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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 26 de Julho de 2013, A, arguido nos presentes autos, foi condenado:
- pela prática em autoria material e na forma consumada de:
1 crime de uso de documento de identificação alheio, p.p. pelo art.º 251.º n.º 1 do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
1 crime de reentrada ilegal, p.p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, de 22 de Julho, na pena de quatro (4) meses de prisão;
27 crimes de furto qualificado, p.p. pelo art.º 198.º n.º 2, al. e) do Código Penal e art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, de 22 de Julho, na pena de cinco (5) anos de prisão cada;
- pela prática em autoria material e na forma tentada de:
3 crimes de furto qualificado, p.p. pelos art.ºs 198.º n.º 2, al. e), 21.º e 22.º, todos do Código Penal, e art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, de 22 de Julho, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão cada.
- Em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado em uma única pena de 9 anos e 10 meses de prisão efectiva.

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso, e consequentemente:
- convolar 27 crimes de furto qualificado na forma consumada e 3 crimes de furto qualificado na forma tentada para 23 crimes furto qualificado p.p. pelo art.º 198.º n.º 2, al. e) do Código Penal na forma consumada, com aplicação de 5 anos de prisão por cada, 6 crimes de furto qualificado p.p. pelo art.º 198.º n.º 2, al. e) do Código Penal na forma tentada, com aplicação de 2 anos e 6 meses de prisão por cada, e 1 crime de furto simples p.p. pelo art.º 197.º n.º 1 do Código Penal, com aplicação de 1 ano de prisão;
- em cúmulo jurídico com as penas aplicadas pelo Tribunal Judicial de Base aos crimes de uso de documento de identificação alheio e de reentrada ilegal, aplicar uma pena única de 8 anos e 10 meses de prisão; e
- manter as restantes decisões de primeira instância.

O arguido continuou a recorrer para o Tribunal de Última Instância.
Subidos os autos ao TUI, foi suscitada no exame preliminar a questão de irrecorribilidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Devidamente ouvidos o representante do Ministério Público e o arguido, a Juíza titular do processo proferiu o despacho no sentido de não admitir o recurso interposto pelo arguido.
Notificado deste despacho, vem agora o arguido apresentar a reclamação.
Foram corridos os vistos.

2. Fundamentação
A questão que se cumpre apreciar prende-se com a recorribilidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos.
Ora, não obstante o princípio geral consagrado no art.º 389.º do Código de Processo Penal de Macau, segundo o qual “é permitido recorrer dos acórdão, sentenças e despacho cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”, certo é que o legislador prevê decisões que não permitem recurso.
No que tange ao recurso para TUI, dispõe o art.º 390.º n.º 1 do CPPM o seguinte (com redacção dada pelo art.º 73.º da Lei n.º 9/1999):
“Não é admissível recurso:
...
d) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que não ponham termo à causa;
e) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que confirmem decisão de primeira instância;
f) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
g) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a dez anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
h) ....”

Como é sabido, a intervenção do Tribunal de Última Instância é limitada aos casos de maior gravidade. O que vale por dizer que as situações de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Órgão Supremo da hierarquia dos Tribunais, como os casos previstos nas al.s f) e g) do n.º 1 do art.º 390.º do CPPM.
Conforme a disposição contida nestas duas alíneas, para que haja recurso para o Tribunal de Última Instância, é preciso que ao crime em causa seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos ou a 10 anos, consoante se a decisão do TSI é ou não confirmativa.
No caso dos autos, o Tribunal de Segunda Instância confirmou a decisão de 1.ª instância na parte respeitante à condenação do arguido pela prática de 23 crimes consumados de furto qualificado, 3 crimes tentados de furto qualificado, 1 crime de uso de documento de identificação alheio e 1 crime de reentrada ilegal, todos puníveis com pena de prisão não superior a 10 anos, pelo que o Acórdão proferido pelo TSI não é recorrível, nesta parte, nos termos da al. g) do n.º 1 do art.º 390.º do CPPM.
Por outro lado, o Tribunal de Segunda Instância convolou a condenação pelo Tribunal de 1.ª instância de 4 crimes consumados de furto qualificado para 3 crimes tentados de furto qualificado e 1 crime de furto simples, em relação aos quais a pena aplicável não é superior a 8 anos de prisão. Daí que também não é recorrível o Acórdão, ao abrigo do disposto na al. f) do n.º 1 do art.º 390.º do CPPM.
Acresce-se que é da jurisprudência uniforme deste Tribunal de Última Instância no sentido de que “a expressão mesmo em caso de infracções constante das alíneas f) e g) do n.º 1 do art.º 390.º do Código de Processo Penal significa que, para que seja admissível recurso de decisão do Tribunal de Segunda Instância para o Tribunal de Última Instância, é necessário que a penalidade aplicável, em abstracto, a cada crime, exceda 8 ou 10 anos de prisão, respectivamente, nos casos das alíneas f) e g) do nº 1 do art.º 390.º, ainda que esteja em causa um concurso de infracções” (cfr. Ac. de 15-12-2004, proc. n.º 44/2004, entre muitos outros).
Assim sendo, não se deve admitir o recurso interposto pelo arguido, por ser irrecorrível o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos.
Improcede, pois, a reclamação.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em confirmar o despacho reclamado que decidiu não admitir o recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

Macau, 11 de Abril de 2014

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai – Lai Kin Hong




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Processo n.º 6/2014