打印全文
Processo nº 255/2013 Data: 30.05.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “uso de documento falso”.
Contradição insanável.
Reenvio.



SUMÁRIO

1. O vício de contradição insanável da fundamentação apenas ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

2. Ocorre contradição se, para efeitos de determinação da medida da pena se considera ser o arguido “primário”, e, depois, para efeitos de não suspensão da execução da pena (de prisão) decretada, se considera o mesmo arguido “não primário”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 255/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A ou B, com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “uso de documento falso”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 3 da Lei n.° 6/2004, na pena de 9 meses de prisão; (cfr., fls. 38 a 41).

*

Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, em síntese, imputar à decisão recorrida o vício de “contradição insanável da fundamentação” e “violação do art. 65°, n.° 2, al. c) e d) do C.P.M.”; (cfr., fls. 52 a 57).

*

Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público, pugnando pela rejeição do recurso dada a sua manifesta improcedência, tendo também interposto recurso da decisão que aplicou ao arguido uma medida de coacção não privativa da liberdade; (cfr., fls. 60 a 62 e 64 a 65-v).

*

Após resposta do arguido ao recurso do Ministério Público, (cfr., 66 a 71), vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer com o seguinte teor:

“A, ora arguido dos presentes autos, foi condenado, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de uso ou posse de documentos falsificados p.p. pelo art.° 18.° n.° 3 da Lei n.° 6/2004, nomeadamente, na pena de 9 meses de prisão efectiva.
E, pela mesma sentença foi decidida pelo Tribunal a quo a aplicação da medida de coacção de Termo de identidade e residência ao recorrente A.
Um lado, vem o arguido A, inconformado com a decisão condenatória, recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vícios do art.°s 400 n.° 2 al. b) e 65 n.° 2 al. c e d do C.P.P.M ..
Por outro lado, vem o Ministério Público, inconformado com a decisão da aplicação; do T.I.R. ao arguido A, recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando a violação dos art°s. 186 n.° 1 al. b e 188 al. a e c, tudo do C.P.P.M ..
*
Analisados os autos, entendemos que se deve reconhecer razão ao recorrente A, pois se vislumbra manifestamente o vício acima mencionado na douta sentença recorrida.
Nunca duvidamos da interpretação do disposto no art.° 400 n.° 2 al. b) do C.P.P.M., pois que já foi esclarecido repetidamente nas inúmeras e ilustres decisões proferidas do T.S.I. bem como nas doutrinas dos sábios, permitindo-nos assim a tal respeito, citar as ideias brilhantes no douto acórdão do Proc. n.° 840/2012, de 13/12/2012 do T.S.I. :
"Só ocorre "contradição insanável" quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatório e a decisão".
In casu, configura-se como provado o facto de que o recorrente A não seja primário (cfr. 39 v.)
Aliás, o Tribunal a quo formulou a sua decisão de condenação do recorrente A pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de uso ou posse de documentos falsificados p.p. pelo art.° 18.° n.° 3 da Lei n.° 6/2004, na pena de 9 meses de prisão efectiva, com fundamentação de ser o arguido primário (cfr. 40)
Ainda, quando o tribunal a quo decidiu, seguidamente, a não aplicação da suspensão da pena condenada ao arguido, fundamentou novamente não ser primário o arguido (cfr. 40).
Vemos, evidentemente, que a sentença recorrida padece do vício imputado pelo recorrente A, havendo contradição entre o facto provado e a decisão, e entre as fundamentações para formulação de decisões.
Assim, concordamos com a invocação, pelo recorrente A, da violação do art.° 400 n.° 2 al. b) do C.P.P.M., devendo ser revogada a sentença recorrida e proceder-se ao reenvio do processo ao tribunal competente.
*
Como consequência, do entendimento da revogação da sentença recorrida, nomeadamente da parte da condenação de pena de prisão e da hipótese da sua suspensão, será inútil pronunciarmo-nos sobre o pedido de redução da pena do recorrente A, bem como o recurso interposto pela Digna Magistrada do M.P. sobre a medida de coacção aplicada, por carecer de pressupostos para análise.
Nada impedindo a interposição de recurso, com mesma motivação, à nova sentença deduzida pelo Tribunal a quo, caso haja discordância.
Tendo em conta as exigências processuais de natureza cautelar, entendemos que seja adequada a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido A por este se encontrar numa situação de permanência irregular em Macau, nos termos dos art°s 176, 177, 178, 188 al. a, c, 186 n.° 1 al. b, tudo do C.P.P.M ..
Permitindo-nos citar o ilustre acórdão do T.S.1. do Processo n.° 186/2010, de 18/03/2010 :
"1. Existindo indícios (ainda que meros e não fortes) da comparticipação dos arguidos, todos já em situação de permanência ilegal em Macau à data do respectivo primeiro interrogatório judicial, no crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado da morte, e havendo perigo concreto de perturbação do decurso do processo nomeadamente a nível de veracidade de prova, e também perigo concreto de perturbação da tranquilidade pública, é de impor-lhes, ao abrigo do art.° 186.°, n. ° 1, alínea b), em conjugação com o art.° 188.°, as alíneas b) e c), ambos do actual Código de Processo Penal, a medida coactivo máxima de prisão preventiva, visto que qualquer outro tipo de medida coactivo não privativa de liberdade não conseguirá realizar de modo adequado e suficiente as necessidades cautelares.
2. Com efeito, há que assegurar inclusivamente que todos esses arguidos possam estar pessoalmente nos termos ulteriores do processo para fins de investigação em prol da descoberta da verdade material, não se afigurando aliás processualmente devida qualquer ponderação na eventual aplicação da figura de julgamento à revelia consentida.
……"
No caso sub judice, configura-se uma conjugação entre o art.° 186 n.° 1 al. b) e o art.° 188.° al. a) e c) do Código de Processo Penal, visto que o arguido A chegou a violar várias vezes as normas jurídicas relativas aos imigrantes, mostrando fuga ou perigo de fuga e continuação da actividade criminosa da mesma natureza.
Ao nosso ver, é necessário e adequado se aplicar-se a medida coactivo máxima de prisão preventiva ao arguido A, uma vez que qualquer outro tipo de medida coactivo não privativa de liberdade não conseguirá realizar de modo adequado e suficiente as necessidades cautelares.
*
Pelo exposto, é de concluir pela procedência do recurso do arguido A, nomeadamente da parte da invocação do vício previstos nos termos do art.° 400 n.° 2 al. b do C.P.P.M., e ser revogada a douta sentença recorrida, reenviando o processo antes de que será de aplicar a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido A”; (cfr., fls. 93 a 95).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 39 a 39-v, e que aqui dão se como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Dois são os recursos trazidos à apreciação desta Instância.

Um, pelo arguido, e o outro pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público.

Ponderando nas questões colocadas, começa-se pelo recurso do arguido.

3.1. Do “recurso do arguido”.

Vem o arguido dos autos recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “uso de documento falso”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 3 da Lei n.° 6/2004, na pena de 9 meses de prisão.

Imputa à decisão recorrida o vício de “contradição insanável da fundamentação” e “violação do art. 65°, n.° 2, al. c) e d) do C.P.M.”.

Vejamos.

–– Da alegada “contradição insanável da fundamentação”.

Pois bem, quanto ao sentido e alcance deste vício da matéria de facto tem este T.S.I. entendido que o mesmo apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 13.12.2012, Proc. n° 840/2012).

No caso, considera, em síntese, o arguido, que por ter “confessado os factos”, devia beneficiar de uma “suspensão da execução da pena”.

Porém, como é bom de ver, tal não consubstancia o vício em questão, podendo, apenas, integrar um “erro de direito”.

Contudo, e como bem salienta a Ilustre Procuradora Adjunta, cremos que não se pode manter a decisão ora recorrida.

Com efeito, após dar-se como provado na sentença recorrida que o arguido já tinha sido por duas vezes condenado em penas de prisão suspensa na sua execução, (cfr., fls. 39), em sede de aplicação do direito, mais concretamente, na determinação da medida da pena, considerou-se o facto de ser “primário” para a aplicação da pena de 9 meses de prisão, e, seguidamente, ponderando-se na possibilidade de suspensão da execução de tal pena, invocando-se a sua qualidade de “não primário”, afasta-se a mesma.

Ora, dúvidas não há que se podia configurar um (mero) “lapso”, e como tal, passível de rectificação com recurso ao comando do art. 361°, do C.P.P.M..

Todavia, atenta a redacção exposta na sentença em crise, cremos que na parte em que se dá o arguido como “primário”, se incorreu, (é verdade), em lapso, mas que não deixou de implicar um “erro de raciocínio” (no cálculo da pena), e que se encontra em frontal oposição com o que da mesma sentença consta.

Nesta conformidade, e ociosas nos parecendo mais alongadas considerações, outra solução cremos que não existe que não seja o reenvio dos autos para novo julgamento em virtude do assinalado vício de “contradição”, (cfr., art. 418° do C.P.P.M.), prejudicadas ficando as restantes questões colocadas em sede do presente recurso.

3.2. Do “recurso do Ministério Público”.

Impõe-se a sua procedência.

Com efeito, o arguido encontra-se em Macau, sem nenhuma documentação para tal, sendo assim, para todos os efeitos legais, um “imigrante ilegal”; (cfr., art. 2° da Lei n.° 6/2004).

E, atento o estatuído no art. 186°, n. ° 1, al. b) do C.P.P.M., afigurando-se de considerar como muito provável a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão, não se mostrando igualmente de concluir que tenha o arguido vida estabilizada em Macau, com rendimentos (legais) para sustentar o seu dia a dia, e fortes sendo assim o perigo de continuação criminosa, razoável se nos parece a aplicação ao mesmo da medida de prisão preventiva, devendo, pois, nesta situação, aguardar os ulteriores trâmites processuais até nova decisão a proferir nestes autos.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, e ainda que com diversa fundamentação, julga-se procedente o recurso do arguido, ordenando-se o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M., julgando-se também procedente o recurso do Ministério Público.

Pelo seu decaimento no recurso do Ministério Público pagará o arguido as respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.500,00.

Macau, aos 30 de Maio de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 255/2013 Pág. 14

Proc. 255/2013 Pág. 1