Processo nº 230/2013 Data: 26.07.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Indemnização.
Danos futuros.
Perda de capacidade de ganho.
SUMÁRIO
1. Ocorre omissão de pronúncia se o Tribunal não emite pronúncia sobre os pedidos de indemnização por “despesas futuras” e “perda de capacidade de ganho” que o demandante deduziu no seu pedido de indemnização civil.
2. Porém, não estando provada (em sede de matéria de facto) a necessidade de “despesas futuras” por parte do demandante, (e não obstante a dita omissão de pronúncia), terá que se julgar improcedente o peticionado.
3. A “perda de capacidade de ganho” resultante de uma incapacidade parcial permanente do ofendido de um acidente de viação é ressarcível, ainda que o mesmo não exerça uma actividade profissional remunerada, (já que não deixa de ser uma capacidade que ficou afectada).
4. Assim, havendo matéria de facto para a decisão, e ainda que tenha o Tribunal a quo omitido pronúncia (de direito) sobre tal pedido, pode (e deve) o Tribunal de recurso apreciar tal pretensão (em substituição do Tribunal de recorrido).
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 230/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar B (B), arguido com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M., na pena de 2 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução 3 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 3 meses.
Em relação ao pedido de indemnização civil enxertado nos autos, decidiu o Colectivo julgá-lo parcialmente procedente, condenando a (2ª) demandada “COMPANHIA DE SEGUROS ...... (MACAU) S.A.” (......保險(澳門)股份有限公司), no pagamento a favor do demandante C (C) da quantia total de MOP$975,734.20; (cfr., fls. 408 a 413 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, veio o demandante civil recorrer, para, em síntese, imputar ao Acórdão recorrido o vício de “nulidade por omissão de pronúncia” quanto às suas “despesas com tratamentos futuros” (MOP$100,000.00) e “perda de salário” (MOP$2,002,000.00); (cfr., fls. 421 a 431).
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Após resposta dos dois demandados – arguido e seguradora – no sentido de que o recurso devia ser julgado improcedente, (cfr., fls. 439 a 451 e 452 a 456-v), e, adequadamente processados os autos, cabe decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido – a fls. 409-v a 410-v – que, aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o demandante civil recorrer do segmento ínsito no Acórdão do T.J.B. que decidiu o seu pedido de indemnização civil enxertado nos presentes autos.
Imputa ao Acórdão recorrido o vício de “nulidade por omissão de pronúncia” quanto às suas alegadas e peticionadas “despesas com tratamentos futuros” (MOP$100,000.00) e “perda de salário” (MOP$2,002,000.00).
Vejamos, sem demoras, se lhe assiste razão.
Pois bem, no seu pedido de indemnização civil inicialmente apresentado, (cfr., fls. 119 a 127), pedia o ora recorrente o quantum total de MOP$1,365,041.00.
Tal montante resultava da soma das quantias de MOP$1,000,000.00, a título de “danos não patrimoniais”, sendo as restantes MOP$365,041.00 a título de “danos patrimoniais” (MOP$171,600.00, por perda de salário próprio, MOP$8,000.00, por perda de salário da sua esposa, MOP$49,776.00 + MOP$2,280.00 + MOP$24,110.00 + MOP$4,215.00 + MOP$100,000.00, por despesas hospitalares, tratamentos e medicamentos, e MOP$5,060.00, por despesas na reparação da mota.
Posteriormente, ampliou, por diversas vezes, o seu pedido, peticionando, no último que apresentou, mais MOP$300,000.00, a título de “danos não patrimoniais”, e que a título de “perda de salário” lhe fosse arbitrado um total de MOP$2,173,600.00; (cfr., fls. 278 e 278-v, 358 e 387 a 389).
Decidindo, arbitrou o Colectivo a quo o quantum (total) de MOP$975,734.20, sendo MOP$275,734.20 a título de “danos patrimoniais”, e MOP$700,000.00 a título de “danos não patrimoniais”.
Não se colocando questões relativamente à “indemnização por danos não patrimoniais”, vejamos então como decidir.
Pois bem, o total de MOP$275,734.20, atribuído como indemnização pelos danos patrimoniais do demandante ora recorrente são resultado da soma de:
- MOP$96,134.20, a título de despesas hospitalares, medicamentosas e na reparação da mota;
- MOP$8,000.00, a título de perda de salário da esposa do demandante; e,
- MOP$171,600.00, a título de perda de salário do próprio demandante (durante o período em que esteve hospitalizado e doente).
Sendo que ao total atribuído pretende agora o recorrente mais dois montantes, de MOP$100,000.00 e de MOP$2,002,000.00, comecemos pelo primeiro.
–– Em relação ao quantum, de MOP$100,000.00, diz o recorrente que o mesmo destina-se a pagar “despesas futuras” que o recorrente alega ainda ter de suportar pelas lesões que sofreu e sofre com o acidente de viação matéria dos autos e do qual foi vítima.
Pois bem, há que dizer que, no Acórdão recorrido, o Colectivo a quo não se pronunciou sobre tal questão das “despesas futuras”, incorrendo assim em nulidade por omissão de pronúncia, (cfr., art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M.), cabendo, assim, a este T.S.I. saná-la.
Porém, e sem prejuízo do nosso respeito por opinião em sentido diverso, cremos que, a factualidade dada como provada – que, diga-se, não padece de vícios, nomeadamente de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” ou “erro notório na apreciação da prova”, pois que o Tribunal a quo, em sede da matéria de facto, pronunciou-se sobre todo o objecto do processo, não tendo também vilado nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis – não permite que este T.S.I., (em substituição do Colectivo do T.J.B.), atenda ao peticionado.
É que embora nela se diga que o recorrente sofreu e sofre danos físicos e morais em virtude das lesões causadas com o acidente de que foi vítima, não dá (qualquer) indicação que o mesmo terá de se sujeitar a novos tratamentos médicos, inviabilizando-se, assim, qualquer decisão favorável ao recorrente na matéria em questão, sendo assim de, nesta parte, improceder a pretensão apresentada.
–– Quanto ao quantum de MOP$2,002,000.00.
O mesmo vem pedido a título de “perda de salário”.
Porém, atentos os termos em que (foi e) vem a questão colocada, cremos que se quer o recorrente referir à sua “perda de capacidade de ganho”.
Ora, também aqui não se divisa pronúncia do Colectivo a quo, tendo-se assim incorrido na mesma maleita que atrás se mencionou.
Todavia, aqui, cremos que viável é uma decisão por parte deste T.S.I..
De facto, e como já decidiu o Vdo T.U.I. nos seus Acórdãos de 25.04.2007 e 07.11.2012, Proc. n.° 20/2007 e 62/2012:
“(…)
Indiscutivelmente que o dano sofrido pelo lesado é ressarcível. Embora o seu salário se mantenha, a sua capacidade para o trabalho ficou afectada. Ora, nada obsta a que qualquer pessoa – salvo incompatibilidades legais – possa efectuar outro trabalho, para além da sua ocupação habitual, e usufruir os respectivos rendimentos. Esta possibilidade ficou afectada substancialmente no que toca ao lesado.
Da mesma maneira, mesmo que alguém não exerça um trabalho – por conta própria ou alheia – seja porque tem rendimentos de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais – seja porque não tem quaisquer rendimentos e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, porque a sua capacidade para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual, foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo de que ficou privado para sempre e de que deve ser indemnizado nos termos gerais”; (cfr., os Acs. de 25.04.2007 e 07.11.2012, Procs. n.° 20/2007 e 62/2012).
E, no caso, dos autos colhe-se que o ora recorrente é nascido em 03.02.1959, que auferia mensalmente MOP$14,300.00 e que sofre de uma incapacidade parcial permanente de 45%.
Atento o assim exposto, havendo “matéria de facto provada” apta a justificar uma decisão (de direito) por parte deste T.S.I., e certo sendo que na fixação do montante em questão se terá de recorrer a “juízos de equidade”, afigura-se adequado o montante de MOP$600,000.00, assim, procedendo parcialmente o pedido deduzido.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente e recorrido na proporção dos seus respectivos decaimentos.
Ao Exmo. Patrono do demandante, fixa-se a título de honorários, o montante de MOP$3,500.00, e ao Defensor do arguido, o de MOP$2,500.00.
Macau, aos 26 de Julho de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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