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Processo nº 209/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Maio de 2013

ASSUNTO:
- Efeito da resposta negativa de um quesito
- Anulação oficiosa do julgamento

SUMÁRIO:
- A resposta negativa a um facto, não significa que se tenha provado o facto contrário.
- Nos termos do nº 4 do artº 629º do CPCM, o Tribunal a quem anulará, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.
O Relator,

Ho Wai Neng




Processo nº 209/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Maio de 2013
Recorrente: Companhia de Desenvolvimento e Investimento Imobiliário B, Limitada (Embargada)
Recorrido: C (Embargante)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 04/09/2012, o Tribunal a quo julgou procedentes os embargos deduzidos e, em consequência, declarou extinta a execução intentada pela Embargada, Companhia de Desenvolvimento e Investimento Imobiliário B, Limitada, contra o Embargante, C.
Dessa decisão vem recorrer a Embargada, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente Recurso interposto da decisão final que julgou procedentes os Embargos de Executado apresentados pelo Embargante C, e consequentemente declararou extinta a execução intentada pela ora Recorrente, ali Embargada, contra o Recorrido, ali Embargante.
II. A ora Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida, considerando, salvo devido respeito, que a mesma padece de nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão, ou caso assim não se entenda, de insuficiência da matéria de facto provada;
III. A afirmação contida na decisão recorrida de que: "o facto de não estar provado que o embargante não tinha assinado o documento, está-se apenas a dizer que, para efeitos dos presentes autos, não se pode considerar que o embargante não o assinou. Disso não se retira o facto oposto: que o embargante assinou o documento." padece de uma manifesta contradição.
IV. O único quesito levado à base instrutória nos presentes autos foi formulado na negativa, pelo que o facto de o douto Tribunal a quo ter dado como não provado tal facto, formulado na negativa, não é exactamente a mesma coisa que dar como não provado um facto que tenha sido formulado na positiva.
V. Embora se compreenda que a resposta negativa a um quesito formulado na positiva não possa levar à afirmação do contrário, já a resposta negativa a um quesito formulado na negativa dificilmente se compreende que não equivalha a afirmar-se exactamente o contrário daquilo que se pergunta.
VI. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, forçoso seria concluir-se que, do facto de não ter ficado provado que o embargante não assinou o documento, se retira necessariamente o facto oposto, ou seja, de que o embargante assinou o documento, e, consequentemente, julgar improcedentes os embargos deduzidos pelo Recorrido.
Ademais,
VII. Se o douto Tribunal a quo considerou que o depoimento das testemunhas do Embargante e os documentos existentes nos autos foram suficientes para se ter dado como não provado que não foi o Recorrente quem assinou o titulo executivo, então, salvo devido respeito por melhor opinião, teria necessariamente que ter concluído pela improcedência dos presentes Embargos.
VIII. Assim, a decisão ora sob recurso padece da nulidade prevista no artigo 571.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, devendo ser revogada e substituída por uma outra que julgue improcedentes os presentes embargos. Porém, caso V. Exas. assim não entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre se diga que:
IX. O Embargante, ora Recorrido, fundou os seus embargos no facto de não ter assinado o documento dado à execução, invocando, consequentemente a falsidade da sua assinatura, tendo a Recorrente sustentado que foi o Embargante quem assinou o documento.
X. Nos termos do artigo 368.º do Código Civil, incumbia à ora Recorrente a prova de que a assinatura aposta no título executivo tinha sido efectuada pelo Recorrido.
XI. O quesito único da base instrutória foi formulado da seguinte forma: "O embargante C não assinou o documento referido em A) dos factos assentes.", o que, salvo devido respeito que é muito, para além de não ser correcto, impossibilita a ora Recorrente de fazer a prova que lhe incumbe, uma vez que não pode demonstrar que a assinatura aposta no documento é do Embargante, ora Recorrido.
XII. Da formulação do único quesito da base instrutória pela negativa resultou uma subversão da prova e uma total inutilização da prova produzida pela ora Recorrente - como seja a documental e a testemunhal - assim como resultou uma manifesta insuficiência ou deficiência da matéria de facto para a decisão final - conforme o próprio Tribunal a quo reconheceu em sede da decisão recorrida, embora afirmando que já não estava em tempo de a suprir, ampliando-a.
XIII. Verificada tal insuficiência/deficiência, ao abrigo da prorrogativa prevista no artigo 629.º, n.º 4 do C.P.C., desde já se requer a V. Exa. se digne, anular a decisão recorrida e ordenar seja ampliada a base instrutória por forma a que na mesma passe a constar o facto "Foi o Embargante quem assinou o documento referido em A) dos factos assentes?", com a consequente descida dos presentes autos ao Tribunal de Primeira Instância para efeitos de repetição do julgamento.
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O Embargante respondeu à motivação do recurso nos termos constantes a fls. 154 a 158 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- Foi dada à execução pelo Embargado um documento particular denominado por Acordo do Cooperação em que consta a data de 18 de Abril de 2007 com o seguinte teor (alínea A) dos factos assentes):
「關於澳門......大馬路無門牌PARCELA “X” 地塊 (物業登記局標示編號22500 [B33L簿冊,第157頁])
一. 合作投資各方:
1. D (B公司) 佔55.5%
2. F、C (C) 佔40%
3. G 佔4.5%
二. 售價HKD16,500,000.00。
三. 可分給投資各方款項:
16,500,000.00 - 1,100,000.00 (稅項) = HKD15,400,000.00
1. D (B公司) 佔55.5% HKD8,547,000.00;
2. F、C (C) 佔40% HKD6,160,000.00;
3. G 4.5% HKD693,000.00。
其中D (B公司) 應收的HKD8,547,000.00,現暫存於本人與H聯名戶,本人承諾將該款盡快歸還給B公司。」
- Constam na parte inferior do referido documento o nome de H, com uma assinatura ilegível e o nome de C (C), com uma assinatura de caracteres “C” (alínea B) dos factos assentes).
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III – Fundamentação:
I. Da contradição entre os fundamentos e a decisão:
A sentença recorrida, na parte da fundamentação, tem o seguinte teor:
“...Para fundamentar o seu pedido, alega o embargante que não assinou o título executivo junto a fls 32 sendo a assinatura aí aposta falsa.
Contestando, a embargada refuta o alegado pelo embargante defendendo que este assinou o documento com conhecimento do seu teor.
Flui da breve resenha feita que o cerne da questão dos presentes embargos é o da veracidade ou não da assinatura constante do título executivo.
A presente acção prosseguiu com a selecção da matéria de facto da qual apenas o facto alegado pelo embargante integrava a base instrutória.
Produzida a prova, o embargante não logrou provar a alegada falsidade.
Será, assim, de julgar improcedentes os embargos?
Julga-se que não.
Não é despiciendo o entendimento defendido pelo embargante de que cabe à embargada provar que aquele assinou o título executivo.
De facto, nos termos do artigo 368º do CC, “1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertence, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras. 2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.”
Por força dessa norma, a impugnação feita pelo embargante faz recair sobre a embargada o ónus da prova de que a assinatura constante do título executivo pertence àquele. Também assim entendeu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 23 de Novembro de 1999, CJ, 1999, Tomo V, pg 98.
Defende a embargada que ao não se dar como provado que o embargante não tinha assinado o título executivo, deve-se concluir que ficou afastada a falsidade da assinatura e provado que o embargante tinha assinado o mesmo documento.
Não é de acolher esse entendimento.
Como foi referido, da base instrutória constava apenas um quesito: se o embargante não tinha assinado o título executivo. Não havia nenhum quesito em que se perguntava se o embargante o tinha assinado.
Assim, nunca o tribunal colectivo poderia ter-se pronunciado sobre se o embargante tinha assinado o documento. Apenas podia responder se o embargante não tinha assinado o documento.
Depois, o facto de não estar provado que o embargante não tinha assinado o documento, está-se apenas a dizer que, para os efeitos dos presentes autos, não se pode considerar que o embargante não o assinou. Disso não se retira o facto oposto: que o embargante assinou o documento. Isto é, ao dar-se como não provado um facto não se está a afirmar qualquer facto: não se está a dizer que o embargante assinou o documento; está-se apenas a afirmar que o tribunal não se convenceu de que o embargante não tinha assinado o documento. Portanto, é destituído de fundamento concluir que foi dado como provado que o embargante tinha assinado o documento.
Posto isto e para efeitos da presente sentença, só se pode considerar que não consta da matéria assente nem o facto “o embargante não assinou o documento”, alegado pelo embargante, nem este outro facto “o embargante assinou o documento”, alegado pela embargada. Convém frisar que o facto alegado pela embargada não consta da matéria provada não porque o tribunal colectivo o deu como não provado mas sim porque não teve oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo. Com efeito, tal facto não foi levado à base instrutória aquando da selecção da matéria de facto nem foi ordenado o seu aditamento nos termos do artigo 553º, nº 2, f), do CPC.
Não obstante isso, por esta instância não ter poderes para suprir tal omissão nesta fase processual, nada resta senão proferir sentença de acordo com a matéria dada como provada.
Como foi já referido, cabe à embargada, apresentante do documento que serve de título executivo, provar a veracidade da assinatura constante do mesmo. Ora, por não constar da matéria assente tal facto, é de julgar procedentes os presentes embargos...”.
Para a Embargada, ora Recorrente, a resposta negativa ao único quesito levado à base instrutória: “O Embargante C não assinou o documento referido em A) dos factos assentes?”, se retira necessariamente o facto oposto, isto é, o Embargante assinou o documento em causa, e, em consequência, os embargos deduzidos devem ser julgados improcedentes.
Ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artº 571º, nº 1, al. c) do CPCM, por existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Como é fácil de notar que os fundamentos e a decisão do Tribunal a quo são coerentes, ou seja, os fundamentos expostos levam necessariamente à procedência dos embargos deduzidos.
Não se verifica, portanto, qualquer contradição.
Só existe a alegada contradição se o Tribunal a quo considerar que o Embargante assinou o documento em referência e decidir, no entanto, julgar procedentes os embargos, ou vice-versa.
Aliás, a posição da Embargada, ora Recorrente, consubstancia no erro de julgamento, e não na contradição entre fundamentos e a decisão.
Contudo, mesmo neste aspecto, a Embargada continua a não ter razão, já que “é pacífico e intuitivo que a resposta negativa a um facto, não significa que se tenha provado o facto contrário, tudo se passado como se não tivesse sido articulado”1.
Pelo exposto, nada há a censurar ou a reparar a sentença recorrida nesta parte.
II. Da insuficiência da matéria de facto provada:
Quanto a este questão, entendemos que já assiste razão à Embargada, ora Recorrente.
Aliás, o próprio Tribunal a quo reconheceu esta insuficiência da matéria de facto, só que entendeu nada poder fazer naquela fase processual senão proferir sentença de acordo com a matéria dada como provada.
É certo que a Embargada não reclamou a selecção da matéria de facto, mas isto não a impedia de vir pedir este Tribunal conhecer oficiosamente ao abrigo de disposto do nº 4 do artº 629º do CPCM, nos termos do qual este Tribunal “pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta”, que é o caso.
Ora, a forma como foi quesitado o facto não permite à Embargada (exequente) provar a matéria que alegou no sentido de que o documento particular que serviu de título de execução foi assinado pelo punho do Embargante (executado).
Assim, e para observar o nº 2 do artº 368º do CCM, torna-se necessário ampliar a matéria de facto da base instrutória, de forma a acrescentar o seguinte quesito:

O Embargante C assinou pelo próprio punho o documento referido em A) dos factos assentes?
Nesta conformidade, é de anular a decisão recorrida, remetendo os autos para o Tribunal a quo para repetir o julgamento sobre a matéria de facto versada no novo quesito.
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IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em anular a decisão recorrida e determinar a repetição do julgamento nos termos acima consignados.
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Custas pela parte vencida a final.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Maio de 2013.

(Relator) Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
1 MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, Viriato Manuel Pinheiro de Lima, pág. 504.
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