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Processo n.º 839/2012
(Recurso Contencioso )

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 9/Janeiro/2014


ASSUNTOS:

- Concurso público de empreitada de obras públicas
    - Ilegalidade das normas do Regulamento do Concurso
    - Possibilidade de impugnação de regra concursal por violação de lei fundada em ilegalidade da norma em relação ao acto de adjudicação final
    
    
SUMÁRIO:
    A possibilidade de impugnação da norma de um concurso, por contrária a norma imperativa, a título principal ou no acto de abertura do concurso, não obsta a que se invoque a ilegalidade da norma nos processos de impugnação de actos que a tenham aplicado, para mais se estiverem em causa razões de segurança dos edifícios.
    
Relator,

João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 839/2012
(Recurso Contencioso)

Data : 9 de Janeiro de 2014

Recorrente:
- O Consórcio formado por Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada, C Construction Company, Limited e Companhia de Construção e Engenharia D Limitada

Entidade Recorrida:
- Chefe do Executivo da R.A.E.M.

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
1. Nos presentes autos de recurso contencioso, que correm seus termos por este Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 839/2012-I, foi pelo Mmo Juiz, primitivo Relator e titular do processo, apresentado o seguinte projecto que, pelo brilho da exposição e sintetização das questões que vêm colocadas, com a devida deferência, se passa a transcrever, dessa forma se equacionando a problemática que urge dirimir.

Não se tendo obtido unanimidade na solução doutamente proposta, lavrar-se-á o acórdão nos termos em que teve vencimento.

2. Segue, como introdutório e preambular, o teor do referido douto projecto:
    
    «No âmbito do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, lotes ... e ..., publicado em 06JUN2012 no B. O., o Consórcio formado por Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada, C Construction Company, Limited e Companhia de Construção e Engenharia D, Limitada, devidamente identificado nos autos e classificado em 3º lugar do respectivo concurso, vem recorrer contenciosamente do despacho proferido em 27AGO2012 pelo Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada.
    
    Citadas a entidade recorrida e as contra-interessadas, vieram o Senhor Chefe do Executivo, a Companhia de Construção H, Lda., Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, contestar nos termos de fls. 85 a 116, 152 a 159 e 167 a 181v dos autos, respectivamente, tendo a entidade recorrida e o contra-interessado Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada deduzida as excepções de caducidade do direito ao recurso, da irrecorribilidade do acto recorrido ou da falta de objecto do recurso, e da irrecorribilidade do acto de admissão das propostas e da irrecorribilidade do acto de classificação das propostas, respectivamente, e subsidiariamente todas elas pugnando pela improcedência do recurso.
    
    Cumprido o contraditório e foram submetidas as excepções deduzidas à conferência do Colectivo.
    
    Por Acórdão tirado em 11ABR2013, foram julgadas improcedentes todas as excepções deduzidas pela entidade recorrida e pela contra-interessada Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau) Lda e determinado o prosseguimento do recurso nos seus ulteriores termos.
    
    Inconformado com o decidido nesse Acórdão, o contra-interessado Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada interpôs recurso dele para o Tribunal de Última Instância.
    
    Por Acórdão do Tribunal de Última Instância tirado em 31JUL2013, foi negado provimento ao recurso interposto pelo contra-interessado Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, e confirmado o decidido no Acórdão recorrido.
    
    Baixados os autos do recurso e prosseguindo a tramitação do recurso contencioso, foi pelo relator proferido, em 04SET2013, o seguinte despacho, suscitando ex oficio a questão da impugnabilidade da norma, com fundamento na sua ilegalidade, constante das peças do concurso, no âmbito do contencioso de anulação do acto final de adjudicação que deu aplicação concreta à tal norma:
    
    Tendo sido julgada improcedente a excepção da irrecorribilidade do acto de adjudicação do Exmº Senhor Chefe do Executivo, deduzida quer pela entidade recorrida quer pelo contra-interessado Consórcio F(Macau)-G, é altura de fazer prosseguir o andamento do presente recurso procedendo à produção das provas entretanto requeridas.
    
    O recorrente Consórcio B-C-D requereu a produção da prova testemunhal e a realização da diligência da prova pericial.
    
    Ao passo que nas suas respectivas contestações, tanto a entidade recorrida como o contra-interessado Consórcio F(Macau)-G requereram a produção da prova testemunhal.
    
    Ora, analisado tudo quanto alegado pelo recorrente na petição do recurso e pela entidade recorrida e pelo contra-interessado Consórcio F-G, afigura-se-me que, à excepção dos factos respeitantes à alegada violação das regras do caderno de encargos relativo à profundidade do encastramento da parede diafragma, imputada pelo recorrente à proposta apresentada pela 2ª classificada, ora contra-interessada H, a realização das diligências probatórias sobre os restantes factos só se tornaria necessária se viéssemos a aderir à tese de que a falta de tempestiva impugnação directa das peças do concurso não obsta a que o concorrente invoque a ilegalidade de uma norma contida nessas peças do concurso, como fundamento do recurso de anulação do acto final de adjudicação que aplicou a norma em causa.
    
    Tal como foi observado pelo contra-interessado Consórcio F(Macau)-G em sede da excepção da irrecorribilidade do acto final de adjudicação por ele deduzida na sua contestação, o que no fundo pretende o recorrente é impugnar uma norma constante do caderno de encargos por via da impugnação do acto final de adjudicação.
    
    O que foi também observado pela entidade recorrida, embora de forma algo implícita.
    
    A tal observação não foi por nós atendida no Acórdão interlocutório pura e simplesmente porque, em sede da apreciação da excepção da irrecorribilidade do acto final de adjudicação, só nos limitámos a apreciar se esse acto era irrecorrível, e não cuidámos de saber se procede o invocado fundamento do recurso, isto é, se a alegada ilegalidade da norma contida no caderno de encargos sustenta a anulação do acto final de adjudicação que lhe deu aplicação concreta.
    
    Pois uma coisa é pressuposto processual (a recorribilidade do acto final de adjudicação), outra coisa é condição da procedência do recurso (a susceptibilidade da alegada ilegalidade de norma contida nas peças concursais de gerar a anulabilidade do acto recorrido que a aplicou).
    
    Assim, tanto o nosso Acórdão interlocutório que se debruçou sobre as questões de caducidade do direito ao recurso, da irrecorribilidade do acto recorrido, da irrecorribilidade do acto da admissão das propostas, da falta de objecto de recurso e da irrecorribilidade do acto de classificação das propostas, como o Douto Acórdão do Venerando TUI datado de 31JUL2013 que o confirmou, nenhum deles chegou a pronunciar-se sobre a questão de saber se a falta de tempestiva impugnação directa de peça do concurso, nomeadamente do caderno de encargos, obsta ou não a que o concorrente invoque a alegada ilegalidade de uma norma contida nessa peça do concurso, como fundamento do recurso de anulação do acto final de adjudicação que lhe deu aplicação concreta.
    
    Na verdade, vem agora o recorrente invocar, como fundamento principal para rogar a pretendida anulação do acto final de adjudicação, a ilegalidade da norma, contida no caderno de encargos, por exigir apenas o uso de 3920mm de aço para as armaduras da parede diafragma, quantidade de aço essa que, na óptica do recorrente, é insuficiente e portanto provocadora de uma fendilhação superior ao limite legal de 0.2mm.
    
    Trata-se de uma exigência constante do caderno de encargos que, para o ora recorrente, é ilegal por ser superior ao limite legal de 0.2mm previsto no artº 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 60/96/M.
    
    E na esteira do entendimento do recorrente, como as propostas classificadas em primeiro e segundo lugar só satisfizeram a tal exigência constante do caderno de encargos, mas não também o que está previsto na lei, padece da anulabilidade o acto do Exmº Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao primeiro classificado o Consórcio F(Macau)-G, ora contra-interessado por este ter apresentado uma proposta com o teor violador da lei geral.
    
    Põe-se portanto a questão de saber se a falta de impugnação dessa norma contida no caderno de encargos implica a aceitação pelo ora recorrente da exigência técnica nela contida e a consequente convalidação da norma e portanto fica o recorrente inibido de invocar a ilegalidade dessa norma como fundamento para rogar ao Tribunal a anulação do acto final de adjudicação.
    
    O que aliás condiciona a necessidade da produção das provas testemunhal e pericial.
    
    Assim sendo e em prol do princípio do contraditório, determino que abra vista ao Ministério Público e notifique o consórcio recorrente para, querendo, se pronunciarem sobre a questão, ora ex oficio suscitada, de saber se a falta de tempestiva impugnação directa do caderno de encargos, implica a aceitação do teor dessa peça do concurso e a consequente convalidação da norma e portanto obsta a que o concorrente invoque a ilegalidade de uma norma contida nessa peça do concurso, como fundamento do recurso de anulação do acto final de adjudicação que lhe deu aplicação concreta.
    
    E só após o que decidirei a realização ou não das diligências probatórias requeridas sobre os factos a este propósito.
    
    Quanto às provas testemunhais requeridas pelo recorrente Consórcio B-C-D, sobre a matéria alegada nos pontos 33 a 35 da petição do recurso, verifica-se que os verdadeiros factos neles alegados resultam suficientemente provados por elementos documentais existentes no processo instrutor e a restante matéria neles contida versa ou sobre considerações subjectivas do recorrente, ou sobre juízos conclusivos ou matéria de direito.
    
    Pelo que, indefiro desde já a requerida inquirição das testemunhas sobre a matéria alegada nos pontos 33 a 35 da petição do recurso.
    
    Notifique.
    
    RAEM, 04SET2013
    
    
    Notificados desse despacho, vieram pronunciar-se tanto a entidade recorrida como o recorrente mediante as peças ora juntas a fls. 239 a 240, e 241 a 245v., respectivamente.
    
    Por despacho do relator em 30SET2013, foi determinada a notificação dos sujeitos processuais para a apresentação das alegações facultativas sem que houvesse necessidade da realização das diligências probatórias entretanto requeridas.
    
    Desse despacho reclamou o recorrente Consórcio B-C-D mediante requerimento motivado a fls. 258 a 261.
    
    O recorrente Consórcio B-C-D, o contra-interessado Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, e a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas.
    
    Em 11NOV2013 foi proferido pelo relator o seguinte despacho:
    
    Vista final ao M. P. sobre a questão suscitada ex oficio no meu despacho de 04SET2013 a fls. 232 a 234 – artº 69º do CPAC.
    - - -
    E só após a eventual emissão do douto parecer pelo M.P. é que submeterei à conferência a apreciação da reclamação, deduzida pelo recorrente, do meu despacho de 30SET2013 que determinou a não necessidade da inquirição das testemunhas entretanto requerida.
    
    Após o que, foi por despacho do relator submetida à conferência a questão, suscitada ex oficio no meu despacho de 04SET2013, ou seja a da impugnabilidade da norma, com fundamento na sua ilegalidade, constante das peças do concurso, no âmbito do contencioso de anulação do acto final de adjudicação que deu aplicação concreta à tal norma.
    
    Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
    
    Ficam assentes os seguintes factos relevantes à apreciação e à decisão desta questão ex oficio suscitada:
    * Em 06JUN2012, foi publicado no B. O. o anúncio do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, lotes ... e ...;
    
    * 14 concorrentes foram admitidos no concurso, entre os quais se encontrava o ora recorrente;
    
    * De acordo com o relatório de análise de propostas, o ora recorrente foi classificado em 3º lugar; e
    
    * Por despacho do Senhor Chefe do Executivo proferido em 27AGO2012, a empreitada foi adjudicada ao 1º classificado ou seja, o concorrente nº 12 que é consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau) Lda. e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada;
    
    Na petição do recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões e pedidos:
    
    1. Ao abrigo do artigo 3º CPAM (Principio da Legalidade) as peças do procedimento do concurso público para a empreitada de Construção de Habitação Pública no Bairro da ......, Lote ... e ... designadamente o ponto 1.1.1 alínea b) das disposições das Clausulas Gerais do Caderno de Encargos, PRESCREVE que na execução dos trabalhos e fornecimentos abrangidos pela empreitada e na prestação dos serviços que nela se incluem observar-se-ão.
a) O decreto lei nº 74/99/M, de 8 de Novembro e a restante legislação aplicável nomeadamente a que respeita à construção, às instalações do pessoal, à segurança e à medicina do trabalho.
b) Os diplB legais e regulamentares a que se refere a alínea b) da cláusula 1.1.1 serão observados em todas as suas disposições imperativas, e nas demais cujo regime não haja sido alterado pelo contrato ou documentos que dele fazem parte integrante.
    2. Para o caso concreto e porque se trata de obras de construção civil, são aplicados quer o Regulamento de Fundações, Decreto-Lei n.º 47/96/M de 26/08, quer Regulamento de Estruturas de Betão Armado, DL 60/96 M de 07/10.
    3. DiplB em questão são diplB que regulamentam de forma imperativa os aspectos técnicos da construção tendo em vista a segurança técnica e construtiva dos edifícios.
    4. O Regulamento de Estruturas de Betão Armado, e na parte que interessa, prevê no seu artigo 63º uma fendilhação inferior a 0.2 mm.
    5. O Regulamento de Fundações, Decreto-Lei n.º 47/96/M de 26/08 no seu artigo 11º, prevê valores os coeficientes de segurança usados para as solicitações permanentes de 1.35 para cargas permanentes e 1.5 para cargas variáveis.
    6. De acordo com as peças do procedimento (vide processo instrutor Desenho nº 00488), a cota mínima de encastramento da parede diafragma é de -40.10 m.
    7. O Concorrente Consócio "F Construction (Macau) Lda." e "Companhia de Construção de Obras Portuárias G Lda.,ao apresentar na sua proposta a quantidade de aço a usar nas armaduras coincidente com a prevista nas peças do procedimento, de 3920 mm e com contraventamento ou escoramento de seis suportes para a referida parede diafragma, verifica-se, segundo os cálculos da recorrente, que a parede diafragma apresentaria uma fendilhação de 1,45 mm, superior ao limite legal previsto artigo 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado, DL 60/96 M de 07/10 limite de 0.2 mm.
    8. O que significa que, para uma obter uma fendilhação no limite legal, a proposta da requerente teria de ter uma quantidade aço no valor de ser 8091 mm.
    9. Companhia de Construção H, Limitada, ao apresentar na sua proposta a quantidade de aço a usar nas armaduras coincidente com a prevista nas peças do procedimento, de 3920 mm e com contraventamento ou escoramento de seis suportes para a referida parede diafragma, verifica-se, segundo os cálculos da recorrente, que a parede diafragma apresentaria uma fendilhação de 3,25 mm, superior ao limite legal previsto artigo 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado, DL 60/96 M de 07/10 limite de 0.2 mm.
    10. O que significa que, para uma obter uma fendilhação no limite legal, a proposta da requerente teria de ter uma quantidade aço no valor de ser 13692 mm.
    11. Companhia de Construção H, Limitada apresenta na sua proposta para a construção da parede diafragma o valor de 1,25 relativo aos coeficientes de segurança usados para as solicitações permanentes e variáveis em violação com Regulamento de Fundações, artigo 11º do Decreto-Lei n.º 47/96/M de 26/08, que prevê valores de 1.35 para cargas permanentes e 1.5 para cargas variáveis.
    12. Companhia de Construção H, Limitada apresenta na sua proposta um encastramento da parede diafragma à cota de - 33.40 em violação com o caderno de encargos que é de -40.10 m, conforme Desenho nº 00488 do processo instrutor.
    13. O que significa, que a propostas apresentadas pelas concorrentes violam a lei e por isso devia e devem ser excluídas liminarmente.
    14. Em primeiro lugar, porque as mesmas violam normas imperativas de interesse. público aplicáveis ao procedimento.
    15. Em segundo lugar, porque ainda que fossem admitidas, que por mera hipótese de patrocínio se coloca, elas nunca poderia ser executadas, uma vez que, por um lado, do ponto de vista técnico as mesmas são inaceitáveis e por outro, não podem ser modificadas ou corrigidas neste momento.
    16. Não podem ser executadas porque para além de violaram normas imperativas de interesse público, a sua execução poria em causa a segurança física e estrutural das habitações a construir.
    17. Não podem ser modificadas, porque tal violaria o princípio da intangibilidade das propostas, corolário do princípio basilar da contratação pública que é o princípio da concorrência, artigo 5º RJCEP.
    18. É o que decorre do próprio conceito de invalidade dos actos jurídicos praticados em violação de normas legais ou regulamentares.
    19. A administração não pode praticar actos ilegais no caso admitir propostas violadoras das leis em que em caso de adjudicação como é o caso, com repercussões no contrato e na execução material do objecto do mesmo em que a construção de habitações que estariam em perigo a sua sustentabilidade física.
    20. Ainda que assim não se entenda, há claramente uma ilegalidade na classificação das propostas, uma vez que com a ilegalidades atrás referidas, as concorrentes classificadas em 1º e 2º lugar nunca poderia ter levado a pontuação de 2.70 e 2.10 relativamente ao sub-critério PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES.
    21. O que significa, que as concorrentes teria de levar 0 pontos e a recorrente 3 pontos com implicação directa da classificação das propostas.
    Pedido
     Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V.Exa. requer-se:
    1. Anulação do despacho Chefe do Executivo de 27 de Agosto de 2012 que adjudicou a empreitada ao consórcio "Consócio "F Construction (Macau) lda." e "Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada "conforme, (Doc. 1) homologando o relatório de Avaliação das propostas da 15/08/2012 e por vício de violação de lei, designadamente,
    a) A violação das propostas dos concorrentes classificados em 1º Lugar e 2º lugar no concurso público para a empreitada de Construção de Habitação Pública no Bairro da ......, Lote ... e ..., por violação de normas legais ou regulamentares aplicáveis ao contrato, Regulamento de Fundações, Decreto-Lei n.º 47/96/M de 26/08, quer Regulamento de Estruturas de Betão Armado, DL 60/96 M de 07/10:
    b) Violação dos critérios de apreciação de propostas relativamente ao sub-critério PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES, que atribuído pela Administração às concorrentes classificadas em 1º e 2º lugar a pontuação de 2.70 e 2.10 quando deveriam ter sido pontuadas com 0 pontos.
    
    Inteirados dessas vicissitudes e dos fundamentos e pedido do presente recurso, apreciemos.
    
    Ora, tal como o relator do processo destacou no seu despacho datado de 04SET2013, vem agora o recorrente invocar como fundamento único, para rogar a pretendida anulação do acto final de adjudicação, a ilegalidade da norma, contida num documento conformador do procedimento de formação do contrato administrativo de empreitada de obras públicas, por exigir apenas o uso de 3920mm de aço para as armaduras da parede diafragma, quantidade de aço essa que, na óptica do recorrente, é insuficiente e portanto provocadora de uma fendilhação superior ao limite legal de 0.2mm.
    
    Trata-se de uma exigência constante duma peça do concurso que, para o ora recorrente, é ilegal por a fendilhação, causada pelo uso de apenas 3920mm de aço para as armaduras da parede diafragma, ser superior ao limite legal de 0.2mm previsto no artº 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 60/96/M.
    
    E na esteira do entendimento do recorrente, como as propostas classificadas em primeiro e segundo lugar só satisfizeram a tal exigência constante das peças do concurso, mas não também o que está previsto na lei, padece da anulabilidade o acto do Exmº Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao primeiro classificado consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção F (Macau) Lda. e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, ora contra-interessado por este ter apresentado uma proposta com o teor violador da lei geral.
    
    Põe-se portanto a questão de saber se a falta de impugnação dessa norma contida nas peças do concurso implica a aceitação pelo ora recorrente da exigência técnica nela contida e a consequente convalidação da norma e portanto fica o recorrente inibido de invocar a ilegalidade dessa norma como fundamento para rogar ao Tribunal a anulação do acto final de adjudicação.
    
    O regime jurídico do contrato de empreitadas de obras públicas encontra-se consagrado no D. L. nº 74/99/M de 08NOV.
    
    Decorre do artº 52º/1 e 2 do D. L. nº 74/99/M, cuja epígrafe é “elementos que servem de base ao concurso”, que:
    
    1. O concurso tem por base um projecto, um caderno de encargos e um programa do concurso, apresentados pelo dono da obra.
    
    2. O projecto, o caderno de encargos e o programa do concurso devem estar patentes nos serviços respectivos, para consulta dos interessados, desde o dia da publicação do anúncio até ao dia e hora do acto público do concurso.
    
    Por sua vez, o artº 53º do mesmo decreto reza que:
    
    1. As peças do projecto a patentear no concurso são as suficientes para definir a obra, incluindo a sua localização, a natureza e o volume dos trabalhos, o valor para efeitos do concurso, a caracterização do terreno, o traçado geral e os pormenores construtivos.
    
    2. Das peças escritas devem constar, além de outros elementos reputados necessários, os seguintes:
    
    a) Memória ou nota descritiva e justificativa;
    
    b) Cálculos justificativos;
    
    c) Mapa de medições contendo, com o grau de decomposição adequado, a definição das espécies e das quantidades dos trabalhos necessários para a execução da obra;
    
    d) Programa de trabalhos, quando tiver carácter vinculativo.
    
    3. Das peças desenhadas devem constar, além de outros elementos reputados necessários, a planta de localização, as plantas, alçados, cortes e pormenores indispensáveis para uma exacta e pormenorizada definição da obra e ainda, quando existirem, os estudos geológicos ou geotécnicos.
    
    4. Se não forem patenteados os estudos referidos no número anterior, são definidas pelo dono da obra as características geológicas ou geotécnicas do terreno previstas para efeitos do concurso.
    
    5. As peças do projecto patenteadas no concurso são expressamente enumeradas no caderno de encargos.
    
    Sinteticamente falando, o projecto é o conjunto de peças escritas e desenhadas descritivas da natureza, forma, dimensões, estrutura e características da obra.
    
    Ora, dando uma vista de olhos às normas reguladoras da formação do contrato e do concurso público, inseridas no citado Decreto-Lei nº 74/99/M, verifica-se que, em prol da economia processual, o nosso legislador teve o cuidado de procurar corrigir e sancionar, em tempo útil e oportuno, todas as ilegalidades, formais ou substanciais, ocorridas na fase pré-contratual, nomeadamente no decurso do procedimento do concurso público, de modo a evitar situações indesejáveis de que essas ilegalidades só vêm a ser invocadas depois da prática do acto de adjudicação ou da celebração do contrato e a consequente inutilização, também indesejável, por arrastamento, de todos os trabalhos relativos à formação do contrato.
    
    Para o efeito, a lei impõe a concorrentes ou potenciais concorrentes o ónus de reagir, imediatamente, contra os actos por eles reputados ilegais, sob pena de caducidade do respectivo direito de impugnação.
    
    É justamente o que está estatuído nos artºs 46º a 48º do Decreto-Lei nº 74/99/M, que rezam:
    
    Artigo 46.º(Reclamação por preterição de formalidades do concurso)
    
    1. Há lugar a reclamação necessária, com fundamento em preterição ou irregular cumprimento das formalidades do concurso ou em outra invalidade, no prazo de 10 dias contados da data em que o interessado do facto teve conhecimento.
    
    2. A reclamação não tem efeito suspensivo e é apresentada à entidade a quem competia praticar a formalidade ou fazer observar a sua prática no processo.
    
    3. A reclamação deve ser decidida, e a decisão notificada ao reclamante no prazo de 20 dias a contar da data da sua apresentação, sendo indeferida se a notificação não for expedida nesse prazo.
    
    4. Deferida a reclamação, a entidade deve sanar o vício arguido, devendo anular as formalidades subsequentes que já tiveram lugar, quando tal se torne necessário.
    
    Artigo 47.º (Recurso hierárquico)
    
    1. Se a reclamação a que se refere o artigo anterior for indeferida e a autoridade estiver subordinada a superior hierárquico, cabe recurso hierárquico do indeferimento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão ao reclamante, ou do indeferimento tácito.
    
    2. É indeferido o recurso se a notificação da decisão ao recorrente não for expedida nos 30 dias seguintes à sua interposicão.
    
    3. O recurso hierárquico não tem efeito suspensivo.
    
    Artigo 48.º(Recurso contencioso)
    
    1. Do acto final que resolva o concurso cabe recurso contencioso, para o tribunal competente nos termos gerais de direito.
    
    2. No recurso contencioso podem ser discutidos os vícios contra os quais se haja reclamado e recorrido hierarquicamente sem êxito, desde que a sua verificação fosse susceptível de influir na decisão do concurso.
    
    De acordo com o preceituado nesses artigos, é de concluir que os meios de reacção ai previstos, gracioso e contencioso, não correspondem à mera faculdade, mas sim a um ónus dos concorrentes ou dos potenciais concorrentes.
    
    Pois tal como se vê no artigo 48º, a lei prescreve que só podem ser discutidos no recurso contencioso do acto final de adjudicação os vícios já invocados e apreciados, mas sem êxito, nos meios de impugnação graciosos.
    
    Compreende-se as razões da imposição desse ónus de impugnação atempada, pois não nos parece aceitável a tese em sentido contrário de que a falta de tempestiva impugnação de uma norma alegadamente ilegal constante da peça conformadora do procedimento de formação do contrato não inibe a impugnação por via da impugnação do acto final de adjudicação que lhe deu aplicação concreta, pois esta tese é manifestamente contrária ao próprio interesse da segurança das coisas e à celeridade da resolução das ilegalidades entretanto detectáveis no procedimento administrativo, que os citados artºs 46º a 48º visam acautelar.
    
    Para reforçar esse entendimento nosso, podemos apontar ainda a disposição no artº 57º/1 do D. L. nº 74/99/M (Esclarecimento de dúvidas surgidas na interpretação dos elementos patenteados), à luz do qual “os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação dos elementos patenteados devem ser solicitados pelos concorrentes no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas e prestados, por escrito, pela entidade para o efeito indicada no programa do concurso até ao fim do terço imediato do mesmo prazo.”.
    
    Pois, ao estabelecer o prazo dentro do qual os concorrentes ou potenciais concorrentes «devem» solicitar esclarecimentos e rectificações das peças conformadoras do concurso, o nosso legislador não está a conferir uma mera faculdade para reagir, mas sim um verdadeiro ónus de impugnar atempadamente, sob pena da caducidade do direito de impugnação na fase final.
    
    Sem mais delongas, não é de apreciar aqui a eventual ilegalidade da norma ( a norma que exige a quantidade de aço para armadura de Ø 25@125 que corresponde 3920 mm – desenho nº 0998 – ES PE 0050) invocada como fundamento único do presente recurso, dada a caducidade do direito de a impugnar por via do recurso contencioso de anulação do acto final de adjudicação, justamente por falta de impugnação graciosa tempestiva.
    
    Com o assim decidido, fica prejudicada a reclamação deduzida pelo recorrente mediante o requerimento a fls. 258 e s.s., da decisão que determinou a não realização das diligências probatórias por ele requeridas.
    
    Em conclusão, a falta de impugnação da norma alegadamente ilegal inserida nas peças do concurso, pelo recorrente, implica a caducidade do respectivo direito a tal impugnação por via do recurso contencioso de anulação do acto final de adjudicação.
    
    Pelo que, não pode o ora recorrente impugnar o despacho proferido em 27AGO2012 pelo Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao consórcio formado pela F Construction (Macau) Lda. e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, com fundamento na alegada ilegalidade na norma ( a norma que exige a quantidade de aço para armadura de Ø 25@125 que corresponde 3920 mm – desenho nº 0998 – ES PE 0050) inserida das peças do concurso.
    
    Cai o único fundamento, o presente recurso não pode deixar de improceder.»
    
3. A questão única que importa resolver neste momento traduz-se no fundo em saber se o consórcio recorrente pode agora, feita a adjudicação do concurso, e tendo ele sido excluído dessa adjudicação, a pode pôr em causa, por violação de lei, nomeadamente das normas legais ou regulamentares aplicáveis ao contrato, o Regulamento de Fundações, Decreto-Lei n.º 47/96/M, de 26/08 e o Regulamento de Estruturas de Betão Armado, Dec.-Lei n.º 60/96/M, de 07/10 e por violação dos critérios de apreciação de propostas relativamente ao sub-critério PLANO DE EXECUÇÃO DAS FUNDAÇÕES na atribuição da pontuação às 1ª e 2ª classificadas.

Estamos em crer que a invocação da ilegalidade das normas inseridas nos Regulamentos respeitantes às construções urbanas podem ser invocadas mesmo nesta fase do concurso, não se concebendo facilmente que sendo elas concebidas numa perspectiva de garantia da qualidade e de segurança na construção civil se adjudicasse o concurso a candidatos ganhadores exactamente porque desprezaram o acatamento dessas regras de segurança.
Há aqui algo que não se compagina facilmente: por um lado, as razões de segurança ínsitas ao estabelecimento dos ditos regulamentos; por outro, é a violação dessas regras que premeia o infractor que por essa via se torna ganhador do concurso.
Tudo isto, é claro, numa perpectiva hipotética de que se comprova o que vem alegado, quoad est demonstrandum…
Nem se diga que, a violação das regras de construção seria permitida, pois que a se oporia, em momento oportuno, uma adequada fiscalização. Só que ainda aí não se compreenderia que o infractor tirasse proveito do atropelo da lei, para mais, repete-se, num domínio ponderoso de segurança da construção, o que não deixa de ser também ele um factor de segurança pública.
    Para além de outros aspectos, há que relevar a solidez, sendo este o valor fundamental a considerar numa construção e com ele interferindo a questão que vem colocada e se diz ter sido desprezada. A estrutura da construção não pode falhar e por isso, se exige que na construção sejam utilizadas as melhores normas da arte de construir e se exige que a aplicação de novos materiais ou processos de construção para os quais não existam especificações oficiais, nem suficiente prática de utilização, seja condicionada a prévios pareceres, as fundações sejam estabelecidas sobre terreno estável e firme, sejam controlados os agravamentos de carga sobre os elementos, doseadas as percentagens de cimento e de ferro.
    Estas razões que configuramos como prementes e que urge salvaguardar em todas as fases do procedimento concursal levam-nos a interrogarmo-nos sobre a possibilidade de impugnação do acto e actos praticados em violação de norma legal reguladora da actividade de construção.
    A possibilidade de impugnação do acto por violação da norma a título principal aquando da apresentação das regras do concurso não impede que se invoque tal violação seja invocada, especialmente quando se alega que um determinado interessado ganhou o concurso ou outros candidatos foram mais bem classificados exactamente porque violaram as regras regulamentares gerais que se devem sobrepor às regras do concurso.
     Esse factor colide necessariamente com a segurança, tendo como referência as pessoas, desde os ocupantes dos prédios, aos operários que trabalham nas obras, até ao público em geral.
    Estes factores, os que são directamente atingidos com a impugnação em curso, não importando considerar aqui todos os outros que interferem ainda com a segurança, em sentido lato, e se traduzem em valores de salubridade, estética, saúde pública, ambiente, respeito pelos direitos públicos e privados.
    Diferente será a situação que encontramos na Jurisprudência comparada, segundo a qual “A possibilidade de impugnação de normas a título principal não obsta a que se invoque a ilegalidade da norma nos processos de impugnação de actos que as tenha aplicado, para efeitos de obter a anulação, isto é, não põe em causa a impugnabilidade indirecta e incidental das normas administrativas. Excluída a proposta de um concorrente a um concurso de empreitada, e não atacando o concorrente o acto excludente, o mesmo firmou-se na ordem jurídico-administrativa como caso decidido ou caso resolvido (…), não pode agora vir atacar contenciosamente o ato de adjudicação, com base em ilegalidades no programa de concurso, por carecer de legitimidade.”1
    Já no sentido que aqui acolhemos, de que “A falta da sua impugnação nesse prazo não preclude o direito dos interessados de impugnarem o acto final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam”, encontramos alguma Jurisprudência que vai no mesmo sentido.2
4. Decisão
    Somos, pois, a entender que os autos devem prosseguir, para conhecimento e comprovação das eventuais violações regulamentares.
    Sem custas, por não serem devidas.
    Notifique.
Macau, 9 de Janeiro de 2014
    

(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

    
    
    Vencido nos exactos termos do projecto do Acórdão por mim relatado e submetido à conferência e aqui integralmente transcrito.
(Relator)
Lai Kin Hong

Estive presente
Mai Man Ieng
1 . Ac. do STA, proc. n.º 0925/12, de 5/2/2013
2 - Ac. do STA, proc. n.º 0800/12, de 20/12/2011 e proc. n.º 0750, de 20/11/2012
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839/2012-A 1/29