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Processo nº 357/2013 Data: 11.07.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla”.
Atenuação especial.
Pena.


SUMÁRIO

1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 357/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido, com os sinais dos autos, foi condenado por Acórdão de 18.03.2003 do Colectivo de T.J.B. como autor da prática de 1 crime de “burla”, na forma continuada, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) e 29°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 7 anos de prisão, e no pagamento ao ofendido da quantia de MOP$20.095.300,00 e juros; (cfr., fls. 616 a 632 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, e porque inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, em conclusões, afirmar o que segue:

“1ª Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que condenou o ora recorrente como autor, pela prática, na forma consumada, de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 211.°, n.° 4, alínea a) do Código Penal de Macau, na pena de sete anos de prisão efectiva e a pagar uma indemnização de HKD$19.510,00 acrescida de juros de mora;
2.a Imputa o recorrente à decisão recorrida o vício do n.° 1 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, qual seja, o da desproporcionalidade da pena;
3.a O presente recurso prende-se única e exclusivamente com a medida da pena, havendo que, num primeiro momento, saber se o Tribunal a quo, perante a prova produzida em julgamento e pese embora a extensão e gravidade dos factos em causa, podia - face à idade do recorrente e inexistência de antecedentes ou qualquer registo anterior de comportamento desviante - alcançar um quantum condenatório suficientemente severo para acautelar as necessidades de prevenção geral, mas ainda assim, capaz de conceder uma oportunidade a este jovem para que este, num futuro próximo, possa pagar a indemnização a que foi condenado mediante um emprego estável;
4.a A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade;
5.a Ensina o mesmo Ilustre Professor -As Consequências Jurídicas do Crime, §55 - que "Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma 'infringida";
6.a Assim: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida dá culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais;
7a O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal;
8.a O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança;
9.a A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos "é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo - chamado de defesa do ordenamento jurídico - abaixo do qual já não é comunitariamente suportável afixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos." (idem, Temas Básicos ... , p. 117, 121);
10.a Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor - in ob. cit. § 56 -, "não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.";
11ª Ou, e, em síntese: "A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas - sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar." - idem, ibidem p. 109 e ss;
12.a As circunstâncias e critérios do artigo 65.° do Código Penal de Macau devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente;
13.a O artigo 65.° do Código Penal de Macau estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção;
14.a O n.° 2 do artigo 65.° do Código Penal de Macau, estabelece, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena;
15.a Ora, salvo o devido respeito, parcece-nos insuficiente a fundamentação da medida da pena e manifestamente desproporcional a pena de prisão aplicada. A quantificação é desproporcionada;
16.a Desde logo, porque o ora recorrente demonstrou sincero arrependimento pela sua conduta, tendo confessado os factos na íntegra e demonstrado uma postura de aflição pelas consequências dos seus actos;
17.a Por outro lado, o recorrente foi pai de uma filha de 10 meses de idade, sendo sua pretensão e da sua namorada, constituírem família e viverem juntos, sendo que, este mostra uma forte ligação afectiva para com a filha, com quem contacta nas visitas, verbalizando sofrimento com o afastamento provocado pela situação de reclusão;
18.a Entende o ora recorrente que o Tribunal a quo procedeu à errada interpretação e aplicação do direito, ao não aplicar uma pena mais próxima do limite mínimo assim alcançando uma resposta punitiva de tal modo severa, que, teme o recorrente vir a comprometer definitivamente a sua sociabilização;
19.a O recorrente não discute a ilicitude mas apenas a medida concreta da pena aplicada e pugna pela atenuação especial da pena, ou, caso assim se não entenda, que a mesma reduzida para mais próximo do limite inferior”; (cfr., fls. 646 a 659).

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Em resposta, considera o Ministério Público que não tem o arguido razão, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 684 a 686).

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Adequadamente admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 699 a 699-v).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 622-v a 629, e que, não impugnados, aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Inconformado com a pena de 7 anos de prisão que lhe foi aplicada pela sua prática de 1 crime de “burla”, na forma continuada, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) e 29°, n.° 2 do C.P.M., vem o arguido recorrer, para pedir uma “atenuação especial da pena, ou, caso assim se não entenda, que a mesma reduzida para mais próximo do limite inferior”; (cfr., concl. 19ª).

Como é sabido, o crime pelo ora recorrente cometido é punido com a pena de 2 a 10 anos de prisão; (cfr., art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M.).

E, então, será excessiva a dita pena de 7 anos de prisão?

–– Vejamos, começando-se pela pretendida “atenuação especial”.

Pois bem, sobre tal matéria, tem sido entendimento firme e unânime deste T.S.I. que: “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 18.04.2013, Proc. n° 185/2013).

No caso, em sede de conclusões, (e que em relação às identificadas com os n.°s 1° a 14° merecem a nossa concordância), diz o recorrente que: “demonstrou sincero arrependimento pela sua conduta, tendo confessado os factos na íntegra e demonstrado uma postura de aflição pelas consequências dos seus actos”, que “foi pai de uma filha de 10 meses de idade, sendo sua pretensão e da sua namorada, constituírem família e viverem juntos, sendo que, este mostra uma forte ligação afectiva para com a filha, com quem contacta nas visitas, verbalizando sofrimento com o afastamento provocado pela situação de reclusão”, afirmando também que “o Tribunal a quo procedeu à errada interpretação e aplicação do direito, ao não aplicar uma pena mais próxima do limite mínimo assim alcançando uma resposta punitiva de tal modo severa, que, teme o recorrente vir a comprometer definitivamente a sua sociabilização”; (cfr., concl. 16°, 17° e 18°).

Mostra-se-nos de consignar porém que totalmente inviável é a dita “atenuação especial”, pois que verificados não estão os seus pressupostos legais; (cfr., art. 66° do C.P.M.).

Na verdade, “in casu”, nem nos parece possível afirmar que o recorrente “demonstrou sincero arrependimento pela sua conduta, tendo confessado os factos na íntegra e demonstrado uma postura de aflição pelas consequências dos seus actos”, pois que, como do teor Acórdão recorrido se pode constatar, do julgamento houve matéria que resultou “não provada”, e, como expressamente consignou o Colectivo a quo no dito veredicto recorrido, “o arguido confessou sem reserva os factos, com excepção da matéria da acusação do Ministério Público que não se provou”.

E, nesta conformidade, razoável parece de considerar que apenas “confessou parcialmente”, e, como se nos afigura pacífico, com “confissões parciais” não há “arrependimentos sinceros”.

Dest’arte, (e independentemente do demais), pouco relevo atenuativo se mostrando de reconhecer à outra (restante) matéria alegada – cfr., concl. 17° e 18° - mais não parece necessário dizer para se constatar que se impõe a solução atrás já adiantada.

–– Avancemos então para a pretendida “redução da pena”.

Pois bem, em sede de determinação da pena tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 293/2013).

Ora, como atrás se deixou consignado, no caso dos autos, muito débeis são as circunstâncias a considerar como “favoráveis” ao ora recorrente.

A “confissão parcial”, como sabido é, tem pouco valor atenuativo.

Em relação à alegada “paternidade”, há que dizer que ainda que tenha ocorrido há “pouco mais de 10 meses”, importa porém não olvidar que os factos pelo recorrente cometidos nos presentes autos datam de 2011, não se deixando de reconhecer todavia que o facto de um arguido ser pai possa ou deva ser matéria a ponderar em sede de determinação da medida da pena.

Porém, tendo-se em conta que em causa está uma “burla” que causou um prejuízo de MOP$20.095.300,00 ao seu ofendido, e por sua vez, atento o art. 40° e 65° do C.P.M., tendo o arguido agido com dolo directo intenso, e fortes sendo igualmente as necessidades de prevenção criminal, censura não merece a pena em questão, de 7 anos de prisão, (1 ano acima do seu meio).

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 11 de Julho de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 357/2013 Pág. 16

Proc. 357/2013 Pág. 1