打印全文
Processo n.º 357/2010
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 6/Março/2014


ASSUNTOS:
- Contrato-promessa
- Direito de retenção


SUMÁRIO:
    1. Se o incumprimento, traduzido na não entrega por parte de um dos réus ocorreu no domínio do novo Código Civil, com a transmissão da coisa prometida vender a terceiro, será este o aplicável.
    2. Só com a transmissão a terceiros se verifica o incumprimento definitivo do contrato-promessa, o que cai já na vigência do novo Código Civil, e desta forma, do seu artigo 745.°, f), aplicável ao caso.
    
    3. Mas mesmo que se entendesse que o incumprimento ocorreu logo no domínio do Código Civil pré-vigente, ainda aí, se entende que o direito de retenção já resultava do regime aplicável, se tivesse havido traditio, com entrega das chaves da fracção, pagamento integral do preço, intenção de transmissão de todas as faculdades de gozo, ocupação das fracções, posse com animus sibi habendi, como se proprietário fosse por parte do comprador.
    4. O direito de retenção assume uma natureza de direito real de garantia, oponível erga omnes, traduzido na sequela que confere ao promitente-comprador, a faculdade de não abrir mão da coisa, enquanto se não extinguir o seu crédito.
    5. Comprovando-se que um dos réus agiu como representante do dono das fracções no contrato-promessa não lhe deixa de ser oponível o referido direito, bem como aos demais terceiros adquirentes das fracções prometidas vender.
    
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 357/2010
(Recurso Civil)
Data : 6/Março/2014

Recorrente :
A

Recorrido:
B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
   1. A, ré mais bem identificada nos autos à margem indicados, perante a seguinte decisão:

“a) Declara-se resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o A., a 1ª e 2ª Rés sobre a fracção autónoma designada por “XX” e o lugar de estacionamento C10, correspondente a 1/82 avos da fracção “XX” do “Edifício XX”.
b) Condena a 1ª R. a pagar ao A. a título de indemnização, correspondente ao dobro do sinal, a quantia global de MOP$$7,746,200.00 (sete milhões, setecentas e quarenta e seis mil e duzentas patacas), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação, até a efectiva pagamento.
c) Absolve-se os RR. do restante do pedido.”
vem interpor recurso da decisão que reconheceu ao autor o direito de retenção sobre os imóveis e conclui as suas alegações, como segue:
    I. Não tendo o legislador atribuído eficácia retroactiva à norma prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 745° do actual Código Civil, a mesma não é aplicável ao contrato em causa.
    II. O direito de retenção não nasce com o incumprimento do contrato imputável à outra parte mas sim com a celebração do mesmo.
    III. A promessa objecto dos autos foi celebrada em 4 de Maio de 1992, antes, portanto, da entrada em vigor do actual Código Civil.
    IV. Antes da entrada em vigor do actual Código Civil de Macau, o devedor já se encontrava em incumprimento.
    V. Logo, o direito de retenção teria, em qualquer caso, nascido na vigência da lei anterior.
    VI. A sentença recorrida, como tal, ao aplicar o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 745° do actual Código Civil, viola o disposto no artigo 11° do actual Código Civil segundo o qual a lei só dispõe para o futuro.
    VII. Por outro lado, a mesma, ao não aplicar o disposto no artigo 2° da Lei n.º 20/88/M, de 15 de Agosto, faz uma errada aplicação da lei.
    VIII. O eventual direito de retenção que o autor pudesse gozar sobre as fracções é sempre pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte no contrato nos termos do disposto no artigo 436° do Código Civil.
    IX. Logo, não constando da matéria dos autos que a 2ª ré actuou em representação e com o consentimento da 1ª ré, não era legítimo à setença recorrida concluir, por insuficiência daquela, que o contrato produz efeitos na esfera jurídica da última.
    X. E que é a F ré quem responde pelo incumprimento do contrato, bem como pelo pagamento da respectiva indemnização.
    XI. A sentença recorrida, ao aplicar, por isso, o instituto da representação, nomeadamente o artigo 251° do Código Civil, aos factos considerados provados nos autos, faz uma errada aplicação da lei.
    XII. O autor não é, por isso, titular de qualquer crédito sobre a P ré resultante do não cumprimento do contrato.
    XIII. Logo, não existindo crédito, não há direito de retenção.
    XIV. Nunca, como tal, poderia a sentença recorrida ter aplicado o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 745° do actual Código Civil visto que não se encontram verificados os respectivos pressupostos da sua aplicação, sob pena, novamente, de fazer uma errada aplicação da lei.
    Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida na parte em que reconhece ao autor, na qualidade de promitente-comprador, o direito de retenção sobre os imóveis.
    
    2. B, recorrido nos autos à margem referenciados e aí também ele mais bem identificado, responde, em síntese:
    I. A sentença recorrida reconheceu ao Autor, na qualidade de promitentecomprador, o direito de retenção sobre os imóveis.
    II. Nas suas alegações, a Recorrente desfere, em síntese, que a sentença recorrida deveria ter aplicado, não a actual redacção do Código Civil de 1999, mas antes o Código Civil de 1966 que, na opinião da Recorrente, não conferia ao promitente comprador o direito de retenção, sendo que o momento do nascimento do direito de retenção é o da celebração do contrato promessa e não o do incumprimento e que, tendo apenas ficado provado que a promessa foi celebrada pela segunda Ré, e não com a primeira Ré, não existe direito de crédito, e por consequência, não existe direito de retenção.
    III. O primeiro erro da argumentação apresentada pela Recorrente consiste na ideia que o direito de retenção nasce com a celebração do contrato promessa.
    IV. Nos termos do artigo 744° do Código Civil, «o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.»
    V. O direito de retenção constitui um direito real de garantia que decorre directamente da lei, que nasce com o incumprimento da obrigação, e desde que se encontrem reunidos os demais requisitos.
    VI. Se própria Lei estabelece que é um direito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nunca poderia resultar do contrato promessa que é, antes, a fonte do crédito.
    VII. Sobre esta matéria, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido em que o direito de retenção nasce com o incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa pelo promitente vendedor.
    VIII. Quando o tribunal conclua pelo incumprimento da promessa pelo promitente vendedor, limitar-se-á a reconhecer retroactivamente como lícita a detenção do imóvel pelo promitente-comprador fiel à promessa, que de detentor, passa a ser retentor.
    IX. Nos termos do n.º 2 do artigo 11.° do Código Civil, quando a lei nova dispõe directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
    X. Já quando a lei nova não se abstrai dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que continua a aplicar-se a lei antiga.
    XI. A lei nova aplica-se aos contratos duradouros sempre que exigências de ordem pública o determinem, nomeadamente em todos os critérios inovadoramente instituídos pelo legislador, que visem a protecção da parte socialmente mais fraca da relação contratual.
    XII. O promitente-comprador que obteve a tradição do imóvel beneficia do direito de retenção previsto na alinea f) do n.º 1 do artigo 745.° do Código Civil vigente, se a violação do contrato for imputável à outra parte, ainda que o contratopromessa de compra e venda do imóvel tenha sido celebrado e a sua tradição tenha ocorrido na vigência do Código Civil de 1966 (lei antiga).
    XIII. Veio a Recorrente afirmar nas suas alegações que, ainda que assim não fosse e, efectivamente, o direito nascesse com o incumprimento do contrato, não seria verdade que esse incumprimento tivesse ocorrido em 2001 quando a 1ª Ré vendeu a 3ª Ré os imóveis, mas com a escritura de propriedade horizontal, celebrada na vigência do antigo Código, tentando estabelecer como causa do incumprimento o registo da propriedade horizontal do edificio do qual fazem parte as fracções em causa nos autos.
    XIV. A Recorrente incorre numa confusão de conceitos: mora e o incumprimento defmitivo.
    XV. A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida e por se tomar impossível.
    XVI. O registo da propriedade horizontal em nada invalidou a possibilidade de celebração do contrato em causa nos autos.
    XVII. Até à transmissão a terceiros, que foi devidamente provada nos presentes autos, apenas poderia existir uma situação de mora e não de incumprimento.
    XVIII. A transmissão, que se provou ser culposa, é que constitui o facto que determinou o incumprimento do contrato, porquanto essa transmissão impossibilitou definitivamente a celebração do contrato definitivo com a Recorrida.
    XIX. Tendo ocorrido a transmissão a terceiros (o incumprimento) na vigência do novo Código Civil, e desta forma, do seu artigo 745.°, é esta a lei aplicável aos presentes autos.
    XX. Não poderão restar quaisquer dúvidas que o Recorrido é titular do direito real de retenção nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 745° do Código Civil vigente.
    XXI. A Recorrente vem pugnar por uma inexistência de crédito e consequentemente na inerente inexistência do direito de retenção.
    XXII. A Recorrente sustenta essa tese no facto de não constar da matéria dos autos que a 2ª Ré actuou em representação e com o consentimento da 1ª Ré, pelo que não era legítimo a sentença recorrida concluir, por insuficiência daquela, que o contrato produz efeitos na esfera jurídica daquela, que o contrato produzisse efeitos na esfera jurídica da última.
    XXIII. A sentença deu como provada a celebração do contrato promessa de compra e venda e reproduziu os termos do mesmo, tendo sido a mesma dada como provada!
    XXIV. O Tribunal a quo teve o cuidado, quanto a esta matéria, de transcrever e traduzir inclusivamente para Português a parte a que se refere à representação da 1ª Ré, pela 2ª Ré.
    XXV. Resulta pois do acórdão, atendendo à matéria dada como provada, que «[...] 2ª R, agiu. como expressamente consta do documento, por conta e em nome da mandante 1ª R., a qual até manifestou a sua concordância assinando o próprio contrato. [...]»
    XXVI. O conteúdo do contrato foi dado como provado, não tendo sido demonstrada que qualquer falsidade constasse do mesmo.
    XXVII. Do texto do contrato está expresso que "[ ... ] Parte A , na qualidade de representante de vendas de todo o edificio [...]"
    XXVIII. Ninguém nunca invocou nos presentes autos que o texto do contrato fosse falso. E sabe a Recorrente que não é.
    XXIX. Tanto sabe que a 1ª Ré assinou o referido contrato, aceitando os seus termos, e dessa forma, vinculou-se no contrato promessa.
    XXX. O direito de retenção é um direito real oponível erga omnes, pelo que sempre será, consequentemente, oponível contra a Recorrente.
    XXXI. O direito de retenção constitui um direito de sequela conferindo ao titular do promitente comprador, a faculdade de não abrir mão da coisa, enquanto se não extinguir o seu crédito - à celebração do contrato prometido ou, se assim não se entender, o que no caso vertente não se concede, até ao cumprimento da obrigação de restituição do sinal em dobro.
    XXXII. O direito de retenção é um verdadeiro direito real (não de gozo) de garantia.
    XXXIII. Conclui-se, assim, que o direito de retenção do promitente-comprador vale perante o terceiro adquirente da coisa retida.
    XXXIV. Pelo que deverá o recurso apresentado pelas Ré/Recorrente A, ser julgado improcedente.
    
    3. Foram colhidos os vistos legais.

II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:

“Dos factos assentes
A) C, e em inglês XX, é uma sociedade comercial por quotas matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel de Macau sob o n.º XXX, com o objecto de fomento imobiliário, na compra e venda e administração de propriedades.
B) D, em chinês XXX e em inglês XXX, é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel de Macau sob o n.º XXX, e com o objecto de prestação de serviços de consultadoria para investimento, a construção de imóveis e a sua comercialização.
C) De acordo com o teor da informação inscrita no registo relativo aos imóveis, os imóveis a que se refere o quesito 1º da Base Instrutória já se encontram inscritos a favor de E, ora 4° R., que os adquiriu à A, ora 3ª R..
D) O Registo a que se refere a alínea C) dos Factos Assentes foi feito com base numa escritura realizada em 16 de Agosto de 2001, lavrada a fls. 66 e seguintes do Livro 4, da Notária Privada Teresa Teixeira da Silva.
De base instrutória
1. Em 4 de Maio de 1992, o A. celebrou com a D, ora a 2ª R., um contrato com o seguinte teor :
承諾樓宇買賣合約
業權人:C
立約人:D 簡稱甲方
地址:澳門東望洋新街XX號XX地下
Mr. B 簡稱乙方
地址:雅廉訪大馬路XX號XX
電話:XX 證件編號:XXX
茲因甲方為澳門羅飛勒前地14、16號,灰爐石級4、6、8、10、14、26、28、30、32、34號 “XX花園”整幢樓宇之售樓代理,現徵得業權人之同意,甲方承諾將上述樓宇之XX座XX樓壹個單位連編號第XX號車位壹個售與乙方承受,甲乙雙方同意簽立本承諾樓宇買賣合約,並訂明條件如下:
一、 樓價為:葡幣:叁佰捌拾柒萬叁仟壹佰圓正
港幣:叁佰柒拾伍萬叁仟圓正
二、 付款辦法:
1) 簽立本合約時付樓價------------------10%即MOP387,310.00圓正(HK$375,300.00圓正)
2) 樓宇地基完成時付樓價---------------10%即MOP387,310.00圓正(HK$375,300.00圓正)
3) 樓宇十字樓石屎完成時付樓價-------5%即MOP193,655.00圓正(HK$187,650.00圓正)
4) 樓宇天面石屎完成時付樓價----------5%即MOP193,655.00圓正(HK$187,650.00圓正)
5) 樓宇內部間格完成時付樓價----------10%即MOP387,310.00圓正(HK$375,300.00圓正)
6) 有入伙紙時,於七天內付樓價--------60%即MOP2,323,860.00圓正(HK$2,251,800.00圓正)
              合共MOP3,873,100.00圓正(HK$3,753,000.00)
三、 將來本單位入伙時,若乙方以所欠樓款本金數額轉由銀行辦理分期付款,一切抵押手續費用,由乙方負責,分期利息及每月供付款項均以銀行規定之方式辦理。
四、 每屆規定付款期限,乙方接到甲方通知三天內應履行上述付款辦法,將款項交與甲方,逾期交款,前所交之樓款作廢,本合同亦同時取消。甲方有權將本單位樓宇收回另行出售,乙方同意無條件放棄一切權益。
五、 如因特別原因甲方能接受延期交款時,逾期樓款利息依照當日銀行貸款利率按日計算。
六、 甲乙雙方同意由該樓宇地基完成日起計720個晴天工作日交樓,但如因澳門政府有關部門之阻延及因遇有不可抗拒因素(如工潮、地震、天災橫禍等)導致停工阻延交樓日期不計算在內。
七、 本樓宇各單位之水電錶按金由乙方負責,應於入伙前付給甲方。
八、 如乙方於立契前將該單位轉讓與任何第三者承受時,乙方需支付樓價百分之壹款項給甲方作為轉名手續費用。
九、 乙方在本合約內所購買之單位只作為私人住宅用途,乙方所購買之單位不能作任何商業用途使用,乙方日後不得將所購買之單位開設公寓、舞廳、麻雀館、桌球室、波子機娛樂場所、酒樓、餐廳、飲食店、賭場等非法機構或任何行業。
十、 全座樓宇各單位於大廈有入伙紙時,由甲方設立臨時大廈管理處維持環境衛生,乙方必須遵守分層物業組織條例,將來該單位不論空置或出租與他人,一經管理處通知即應按月上繳交管理費,直至該樓宇各單位簽立正式買賣契約時,由大廈各業主組成大廈聯誼會,並接管臨時管理處,改為正式大廈管理處繼續管理本大廈有關事宜。
十一、 本樓宇全部外牆歸大廈管理處負責管理,任何住戶業主不得在大廈入口處,大堂等大廈外牆加建廣告或隨意將大廈外牆飾面改建,乙方不得在大廈外牆、露台或窗戶位置安裝或擺設任形式之廣告招牌或任何物件足以影響本大廈外型美觀,乙方如有違反上述規定時,管理處有權要乙方立刻拆除或由管理處派員拆除一切物件,所有開支費用由乙方負責支付。
十二、 本樓宇各單位業主或住戶必須保持大廈公眾走廊、電梯、樓梯、大堂入口等公眾地方之清潔衛生和公眾安全。
十三、 本樓宇之天台屬頂樓各單位專用,但不得於天台搭建任何附加建築物,以保安全、清潔、雅觀,而同座樓宇各單位之收音機天綫,電視機天綫,電話綫則有權於天台安裝。
十四、 將來該單位立正式契約時,有關律師費用及政府稅項均由乙方負責支付,概與甲方無關。
十五、 本合約未列明事項,概依本澳現行法例辦理,有關建築圖則、尺寸、間格及用料均以工務司最後批準圖則為準。
十六、 乙方同意甲方可以在本大廈增加住宅單位層數。
十七、 本合同壹式兩份,由甲乙雙方各執壹份為據,經雙方簽字後即時生效。
業權人:(XX及XX之簽名並加蓋C印章)
甲方: (不能辨認之簽名並加蓋D印章)
乙方: (B簽名)
見證人:
日期:04/05/1992
2. Naqueles termos, o A. entregou à D, que deu quitação, a quantia acordada no valor de HKD$2,251,800.00, sendo a última prestação prevista no contrato promessa paga em 4 de Julho de 1998, antecipando assim o pagamento total do preço das fracções.
3. Foi registada a constituição da propriedade horizontal do prédio, e não foi realizada a escritura da compra e venda das referidas fracções.
4. Ao A. foi entregue as chaves do apartamento e indicado o lugar de estacionamento que o A. passou logo a utilizar.
5. O A. tem vindo a usufruir da fracção em causa como se tratasse do seu proprietário legítimo e já pagou a totalidade do preço dos imóveis.
6. Logo após a celebração dos contratos-promessa, procedeu à substituição das fechaduras das portas das fracções e mandou instalar uma porta de ferro para garantir a sua segurança.
7. Procedeu depois à limpeza e ocupação das mesmas, fazendo os necessários contratos com a SAAM e a CEM, e passando também desde esse momento a assumir a pagamento das despesas de condomínio.
8. Desde a data da assinatura dos contratos que o A. possui as fracções em causa à vista de todos, sem violência e sem a oposição de ninguém, comportando-se relativamente às respectivas fracções como seu único e verdadeiro proprietário.
9. O A. solicitou certidão da Conservatória do Registo Predial.
10. A C e o E, ora 4º R, adquiriram os imóveis, sem que alguém se deslocasse ao imóvel antes da compra.
11. O A. nunca recebeu nenhuma visita na sua casa e continua a usar a fracção e o lugar de estacionamento, sem qualquer oposição.
12. Com a realização da escritura pública de compra e venda celebrada entre a C e a A em 1 de Junho de 2001, resultou a redução do património da sociedade C.
13. Continua a incidir sobre a fracção autónoma em causa uma hipoteca a favor do Banco Tai Fung, S.A.R.L., para garantia do reembolso de facilidades bancárias concedidas à C, até ao montante global de HKD$40,000,000.00 e respectivos juros e despesas.
14. Foi proferida a sentença pelo Tribunal da cidade Foshan, a qual consta de fls. 200 a 206, cujo teor aqui sé dá por integralmente reproduzido.
  
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa, no essencial, pela resposta às questões equacionadas pela recorrente nos seguintes termos:
    De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 745° do actual Código Civil, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 436°.
    Antes, porém, da entrada em vigor do referido código, em 1 de Novembro de 1999, o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa não gozava do direito de retenção sobre a coisa, sendo apenas admitida a possibilidade de o crédito do mesmo ser pago pelo valor daquela com preferência sobre os outros credores comuns (cfr. artigo 20 da Lei n.º 20/88/M, de 15 de Agosto).
    A promessa objecto dos autos foi celebrada em 4 de Maio de 1992.
    Ora, não tendo o legislador atribuído eficácia retroactiva à norma prevista na alínea f) do n° 1 do artigo 745º do actual Código Civil, a mesma não é aplicável ao contrato em causa.
    Ao contrário do que defende a sentença recorrida, o direito de retenção não nasce com o incumprimento do contrato imputável à outra parte mas sim com a celebração do mesmo.
     Porquanto é a partir desse momento que o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido passa a dispor de uma garantia do cumprimento daquela, ou seja do direito de retenção.
    
    2. Não tem razão a recorrente e poder-nos-íamos louvar para tanto na argumentação expendida na douta sentença, faculdade consentida pelo artigo 631º, n.º 5 do CPC, dando-a aqui por reproduzida, na parte que interessa e responde ao objecto do recurso:

“6. Direito de retenção
As relações jurídicas do presente caso, são constituídas na vigência da lei antiga.
O Autor vem valer o seu direito de retenção emergentes dos contratos-promessa de compra e venda com mútuo e promessa de hipoteca.
O artigo 11º do Código civil de 1999 prevê: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à entrada em vigor.”
O contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o A. e a 1ª R. foi em 1992, na vigência do Código Civil de 1966.
O incumprimento da promitente vendedora ocorreu na vigência da lei nova – Código Civil de 1999, em 2001, quando a 1ª Ré vendeu a 3ª Ré as fracções antes prometidas vender ao Autor.
Nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 745º do Código Civil actual, o direitos de retenção da coisa, de que goza o promitente-comprador de imóvel que obteve a sua tradição, refere-se ao conteúdo do direitos do promitente-comprador, e só nasce com o incumprimento do contrato imputável à outra parte.
Assim, é aplicável o Código Civil de 1999.
O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados - artigo 744º do CCM.
Para além das referidas situações gerais, o artigo 745º prevê casos especiais que confere ao devedor o direito de retenção.
O artigo 745º do Código Civil de Macau dispõe:
“1. Gozam anda do direitos de retenção:
a) ......;
b) ......;
c) ......;
d) ......;
e) ......;
f) o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 436º.
g) ......
2. .......”
“O direito de retenção, como direito conferido ao credor, com a necessária segurança, como o direito conferido ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.” (A. Verela, Das Obrigações em Geral, Vol II, pag. 579.
O direito de retenção depende de três requisitos:
a) A detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem;
b) apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega;
c) A existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer, resultante de despesas realizadas com ela ou de danos pela mesma produzida. (Mário Júlio De Almeida Costa, Direito Das Obrigações, 9ª Edição, editora Almedina, pag. 911)
O A. detém licitamente as fracções por lhe terem sido entregues pela promitente vendedora antes de celebração do contrato prometido. Ao A. foi reconhecido o seu direito de indemnização por danos causado pelo incumprimento por parte da promitente vendedora do contrato-promessa de compra e venda.
Assim, não se precisa de mais desenvolvimentos, deve reconhecer ao A. o direito de retenção sobre a fracção autónoma designada por “XX” e sobre o direito do 1/82 da fracção XX correspondente ao lugar de estacionamento XX.”
    
3. Coloca a recorrente a questão de o direito de retenção ter nascido com o incumprimento do contrato, não sendo verdade que esse incumprimento tivesse ocorrido em 2001 quando a 1ª Ré vendeu à 3ª Ré os imóveis.
    Como é bem referido na sentença, “A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida e por se tornar impossivel”.
    O registo da propriedade horizontal em nada invalida a possibilidade de celebração do contrato em causa nos autos.
    Até à transmissão a terceiros, que foi devidamente provada nos presentes autos, apenas poderia existir uma situação de mora e não de incumprimento.
    Essa transmissão, que se provou ser culposa, é que constitui o facto que determinou o incumprimento do contrato, porquanto essa transmissão impossibilitou definitivamente a celebração do contrato definitivo com a recorrida.
    Se o incumprimento, traduzido na não entrega por parte do R. ocorreu no domínio do novo Código, numa situação próxima da dos presentes autos, com a transmissão da coisa prometida vender a terceiro, será este o aplicável, tal como o já decidido pelo nosso Tribunal de Ultima Instância.1
    Temos, pois, como seguro que só com a transmissão a terceiros se verifica o incumprimento definitivo, o que cai já na vigência do novo Código Civil, e desta forma, do seu artigo 745.°, aplicável ao caso.
    
    4. De todo o modo, mesmo que assim se não entendesse, já no âmbito do velho Código entendíamos aí consagrado o direito de retenção nas situações como a que vem descrita.
    Não deixaremos por isso de invocar as posições já por nós assumidas anteriormente, sobre esta questão, actualizando a argumentação então expendida, entendendo-se que já no domínio do Código pré-vigente se tutelava a posse do promitente comprador, com traditio, corpus e animus sibi habendi sobre a coisa, conferindo-lhe a lei até a possibilidade de embargar de terceiro para defesa dessa mesma posse, radicado num autêntico direito de retenção.2
    Isto para dar resposta à questão de que mesmo que o incumprimento do contrato se tivesse verificado no domínio do anterior Código Civil, ainda que não subscrevamos tal entendimento, tal como acima afirmámos, pois que a situação de incumprimento se prolongou no tempo, se materializou reiteradamente com actos que acentuam o incumprimento existente e o convertem em definitivo, já depois da vigência do novo Código Civil, com a venda a terceiros.
    
5. Então como se passavam as coisas no velho Código?
    5.1. Embora só com a entrada em vigor do novo CC de Macau se consagrasse expressamente este direito ao promitente-comprador, já anteriormente, por via jurisprudencial e doutrinária, se adoptava o entendimento que ia no sentido de se considerar consagrado esse direito, desde que o possuidor agisse como senhor da coisa.3
    
    A resposta vinha na sequência da seguinte pergunta que já então se formulava: Será que o contrato promessa, ainda que com tradição da coisa, não era, por si só, suficiente para transferir a posse efectiva, mas apenas confere uma posse precária, consentida, uma mera detenção?
    
    5.2. O artigo 875º do Código Civil de 1966, previa quanto à forma dos contratos de transmissão de propriedade de imóveis: “O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública”.
    
    O artigo 866º do Código Civil de Macau, conjugado com o artigo 94º, n.º1 do Código de Notariado, determina, por seu lado, que a forma para transmissão de propriedade sobre imóveis é a escritura pública. Pelo que não existe outro modo idóneo, com eficácia translativa para um direito real de gozo sobre um imóvel, que não a celebração de escritura pública.
    
    Assim a embargante numa primeira abordagem teria a posição de mera detentora da fracção autónoma objecto do contrato de compra e venda.
    
    A posição do mero promitente comprador sem traditio integra tão somente um direito de crédito a concretizar pelo promitente vendedor, que fica por essa via obrigado a vender-lhe a coisa prometida - cfr.. art. 407º, nº1 e 820º, nº2 do CC -, na esteira do entendimento de Pires de Lima e Antunes Varela4o contrato-promessa não é susceptível, só por si, de transmitir a posse ao promitente-comprador, já que este, mesmo obtendo a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, só adquire o corpus possessório mas não o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor.
    
    5.3. Também Mota Pinto5 entendia que se inferia do artigo 670º, alínea a) do Código Civil pré vigente, a contrario, não ser admissível a posse nos direitos reais de garantia, entre eles o direito de retenção sobre a coisa que é objecto do contrato-promessa de que os embargantes gozavam ao tempo da celebração do contrato-promessa (artigo 442º, nº 3 do Código Civil) e posteriormente ao início de vigência do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro (alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil), mau grado a remessa do artigo 759º, nº 3 do Código Civil para as regras do penhor, isto é, para o citado artigo 670º, alínea a), segundo o qual o credor pignoratício adquiria o direito de usar, em relação à coisa empenhada, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que contra o próprio dono.
    
    Assim também pensava M. Henrique Mesquita.6
    
    E parte da Jurisprudência Comparada também vinha defendendo que o promitente-comprador, sem mais, titular do direito de retenção sobre a coisa que lhe foi antecipadamente entregue, não pode deduzir embargos de terceiro7
    
    Porém, opinião diferente tinha Vaz Serra8, para quem o promitente-comprador que toma conta do prédio e pratica actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sem que o faça por uma tolerância do promitente-vendedor, mas com a intenção de agir em seu próprio nome, passando a agir como se a coisa já fora sua, embora ainda a não tenha comprado, pratica actos possessórios sobre a coisa e com o animus de exercer em seu nome o direito de propriedade; daí o gozar dos meios possessórios que a lei reconhece ao possuidor para defesa da posse, com os embargos de terceiro, e, assim, a penhora da coisa em execução contra o promitente-vendedor autoriza o promitente-comprador a deduzir tais embargos de terceiro; no caso de antecipação da entrega da coisa, as partes, além do contrato-promessa, terão celebrado outro contrato inominado susceptível de protecção possessória, através do qual os promitentes-vendedores concederam aos promitentes-compradores o direito ao uso e fruição da coisa até à conclusão do contrato prometido ou resolução do contrato-promessa.
    
    Por seu turno, Orlando de Carvalho9 sustenta que pode haver posse em certos direitos reais de garantia, como o direito de penhor e o direito de retenção, que conferem poderes de facto sobre a coisa, dado que a lei estabelece que o credor pignoratício tem o direito de usar, em relação à coisa empenhada, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono (artigo 670º, alínea a), o que também valia, por força dos artigos 758º e 759º, n.º 3 do Código Civil, para o titular do direito de retenção.
    
    Finalmente, J. Calvão da Silva 10refere que o beneficiário da promessa, titular do direito de retenção, pode usar das acções referidas no artigo 670º, alínea a), ex vi dos artigos 758º e 759º, nº 3, pelo que pode recorrer aos embargos de terceiro. E este autor, noutro lugar11 defende que, para se saber se houve posse ou mera detenção no poder de facto do promitente-comprador sobre a coisa objecto do contrato prometido, que lhe foi entregue antecipadamente, tudo depende do animus que acompanhe o corpus, isto é, se o promitente-comprador tiver animus possidendi, o que não é de excluir a priori, será possuidor, situação que pode ocorrer nos termos da alínea b) do artigo 1263º do Código Civil (v.g. o promitente-vendedor diz ao promitente-comprador que pode entrar para a casa e proceder como proprietário desde logo, como se ela fosse desde já sua, passando ele a actuar com animus rem sibi habendi, ou originariamente, nos termos da alínea a) do mesmo artigo 1263º), mas, se tiver animus detinendi, será detentor ou possuidor precário; e acrescenta que, em todos os casos de tradição da coisa para o promitente-comprador, a ocupação, uso e fruição da coisa por este é lícita e legítima, até à resolução do contrato-promessa ou celebração do contrato prometido, porque se constitui uma relação jurídica obrigacional que confere ao promitente-comprador o direito relativo de ocupar, usar e fruir a coisa até uma daquelas duas referidas situações, seja qual for a classificação dada a essa relação jurídica; e certo é que o facto de o promitente-comprador gozar do direito de retenção da coisa é irrelevante para a questão de saber se houve posse ou mera detenção.
    
     5.4. Pelo que toca à Jurisprudência Comparada, parece ser muito expressiva a corrente segundo a qual o promitente-comprador, tendo havido tradição da coisa, animus sibi habendi, é um verdadeiro possuidor e não um mero detentor, ou pelo menos que, como titular do direito de retenção, goza de tutela possessória por isso até pode embargar de terceiro12.
    
     5.5. Da nossa parte, seguimos na esteira destes últimos, realçando o clarividente esclarecimento de Calvão da Silva, segundo o qual tudo se resumia a saber se o corpus da posse exercido pelo promitente-comprador é ou não acompanhado do animus possidendi, isto é, se ele actua com animus rem sibi habendi. De resto, tanto Pires de Lima e Antunes Varela admitem situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, pois que ele pratica os actos não em nome do promitente-vendedor mas em seu próprio nome, actuando uti dominus, e apontam, como exemplo, o caso de já ter sido paga a totalidade do preço e a coisa ter sido entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já, passando este, nesse estado de espírito, a praticar sobre a coisa diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
    
    5.6. Ratificando este entendimento, o legislador consagrou expressamente tal direito, no novo regime do contrato-promessa consagrado pelo Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3, onde, para além da consagração do direito de retenção, o seu artigo 820º, n.º2, in fine, vem reforçar o privilégio creditório ao promitente-comprador com entrega da coisa, dando maior relevo à posse do promitente-comprador, ou seja, “(...) ainda que tenha havido convenção em contrário, o promitente-adquirente, relativamente a promessa de transmissão ou constituição onerosas de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato”.
    
     5.7. Por último, mas não menos importante, na ordem da RAEM, assim têm entendido os nossos Tribunais, a começar pelo TUI13 e generalizadamente a Jurisprudência deste TSI, aliás como já acima dito.14
    
     5.8. Desta forma se responde ao argumento da não consagração do direito de retenção ao promitente comprador no regime pré-vigente - apesar de também não ter razão nesse aspecto - , pois que já anteriormente ao previsto no artigo 755º do actual CC se entendia que tal direito de retenção, ainda que não expressamente referido, não deixava de se ter como consagrado no ordenamento de Macau.
    
     6. Posto isto, importa verificar se se observam os mencionados requisitos na situação possessória de que a embargante se arroga.
    
    A projecção dos indispensáveis requisitos acima vistos no caso concreto, sendo que cada caso é um caso, não são despiciendos, dependendo do circunstancialismo individualizadamente apurado, tal como ainda recentemente se fez notar em acórdão deste Tribunal15 que entendeu ser necessário apurar as circunstâncias concretas para aquilatar das características da posse e da possibilidade de o possuidor poder embargar.
    
    Face ao enquadramento teórico acima desenvolvido, verifica-se que o autor parece reunir todos os requisitos: promitente comprador, pagamento do preço, traditio com entrega das chaves, intenção de transmissão de todas as faculdades de gozo, ocupação das fracções, animus sibi habendi, como se proprietário fosse.
    Esta factualidade não vem sequer questionada, pelo que, face ao acima exposto, preenchidos se mostram os requisitos, tanto face à nova lei (745º, f) do CC), como da legislação pré-vigente, ao exercício do direito de retenção.

    7. Sobre a matéria de facto subjacente o recorrente pugna pela inexistência do crédito e consequentemente pela inerente inexistência do direito de retenção, baseando-se no facto de não constar da matéria dos autos que a 2ª Ré actuou em representação e com o consentimento da 1ª, pelo que não era legítimo a sentença recorrida concluir que o contrato produz efeitos na esfera jurídica da 1ª Ré.
    Esta questão, mais uma vez, encontra resposta na douta sentença.
    A sentença deu não só como provada a celebração do contrato promessa de compra e venda, reproduzindo os termos do mesmo, como também a representação voluntária ora posta em crise.
    Esta resposta está vertida não só na matéria de facto fixada, como na própria fundamentação daquela sentença.
    Trata-se, aliás, de matéria que flui do próprio contrato que é expresso no sentido de se declarar que "Parte A, na qualidade de representante de vendas de todo o edíficio [...]"
8. Ainda que assim não fosse, como bem anota o recorrido, o direito de retenção assume uma natureza de direito real de garantia, oponível erga omnes, traduzido na sequela que confere ao promitente-comprador, a faculdade de não abrir mão da coisa, enquanto se não extinguir o seu crédito.16
    A função do direito de retenção é uma função de garantia, atribuindo-se ao retentor faculdades de realização pecuniária nos termos do credor hipotecário, tratando-se de coisas imóveis, e a sua tónica real significa que pode ser actuado onde quer que a coisa se encontre, incluindo nas mãos de terceiros, nos termos gerais dos direitos reais, dada a inerência que os caracteriza.17
    O direito de retenção pressupõe que aquele que retém tenha um crédito sobre outrem, por causa da coisa retida, mas não deixa de estar obrigado à entrega quando o seu crédito for satisfeito.18
    Esse crédito, pelo incumprimento, no caso do contrato-promessa de compra e venda, pode ser, v.g., o dobro do sinal, ou o valor da coisa, determinado objectivamente à data do incumprimento, acrescido do sinal e da parte do preço que tenha pago, ou, se houver convenção de indemnização pelo incumprimento, o que se achar estabelecido nos termos do convencionado.
    O direito de retenção destina-se, não a proporcionar o gozo ou a fruição da coisa ao titular desse direito, mas a permitir-lhe apenas a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores.19
    Donde se pode concluir que o direito à retenção não confere mais do que esse poder; o de reter e se fazer pagar pela coisa para garantia do seu crédito. Com ele não se transmite ipso jure qualquer direito de propriedade sobre a coisa.
    Estamos, pois em condições de definir o direito de retenção como o direito que tem o detentor da coisa, obrigado à sua entrega, de a recusar, retendo, pois, o objecto, enquanto não for pago do crédito que por sua vez lhe assiste. 20
    Ou numa outra asserção, consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lhe pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.21
    Como está bem de ver há aqui uma nuance, não despicienda na questão ora em juízo, qual seja a de saber se aquela faculdade de não entrega da coisa é oponível ou não a quem não seja o devedor.
    Aliás, reforçando as citações de autoridade já acima produzidas, ainda neste mesmo sentido, Amâncio Ferreira afirma que “o promitente comprador que goze do direito de retenção nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 755º do CC (leia-se 745º, n.º 1, f) do CC de Macau) pode embargar de terceiro, máxime se o direito de execução específica não puder ser afastado pelos contraentes”.22
    Também Lebre de Freitas afirma ser “incompatível com a penhora a posse do promitente adquirente para quem em cumprimento de obrigação contratual, tenha sido transferida a posse da coisa prometida.”
    No mesmo sentido Miguel Teixeira de Sousa, diz que o “promitente comprador que beneficia da tradição da coisa pode comportar-se como verdadeiro possuidor em nome próprio, isto é como titular do correspondente direito real (nomeadamente, a propriedade) … pelo que pode embargar de terceiro”23.
    Ainda, Menezes Cordeiro.24
    Na verdade, se assim não fosse, como poderia o promitente comprador garantir o direito à execução específica, a exercer contra o vendedor promitente, proprietário da coisa prometida vender?
    Sendo certo que se tal direito conferisse apenas àquele o direito a reclamar na execução um direito de crédito, tal seria a negação do direito de retenção, com possibilidade expressa de defesa da posse com recurso aos embargos, tal como decorre do artigo 749º, n.º 3 e 666º, al. a), mesmo contra o próprio dono, como neste último artigo se menciona expressamente.
    Com o que se vem dizendo respondeu-se já axiomaticamente à questão de indagar se o direito de retenção será oponível em relação a terceiros adquirentes da coisa.
    
9. Pelo que, tanto por esta via, como pelo recurso à citada al. f) do art. 745º do actual CC, se conclui pela efectiva existência do direito de retenção das referidas fracções a favor do autor.
    Em face do exposto, tudo visto e ponderado, estando todas as questões colocadas expressa e implicitamente analisadas, o recurso não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
                  Macau, 6 de Março de 2014,
                  
                  João A. G. Gil de Oliveira
                  Ho Wai Neng
                  José Cândido de Pinho
1 - Ac. TUI, proc. 41/2008, de 5/12/08 e Ac. 42/2004, de 1/12/04
2 - Acs. do TUI, Proc. n.º 42/2004, de 1/12/2004; deste TSI, Pro. N.º 755/2007, de 2/6/2011, Proc. 574/2009, de 17/2/2011, Proc. 583/2009, de 11/11/2010, Proc. n.º 425/2012, de 26/7/2012, entre outros
3 - Cfr. acs deste TSI, proc. 409/2007, onde se faz uma resenha doutrinária e jurisprudencial do reconhecimento do direito de retenção como garantia real a c reconhecer ao promitente comprador, com traditio e 729/2007, de 22/5/2008
4 Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, volume III, 2. edição, 6 precário (R.L.J. 124, páginas 347 e 348).

5 - Dtos Reais, 1971, 196
6 - in Direitos Reais, edição de 1967, 80
7 - Entre outros, para além dos já acima citados, sempre em termos de Jurisprudência Comparada, os acórdãos do S.T.J. de 28 de Novembro de 1975, 29 de Janeiro de 1980, 31 de Março de 1993, 23 de Janeiro de 1996, in, respectivamente, R.L.J. 109, página 334, R.L.J. 114, página 17, C.J. do Supremo, 1993, Tomo II, 44, C.J. do Supremo 1996, Tomo, página 70.
8 - R.L.J. 109, páginas 347 e seguintes e 114, páginas 20 e seguintes
9 - (R.L.J. 122, página 106
10 - in Sinal e Contrato-Promessa, 112
11 - B.M.J. 349, pág. 86, Nota 55
12 - Entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 18 de Novembro de 1982, 4 de Dezembro de 1984, 25 de Fevereiro de 1986, 16 de Maio de 1989, 22 de Junho de 1989, 21 de Fevereiro de 1991, 7 de Março de 1991, in, respectivamente, B.M.J. 321, página 387, 342, página 347, 354, página 549, 387, página 579, 388, página 437, 404, página 465, 405, página 456; Ac. S.T.J. de 26-5-94, Col. Ac. S.T.J., II, 2º, 118; Ac. S.T.J. de 19-1196, Col. Ac. S.T.J. III, 3º, 109; Ac. S.T.J. de 11-3-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 1º, 137; Ac. S.T.J. de 23-5-06, Col. Ac. S.T.J., XIV, 2º, 97; Ac. S.T.J. de 3-11-09, Col. Ac. S.T.J., XVII, 3º, 132; proc. 322-D/1999.E1.S2, de 29/11/2011; 860/03.3TLBGS-BE..S1, de 1/7/2010; 98B1062, de 20/1/99, 087325, de 29/6/95, estes últimos, in http:/www.dgsi .


13 - Ac. de 30/9/2008, proc. 26/2008
14 - Aina, entre outros, acs. 246/02, de 27/2/03; 247/02, de 13/3/03; 195/04; 409/07, de 6/12/07; 198/02, de 24/10/02
15 - Ac. deste TSI 658/2010, de 12/1/2012
16 - Ac. deste TSI, já acima citado, Proc. n.º 755/2007, de 2/6/2011
17 - Menezes Cordeiro, Dtos Reais, 1979, 771
18 - Oliveira Ascensão, Dto Civil, Reais, 1993, 552
19 - A. Varela, RLJ, 119º, 204
20 - Galvão Telles, Dir.das Obrigações, 4ª ed., 265 ou Paulo Cunha, Garantia das Obrigações, 2ª, 155
21 - P. Lima e A. varela, CC Anot, nota I ao art. 754º
22 - Curso de Proc. De Execução, 7ª ed. 264 e 265
23 - Acção executiva Singular, LEX,, 1998, 310
24 - A posse: Perpectivas dogmáticas actuais, Coimbra, 1977, 77
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

357/2010 34/34