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Processo nº 399/2013 Data: 11.07.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.




SUMÁRIO

A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 399/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando, (em síntese) à decisão recorrida, o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 84 a 88 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 90 a 91).

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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“Entendemos que não deve ser reconhecida razão à recorrente B, por não estarem preenchidos os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Por força do art.° 56 n.° 1 do Código Penal de Macau, a concessão da liberdade condicional depende da co-existência do pressuposto formal e do pressuposto material.
É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha já cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à vista da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídico e da paz social.
Neste sentido, a aplicação da liberdade condicional nunca é feita pela lei com o carácter automático, ou seja, não é obrigatório aplicá-lo mesmo estando preenchido o pressuposto formal, tendo de mostrar-se satisfeito o pressuposto material.
Em relação à reintegração social do condenado, nunca podemos deixar de ponderar, mesmo que resulte um juízo de prognose favorável ao mesmo, em referência às circunstâncias da sua resocialização, que “… se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do condenado, estes conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável. Sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado." (Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português-As consequências Jurídicas do Crime, 2°. Reimpressão, §850).
In casu, apesar da sua manifestação de arrependimento e do comportamento adequado durante o período do cumprimento da pena de prisão, ou seja, do "bom comportamento prisional" da recorrente, formulou um parecer o Sr. Director do Estabelecimento prisional de prognose social desfavorável da recorrente, tendo em conta do hábito de jogar em casinos, não primária e falta do suporte comunitário no qual a sua libertação antecipada podia sustentar-se.
Por outro lodo, analisados os autos, a recorrente cometeu crime de elevada gravidade, perturbando seriamente a ordem jurídica e a paz social desta R.A.E.M..
A natureza e gravidade de crime cometido faz sempre parte dos elementos de consideração de que o Tribunal a quo tem de curar, quer na fase de julgamento, quer na decisão da aplicação da liberdade condicional.
Em referência à natureza e à consequência jurídica do crime de furto qualificado, são evidentes a gravidade do crime, o prejuízo para o bem jurídico relativo à propriedade do ofendido e a perturbação da tranquilidade social, tudo consequência do acto ilícito praticado pela recorrente sob influência do seu vício de jogar em casinos.
Tendo em consideração a realidade social de Macau, o aumento dos números dos processos crimes relativos aos jogadores compulsivos, e a rigorosa exigência da prevenção geral quanto ao tipo de crime praticado pela recorrente, bem como a influência negativa que a liberdade antecipada da recorrente virá trazer para a comunidade, nomeadamente, o prejuízo da expectativa da eficiência das leis, temos de afirmar que a concessão da liberdade condicional seria, muito provavelmente, incompatível com a ordem jurídica e a paz social, nos termos do disposto n.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Pelo exposto, concordando com o doutamente exposto na resposta à motivação do recurso, não conseguimos chegar a uma conclusão favorável à recorrente para lhe conceder a liberdade condicional, por não vermos que as condições em que a recorrente se encontra encontrem eco no disposto n.° art.° 56 n.° 1 do C.P.M..
Concluindo, entendemos que deve -ser rejeitado o recurso interposto por manifestamente improcedente”; (cfr., fls. 100 a 101).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 08.02.2013, foi, B, ora recorrente, condenada na pena única de 3 anos e 7 meses de prisão pela prática em concurso real de 2 crimes de “furto (qualificados)” e 6 outros de “burla”;
– a mesma recorrente deu entrada no E.P.M. em 06.01.2011, e em 24.05.2013, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 04.08.2014;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar a XIN HUI, (R.P.C.), vivendo com a sua família, possuindo perspectivas de emprego num hospital

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 06.01.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer da Ilustre Procuradora Adjunta, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, (e independentemente do demais), atento o número e os tipos de crimes pela ora recorrente cometidos, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$2.500.00.

Macau, aos 11 de Julho de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa

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