pela penhora? Para mais quando da descrição constava a penhora, originariamente, exactamente sobre 1/306, para além de outras de fracções pertencentes ao concessionário? Não seria de supor que todos os outros bens do concessionário, ainda não alienados à data daquela penhora tivessem sido igualmente penhoradas? Não haveria, neste caso, a conselho de um especialista, com a normal prudência, que se inteirassem da situação jurídica do imóvel e se prevenissem de eventuais surpresas?
    Note-se que estamos em sede do requisito da cognoscibilidade, da possibilidade de detecção do erro e não interessa já uma justificação para a não incursão no mesmo, sendo que a desculpabilidade não constitui um requisito integrante do erro, desde que essencial, para efeitos da anulabilidade do negócio.3
    Já não assim em sede do erro não objectivamente essencial, como resulta da parte final da al. b) do art. 241º do CC.
    É evidente que a norma fala na posição do declaratário. Quem é aqui o declaratário? Tratando-se de um negócio bilateral, tanto o comprador como o vendedor são ambos declarantes e declaratários. O que a norma visa, no entanto, visto o interesse a favor de quem se estabelece a possibilidade de anulação, quem se visa tutelar em primeira linha, o que deve para este efeito relevar, é a posição do comprador, sendo ele que invoca o erro, sendo ele o errante, dirigindo-se assim a declaração emitida por ele ao seu declaratário, o vendedor (isto, não obstante, ainda em nome do reforço da tutela da confiança, a posição do vendedor também sair mais protegida com o novo regime, pois que anteriormente bastava que ele tivesse conhecimento do elemento ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante sobre que incidiu o erro, ainda que o desconhecesse ou ele não fosse cognoscível).
    É, nesta perspectiva, para lá do erro essencial do declarante que esse erro seja cognoscível - atenção que a lei não fala em conhecido - pelo declaratário. Não interessa, assim, o alegado pelo vendedor que argumenta que também estava em erro, não devendo essa alegação ser vista em termos excludentes do requisito da cognoscibilidade. Este requisito deve ser analisado mediante um critério objectivo que traduza a possibilidade da sua detecção e, assim, o erro essencial relevará se ele puder ser conhecido por uma pessoa de normal diligência que estivesse envolvida naquele negócio e inteirada dos seus contornos e respectivos efeitos jurídicos.
    E aqui não temos grandes dúvidas em afirmar que uma conduta cautelosa não deixaria de configurar a susceptibilidade de existência de uma penhora no quadro acima delineado.
    Sabemos que o Ilustre Notário não fez qualquer advertência e justificou na audiência por que o não fez, porque não o podia afirmar com certeza. Já a Ilustre Conservadora foi mais assertiva e vai no sentido de que a certidão, por si, não deixaria de apontar para essa possibilidade.
    O erro que fere a declaração negocial era, porém, cognoscível, vista até a intervenção do Notário e, estando o ónus registado sobre parte muito significativa da fracção tudo apontaria para que se procurasse concretizar a sua incidência.
    Somos, pois, a julgar no sentido da verificação deste requisito e que era possível detectar a existência de uma penhora sobre uma quota indivisa da fracção autónoma "AR/C" através da inscrição n.º 26008 do Livro F, que constava claramente da certidão predial extraída para a outorga da escritura ("PENH"), para verificar que a penhora abrangia a quota parte transmitida à recorrida.
    
    4.8. Apesar de pessoalmente não ser exigível aos recorrentes ou sequer à recorrida terem conhecimentos profissionais para detectarem facilmente a existência da penhora anterior, não obstante o Ilustre Notário que celebrou a escritura, instruído pelos recorrentes para o efeito, não ter advertido para esse facto, por tal não resultar directamente da certidão predial, face à não identificação de correspondência daquele espaço de estacionamento, tal não significa que esse erro não fosse cognoscível por uma análise e por diligências um pouco mais aturadas.
    Na verdade, não deixa de estar aqui em causa o grau de diligência exigível e o argumento de que partimos é de que pelo menos resultava da certidão registral uma situação de dúvida e algo nebulosa que apontaria para uma análise mais detalhada, não sendo impossível, nem sequer difícil concluir pela existência da penhora.
     Tudo para concluir, como proficientemente se concluiu na douta sentença; que a penhora era descortinável e um olhar mais atento dela faria desconfiar; ao não se excluir a possibilidade de se configurar a existência da penhora, se o comprador negociou, desconhecendo-a, não terá deixado de negociar em erro.
    
    5. Erro causado por informações prestadas pelos declaratários vendedores
     5.1. Não é verdade, aventam os recorrentes, que o erro em causa tenha sido causado ou induzido por informações por si prestadas. Teria andado mal assim a Mma Juíza ao julgar nesse sentido.
    Há que perceber o alcance dessa afirmação na sentença proferida.
    Recorde-se que, da matéria de facto dada por assente, consta que os RR.. ora recorrentes, declararam vender a quota parte correspondente aos 1/360 avos à A., ora recorrida, livre de quaisquer ónus ou encargos (alínea C) dos factos assentes).
    Resulta igualmente da prova produzida nos autos que o erro do declarante, a recorrida, foi causado por essa declaração, na medida em que, se a declaração negocial não estivesse ferida de erro, ou seja, se a declaração negocial reflectisse que o bem vendido se encontrava penhorado, a recorrida não teria celebrado o negócio, ou tê-lo-ia feito noutras condições.
    
    5.2. A parte final do n.º 1 do artigo 240º, a par da cognoscibilidade do erro e da sua essencialidade para o declarante, prevê ainda a relevância do erro quando este tenha sido causado por informações prestadas pelo declaratário.
    Não haja dúvida que ressalta daqui um argumento adjuvante no sentido de, ainda por esta via, se reforçar a relevância do erro, mesmo que porventura não se acompanhasse quanto acima se sustentou quanto à cognoscibilidade do erro.
    No caso “sub judice” foi a informação prestada pelos declaratários (os RR.), ou seja, a declaração na escritura de compra e venda, de que a quota de 1/306 era vendida livre de quaisquer ónus ou encargos, que induziu a declarante (a A.) em erro.
    Independentemente da alegação nos articulados, tratando-se de matéria de direito, esta pode ser alegada a qualquer momento do processo, não havendo razões para desaproveitar este facto se ele está provado e para com ele fazer a respectiva integração típica.
    
    5.3. Nem se acolhe o entendimento defendido pelos recorrentes, qualificando a declaração feita numa escritura pública de compra e venda de que um bem é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos como uma mera formalidade, sem consequências em relação ao sentido intrínseco de tal declaração quanto às qualidades do objecto negocial. Porventura, será uma afirmação desse teor mais gravosa, se dissonante da realidade, do que quando se diz que a casa tem uma despensa ou um quarto a mais do que realmente tem.
    
    5.4. Afirmam os recorrentes que a declaração negocial só é anulável por erro essencial do declarante, desde que o erro tenha sido causado por informações prestadas pelo declaratário, com dolo ou mera culpa, citando os ensinamentos do Prof. Mota Pinto.
    Importa referir que o Prof. Mota Pinto reflecte sobre uma realidade normativa que foi profundamente revolucionada no nosso ordenamento, estando ainda por fazer o seu levantamento doutrinário, como já se assinalou. E se fomos nós que já acima invocámos tal autor, foi para referir que na unificação do regime do erro, na nossa lei, o tratamento dado à cognoscibilidade acolheu a posição minoritária daquele autor numa particular questão, que foi a cognoscibilidade do erro não incidir apenas sobre a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, mas sim sobre a cognoscibilidade do próprio erro.4 Nada mais. Da norma, art. 240º do CC, não se colhe o sentido que os recorrentes nele pretendem ver, importando referir que nas normas respeitantes ao erro não existia uma previsão como a que agora decorre da parte final do n.º 1 do artigo 240º do CC, antes devendo a actuação dolosa ou culposa do contraente ser analisada à luz da culpa in contrahendo consagrada no então art. 227º do CC67.
    
    5.5. Como bem dizem os recorrentes, a nova norma reforça a tutela da confiança do declarante que negoceia em erro. Ora esse reforço não se compatibiliza com uma situação de uma declaração errónea do vendedor, mesmo sem culpa, numa situação mais linear, mas mais compreensível, do nosso exemplo acima referido, em que se diz vender ouro por peschisbeque.
    Aliás, a situação da culpa do declarante era colocada por Mota Pinto e pela doutrina clássica em sede do requisito da indesculpabilidade pelo errante face ao erro incurso e não já na culpa do declaratário.
    
    Isto, como é óbvio, dispensa que se entre na análise da culpa ou ausência dela na conduta negocial dos declarantes/declaratários vendedores, ao proferirem a declaração de que estavam a vender a coisa livre de ónus e encargos.
    Posto isto, resta decidir no sentido da sem razão dos recorrentes e, consequentemente, pela improcedência do recurso.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
    Macau, 2 de Maio de 2013,
    

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
    
1 Uma vez que à data da penhora o bem penhorado ainda pertencia à concessionário/executada (caso contrário nem podia haver penhora do bem), é óbvio que não havia inscrição de qualquer transmissão. Consequentemente, no documentos da penhora, designadamente no termo da penhora, e no registo da penhora era impossível individualizar os espaços de estacionamento através de referência a inscrições ou a titulares que correspondessem à quota penhorada, pelo simples facto de, nessa data, não haver qualquer outra inscrição nem titular inscrito de direito sobre o bem penhorado a não ser a concessionária/executada.

2 - cfr. Mota Pinto, TGDC 3ª ed., 1999, 496 e 497
3 - Rui Alarcão, BMJ 138, 89-90 e Manuel de Andrade, TGRJ, II, Reimp., 1998, 240, Menezes Cordeiro, Tratado DCP, I, 2ª ed., 2000, 608
4 - Diogo Gonçalves, Erro Obstáculo e Erro Vício, AAFDL, 2004, 39
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