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Processo n.º 700/2013 Data do acórdão: 2014-1-9 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.º 74.º do Código Penal
– desconto da pena
– medida de coacção de proibição de entrada nos casinos
– pena acessória de proibição de entrada nos casinos
– art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M
S U M Á R I O
O regime de desconto da pena vertido no art.º 74.º do Código Penal tem por objecto somente “a detenção e a prisão preventiva sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado”, pelo que o período de tempo em que o arguido, a título de uma medida de coacção a si imposta nos autos, ficou interditado de entrar nos casinos de Macau, não pode ser descontado no período da pena acessória por que veio a ser condenado nos autos nos termos do art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 700/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrentes (arguidos):
B (B)
C (C)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com a sentença proferida a fls. 161 a 164v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR1-13-0208-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que os condenou como co-autores materiais, na forma consumada, de um crime de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.º da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho, conjugado com o art.º 219.º, n.º 1, do vigente Código Penal (CP), igualmente na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, e na pena acessória de proibição de entrada em todos os estabelecimentos de casino de Macau pelo período de dois anos, vieram os dois arguidos do processo chamados B e C recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a reforma, a favor deles, desse julgado na parte relativa à pena acessória, tendo para o efeito concluído a respectiva motivação una (apresentada a fls. 172 a 180 dos presentes autos correspondentes) de moldes essencialmente seguintes:
– como aos dois próprios arguidos tinha sido imposta preventivamente, durante a fase da investigação do processo, a medida de coacção de não frequência dos casinos de Macau por um período superior a dois anos, seria de aplicar-lhes agora, por analogia e em benefício deles, o disposto no art.º 74.º do CP, no sentido de se dar por já totalmente cumprida, por efeito do desconto, a pena acessória por que vinham condenados na sentença recorrida, sob pena de se assim não se entendesse, eles ficarem materialmente punidos duplamente.
Aos recursos, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação dos recorrentes (cfr. a resposta de fls. 184 a 185v dos autos).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 196 a 199), pugnando também pelo não provimento da pretensão dos recorrentes.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e feita hoje em conferência a votação do douto Projecto de Acórdão apresentado pelo M.mo Juiz Relator do processo, da qual este saiu vencido, cumpre decidir dos recursos em causa nos termos constantes do presente acórdão definitivo, relatado imediatamente pelo primeiro dos juízes-adjuntos com observância do art.º 417.º, n.º 1, parte final, do vigente Código de Processo Penal (CPP).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto julgada como provada no texto da decisão recorrida, é de tomá-la como fundamentação fáctica do presente acórdão, nos termos do art.º 631.º, n.º 6, do vigente Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do CPP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo nestes parâmetros, é de julgar que quanto à questão do pretendido desconto do período da pena acessória de interdição de entrada em casinos, a razão não está no lado dos dois recorrentes, posto que o regime de desconto vertido no art.º 74.º do CP tem por objecto somente “a detenção e a prisão preventiva sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado” – neste sentido, cfr. o aresto deste TSI, de 25 de Julho de 2013, no Processo n.º 996/2012.
Do exposto, decorre a devida manutenção do julgado feito pela Primeira Instância, sem necessidade de mais abordagem, por estar precludida pela solução acima tomada, de todo o remanescente alegado pelos recorrentes.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento aos recursos.
Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes, com três UC de taxa de justiça individual para cada um deles.
Macau, 9 de Janeiro de 2014.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_______________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
_______________________ (Segue declaração de voto)
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)

Processo nº 700/2013
(Autos de recurso penal)



Declaração de voto


Vem os arguidos recorrer da sentença que os condenou pela prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena individual de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por um período de 1 ano e 6 meses, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos.

E, como resulta da motivação e conclusões do seu recurso, colocam tão só os ora recorrentes a questão da adequação da pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos.

Mais concretamente, se desta pena acessória (de 2 anos) se deve descontar o período de tempo em que, durante a fase de investigação, (Inquérito), estiveram (preventivamente) proibidos de frequentar as salas de jogo.

Vejamos.

Nos termos do art. 15 da Lei n.° 8/96/M:

“Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 13.º é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos, por um período de 2 a 10 anos”.

E, atento o assim preceituado, decidiu o Tribunal a quo fixar em 2 anos a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo.

Por sua vez, nos termos do art. 74° do C.P. M.:

“1. A detenção e a prisão preventiva sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada.
2. Se for aplicada pena de multa, a detenção e a prisão preventiva são descontadas à razão de 1 dia de privação da liberdade por 1 dia de multa”.

E será de se aplicar “analogicamente” o assim estatuído para a situação dos autos?

Pois bem, como se consignou no douto Acórdão que antecede, por Acórdão deste T.S.I. de 25.07.2013, tirado no Proc. n.° 996/2012, entendeu-se que “o regime de desconto da pena vertido no art.º 74.º do Código Penal tem por objecto somente “a detenção e a prisão preventiva sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado”, pelo que o período de tempo em que o arguido, a título de uma medida de coacção a si imposta nos autos, ficou interditado de entrar nos casinos de Macau, não pode ser descontado no período da pena acessória por que veio a ser condenado nos autos nos termos do art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho”.

Porém, outro é o nosso ponto de vista.

Com efeito, e como na declaração de voto que então anexamos ao referenciado aresto tivemos oportunidade de consignar “o processo penal tem de ser um “processo equitativo e leal”, (“fair trial”), o que obriga a que o ius puniendi seja exercido com respeito pela pessoa do arguido, assegurando-se-lhe todas as garantias de defesa.

Por sua vez, num processo equitativo e leal, só será compreensível uma “restrição de direitos” como medida de coacção, desde que assente na forte probabilidade da culpa e posterior condenação do arguido.

Nessa conformidade, definindo-se na decisão final condenatória qual a “pena adequada e necessária” ao crime cometido, não se pode olvidar a parte já cumprida, (ainda que tal cumprimento tenha ocorrido antes da dita decisão final).

Com efeito, a “pena”, seja ela principal ou acessória, é – só pode ser – a “justa reacção penal” à conduta do arguido, e, assim, não obstante o art. 74° do C.P.M. prever tão só o “desconto” da “detenção” e “prisão preventiva” sofridas pelo arguido, afigura-se-nos que adequado era considerar o aí enunciado como um “princípio geral”, com aplicação ao caso dos autos, até porque em causa está a mesma “proibição/interdição de entrada nos casinos”.

Aliás, se nos termos do art. 76° do C.P.M., “é descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, fora de Macau”, motivos não me parecem existir para não se descontar também da pena acessória aplicada ao arguido a (mesma) medida de coacção a que antes esteve sujeito.

Dest’arte, concedia provimento aos recursos; (no mesmo sentido, cfr., v..g, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 25.01.2005, in C.J. XXX, I, 131 e segs.).

Macau, aos 09 de Janeiro de 2014

José Maria Dias Azedo



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