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Processo n.º 874/2012 Data do acórdão: 2013-5-30 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– acidente de viação
– quantia indemnizatória de danos não patrimoniais
– art.o 489.o, n.os 1 e 3, do Código Civil

S U M Á R I O
Na matéria de fixação de quantia indemnizatória de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não há nenhuma fórmula sacramental a observar em sede do art.o 489.o, n.os 1 e 3, do Código Civil, por cada caso ser um caso, a ser decidido necessariamente em função de quais os ingredientes fácticos concretos em causa.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 874/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 329 a 341v dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR2-11-0021-PCC (com enxerto cível de indemnização emergente de acidente de viação) do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que se fixou em MOP650.000,00 (seiscentas e cinquenta mil patacas) o valor pecuniário para reparação de danos não patrimoniais sofridos pelo lesado e demandante cível, veio a civilmente demandada A, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a redução desse montante, por ela tido como elevado e exagerado, tendo em conta que o demandante tinha 60 anos de idade à data do acidente, que necessitou de apenas 5 dias de internamento hospitalar, que desde 16 de Dezembro de 2010 as lesões já se apresentavam como insusceptíveis de modificação sem que lhe tenha sido diagnosticada qualquer incapacidade permanente parcial para o trabalho (cfr. o teor da sua motivação de recurso, apresentada a fls. 346 a 354 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o demandante (a fl. 365 a 365v) no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subido o recurso, afirmou a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista (a fl. 382), que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa tão-só a matéria cível.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Segundo a factualidade já dada por provada no acórdão ora recorrido (originalmente escrita em chinês), e na parte que ora interessa à solução do recurso:
– no dia 24 de Maio de 2009, cerca das onze horas de manhã, o demandante civil (ora recorrido), que na altura se encontrava a atravessar uma zebra numa via pública, foi embatido, quando já estava sensivelmente no troço a meio da zebra, pela parte frontal esquerda da camioneta conduzida pelo arguido dos autos, e perdeu assim a consciência;
– o demandante foi transportado ao Centro Hospitalar Conde de São Januário, onde ficou internado para receber tratamento durante o período de 24 a 29 de Maio de 2009, tendo-lhe sido diagnosticado e confirmado que o embate acima referido lhe tinha causado directamente lesão craniocerebral (fractura parietal, contusão cerebral e hematoma subdural e epidural) e contusão da mão direita e do cotovelo direito;
– de acordo com o exame médico-legal de 6 de Outubro de 2009, tal lesão craniocerebral acarretou perigo de vida para o demandante, e mesmo após curada ia acarretar invalidez permantente (incapacidade permamente parcial), a afectar-lhe de modo grave a capacidade para trabalho e a possibilidade de utilização do corpo;
– à data do acidente, o demandante tinha 60 anos de idade;
– desde 16 de Dezembro de 2010, tal lesão do demandante já mostrou que mesmo que se desse mais tratamento adequado, também não seria possível obter mais melhoramento;
– por causa do acidente dos autos, o demandante sofreu imensas dores, com memória diminuída e enfraquecida, com as mãos a tremer e com dificuldade para escrever.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de conhecer da unicamente assacada questão de exagero na fixação do montante pecuniário para reparação de danos não patrimoniais do demandante civil.
Ante a matéria de facto provada pertinente já acima referenciada na parte II do presente aresto de recurso, vê-se que:
– desde logo, o demandante ficou embatido no meio da zebra (consabidamente destinada a todo o peão para atravessar a via pública com segurança) por uma camioneta e perdeu a consciência por causa do embate, circunstâncias fácticas provadas essas a partir das quais se pode presumir judicialmente, por aval dos art.os 342.o e 344.o do vigente Código Civil (CC), que antes de perder a consciência por causa desse embate, o demandante ficou naturalmente com grande espanto pela chegada dessa camioneta;
– o demandante sofreu, por causa directa do tal embate (provocado por culpa exclusiva do condutor da camioneta), e sobretudo, lesão craniocerebral (com fractura parietal, contusão cerebral e hematoma subdural e epidural), que lhe acarretou perigo de vida, e que mesmo após curada ia acarretar invalidez permantente (incapacidade permamente parcial), a afectar-lhe de modo grave a capacidade para trabalho e a possibilidade de utilização do corpo, sendo certo que desde 16 de Dezembro de 2010, tal lesão já mostrou que mesmo que se desse mais tratamento adequado, também não seria possível obter mais melhoramento, para além do facto provado de que por causa do acidente dos autos, o demandante sofreu imensas dores, com memória diminuída e enfraquecida, com as mãos a tremer e com dificuldade para escrever.
Assim, e tudo ponderando para os efeitos a relevar do disposto no art.o 489.o, n.os 1 e 3 (primeira parte), do CC (sendo de frisar que na matéria de fixação de quantia indemnizatória de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não há nenhuma fórmula sacramental a observar, por cada caso ser um caso, a ser decidido necessariamente em função de quais os ingredientes fácticos concretos em causa), tendo em conta, para este efeito, e nomeadamente, os detalhes concretos da lesão craniocerebral sofrida pelo demandante, a já prevista invalidez corporal resultante dessa lesão, o perigo de vida então sofrido, e as imensas dores sofridas por causa dessa lesão, crê-se que deve ser respeitado, na íntegra, o juízo de valor equitativamente formado pelo Tribunal a quo aquando da decidida fixação, em MOP650.000,00, do montante pecuniário para reparação de danos não patrimoniais do demandante, a despeito de este ter já 60 anos de idade à data do acidente, e ter ficado hospitalizado em curto período de tempo (i.e., de 24 a 29 de Maio de 2009).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas a cargo da recorrente.
Macau, 30 de Maio de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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