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Processo n.º 310/2013 Data do acórdão: 2013-6-13 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– medida da pena
– burla em valor consideravelmente elevado
– art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal
– guarda policial
S U M Á R I O
Na medida da pena do crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), do Código Penal, há que considerar inclusivamente as grandes necessidades de prevenção geral deste tipo-de-ilícito, sobretudo quando praticado por um guarda policial.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 310/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente: B (B)









ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 138 a 143v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-12-0210-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. conjugadamente pelos art.os 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), e 196.o, alínea b), do vigente Código Penal (CP), na pena de três anos e seis meses de prisão efectiva, com obrigação de pagar à ofendida C (C) a quantia, arbitrada oficiosamente, de MOP314.525,00 (trezentas e catorze mil, quinhentas e vinte e cinco patacas) para indemnização de danos patrimoniais sofridos por esta, com juros legais contados a partir da data desse acordão até integral pagamento, veio o arguido B (B), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, antes do mais, a sua absolvição, com fundamento na alegada violação, pela decisão condenatória ora recorrida, do tipo-de-ilícito objectivo de burla do art.o 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), do CP (porquanto, no seu entender, as circunstâncias fácticas apuradas no caso não davam para integrar esse tipo legal de crime), para além de pedir, subsidiariamente, a redução da sua pena de prisão, por ele tida como excessiva, sem deixar de pretender também a suspensão de execução da pena de prisão a aplicar depois em dose diminuída (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 160v a 165v dos presentes autos correspondentes).
Outrossim, veio o arguido recorrer também da decisão judicial, tomada na sessão de leitura pública do dito acórdão condenatório, de aplicação da sua prisão preventiva (cfr. a motivação a que aludem as fls. 154 a 159 dos autos).
Aos dois recursos respondeu o Ministério Público (a fls. 170 a 175) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 206 a 208v), preconizando também a manutenção de todo o julgado.
Feito o exame preliminar (em sede do qual se opinou pela rejeição do recurso do acórdão condenatório e pela consequente inutilidade de conhecimento do recurso da medida de prisão preventiva) e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
No acórdão condenatório ora sob impugnação, foi materialmente julgado como provado o seguinte (aí descrito originalmente em chinês a fls. 139 a 140 dos autos, e aqui traduzido para português pelo relator):
– em Outubro de 2009, o arguido B (B), através do amigo D (D), tomou conhecimento de que o marido de uma residente no Interior da China chamada C (C) (ora ofendida) estava detido pelas Autoridades de Segurança Pública de lá para efeitos de investigação de um caso de tráfico de droga em que se encontrava envolvido. Na altura, o arguido também soube que C desejava poder ajudar o marido no sentido de libertação deste;
– por isso, o arguido tomou a iniciativa de contactar D, dizendo a este que podia ajudar o marido da ofendida na questão de libertação, e pedindo ao mesmo amigo que lhe apresentasse a ofendida para conhecer;
– depois de conhecer C através de D, o arguido disse àquela que podia ajudar no sentido de fazer libertar o marido dela, mas ela tinha que pagar primeiro, como recompensa e despesas de “comunicação”, duzentos mil Renminbis, e pagar depois, com o êxito da libertação, outros duzentos mil Renminbis;
– C acreditou nas palavras do arguido, e depositou, em 5 de Novembro de 2009, cerca das três horas da tarde, num banco em Zhuhai da China, cento e cinquenta mil Renminbis em numerário na conta bancária do arguido, e fez transferência bancária de cinquenta mil Renminbis na mesma conta do arguido;
– ao mesmo tempo, a pedido da ofendida, o arguido empregou a forma de livrança para atestar que já tinha recebido da ofendida os referidos duzentos mil Renminbis;
– em Janeiro de 2010, o arguido contactou de novo C, dizendo que como havia mais um intermediário a ajudar, ela precisava de pagar mais cinquenta mil Renminbis. Na altura, C acreditou igualmente nas palavras do arguido, e pagou, no dia 11 desse mês, cinquenta mil Renminbis ao arguido. Depois de ter recebido esta quantia, o arguido empregou de novo a forma de livrança para atestar que já tinha recebido cinquenta mil Renminbis dados por C;
– o arguido recebeu, no total, duzentos e cinquenta mil Renminbis de C. Contudo, o arguido não prestou ajuda no sentido de fazer libertar o marido desta;
– o arguido, para obter vantagem ilegítima, aproveitou-se da ansiedade da ofendida na questão de libertação do seu marido, e fez com que através das suas palavras acima aludidas, a ofendida tenha acreditado, por erro, que o próprio arguido pudesse fazer libertar o marido dela, o que causou a que a ofendida tenha acabado por praticar acto que acarretou a si mesma prejuízo patrimonial;
– o arguido praticou, de modo livre e consciente, os actos acima referidos;
– o arguido sabia claramente que a sua conduta era violadora da lei e sujeita à punição legal;
– o certificado de registo criminal revela que o arguido é delinquente primário;
– o arguido declarou trabalhar, como profissão actual, como guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública, com vinte mil patacas de rendimento mensal, com o curso secundário completo como habilitações académicas, e com mulher e filha a seu cargo.

Por outro lado, chegou o Tribunal Colectivo ora recorrido a afirmar, na fundamentação fáctica do seu acórdão, que a tese declarada pelo arguido em audiência de julgamento – segundo a qual a ofendida, por pretender conhecer amigo, lhe emprestou, sem juros, duzentos e cinquenta mil Renminbis – contrariava o senso comum básico das pessoas na vida quotidiana (cfr. o segundo parágrafo da página 7 do texto do acórdão recorrido, a fl. 141 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, passa-se a decidir da primeiramente colocada questão de violação do tipo-de-ilícito objectivo da burla.
Pois bem, ante a matéria fáctica já dada por provada em primeira instância, e já acima referenciada, é indubitável que essa mesma factualidade dá para preencher totalmente o tipo-de-ilícito em questão, p. e p. conjugadamente pelos art.os 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), e 196.o, alínea b), do CP.
É certo que o recorrente insiste agora na sua tese do verdadeiro empréstimo com efeitos meramente civis, como tal alegadamente provado pelas livranças emitidas a favor da ofendida, mas essa tese fáctica já foi materialmente repudiada, e bem, pelo Tribunal Colectivo recorrido, que a considerou como contrária ao senso comum básico das pessoas na vida quotidiana.
Portanto, sem mais indagação por desnecessária, há que naufragar o pedido de absolvição do crime em questão.
Com o que se passa a conhecer agora da subsidiariamente peticionada redução da pena.
O crime de burla em valor consideravelmente elevado é punível, por comando do art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, com prisão de dois a dez anos.
Na medida da pena, há que considerar inclusivamente as grandes necessidades de prevenção geral deste tipo-de-ilícito, sobretudo quando praticado por um polícia, e o grau elevado da culpa do arguido na prática do mesmo (art.o 40.o, n.os 1 e 2, do CP).
Assim sendo, e ponderando também as demais circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal recorrido e com relevância também para o disposto no art.o 65.o, n.os 1 e 2, do CP, é patente que já não há margem para a almejada redução da pena de três anos e seis meses de prisão imposta no acórdão recorrido, ainda que o arguido seja delinquente primário e com encargos familiares e mesmo que se admitisse como verdadeiro o facto, alegado na motivação de recurso, de que ele cometeu o crime por ter dívidas de jogos.
E resultando, assim, confirmada a pena de prisão por que vinha condenado, cuja duração é superior a três anos, é impensável qualquer hipótese de suspensão de execução dessa pena em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Mostrando-se, pois, evidentemente infundado o recurso do acórdão condenatório recorrido, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos ditados nos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do actual Código de Processo Penal (CPP), com o que o recorrente tem que cumprir a pena de prisão efectiva por que já vinha condenado em primeira instância, e não havendo assim in casu, nos termos do art.o 390.o, n.o 1, alínea g), do CPP (na redacção dada pelo art.o 73.o da vigente Lei de Bases da Organização Judiciária), possibilidade de recurso para o Venerando Tribunal de Última Instância, já não se torna mister conhecer agora do recurso da decisão de aplicação de prisão preventiva.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso do acórdão condenatório da Primeira Instância, e não tomar conhecimento do recurso da decisão de aplicação de prisão preventiva.
Custas nesta Segunda Instância pelo arguido, com oito UC de taxa de justiça total, e cinco UC de sanção pecuniária referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal, e ainda com cinco mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão à ofendida.
E comunique ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 13 de Junho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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