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Processo nº 183/2013 Data: 16.05.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crimes de “consumo ilícito de estupefacientes” e de detenção de utensilagem.
Pena.
Suspensão da execução.




SUMÁRIO

1. No art. 65° do mesmo Código, onde se estatui sobre “os critérios de determinação da medida de pena”, adoptou o legislador local a “Teoria da margem de liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”.

2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

O relator,

______________________


Processo nº 183/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu, em processo sumário no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática em concurso real de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei, também na pena parcelar de 2 meses e 15 dias de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 meses de prisão; (cfr., fls. 32 a 42 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido recorreu o arguido, motivando para, a final formular as seguintes conclusões:

“1. A douta decisão recorrida, tendo ao caso concreto, aplicado ao O presente recurso tem por objecto a douta sentença do Tribunal Judicial de Base, de 7 de Fevereiro de 2013, que concluiu pela condenação do ora recorrente ao cumprimento da pena de 2 meses e 15 dias de prisão efectiva, pela prática, em autoria e na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. art.° 14.° da Lei 17/2009, e na pena de 2 meses e 15 dias de prisão de prisão efectiva, pela prática, em autoria e na forma consumada, de um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, p. e p. art.° 15.° da mesma lei, em cúmulo jurídico na pena única de 4 meses de prisão efectiva.
2. O recorrente achou que o tribunal a quo não levou em plena consideração a situação actual dele, determinando pena demasiadamente elevada.
3. O recorrente demonstrou arrependido na audiência e julgamento.
4. Ficou assente na douta sentença que o arguido prestou declarações na audiência de julgamento, e confessou de livre vontade e fora de qualquer coacção dos factos imputados.
5. A referida decisão no que concerne à determinação da medida da pena da ora recorrente, atento o disposto nos art.ts 40.° e 65.° ambos do Código Penal, demonstrando-se que, na decisão de que se recorre, a determinação da medida da pena e da sua aplicação não são adequadas à ilicitude dos factos e à culpa do arguido.
6. O tribunal "a quo" não levou em plena consideração a situação actual dele.
7. Por isso, a decisão do tribunal a quo violou os art.s 40.°, 48.° e 64.° e 65.° todos do Código Penal de Maca”; (cfr., fls. 46 a 53).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso deve ser julgado improcedente; (cfr., fls. 55 a 59).

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Neste T.S.I., e em sede de visita, juntou a Ilustre Procuradora o seguinte douto Parecer:

“A, ora arguido dos presentes autos, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substância psicotrópicas, p.° p.° pelo art.° 14 da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão efectiva, e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, p.° p.° pelo art.° 15 da mesma lei, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão efectiva, em cúmulo jurídico na pena única de 4 meses de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando violação dos ort.s" 40, 48, 64 e 65 do C.P.M. e solicitando a suspensão da execução da pena ou a condenação numa pena mais leve.
Analisados os autos, em completa sintonia com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, entendemos correcta a decisão da aplicação da pena de prisão efectiva pelo Tribunal a quo, por força da consequência jurídica exigida pelos art.°s 14 e 15 da Lei n.° 17/2009, bem como dos art.°s 40, 64, 65 e 71 do C.P.M., não havendo lugar a aplicação do disposto do art.° 48 do C.P.M ..
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Quanto à alegação da excessiva severidade da pena aplicada, não assiste, em nossa opinião, razão ao arguido recorrente.
O Tribunal é livre para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, atendendo às exigências de prevenção criminal e da culpa do agente, nomeadamente de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do art.s° 40 e 65 do C.P.M ..
Como já foi demonstrado na fundamentação da decisão recorrida, tendo ponderado todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis ao recorrente, para além de não ser primário, bem como os fins das penas, concordamos com o entendimento do Tribunal a quo, nomeadamente o da configuração da dificuldade da resocialização do recorrente, face à repetição da prática de actividades ilícitas relacionadas com os produtos estupefacientes, conforme os antecedentes criminais constantes respectivamente a fls. 72 a 76, 81 a 85 e 102 a106 dos autos.
Considerando que o recorrente é residente da R.A.E.M., que a sua vida vem-se pautando pela instabilidade, tendo, ainda, em conta a espécie de estupefacientes que se encontravam na sua posse, tudo aponta para o dolo intenso do recorrente ao reiterar na prática de crimes relacionados com produtos estupefacientes, evidenciando vontade de perturbar a tranquilidade e a paz social da R.A.E.M ..
São, sem dúvida, prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática dos crimes em causa, que se constituem como factores de elevado risco para a saúde pública e a paz social.
Tudo ponderado, não se afigura excessiva a pena de prisão aplicada ao recorrente, tendo em consideração as molduras abstractas das penas previstas para os crimes, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção criminal previstos no art.° 40 do C.P.M., tendo em linha de conta a necessária ponderação dos fins da protecção de bens jurídicos e a reintegração do recorrente na sociedade previstos no art.° 40 do mesmo Código.
Em cúmulo jurídico, a pena única de 4 meses de prisão efectiva não é exagerada, por força do disposto do art.° 71 do C.P.M., face as circunstâncias ponderadas durante a formulação da decisão recorrida.
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Quanto ao título da suspensão da execução da pena do recorrente, é matéria regulada no art. 48° do C.P.M ..
Sobre esta matéria tem o Ilustre Tribunal da Segunda Instância afirmado, recente e designadamente, nos processos n.°s 1010/2012, de 07/02/2013, 837/2011, de 01/03/2011 e 435/2012, de 04/10/2012, que:
"O artigo 48° do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
- a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
- conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. cfr., Art.°40.°), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime."
Nunca duvidamos que o juízo de prognose favorável ao recorrente cabe, subjectivamente, à opção do Tribunal a quo, mas não podemos deixar de destacar que este juízo está sempre limitado, objectivamente, pela consideração de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a sua condenação como uma advertência e que o delinquente não cometerá no futuro nenhum crime.
Sendo como pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução que a pena de prisão em medida não seja superior a três anos, enquanto como pressuposto material uma conclusão de "um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto--, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto." (As Consequências Jurídicas do Crime do Código Penal Português, 2.° Reimpressão, fls. 342 e 343).
Nesta conformidade, parece-nos que deve ser afastada a hipótese de suspensão, visto que este não é primário, com uma vida instável, condições estas manifestas que, tendo em conta as necessidades de prevenção, pelo menos, especial desse delito, sempre haverá perigo sério de reiteração criminosa.
Assim concordamos com a hipótese da não aplicação ao recorrente da suspensão da execução da pena de prisão.
Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso do arguido A”; (cfr., fls. 114 a 116).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a factualidade elencada a fls. 39-v a 40-v da sentença recorrida e que aqui se dá como reproduzida para todos os efeitos legais.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática em concurso real de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da mesma Lei, também ma pena de 2 meses e 15 dias de prisão.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 meses de prisão.

E, como resulta da sua motivação e conclusões, pede a suspensão da execução da pena única decretada, ou a sua redução, considerando que violados foram os art°s 40°, 48°, 64° e 65° do C.P.M.

Vejamos.

Não pondo em questão a “qualificação juridico-penal” da sua conduta, diz, (essencialmente), o arguido, que o Tribunal a quo não ponderou adequadamente a sua confissão dos factos e o seu arrependimento.

Ora, (independentemente do demais), não nos parece de acolher o assim afirmado.

Com efeito, não se pode olvidar que o ora recorrente foi surpreendido em “flagrante delito” (e, daí, julgado em “processo sumário”), não se podendo assim atribuir grande valor atenuativo à referida confissão dos factos.

Por sua vez, importa ter em conta que como provado ficou, o ora recorrente não é primário, tendo sido por várias vezes condenado pela prática de ilícitos criminais, algumas das vezes em penas de prisão que cumpriu, (cfr., fls. 40 e 40-v), o que não deixa de revelar possuir uma personalidade com tendência para a prática do crime, a justificar acrescidas necessidades de prevenção especial.

Dito isto, evidente se mostra que censura não merece a decisão recorrida.

Com efeito, e como sabido é, no art. 40° do C.P.M. prescrevem-se como “fins das penas”, “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

E, não obstante prescrever o art. 64° do citado Código que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, face às já assinaladas anteriores condenações e necessidades de prevenção, nomeadamente especial, adequado não parece considerar que uma pena não privativa da liberdade, realize, no caso, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Assim, e certo sendo que no art. 65° do mesmo Código, onde se estatui sobre “os critérios de determinação da medida de pena”, adoptou o legislador local a “Teoria da margem de liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”, (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012), também não parece de censurar as penas parcelares decretadas, pois que dentro das respectivas molduras legais e reflectindo a culpa do arguido e necessidade de prevenção, nomeadamente, especial.

Desta forma e não se afigurando também que a pena única fixada mereça qualquer redução, porque conforme com os respectivos critérios orientadores da sua determinação, (cfr., art. 65° e 71° do C.P.M.), resta ponderar na possibilidade de suspensão da execução da pena única.

Porém, pouco há também a dizer.

Na verdade, em relação ao comando do art. 48° do C.P.M., tem este T.S.I. entendido que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 797/2012)

Ora, atento o que se deixou consignado, (nomeadamente quanto aos “antecedentes” do ora recorrente e em relação às fortes necessidades de prevenção especial), inviável mostra-se também a aplicação de uma pena não privativa da liberdade com recurso ao dito instituto da suspensão da execução da pena.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa que se fixa em 4 UCs.

Honorários à Exma. Defensora que subscreveu a motivação de recurso, no montante de MOP$2.000,00, e no montante de MOP$500,00 ao Exmo. Defensor que assumiu a defesa do arguido na audiência de julgamento do recurso.

Macau, aos 16 de Maio de 2013

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José Maria Dias Azedo
(Relator)
[Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, mantenho o entendimento que tenho vindo a assumir – cfr., v.g., a declaração de voto anexa ao Ac. deste T.S.I. de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011 – considerando que se devia absolver o arguido do crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, e, assim, ficando o mesmo condenado com uma pena de 2 meses e 15 dias de prisão, concedia parcial provimento ao recurso].

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 183/2013 Pág. 16

Proc. 183/2013 Pág. 1