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Proc. nº 103/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 30 de Maio de 2013
Descritores:
-Marcas
-Elementos geográficos


SUMÁRIO:

I - A marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa.

II - “Cotai” é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar excluído da protecção; “Strip”, de origem inglesa, enquanto substantivo, fornece a ideia de faixa ou tira de terra bem determinada.

III - Assim, “Cotai” e “Strip” remetem-nos para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar. Têm, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado. Os caracteres descritivos que encerram não identificam nenhum produto, bem ou serviço, sendo certo que também não possuem nenhum sentido secundário distintivo, nenhum “secondary meaning”, senão o de que publicitam algo que nesse sítio está disponível ao público consumidor, sem se saber, no entanto, que segmento desse público quer atingir.

IV - A adição de um novo termo à marca, concretamente, “Shuttle”, formando a composição “COTAI STRIP COTAI Shuttle” nada traz de significativo no sentido de uma identificação de produto, serviço ou actividade, se a intenção é reportar-se a bens tão diversos como serviços de segurança para indivíduos ou haveres; serviços de guarda-nocturno; serviços de inspecção de bagagem; serviços de vigilância; serviços de porteiro; serviços de organização de casamentos e de festas para eventos especiais; serviços de acompanhantes; serviços de aluguer de roupa; serviços de aconselhamento e consultadoria relacionadas com os serviços mencionados acima, etc.

V- Por isso, aquela marca não podia ser registada.













Proc. nº 103/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
“A Entertainment Limited”, com sede em Walker House, 87, Mary Street, George Town Grand Cayman KY1-9002, Ilhas Caimão, recorreu para o Tribunal Judicial de Base da decisão do Ex.ma Directora do Departamento da Propriedade intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, publicada na II Série do Boletim Oficial de Macau de 4 de Janeiro de 2012, pela qual concedeu o registo de marca N/37791 a “B Corp.”
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Tendo respondido ao recurso a entidade recorrida e a contra-interessada, foi na oportunidade proferida sentença pelo Tribunal Judicial de Base, que julgou procedente o recurso e revogou a decisão que concedeu o registo da referida marca.
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É por causa dessa decisão que ora sobem ao TSI os presentes recursos jurisdicionais interpostos pela entidade recorrida e pela “B”.
A entidade recorrida concluiu as suas alegações do seguinte modo:
«Como se verifica existem duas interpretações judiciais em relação a estas marcas: a primeira, elabora uma análise dissecando a marca palavra por palavra e assim conclui que não existe capacidade distintiva e, por outro lado, o carácter enganoso da marca; a segunda, no sentido da marca ser analisada no seu todo e assim adquirir capacidade distintiva e de não se tratar de marca enganosa porque, a localização geográfica é usada sem conduzir os consumidores a pensar que esses produtos/ serviços, que lhe andam associados, têm essa proveniência, no sentido de ali serem fabricados/ prestados, sendo, por sua vez, a localização geográfica verdadeira.
A marca registanda é uma designação de fantasia, tem capacidade distintiva, não contem nenhuma falsa indicação de proveniência e o seu registo não ocasiona actos de concorrência desleal, pelo que, é de manter o despacho de concessão e revogar-se a sentença recorrida».
Por seu turno, a contra-interessada formulou as seguintes conclusões alegatórias:
«a) A marca N/37791 COTAI STRIP COTAI Shuttle é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já é constitui um topónimo: COTAI.
b) Tanto STRIP como SHUTTLE constituem, na marca em causa, expressões de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia.
c) A STRIP correspondem as palavras portuguesas tira, faixa, pista.
d) SHUTTLE é também uma expressão de fantasia, já que, mesmo que se aceite que se trata de vocábulo que se reporta a uma actividade normalmente ligada a transporte, deslocação e movimentos físicos, conforme consta da fundamentação da decisão recorrida, a marca N/37791, destinada a assinalar serviços diversos da classe 45.a, nada tem que ver com aquela actividade de transporte, deslocação e movimentos físicos.
e) Ao considerar que a marca COTAI STRIP COTAI Shuttle é toda ela composta por sinais que designam apenas características de bens, isto é, a sua natureza e a sua proveniência geográfica, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI.
f) Este erro de julgamento resulta, aparentemente, de uma errada leitura do que sejam os produtos que com a marca N/37791 a Recorrente pretende assinalar.»
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
a) Em 30.07.2008 a Recorrente requereu o registo da marca N/37791 para a classe de produtos nº 45 a qual consiste no seguinte:
COTAI STRIP COTAI Shuttle
b) Por despacho de 13.12.2011 proferido a fls. 18 dos autos de Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo da marca N/37791.
c) Tal Despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 1, II Série, de 04.01.2012.
d) Em 03.02.2012 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
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III - O Direito
Procurou obter, e conseguiu-o, “B Corp.” o registo da marca N/37791 “COTAI STRIP COTAI Shuttle” para a classe 45, junto da Direcção dos Serviços de Economia no respectivo Departamento de Propriedade Intelectual.
“A Entertainment Limited”, insatisfeita com a decisão, por entender que a recorrida particular não podia apropriar-se em exclusivo de uma tal designação abrangente e geográfica, recorreu para o Tribunal Judicial de Base, onde veio a obter êxito.
Recorrem, então, a beneficiária da marca e a entidade administrativa recorrida, ambas procurando demonstrar a falta de bondade jurídica da sentença da 1ª instância.
Pois, vejamos.
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Antes de mais nada, importa começar por dizer que o facto de alguma vez haver sido concedido registo de marcas como “Strip, Cotai Strip”, “Cotai Center”, “Cotai Center Mall” e outros semelhantes como “The Cotai Club”, por exemplo, nunca funcionaria para este tribunal como condicionante da nossa actividade dominada pela asserção do rigor e pelo exclusivo respeito pelo direito. Assim, a afirmação que encontramos na resposta de fls. 48 dos autos não nos impressionará, como não impressionou a 1ª instância. Aliás, não vemos como possa a “Sands” possuir as marcas “Cotai Center” ou “Cotai Center Mall” se acórdãos deste TSI de 5/05/2008 decidiram recusar o registo delas (Processos nºs 171/2008 e 297/2008).
Avancemos.
E para encurtar caminho e não se perder tempo, sirvamo-nos de um aresto deste tribunal onde questão muito próxima da que ora nos ocupa foi tratada. Disse ele:
“Decorre do art. 197º do RJPI, aprovado pelo DL n. 97/99/M, de 13 de Dezembro, que só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, …”o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Assim, genericamente, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa1.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o produto e as suas qualidades a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade do produto (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador2. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem3 compra.
O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra4.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos5.
   Mas, o próprio diploma desce mais fundo de forma a reduzir o leque de eventuais dificuldades resultantes da amplitude da norma do art. 197º. E assim é que, na alínea b), do número 1, do art. 199º dispõe, que “Não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” (negrito nosso).
   Assim é que, em princípio, não se pode considerar uma marca constituída apenas por indicações geográficas, nem genéricas, nem ambas as coisas associadas. (…)
   Ora, a verdade é que “Cotai”é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar incluído da norma limitativa da protecção (art. 199º, n.2, RJPI)” (Ac. de 17/03/2011, Proc. nº 172/2008).
Verdade é que, como se disse, de uma maneira geral marcas com indicações geográficas e genéricas, isoladamente ou associadas, mesmo conectadas a um produto, dificilmente serão registáveis. Integrar-se-ão neste lote, por exemplo, marcas como “Macau Pearls” ou “Portuguese Wine” ou “Parfum de Paris”, porque não são indicativos para o consumidor de um determinado ou especial produto (apenas apontam a natureza ou a espécie do bem) ou, então, porque induziriam o público a pensar que só aquelas eram verdadeiramente pérolas de Macau, que só aquele perfume era genuinamente parisiense, que só aquele era o autêntico vinho produzido no país de Camões. Evidentemente, sendo esta a regra, excepções são admitidas aqui e acolá, sempre que, não obstante a indicação geográfica associada a um produto, a marca tenha adquirido um carácter distintivo6. Só para dar um exemplo, “Água do Luso”, bem conhecida em Macau, mostra que a água engarrafada (espécie do bem) tem a proveniência de uma localidade do centro de Portugal chamada Luso. Mas, isso só acontece pela circunstância de ter ganho vida e força próprias, granjeando um carácter distintivo e inconfundível em várias partes do mundo. Por isso se compreende a previsão do art. 214º, nº3, do RJPI ao dizer que “O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c), do nº1 do art. 199º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo”. Excluídos, portanto, casos pontuais, marcas assim formadas não podem ser registadas (v.g., os acórdãos deste TSI acima citados nos Processos nºs 171/2008 e 297/2008)
Se regressarmos ao aresto de que parcialmente fizemos transcrição, logo veremos que aqui, tal como lá, Cotai” é vocábulo que transmite a noção de parcela de território situada entre Taipa e Coloane, numa abreviatura que entrou no léxico popular e comum. Por conseguinte, ninguém duvida que se trata de uma zona, de uma área geográfica bem determinada da RAEM território. Por conseguinte, este sinal parece estar incluído da norma limitativa da protecção (art. 199º, n.2, RJPI).
E dessa significação não escapa igualmente o segundo termo que entra na composição da marca. “Strip”, de origem inglesa, enquanto substantivo, fornece a ideia de faixa ou tira de terra bem determinada. Em Las Vegas vulgarizou-se, do mesmo modo, o uso do termo na expressão “Las Vegas Strip”, como querendo significar uma apreciável extensão da “Las Vegas Boulevard” a maior via de “Las Vegas Valley of Nevada”, para cujos lados se expandiu a construção de hotéis, casinos e “resorts”. Assim, e se tomarmos na devida conta estas duas grandes capitais do jogo, Las Vegas e Macau, podemos dizer que é nessa faixa precisa das duas cidades, nessa “strip”, que se desenvolve a industria do entretenimento e do lúdico.
Temos assim que “Cotai” e “Strip” nos remetem para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar. Têm, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado. Os caracteres descritivos que encerram não identificam nenhum produto, bem ou serviço, sendo certo que também não possuem nenhum sentido secundário distintivo, nenhum ”secondary meaning”7, senão o de que publicitam algo que nesse sítio está disponível ao público consumidor, sem se saber, no entanto, que segmento desse público quer atingir.
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Mas, ao sentido da decisão em crise constituirá algum obstáculo a circunstância de a marca ter sido aditada de um segundo grupo de palavras, concretamente “Cotai shuttle”? Do mesmo modo, não.
Com efeito, se “cotai” isoladamente tem aqui os mesmos atributos significantes que no primeiro conjunto vocabular, “shuttle” não o vem enriquecer com novas virtudes semânticas. Isto é, estamos perante um termo que não traz ao conjunto nenhuma noção de produto, bem ou serviço, pois nada esclarece especificamente. É certo que a palavra “shuttle” explica uma certa ideia de movimento ou deslocação de um sítio para outro, mais precisamente de uma certa actividade de transporte veicular. Não é preciso ir tão longe quanto nos pode levar o conceito “Space shuttle”, para se pensar que assim é. Para andarmos próximos de um conceito familiar ao “Cotai”, basta que nos recordemos outra vez de Las Vegas onde avultam expressões similares, como por exemplo, “Las Vegas Airport Shuttles”, “Executive las vegas shuttle buses”, “Las Vegas Shuttle Service” de que nos dá nota o site que da Internet extraímos com o endereço http://www.google.com/webhp?hl=pt-PT#hl=pt-PT&q=executive+las+vegas+shuttle+buses&revid=8115788&sa=X&ei=WSEnUf-rN8XyrQfIj4CgDg&ved=0CKcBENUCKAA&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.r_qf.&fp=85608e758d00f724&biw=1366&bih=915. Ou seja, nestas expressões é clara a intenção publicitária do exercício da actividade ou serviço de transporte de algum sítio (aeroporto, por exemplo) para a cidade de Las Vegas e vice-versa.
É esse, com efeito, o seu sentido mais comum quando aplicado ao “transporte” e até mesmo ao domínio da ciência e tecnologia, onde, de uma maneira ou de outra, a ideia de comunicação e de movimento está sempre presente. É verdade que em casos raros “shuttle” pode ter outra significação, como sucede em Shuttle (filme) e “Shuttle” (vídeo-game) ou em outras aplicações mais escassas (ver http//eu.wikipedia.org/wiki/shuttle). Todavia, é na primeira significação que o termo encontra a sua mais preferencial e mais comum aplicação.
Quer isto dizer que “Cotai shuttle” podia também transmitir essa ideia de movimento e transporte se essa fosse a real intenção. Neste sentido, tem razão a sentença aprecianda quando diz que a marca designa um local e uma actividade, aponta para uma zona geográfica e para a natureza de um serviço. Repare-se que tão-pouco se sabe que tipo de “shuttle” em concreto está presente na ideia: “bus”? “limousine”? “trem rápido”? Nem isso se sabe!
Estamos, portanto, em condições de concluir que esta marca não distingue a empresa requerente (aqui co-recorrente jurisdicional) de outras quaisquer que possam porventura efectuar o mesmo tipo de serviço transportador de e para o mesmo local, se é certo que nenhum elemento de fantasia podemos entrever na expressão completa que exerça essa função distintiva. “Strip”, ao contrário do que se possa pensar, não é para nós elemento de fantasia. Não é pelo facto de estar em inglês que o seu sentido muda, para ser elemento de fantasia. E “Shuttle” é vocábulo inglês que, como se disse, e não nos queríamos repetir, designa a espécie de actividade ou serviço. O que significa que o registo da marca faz parte da fattispecie previsional do art. 199º, nº1, al. b), do RJPI, circunstância que é suficiente para fundamentar a recusa (art. 9º, nº1, al. a) e 214º, nº1, al. a), do RJPI).
E nem se diga que outras marcas semelhantes a esta - que a recorrida já possui - iluminam necessariamente o caminho de solução oposta a esta. É que se não pode, em primeiro lugar, julgar o caso pelos olhos de diferente julgador que não o seu próprio (não estamos perante o “case law” anglo-saxónico). Em segundo lugar, se os elementos da marca são aqueles que vimos, e com as características que lhe apontámos, então não pode a “Sands” apropriar-se deles ao ponto de impedir outra qualquer empresa de os utilizar também (art. 199º, nº2, RJPI)8.
Enfim, pode até ser nova a marca e não ser inédita. Não é por isso que se lhe negam faculdades registrais. A razão para essa negação está no facto ela não induzir um específico dado capaz de levar o consumidor a identificá-la com um específico bem, produto ou serviço.
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Mas não podemos terminar o pensamento sem antes fazer referência a um outro argumento que decorre, já não da composição literal da marca, mas da substância da sua classificação. Recordemos que se trata da classe 45ª (“serviços de segurança para indivíduos ou haveres; serviços de guarda-nocturno; serviços de inspecção de bagagem; serviços de vigilância; serviços de porteiro; serviços de organização de casamentos e de festas para eventos especiais; serviços de acompanhantes; serviços de aluguer de roupa; serviços de aconselhamento e consultadoria relacionadas com os serviços mencionados acima”.
Ora, se a marca se reporta a uma localização geográfica e se, como visto, o que transmite, de acordo com o sentido geral do termo “shuttle”, é apenas a ideia de uma actividade transportadora - o que já seria suficiente para a recusa do registo - os serviços incluídos na classe em causa conduzem para um tipo de serviço totalmente distinto. Estamos perante uma manifestação antitética do princípio da verdade contemplado no art. 214º, nº2, al. a), do RJPI. Isto é, ao remeter o público para uma actividade ou serviço, cremos estar perante uma marca deceptiva ou fraudulenta9, na medida em que é susceptível de induzir em erro o público sobre a natureza e utilidade do serviço, o que se subsume à previsão da referida norma e conduz à recusa do registo.
Bem sabemos que uma marca pode ser identificadora tanto pela sua característica inerentemente distintiva, quer dizer, quando ela tem ab initio dotes intrínsecos que a tornam peculiar em relação a outras (significado primário), como pela sua natureza supervenientemente distintiva, isto é, quando ela com o tempo e com o seu uso adquirem essa capacidade através do seu “significado secundário”10 de forma que o público faça, a partir dela (marca), uma associação directa e imediata a um determinado bem, produto, serviço ou actividade.
Ora, não é disso que estamos aqui a falar, pois que a interessada pretendia pela primeira vez usar a marca, portanto, sem dela ter feito uso reiterado e anterior ao registo. Portanto, o conceito de significado secundário não pode ter aqui qualquer préstimo. E com isto, fica-nos a inclusão numa marca nominativa, puramente descritiva, de um elemento que, por assinalar um produto que não corresponde aos da classe e que leva o público a associá-la a um serviço diferente do pretendido, não é idóneo ao fim proposto e não respeita o princípio da verdade.
Se, num mero exercício de reflexão, entendermos que o termo “shuttle” não tem no caso em apreço o significado que se retira da sua “vulgo ofício” mas outro qualquer que a recorrente particular entenda dar-lhe, então o mais que se pode “in extremis” pensar é que o referido vocábulo apresenta conexão, mesmo que longínquo, com os serviços por que é conhecida a “B”, o que significaria, então, que o objecto da marca andaria ligado à indústria do jogo, hotelaria, lazer e entretenimento. Nunca relacionado com serviços de segurança, de guarda-nocturno, de vigilância, de porteiro, etc. Neste sentido, também o princípio da verdade estaria contrariado, caso pudesse ser feito tal registo.
Assim sendo, andou bem a sentença em apreço.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela “B Corp.”.
TSI, 30 / 05 / 2013


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José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
2 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
3 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
4 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
5 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393
6 Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I, 4ª ed., pag.366.
7 “Secondary meaning” é um outro significado da marca, após intenso uso feito pelo titular (ver Américo da Silva Carvalho, Direito das Marcas, Coimbra Editora, pag. 256.
8 Carlos Olavo, Propriedade Industrial, I, Sinais Distintivos do Comércio Concorrência Desleal, pag…. ”.
9 José Mota Maia, Propriedade Industrial, II, pag. 423, 424; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso…cit,I, 4ª ed., pag. 369
10 Ver Américo da Silva Carvalho, ob. cit., pag. 259-274.
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