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Processo nº 330/2013
(Recurso Cível)

Data: 25/Julho/2013
   
   
   Assuntos:
- Artigo 1929º do CC
- Exercício de direitos pelos herdeiros
- Litisconsórcio necessário activo
- =Legitimidade dos herdeiros para intentarem acção de nulidade de transmissão de bens feita pelo autor da herança
    
    
    
    SUMÁRIO :
    
    Qualquer dos herdeiros, tal como tem direito a pedir bens da herança que estejam em poder de terceiro, sem que este possa opor-lhe que tais bens não lhe pertencem por inteiro, tem legitimidade para arguir a nulidade de transmissão de bens feita pelo autor da herança em relação a um herdeiro, na certeza que o interesse prosseguido não o beneficia apenas a si, o seu interesse resulta da qualidade de co-herdeiro, o pedido não está dependente da sua titularidade exclusiva sobre os direitos em causa, estes direitos não se podem considerar direitos da herança, mas sim conexos com ela, o pedido de nulidade é conferido a qualquer interessado, para mais quando todos os herdeiros estiveram na acção de nulidade, ainda que em posições processuais diversas.

O Relator,


João A. G. Gil de Oliveira

























Processo n.º 330/2013
(Recurso Civil)
Data : 25/Julho/2013

Recorrentes : B também conhecida por B1
C também conhecida por C1
D também conhecida por D1

Recorrido : F

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    B, também conhecida por B1, C, também conhecida por C1, e D, também conhecida por D1, na sequência do despacho que absolveu da instância o R. F, na sequência da desistência da instância, por este aceite, por banda da A. G, por ilegitimidade das restantes autoras, ora recorrentes e preterição de um litisconsócio necessário activo, em acção enquanto as AA. pediam a declaração de nulidade da transmissão de determinadas acções da Sociedade de ...... de Macau, feita por sua mãe, falecida, ao R., seu irmão, inconformadas, vêm recorrer, alegando em síntese:
    
    a) As recorrentes discordam do entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual a presente acção foi proposta pelas primitivas AA. em litisconsórcio necessário activo; b) Como é do conhecimento funcional do Tribunal a quo, no processo de inventário n° CV2-01-0007-CIV, foi decidido que as acções cuja transmissão aqui se discute não fazem parte da herança;
    b) Assim, mal se compreende a contradição do Tribunal, ao considerar agora que tais acções integram a mesma herança, tornando exigível a intervenção processual simultânea de todos os herdeiros;
    c) Por outro lado, mesmo que se considerasse que as acções em causa constituem efectivamente bens da herança, sempre haveria que concluir que o pedido de restituição das mesmas se integra na previsão do art. 1916°, n° 1 do CC, podendo ser formulado separadamente por qualquer dos herdeiros;
    d) Acresce que o que se discute na presente acção é a nulidade de um negócio de transmissão de acções, por preterição dos respectivos requisitos legais;
    e) Ora, atento o disposto no art. 279° do CC, a nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado;
    f) As recorrentes são evidentemente interessadas para este efeito, cada uma por si, enquanto titulares de uma relação jurídica sucessória, na medida em que o quantum do seu quinhão será forçosamente modificado caso a nulidade proceda;
    g) Não é a herança, enquanto massa patrimonial autónoma, que tem interesse na nulidade do negócio - são sim as recorrentes, cada uma por si, que possuem esse interesse próprio, e que por isso podem accioná-lo individualmente;
    h) Ao decidir no sentido em que o fez, o Tribunal recorrido violou as normas dos arts. 1916°, n° 1 e 279° do CC, assim como fez errada aplicação do art. 1929°, n° 1 do mesmo código;
    Subsidiriamente,
    i) Mesmo que estivéssemos perante uma situação de litisconsórcio necessário activo, ainda assim a consequência processual da desistência de uma das co-AA. não poderia ser a retirada pela decisão recorrida;
    j) Efectivamente, quanto aos efeitos da desistência em caso de litisconsórcio, rege o disposto no art. 240° do CPC, havendo que atentar no teor do seu n° 2, segundo o qual, "No caso de litisconsárcio necessário, a confissão, desistência ou transacção de algum dos litisconsortes sá produz efeitos quanto a custas";
    k) Assim, em caso de litisconsórcio necessário activo e verificando-se desistência de apenas um ou alguns dos litisconsortes, tal desistência não produzirá quaisquer efeitos quanto à subsistência da causa ou do direito, limitando-se a exonerar o desistente quanto a custas;
    l) Ao decidir no sentido em que o fez, a decisão recorrida violou o disposto no art. 240°, n° 2 do CPC.
    Nestes termos pedem a revogação da decisão recorrida e se ordene o prosseguimento dos autos.
    
    F, réu identificado nos autos à margem identificados, contra-alega, em suma:
    a) O presente objecto tem por objecto a douta decisão do Mmº Juiz a quo que considerou verificada a excepção da ilegitimidade (dos autores), na sequência da desistência da instância da A. G, absolvendo o R. da instância;
    b) Na presente acção ordinária, vêm os AA., em conjunto, formular o pedido de declaração de nulidade do acto de transmissão das identificadas acções nominativas da Sociedade de ...... de Macau, S.A.R.L., que H, enquanto ainda viva, tinha transmitido a favor do Réu, F;
    c) O referido pedido de declaração de nulidade do acto de transimissão das referidas acções fundamentou-se, segundo alegações dos AA., em que os AA. E R. são filhos e ora legítimos herdeiros da H, e que a transimssão em causa é inválido por vício de forma;
    d) E, com a requerida declaração de nulidade do referido negócio jurídico em causa, pretendem que as acções nominativas ora em questão sejam incorporadas no acervo hereditário a partilhar por todos os herdeiros da falecida H;
    e) Segundo a perspectiva dos AA., caso o Tribunal a quo venha a declarar nula a transmissão das referidas acções nominativas em causa, estas seriam restituídas para a esfera jurídica da (falecida) H, e constituindo, deste modo, parte / integrante da herança por ela deixada;
    f) Daí se justifica a legitimidade para os AA. demandarem na presente acção.
    g) Nos termos do nº 1 do artº 1929º do Código Civil, a lei determina que "Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artº 1916º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conuntamento por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.";
    h) Sendo a presente acção intentada por todos os herdeiros da falecida H, excepto o ora R. F por este ser a parte demandada, assim, com a desistência da A. G, deixou de verificar a legitimidade de demandar por parte dos AA. (não desistentes), por se tratar aqui um caso de litisconsórcio necessário;
    i) O que conduz inevitavelmente a absolvição do R. da presente instância, nos termos do artº 413º, nº 1, al. e) e artº 414º do CPCM.
    j) Assim, sendo, ao contrário do alegado pelos M., a sentença recorrida é perfeitamente legal, justa e adequada, não sofrendo de nenhum vício de validade, nem de violação de direito, e por conseguinte,
    k) Deverá ser confirmada e mantida na sua íntegra.
    
    NESTES TERMOS, deverá improceder o presente recurso, e por conseguinte, ser a sentença recorrida confirmada e mantida na sua íntegra.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - Despacho recorrido
    Foram proferidos os despachos seguintes, sendo objecto do recurso o que declarou a ilegitimidade das recorrentes:
    “Por requerimento de 05/10/2012, vem a autora G desistir da instância dos presentes autos contra o réu F.
    Vêm, ao mesmo tempo, os restantes autores pedir a continuação dos autos em relação aos eles, entendendo que a acção presente é caso de litisconsórcio voluntário.
    Notificado do pedido de desistência, o Réu, por requerimento de fls. 197 aceitou a desistência formulada pela G, mas dizendo que o presente caso se trata de litisconsórcio necessário, a desistência desta levou ilegitimidade activa, requerendo a absolvição da instância por essa excepção dilatória.
    Os autores nada disseram sobre o requerimento da absolvição feito pelo Réu.
    Cumpre conhecer.
    Da desistência da G
    Nos presentes autos, os autores formularam em conjunto o pedido de declaração da nulidade do acto de transmissão das acções nominativas com os nºs 49501 a 50000 da Sociedade de ...... de Macau, S.A.R.L. pela H a favor do Réu.
    Alegando que os A.A. e R. são filhos e legítimos herdeiros da H, a transmissão das acções referidas pela última ao Réu é inválido por vício de forma, assim, com a nulidade do negócio jurídico em causa, pretendem que as acções em causa sejam incorporadas no acervo hereditário a partilhar por todos herdeiros da H.
    Na perspectiva dos autores, com a nulidade do negócio jurídico em litígio, as acções transmitidas seriam restituídas para a H, as quais constituiriam parte integrante da herança deixada por esta, daí se resulta a sua legitimidade para demandar.
    Nos termos do n.º l do art° 1929°do C.C., "Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art° 1916°, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros."
    Flui do preceito acima transcrito que a acção destinada para a declaração da nulidade do negócio jurídico cujo objecto faz parte da herança deve ser exercida conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
    Portanto, a intervenção de todos os herdeiros resulta expressamente da lei, o presente caso trata-se de litisconsórcio necessário e não voluntário, nos termos do art° 6l° do C.P.C..
    Não obstante, as partes têm toda a liberdade em decidir como conduzir o processo, bem como em não continuar a acção proposta, em qualquer momento do processo, assim, não se vê a existência de qualquer obstáculo para não admitir a desistência formulada pela G.
    Nestes termos, atendendo ao objecto e à qualidade da pessoa nela interveniente, bem como a aceitação da instância por parte do Réu, julgo por presente sentença, nos termos dos art°s 235°, n° 1, 237°, n° 2, 238°, n° 1, a contrario sensu e 242°, n.º l , todos do Código de Processo Civil vigente em Macau (C.P.C.), válida a desistência da instância apresentada pela Autora G, melhor identificada nos autos, por meio do requerimento a fls. 190 dos presentes autos de Acção Ordinária n.º CV2-09-0021-CAO do 2° Juízo Cível, e consequentemente absolvo o Réu F, melhor identificado nos autos, da instância na presente acção contra ele intentada pela essa Autora.
    Custas do processo pela Autora desistente, por força do disposto nos art°s 380°, n° 1 do C.P.C.M..
    Notifique e Registe.
*
    Da ilegitimidade activa invocada pelo Réu
    Como foi expendido acima, a acção interposta pelos autores destina-se à declaração da nulidade do acto de transmissão das acções do SAAM pela H e o Réu, também herdeiro daquela, a eventual invalidade do negócio jurídico faria as acções nominativas voltar a ser bens da herança deixada da H.
    Portanto, ao pretender reaver bens que faria parte da herança, não há dúvidas que os autores estão a exercer seu direito relativo à herança, o qual deve ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros.
    Por o direito sobre o bem objecto do negócio jurídico cuja nulidade se pede dizer respeito ao direito de todos os herdeiros, a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes, não podem ser proferidas decisões divergentes sobre o mesmo objecto do processo, assim, para que a decisão possa regular definitiva e unitariamente o litígio, é necessário a intervenção de todos os herdeiros, quer na qualidade de autor quer na qualidade do réu.
    Nos termos do art° 61°, n.º 1 do C.P.C., "Se a lei ou o negócio jurídico exigir a intervenção dos vários sujeitos da relação material controvertida, a falta de qualquer deles é motivos de ilegitimidade."
    A acção foi proposta pelos herdeiros do H, excepto o F por este ser a parte contra quem é demandada. Tantos os autores como o réu são partes legítimos.
    Contudo, a partir do momento de desistência, a G deixou de ser parte do processo.
    Trata-se de caso de litisconsórcio necessário em que se exige a intervenção de todos os sujeitos da relação material controvertida, a falta de qualquer dele conduz à ilegitimidade dos autores.
    Nestes termos e fundamentos, ao abrigo do disposto do art° 413°, n.º l , alínea e) e art° 414°, todos do C.P.C.M., julga-se verificada a excepção da ilegitimidade e, em consequência, absolvendo o réu da presente instância.
    Custas pelos autores. (art° 376°, n.º 1 do C.P.C.)
    Registe e notifique. “
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por saber se estamos perante uma situação de litisconsórcio activo necessário na acção em que as quatro autoras, herdeiras legitimárias de sua mãe, H, pretendem a declaração de nulidade do acto de transmissão de dadas acções da S......M (Sociedade de ...... de Macau), por falta de forma, doadas pela falecida ao réu, F, seu filho, e irmão das autoras.
    Tendo uma das autoras vindo desistir da instância nessa acção, desistência aceite pelo R., a Mma Juíza entendeu que se estava perante uma situação de litisconsórcio activo necessário, já que a falta de uma delas gerava uma situação de ilegitimidade activa, conducente à absolvição da instância do R., não podendo a acção prosseguir apenas com as restantes autoras.
    Quid juris?
    A questão afigura-se de alguma simplicidade e passa, no fundo, por saber quais os actos que os herdeiros podem praticar em conjunto ou separadamente, já que foi com base no artigo 1929º do CC que a Mma Juíza se louvou para decidir como decidiu.
    
    2. Atentemos no excerto do despacho pertinente:
    “Na perspectiva dos autores, com a nulidade do negócio jurídico em litígio, as acções transmitidas seriam restituídas para a H, as quais constituiriam parte integrante da herança deixada por esta, daí se resulta a sua legitimidade para demandar.
    Nos termos do n.º l do art° 1929°do C.C., "Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art° 1916°, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros."
    Flui do preceito acima transcrito que a acção destinada para a declaração da nulidade do negócio jurídico cujo objecto faz parte da herança deve ser exercida conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
    Portanto, a intervenção de todos os herdeiros resulta expressamente da lei, o presente caso trata-se de litisconsórcio necessário e não voluntário, nos termos do art° 6l° do C.P.C..”
    
    3. Defendem os recorrentes que era do conhecimento funcional do Tribunal a quo, no processo de inventário n° CV2-01-0007-CIV, pendente no mesmo juízo, que as acções cuja transmissão se discutia não faziam parte da herança.
    Se as mencionadas acções não integram a herança, e por isso não podem ser objecto de discussão em sede de inventário, como pode agora considerar-se que a integram, de modo a exigir a intervenção processual simultânea de todos os herdeiros, interrogam-se as recorrentes.
     De facto, ainda que se considerasse que as acções em causa constituem efectivamente bens da herança, e que seria objecto dos presentes autos a sua "restituição" à mesma, sempre haveria que concluir que o pedido assim configurado se reconduziria à acção prevista no art. 1916°, n° 1 do CC, a qual pode, nos termos da referida norma, ser intentada separadamente por qualquer dos herdeiros.
    O recorrido, por seu turno, esgrime com a tese do litisconsócio necessário, defendendo a bondade do despacho proferido, relevando o facto de se tratar de bens que, proferida a declaração de nulidade, não deixam de integrar a herança e como tal, tratando-se de direitos relativos à herança só por todos os direitos podem ser exercidos.
    
    4. As recorrentes têm razão.
    Não pelo primeiro dos argumentos, na medida em que, não obstante se terem excluído tais bens da herança, tal não significa que o despacho tenha sido acertado, não sabemos sequer se esse despacho transitou, sempre podendo acontecer que, face a uma nulidade e aos efeitos em que esta opera, ex tunc, ab initio, se venha a considerar que esses bens afinal integram o acervo da herança.
    Mas já se releva o facto de não estarmos perante uma situação integrante da previsão do artigo 1929º, na sua estatuição inclusiva, mas sim na situação exceptiva da sua previsão.
    Expliquemo-nos melhor.
    
    5. Desde logo, não estamos perante uma situação de direitos relativos à herança, mas sim sobre bens eventualmente integrantes da herança. Não está em causa um direito relativo à herança, mas sim um direito em ver reconhecida a invalidade da transmissão de determinados bens, donde esse direito ser tão somente conexo com a herança. Trata-se, no fundo, como dizem Pires de Lima e A. Varela,1 não de um direito da herança, mas sim de um fenómeno periférico da sucessão.
    
    6. Mas mesmo nesta perspectiva, não obstante esta conexão, o certo é que o artigo 1929º do CC salvaguarda as situações do artigo 1916º do CC que estabelece:
    “1. Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro.
2. O disposto no número anterior não prejudica o direito que assiste ao cabeça-de-casal de pedir a entrega dos bens que deva administrar, nos termos do capítulo seguinte.”
    Reconhece-se aqui a legitimidade de cada um dos herdeiros para, por si, sem a intervenção dos demais pedir os bens que estejam em poder de terceiro, sem que este lhe possa opor qua falta de titularidade da coisa por inteiro.
    Trata-se de questão que tem sido debatida nos Tribunais, sendo pacífico, em termos de Jurisprudência Comparada2 e da Doutrina3, que esse direito assiste a qualquer dos herdeiros que aja por si, desacompanhado dos demais, particularmente até em acções reais, quando prevista legalmente tal possibilidade, onde até objecções de outra índole se poderiam colocar.
     Diga-se que a situação prevista no indicado art. 1916° do CC constitui justamente uma das excepções à previsão do art. 1929°, n° 1 do mesmo código, invocada na decisão a quo em abono da solução que propugnou.
    
    7. O que se discute na presente acção é a nulidade de um negócio de transmissão de acções, por preterição dos respectivos requisitos legais, em que a consequência da peticionada declaração de nulidade se traduz na restituição de tais acções à esfera patrimonial da transmitente, e que, por óbito desta passem a integrar os ditos bens.
    Repare-se que o herdeiro não está a peticionar um direito, para si, sobre bens eventualmente integrantes da herança; fá-lo, no interesse desta, dessa actuação vindo a beneficiar todos os co-herdeiros que não são, assim, prejudicados com essa actuação.
    
    8. Mais se anota que a legitimidade de petição de bens da herança, nem sequer se confunde com a acção de reivindicação, onde a legitimidade do autor se aferirá pela invocada titularidade real sobre a coisa (o que não acontece no presente caso), sendo que, mesmo neste caso, o consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro – art. 1301º, n.º 2 do CC.4
    A questão já se colocava aquando da pretérita redacção do artigo 28º do CPC, a propósito do parág. único, onde se estabelecia que “qualquer sócio, herdeiro ou comparte em cousa comum ou indivisa pode oedir a totalidade dessa cousa em poder de terceiro, sem que este possa opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro”.
    O Prof. Alberto dos Reis5 dava-nos conta da correcta interpretação da norma, entretanto revogada - na medida em que se entendeu ser de natureza substantiva e inserta noutras norma (1405º, n.2, 1286, n.º1, 538º e 2078 do CC, do CC pré-vigente)6-, permanecendo, no entanto, válida a hermenêutica do preceito, no sentido de que que a norma visaria não só as acções reais, como ainda as acções pessoais em que se não visasse o pagamento de uma dívida, mas sim aquelas destinadas à entrega da coisa.
    
    9. Ora, no caso em apreço, o fim último de eventual declaração de nulidade traduz-se na restituição dos referidos títulos à herança, tratando-se de uma acção pessoal - por contraposição à acção real - , tendo por base uma viciação formal do negócio, o que, face ao disposto no art. 279° do CC, não deixa de poder ser invocada por qualquer interessado, a todo o tempo, podendo até ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
    O que reforça a legitimidade das autoras, enquanto herdeiras, para prosseguirem nos autos, desacompanhadas da desistente.
    
    10. Numa outra perspectiva, até se pode considerar que, na situação em concreto, o interesse subjacente à defesa de um interesse comum que passasse pela presença de todos os herdeiros, enquanto interessados na herança, nem sequer deixa de estar acutelado, porquanto todos eles deixaram de estar na acção ou nela terão tido intervenção, ainda que em posições processuais divergentes ou antagónicas.
    11. Nesta conformidade, o recurso não deixará de proceder, importando, assim, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, não obstante a desistência da instância da A. G, ordene o prosseguimento dos autos.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em conformidade, revoga-se a decisão proferida, enquanto considerou as autoras não desistentes parte ilegítima na acção, devendo esta prosseguir os seus termos.
    Custas pelo recorrido.
Macau, 25 de Julho de 2013,

(Relator) João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - CCA, VI, Reimp. 2010, 152 (em anotação ao artigo 2091º
2 - Ac. do STA, proc. n.º 01425/02, de 17/10/04; Ac. RL, proc. n.º 9785/11.8TBOER.L1-6, de 11/5/12; RP, BMJ381º, 748; RL CJ1994, 2º, 131
3 -Oliveira Ascensão, Sucessões, 1989, 496
4 - Anotando-se aqui Jurisprudência comparada que afasta a possibilidade de reivindicção apenas pelo cabeça de casal, reclamando-se a presença de todos os herdeiros - Ac. STJ, proc. n.º 158/1999.S1, de 10/6/2009; proc. n.º 05B433de 17/3/2005
5 - CPC Anot., I, Reimp. 2004, 91
6 - Rodrigues Bastos, Notas ao CC, VII, 2002, 296
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