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Recurso nº 627/2008
Recorrentes: A
B
Recorridos: C
D





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   C e mulher D, casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes em Macau, contra A, casado com E no regime da separação de bens, residente em Macau, vêm propor acção declarativa em processo comum pedindo:
a. Ser declarada a nulidade da compra e venda da quota de 54/107 avos da fracção autónoma “LR/C” do prédio descrito sob o n.º XXX a fls. 109v. do livro B115, titulada pela escritura de 18 de Fevereiro de 2000, lavrada a fls. 38 do livro 115 do cartório da Notária Privada Drª Manuela António;
b. Ser ordenado o cancelamento da inscrição n.º 10808G da aquisição fundada na mesma escritura;
c. Ser declarado que as compras e vendas tituladas pelas escrituras de 25 de Abril de 2003, lavrada a fls. 44 do livro 5, e de 21 de Outubro de 2004, lavrada a fls. 30 do livro 13, ambas no cartório do Notário Privado Dr. Hugo Ribeiro Couto - a que correspondem as inscrições prediais n.º 72579G e n.º 96859G -, valem com o sentido, respectivamente, de venda da totalidade e de venda de metade da mesma fracção autónoma;
d. Serem, em consequência, os AA. reconhecidos e declarados como os actuais únicos proprietários da mesma fracção autónoma.
   Citado o réu, este deduziu a contestação, tendo pedido o chamamento da B, com a sua intervenção principal.
   Foi este pedido deferido e citada a chamada Companhia, esta apresentou a contestação, na qual, por sua vez pediu a intervenção acessória da XX Real Estate Company Limited e da Companhia de Investimento XX Limitada.
   A este pedido os autores opuseram a intervenção acessória requerida.
   Pelo despacho da fl. 215 e verso, foi o pedido da intervenção acessória indeferido.
   
   Proferido o despacho saneador, no qual o Mmº Juiz procedeu o saneamento dos factos articulados, e com a omissão da não decisão, sem relegar para a decisão final, o incidente de falsidade deduzido pelo réu, A, este interpôs recurso ordinário para esta instância, alegando que:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido nos presentes autos, na parte em que se absteve de conhecer, sem relegar para decisão posterior, o incidente de falsidade deduzido pelo ora Recorrente.
II. Salvo o devido respeito, trata-se de um lamentável lapso cometido pelo Meritíssimo Juiz a quo, uma vez que, atento o disposto nos artigos 473º, 474º, 429º e no nº 2 do artigo 563º, todos do CPC de Macau, se impunha de imediato o seguimento do incidente, nomeadamente com a respectiva selecção e inserção na base instrutória dos factos que interessavam à apreciação da arguição.
III. Esta omissão de pronúncia é por si só suficiente para ferir de manifesta nulidade o despacho recorrido, razão pela qual este terá de ser revogado e substituído por outro que, dando seguimento à falsidade arguida, seleccione e adite à base instrutória os factos relevantes, permitindo novo julgamento consciencioso da causa na qual o documento visado influi decididamente.
IV. Na sua contestação o Réu, ora Recorrente, arguiu expressamente a falsidade do contrato-promessa celebrado pelo Autor marido, requerendo a final 《a notificação dos Autores para responderem à arguição de falsidade do doc. 6 junto à petição inicial, nos termo do disposto no nº 1 do artigo 473º do CPC de Macau》;
V. Fê-lo por os Autores alegarem que a escritura pública de compra e venda por eles outorgada em 25/04/2003 corresponde ao cumprimento daquele contrato-promessa.
VI. Apesar da discrepância entre a identidade dos promitentes-compradores e dos outorgantes da escritura pública de compra e venda, bem como dos preços ali mencionados, para não referir já a menção ali exarada de《Este é o contrato com o verdadeiro valor 1991.11.25》, entre outras;
VII. É susceptível de influir na decisão da causa o contrato-promessa que se alega conformar o negócio mencionado numa escritura-pública de compra e venda;
VIII. Por conseguinte, a arguição da falsidade desse contrato é igualmente susceptível de influir no exame ou decisão da causa;
IX. Ora, o despacho saneador tem como fim, entre outras, julgar todas as nulidades, excepções, questões prévias e incidentais para cuja decisão os autos ofereçam já, no encerramento dos articulados, os elementos necessários, para que, “não se gaste tempo, dinheiro e actividade em se organizar um processo volumoso, para depois se deitar tudo abaixo com uma penada”;
X. O disposto no nº 2 do artigo 563º do CPC de Macau obriga o Juiz a decidir no despacho saneador quanto às questões prévias ou incidentais que foram arguidas pelas partes;
XI. Não estando a matéria da questão suscitada suficientemente esclarecida e instruída, o Juiz deverá indicar, pelo menos, que a razão pela qual não decidiu essa questão se prende com a falta de elementos indispensáveis à sua decisão;
XII. O conhecimento de questões prévias ou incidentais não constitui uma simples faculdade do julgador, sujeita a simples critérios de oportunidade ou de conveniência; corresponde outrossim a um dever do juiz, inerente ao princípio geral da economia processual;
XIII. A declaração tabelar《não há nulidades; não há excepções; inexistem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer, nada obstando ao conhecimento do mérito》corresponde à emissão de um juízo abstracto, de mero conteúdo geral e negativo que, desacompanhado, traduz uma omissão de pronúncia se acaso as partes expressamente alegaram qualquer questão prévia ou deduziram incidente de que cumpria conhecer;
XIV. O Meritíssimo Juiz a quo tinha o ónus de conhecer da falsidade arguida pelo Réu, devendo negar ou ordenar o seu seguimento e, neste caso, inserindo ainda na base instrutória os factos que interessavam à apreciação da arguição, relegando a decisão para a sentença final;
XV. Dando-se seguimento à falsidade arguida, importa proceder ao respectivo julgamento a pari passu com a discussão e julgamento da causa, para uma conscienciosa e boa decisão da presente lide;
XVI. 《Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas apoiam a sua pretensão》;
XVII. O Tribunal a quo não se pronuncia se do despacho saneador nada consta relativamente à arguição da falsidade, dela não se conhecendo naquela sede, nem tão pouco se ordenando o seu seguimento ou remetendo o seu conhecimento para momento posterior;
XVIII. A nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° - aplicável ao despacho saneador ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 569.° -, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.º 2 do artigo 563.°, todos do CPC de Macau, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, incluindo questões prévias e incidentais, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;
XIX. Se a 1.ª Instância, em violação do disposto nos artigos 473.°, 474.°, 429.° e 563.°, n.º 2, todos do CPC de Macau, deixa de se pronunciar, em sede de despacho saneador, sobre a falsidade arguida pelo Réu, essa omissão de pronúncia constitui nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.°, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 569.° do mesmo Código;
XX. O Tribunal de Segunda Instância pode, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 630.° do CPC de Macau, substituir-se ao Tribunal Judicial de Base, conhecendo da arguição da falsidade ali não conhecida, determinando o seu seguimento e inserção na base instrutória dos factos relevantes, determinando novo julgamento da causa, por aquela influir no exame ou decisão desta.
Termos em que deve o despacho saneador proferido nestes autos ser revogado e substituído por outro despacho deste douto Tribunal Superior que, dando seguimento à arguição da falsidade, seleccione e adite à base instrutória os factos relevantes, permitindo novo julgamento consciencioso da causa; ou, assim não se entendendo, ser julgado nulo, mais se ordenando ao Tribunal a quo que dê seguimento e conheça da arguição da falsidade de que não conheceu, procedendo a novo julgamento da causa, atento o disposto na parte final do nº 3 do artigo 473º, em conjugação com o nº 1 do artigo 147º do CPC de Macau, com o que se fará Justiça.

   Notificados, em sede do recurso, do recurso interlocutório interposto pelo Réu, os Recorridos C e mulher D, responderam para concluir pela rejeição do recurso, quer por ser um meio inidóneo de impugnação, quer por destituído de objecto, e subsidiariamente pela improcedência em todas as conclusões da douta alegação.

   Realizado o julgamento em audiência, o Colectivo respondeu aos quesitos e finalmente o Mmº Juiz-Presidente decidiu o seguinte:
1. Declarar nula a compra e venda da quota de 54/107 avos da fracção autónoma do 1º piso, designada por “LR/C” do Edifício XX Garden, sito nos n.ºs XXX da Avenida Norte do Hipódromo, n.ºs XXX da Rua dos Hortelãos e n.ºs XXX da Praceta do Bom Sucesso, descrito sob o n.º XXX a fls. 109v do livro B115, titulada pela escritura de 18 de Fevereiro do 2001, lavrada a fls. 38 do livro 115 do cartório da Notária Privada Dra. Manuela António.
2. Ordenar o cancelamento da inscrição n.º 10808G da aquisição fundada na mesma escritura.
3. Declarar que as compras e vendas tituladas pelas escrituras de 25 de Abril de 2003, lavrada a fls. 44 do livro 5, e de 21 de Outubro de 2004, lavrada a fls. 30 do livro 13, ambas no cartório do Notário Privado Dr. Hugo Ribeiro Couto – a que correspondem as inscrições prediais n.º XXX e n.º XXX -, valem com o sentido consignado nas respectivas escrituras públicas e registadas na competente Conservatória.
4. Reconhecer e declarar os Autores como os actuais únicos proprietários da mesma fracção autónoma (piso de estabelecimento).
5. Julgar-se improcedentes os pedidos do Réu e os argumentos da interveniente.
   Com esta sentença não conformaram o réu e a ré interveniente B, recorreram para este Tribunal, alegando respectivamente:
   A:
I. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos presentes autos, constante de fls. 483 e seguintes, no qual se declarou;
a) a nulidade da compra e venda da quota de 54/107 avos da fracção autónoma “L-R/C”, do rés-do-chão e 1º andar, para estacionamento, do prédio melhor identificado nos autos, titulada por escritura de 18/02/2000, outorgada no Cartório da Notária Privada Dra. Manuela António;
b) o cancelamento da respectiva inscrição junto da Conservatória de Registo Predial.
c) que as escrituras outorgadas em 25/04/2003 e 21/10/2004 correspondem, respectivamente, à venda da totalidade e metade da fracção; e, ainda,
d) o reconhecimento dos Autores como actuais únicos proprietários daquela fracção;
II. A interpretação das declarações constantes de escrituras constitui matéria de direito, não podendo as mesmas valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, no que aos negócios formais diz respeito;
III. 《Nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto (...). Isto significa que a letra do negócio (o texto do documento) surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação, optando-se por uma orientação objectiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem》.
IV. Para a existência de simulação, exige a lei a verificação simultânea de três requisitos: a) pactum simulationis; b) animus decipiendi; e, c) divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
V. Porque constitutivos do respectivo direito, o ónus da prova de tais requisitos cabe, segundo as regras gerais nesta matéria (cfr. artigo 335º do CCM), a quem invoca a simulação;
VI. Não ocorrendo o circunstancialismo fáctico integrador dos requisitos enunciados, poderá verificar-se qualquer falta ou vício de vontade, mas não, seguramente, o da simulação;
VII. A verificação de um só requisito não é suficiente para se provar a simulação no contrato de compra e venda celebrado entre a Chamada e o Réu;
VIII. Viola o disposto no n.º 1 do artigo 232º do Código Civil de Macau o acórdão que julga procedente o vício de simulação relativa, quando não se verificam todos os requisitos cumulativamente exigidos naquela norma;
IX. Provada a divergência entre a vontade real e a vontade declarada – mas não a simulação -, há que concluir, prima facie, que estamos perante, um erro de declaração, erro-obstáculo ou obstativo;
X. Estando em causa uma escritura pública, a vontade real não pode valer porque a isso se opõem as razões determinantes das exigências formais para a compra e venda de móveis ou quotas ideais deles;
XI. Porém, a divergência verificada não é necessariamente geradora de nulidade por impossibilidade do objecto;
XII. Sendo as declarações de vontade negocial “condutas comunicativas com pretensões de normatividade”, o vício na sua formação e expressão não justifica a radicalidade sancionatória da nulidade, em face do princípio da confiança, repassado pela boa fé;
XIII. Neste caso, haverá como que uma redução teleológica, através de uma restrição da norma – na sua letra e no seu espírito – chegando a resultados mais justos e negociáveis;
XIV. Os artigos 240º e 243º do CCM prescrevem a anulabilidade do negócio, a qual é sanável mediante confirmação, podendo ser expressa ou tácita e não depende de forma especial.
XV. Uma vez que a anulabilidade se destina a proteger um interesse privado, deve admitir-se que a pessoa que praticou um acto anulável possa, logo que deixe de ter necessidade dessa protecção, confirmar esse acto;
XVI. Há confirmação tácita quando a pessoa a quem caiba o poder de confirmar o negócio anulável, não tendo manifestado a vontade confirmatória de um modo directo, ou imediato, haja, todavia, adoptado um comportamento donde se infira, com toda a probabilidade, o intento de optar pela convalidação do negócio;
XVII. A confirmação sana o negócio e tem eficácia retroactiva.
XVIII. As declarações vertidas nas contestações do Réu e da Chamada Têm que ser entendidas como confirmação tácita do negócio efectivamente realizado pelas partes;
XIX. A retroactividade da confirmação tem lugar inter partes e em face de terceiros, mesmo perante aqueles que pretendam ter adquirido do confirmante direitos sobre o objecto do negócio anulável’;
XX. A escritura pública outorgada pelo Réu em 18 de Fevereiro de 2000 titula um negócio confirmado, sendo inatacável o respectivo registo, razão pela qual o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 228º, 230º, 232º, 243º, 240º, 281º e 335º, todos do Código Civil de Macau;
XXI. Os negócios titulados pelas escrituras de 21 de Outubro de 2003 e 18 de Novembro de 2004, celebrados respectivamente entre a Chamada e os Autores, e entre estes e os Intervenientes, não podem valer com o sentido pretendido pelos Autores, porque não há a mínima correspondência ente a vontade real e a vontade declarada;
XXII. Requerer o depoimento de parte sobre factos co-alegados pela própria parte sem que se tenha por objectivo o reconhecimento de qualquer facto desfavorável, ou cujo ónus de prova recaia sobre a parte contrária, traduz-se num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objecto do meio de prova fixado na lei.
XXIII. Efectuado o controlo em causa através do confronto entre os factos indicados e a proveniência e natureza prova produzida, tudo leva a concluir pela ausência dos ditos requisitos susceptíveis de provocar declarações confessórias e, consequentemente, pela inadmissibilidade do depoimento pessoal recíproco do Interveniente “Co-Autor”;
XXIV. Se a parte alega facto favorável ao seu interesse, não confessa, faz uma afirmação cuja veracidade tem de demonstrar, pela razão simples de que ninguém pode, por simples acto seu, formar ou fabricar provas a seu favor.
XXV. Viola o disposto no artigo 388º do CCM e no n.º 3 do artigo 478º e n.º 1 do artigo 479º, ambos do Código de Processo Civil de Macau, o Tribunal que leva em consideração o depoimento de co-parte favorável à parte que requereu o seu depoimento;
XXVI. 《Se, por exemplo, se pretende vender todo um prédio, mas se declara na escritura de alienação, que o negócio abrange apenas uma parte do imóvel, não pode dizer-se que estão satisfeitas as razões da forma legal, relativamente à parte do prédio não abrangida na declaração documentada.》;
XXVII. Padecem de erro-vício ou erro na declaração as escrituras de 21 de Outubro de 2003 e 18 de Novembro de 2004;
XXVIII. Aqui, contudo, não houve confirmação que sanasse o vício, ao invés do sucedido com o negócio celebrado entre a Chamada e o Réu;
XXVIX. Não há norma legal que possibilidade ao Tribunal a quo declarar que《as compras e vendas tituladas pelas escrituras de 25 de Abril de 2003 (...) e de 21 de Outubro de 2004 (...), valem com o sentido, respectivamente, de venda da totalidade e de venda de metade da mesma fracção autónoma;》;
XXX. Soçobrando a simulação e não havendo na vontade real um mínimo de correspondência no texto, não se vislumbra norma legal alguma que possibilitasse ao Tribunal a quo julgar procedente os pedidos formulados pelos Autores.
XXXI. Não consta do acórdão recorrido uma única linha quanto ao direito dos Autores, mas apenas e tão só quanto ao não-direito do Réu.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se a acção improcedente.
   
   B
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que julgou a acção procedente, e em consequências, (i) declarou nula a compra e venda da quota de 54/107 avos da fracção autónoma do 1º piso, designada por LR/C do Edifício XX Garden, titulada pela escritura de 18 de Fevereiro de 2001, (ii) ordenou o cancelamento da inscrição n.º XXX da aquisição da mencionada escritura, (iii) declarou que as compras tituladas pelas escrituras de 25 de Abril e 18 de Novembro de 2004 (a que correspondem, respectivamente, as inscrições prediais n.º XXX e n.º XXX) valem com o sentido respectivamente de compra e venha de metade da mesma fracção autónoma, bem como (iv) reconheceu e declarou os Autores como actuais e únicos proprietários da mesma fracção autónoma.
2. É desta decisão, salvo o devido respeito, manifestamente ilegal, porquanto padece de vícios, ilegalidades, imprecisões e contrariedades, que vem interposto o presente recurso.
3. Cumpre, antes de mais, e para os efeitos do art. 599º do CPC, especificar os concretos pontos da matéria de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados e as passagens constantes da gravação dos depoimentos das testemunhas que, na opinião da Recorrente, uma vez interpretadas correctamente impunham sobre esses pontos uma decisão diversa da recorrida.
4. A principal questão de facto que a Recorrente impugna tem que ver com a vontade real das partes na escritura datada de 21 de Outubro de 2003, na qual foram outorgantes a ora Recorrente, então representada pela Companhia de Investimento Imobiliário XXX, Limitada, por seu turno representada pela sua mandatária XXX (testemunha da Recorrente), os Autores e o irmão do primeiro Autor. Mais concretamente, as respostas dadas como provadas aos quesitos n.ºs 25, 26 e 28.
5. O Tribunal considerou sumariamente demonstrados os seguintes factos (vide fls. 421): (i) os compradores viram no numerador do número fraccionário “53/107” avos relativo à fracção “LR/C” os 53 lugares de estacionamento objecto do contrato promessa celerado em 1991: (ii) tendo ficado com a impressão de que compraram e lhes foi vendido o mesmo objecto do contrato-promessa: “todo o piso do 1º andar com 53 lugares de estacionamento”, (iii) Na escritura de 21 de Outubro de 2003, a “B” e os compradores quiseram vender e comprar respectivamente a fracção autónoma “LR/C”.
6. Quanto aos fundamentos que o Meritíssimo Juiz a quo referiu como decisivos para a formação da sua convicção os mesmos traduziram-se entre outros “nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, que depuseram com isenção e imparcialidade sobre os quesitos constantes da acta, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.”.
7. Conforme impõe o disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º da supra citada norma legal, passar-se-á a especificar os concretos meios probatórios constantes do processo que, na opinião do Recorrente, impunham uma decisão diversa da recorrida.
8. É evidente que, na ponderação, análise e decisão da matéria factual acima referida, e que ora se impugna, o Meritíssimo Juiz a quo somente pode ter tomado em consideração os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores, tendo ignorado por completo o que foi dito pelas testemunhas arroladas pela ora Recorrente, sendo uma delas a representante que exprimiu a vontade da vendedora na celebração do negócio jurídico.
9. Como tal, são esses os concretos meios probatórios – o depoimento das testemunhas XXX e XXX que, diga-se, depuseram especificamente sobre esta matéria – que correctamente ponderados e valorados apontam em sentido inverso àquele que foi acolhido pelo Meritíssimo Juiz a quo. Ou seja, em face daqueles elementos probatórios deveria, pelo menos, ter-se julgado não provado que a B na escritura de 21 de Outubro de 2003 quis vender a totalidade da fracção autónoma LR/C.
10. A fim de demonstrar o acerto desta posição é necessário transcrever as passagens gravadas do depoimento das referidas testemunhas que sustentam a pretensão da Recorrente, conforme se procedeu no corpo das alegações.
11. Das declarações acima transcritas podem, sem grande esforço, extrair-se os seguintes factos:
- Os Autores tinham perfeito conhecimento que apenas estavam a comprar uma parte fraccionada da fracção autónoma ”LR/C”;
- A vendedora, cuja representante na escritura foi a testemunha XXX, apenas estava a vender metade daquela fracção, o que aliás não poderia ser de outra forma, uma vez que a outra parte já havia sido vendida ao Réu em 2000.
12. Onde está pois o fundamento em que o Meritíssimo Juiz a quo se baseou para considerar que a B em 2003 quis vender a totalidade da fracção autónoma ”LR/C”? Simplesmente não consta dos autos. Aliás, o contrário foi declarado pelas duas testemunhas acima indicadas na prestação dos respectivos depoimentos, as quais lidaram directamente com a execução das escrituras, nomeadamente como representante dos Autores – e sob as instruções destes.
13. Termos em que, deverá ser revogada a decisão de facto proferida a fls. 421 por forma a que, com base nos meios probatórios acima mencionados, designadamente nas passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que acima se transcreveram, passe a ser dado como não provado a resposta aos quesitos n.ºs 25, 26 e 28, nomeadamente, que os Autores ficaram com a impressão de que compraram e que lhes foi vendido o objecto do contrato promessa, assim como que a B quis vender na escritura de 2003 a totalidade da fracção autónoma LR/C.
14. A consequência da revogação da decisão de facto proferida quanto aos supra mencionados pontos concretos da matéria de facto traduz-se na ausência de fundamentos ou requisitos legalmente exigidos para a procedência da acção no que respeita aos pedidos relativos à escritura de 2003 e, consequentemente, à escritura de 18 de Novembro de 2004.
15. Dispõe o n.º 3 do artigo 562º do CPC que “Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer” (realçado da Recorrente).
16. Ora, salvo o devido respeito, há que dizer que, no caso sub judice, o Tribunal não levou a cabo a tarefa de analisar criticamente todas as provas do processo, como lhe é exigido. E, nessa medida, a solução de direito que os Réus preconizaram para a presente lide não foi considerada no seu verdadeiro alcance e plenitude.
17. Em suma, a Recorrente não pode deixar de lamentar a pobreza e falta de precisão da fundamentação que, de uma forma confusa que em nada contribui para o reforço do prestígio das decisões judiciais, resolveu aderir por completo à versão dos Autores, tentando a todo custo justificar-se e esquivar-se sem atender aos factos e às questões que já haviam sido decididas por este mesmo tribunal.
18. Na medida em não foi feita em sede de fundamentação uma análise precisa, completa e crítica de toda a prova produzida nos autos, violou-se de forma frontal o disposto no n.º 3 do artigo 562º do CPC.
19. A sentença ora recorrida padece, ainda, de manifesto erro na sua fundamentação de facto que, salvo o devido respeito, contradiz de forma evidente o que já havia sido decidido por acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 5 de Março de 2008.
20. No Ponto 1, alínea b) da sentença em recurso, o Tribunal refere que “dos dois contratos promessas resulta claramente a conclusão de que o objecto da transacção é diferente: enquanto os Autores compraram os 53 parques do 1º andar, o Réu adquiriu os 54 parques situados no 2º andar”, tendo posteriormente transcrito o conteúdo dos contratos promessa na íntegra. (realçado nosso).`
21. Ora, antes de mais cumpre referir que os promitentes-compradores, pelo menos no contrato promessa relativo ao 1º andar não foram sequer os outorgantes das escrituras públicas, sendo por isso falso que as duas escrituras públicas são consequências necessárias da celebração dos contratos promessa, conforme referido no mesmo Ponto 1, alínea a), não só porque as partes não foram sequer as mesmas, mas também porque houve uma alteração superveniente das circunstâncias.
22. Para além do referido, é demais sabido e consta inclusive dos contratos promessa que o objecto do contrato promessa (conforme refere o próprio nome do contrato) era apenas uma promessa e não uma efectiva compra. Assim, não se entende a afirmação acima transcrita na qual o Tribuna conclui que os Autores compraram os 53 parques do 1º andar e o 1º Réu adquiriu os 54 parques situados no 2º andar.
23. Na análise do contrato promessa relativo ao 2º andar, o Tribunal refere que o negócio está viciado e que o Réu foi enganado.
24. na verdade, como é que o Tribunal pode referir que o Réu foi enganado, se foi dado como provado pelo mesmo que no contrato de concessão do terreno dado de arrendamento à ora Recorrente ficou clausulada a finalidade de estacionamento para os primeiro e segundo andares (cfr. Alínea C) da Matéria de Facto Assente), que os contratos promessa foram celebrados em 1991 e 1992 (cfr. respostas aos quesitos da Base Instrutória n.º s 1, 6 e 9) e que foi constituída a propriedade horizontal sobre o prédio, cuja licença de utilização emitida em 1993 consignou que o segundo andar é parte comum do edifício (cfr. Alínea D), H) e I) da Matéria de Facto Assente).
25. À data da celebração dos contratos promessa, ninguém sabia, nem podia saber que, com a constituição da propriedade horizontal sobre o prédio, que o segundo andar iria ser afecto à área comum do edifício, ao contrário do que havia sido estipulado no contrato de concessão.
26. Assim, o contrato promessa relativo ao segundo andar não é nulo, conforme determina o Tribunal, antes de mais porque no contrato promessa apenas se prometia vender o 2º andar e depois porque àquela data o segundo andar ainda não havido sido consignado como área comum do edifício, caindo por terra a alegada violação dos art.º 1323º, n.º 2, 237º, n.º 1 e 287, todos do Código Civil (doravante “CC”).
27. O Tribunal considera também que neste negócio, agora em causa a escritura pública, houve uma divergência da vontade real e a vontade declarada.
28. Em jeito de comentário ao parágrafo (3) do Ponto 2 da Fundamentação, o Tribunal refere: “o Réu foi contactado e informado que poderia escolher metade do 1º andar, só que todo este andar já tinha sido adquirido pelos Autores (...). Mesmo assim, sabendo todas estas informações, o Réu não se importava e outorgou a respectiva escritura, não curando de saber se esta alteração/ocupação injustificável de objecto traduzia em lesar terceiros.”
29. Ora, salvo o devido respeito, mais uma vez volta a verificar-se a confusão e a falta de precisão na análise dos factos. A metade do 1º andar que foi oferecida ao Réu não havia sido adquirido pelos Autores. Recorde-se que a data da escritura do Réu é bem anterior à escritura dos Autores.
30. Depois, como pode o Tribunal referiu que o Réu sabia de todas estas informações e mesmo assim não se importou e outorgou a escritura alegando simulação relativa, negócio aparente e negócio disfarçado, depois de ter dado como não provado o quesito n.º 18: as partes da escritura de 18 de Fevereiro de 2001, cientes de que a lei lhes vedava a venda do segundo andar do prédio, constituído em parte comum, disfarçaram a impossível venda dessa parte comum no expediente de venda da “quota” de 54/107 avos, desviando esta para a fracção autónoma “LR/C”.
31. Este decisivo lapso do Tribunal é extremamente grave e penalizador para o Réu, representando além do mais um manifesto erro na fundamentação de facto da sentença e a violação do acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 05 de Março de 2000, por manifesta contradição, pelo que a sentença deverá ser anulada.
32. Para além disso, cumpre referir que a falta de ininteligibilidade pelo Tribuna da quota de 54/107 avos e 53/107 avos numa fracção autónoma é surpreendente. Ora, poderá considerar-se que normalmente em fracções autónomas destinadas a estacionamento é usual, que quando se mencionem quotas dessa fracção, o numerador indique o número de parques e o denominador a soma total dos parques existentes nessa fracção.
33. No entanto, nem sempre é assim, imagine-se no caso de compropriedade em que o número de comproprietários é superior aos parques existentes em determinada fracção, aí os avos de cada um traduziriam-se numa proporção diferente, não correspondendo o denominador ao número total de parques.
34. Como acontece no presente caso, que terá que ser tido como um caso especial, a quota de cada um dos Autores e Réu foi o resultado de uma solução de compromisso, uma redução na proporção, conforme é referido na sentença recorrida: “como resulta do depoimento das testemunhas que a solução inicialmente proposta era pôr as partes, os Autores e o Réu, em negociação para tentar chegar a um acordo” que as partes aceitaram e como tal celebraram as respectivas escrituras, tendo efectivamente cada uma das partes comprado cerca de metade da fracção autónoma LR/C.
35. Por outro lado, é de realçar que para além do elenco dos factos respeitantes à escritura dos Autores, não é feita qualquer consideração de direito que permita ao Tribunal decidir que as escrituras de 25 de Abril de 2003 e de 18 de Outubro de 2004 valem, respectivamente, com o sentido de compra e venda da totalidade e de metade da mesma fracção autónoma e, consequentemente, declarar os Autores como actuais e únicos proprietários daquela fracção.
36. Aliás, daí se retira que o Tribunal aderiu levianamente à tese dos Autores, que se baseia numa tentativa de convencer ao celebrarem a escritura de compra e venda de metade da fracção autónoma, viram na quota o número 53 e daí logo retiraram que o que estariam a comprar era a totalidade da fracção autónoma. Se assim fosse, o que estaria referido na escritura seria 53/53 avos e não 53/107 avos! Ora, conforme o Tribunal menciona na própria sentença foi referido por várias testemunhas que a proposta da promitente vendedora foi a de vender cerva de metade da fracção autónoma. Após terem os Autores aceite essa proposta e celebrado a escritura pública é que vêm agora volvidos alguns anos alegar que estavam convencidos que haviam comprado a fracção autónoma na sua totalidade!!!! Não admira que o Tribunal não tenha fundamentado a sua decisão relativamente a estas escrituras, pois é tão descabida esta tese que o direito obviamente não a protege.
37. Caso se entendesse, o que apenas por mera hipótese se admite, que os Autores e o irmão do primeiro Autor queriam ter comprado a totalidade da fracção autónoma e não apenas cerca de metade – que foi o que efectivamente compraram – o Tribunal deveria ter anulado as respectivas escrituras com base no erro na declaração ou na sua transmissão. Sim, porque essa é a solução legalmente prevista – cfr. art. 243º e 240º a 242º do CC. Não cabe, pois, ao Tribunal sobrepor-se à vontade das partes e considerar que aquela escritura de compra e venda celebrada em 2003 vale com um sentido diferente do que se encontra declarado – ampliando o objecto do negócio jurídico.
38. O nosso sistema legal prevê situações em que o negócio jurídico possa ser reduzido ou convertido, quando se entenda que o negócio teria sido concluído sem a parte viciada ou quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade. No entanto, mesmo perante uma situação de redução do negócio jurídico, o que acontece, como ensina Pires de Lima1: “reduzir o negócio significa circunscrever a nulidade de que ele enferma a uma parte do conteúdo, ficando a valer a parte restante. (...) O que fica a vigora é o mesmo negócio, ainda que amputado e não um negócio novo”. Ora, para além de não ser nem sequer um dos casos possíveis para aplicar as disposições da redução ou conversão do negócio jurídico, a verdade é que no nosso ordenamento jurídico não existe a possibilidade de ampliar o objecto do negócio jurídico.
39. Aliás, sem ficar comprovado que ambas as partes de um determinado negócio queriam celebrar outro, o negócio não pode ser assim alterado ao livre arbítrio do Tribunal, como aconteceu no presente caso.
40. Mais, tendo em conta as transcrições dos depoimentos das testemunhas acima mencionadas, a ampliação do objecto do negócio jurídico conforme determinada pelo Tribunal vai contra a vontade de uma das partes outorgantes na escritura, o que é manifestamente violador dos princípios basilares do nosso direito.
Nestes termos, terá de proceder o presente recurso, que acarretará a revogação da sentença ora recorrida.
   
   C e D, resposta às Alegações do recorrente reú, pugnando pela improcedência das conclusões dos Recorrentes e a confirmação da decisão recorrida.
   
   Cumpre decidir.
   Foram colhidos os vistos legais.
   
   À matéria de facto foi dada por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- Existe um prédio urbano composto de rés-do-chão e 25 andares com os nºs 253 a 283 da Avenida XXX, nº 169 a 193 da Rua dos XXX e nºs 5 a 59 da Praceta XXX, descrito sob o nº 22007, a fls. 109v do livro B115, e inscrito na matriz sob o artigo 71624 (alínea A da Especificação).
- O prédio foi construído em terreno concedido por arrendamento à “B”, que se tomou proprietária do edifício (alínea A da Especificação).
- No contrato da concessão ficou clausulada a finalidade de estacionamento para os primeiro e segundo andares, como consta da respectiva inscrição n.º 27496 do livro F37 (alínea C da Especificação).
- Foi constituída a propriedade horizontal sobre o mesmo prédio, que foi inscrita sob o n.º 2660, a fls. 74 do Livro F18M (alínea D da Especificação).
- A fracção autónoma “LR/C” é composta de rés-do-chão e 1º andar (alínea E da Especificação).
- No rés-do-chão, esta fracção só tem a rampa de acesso dos veículos que devem aceder ao 1º andar (alínea F da Especificação).
- O primeiro andar é um piso coberto (alínea G da Especificação).
- O segundo andar ficou a constituir para comum no título constitutivo da propriedade horizontal “para parque de estacionamento privativo de todas as fracções de utilização habitacional” (alínea H da Especificação).
- A licença de utilização do prédio, emitida com o n.º 11/93 em 15 de Janeiro de 1993, consigna que “O estacionamento localizado no 2º andar, é parte comum do edifício” (alínea I da Especificação).
- Este segundo andar é um piso descoberto com 54 lugares de estacionamento (alínea J da Especificação).
- A “Fábrica de Indústria Desportiva XX” é uma empresa em nome individual, sem personalidade jurídica, propriedade do Réu A (alínea L da Especificação).
- Em 18 de Fevereiro de 2000 foi celebrada no cartório da Notária Privada Drª Arminda Manuela da Conceição António, uma escritura de compra e venda na qual a “B” vendeu ao Réu A uma quota de 54/107 avos da fracção autónoma “LR/C”, sendo inscrita no registo predial a correspondente aquisição sob o n.º 10808G (alínea M da Especificação).
- Em 21 de Outubro de 2003 foi celebrada uma escritura pública no cartório do Notário Privado Dr. Hugo Alexandre Ruas Abrantes Ribeiro Couto através da qual a “B” vendeu em comum e partes iguais a C e mulher e a F e mulher G, uma quota de 53/107 avos da fracção autónoma “LR/C”, pelo preço de MOP$856,960.00 (alínea N da Especificação).
- Em 18 de Novembro de 2004 através de escritura pública outorgada perante o Notário Privado Dr. Hugo Ribeiro Couto, F e mulher G venderam aos autores a metade da “quota” de “53/107 avos” da fracção autónoma “LR/C” (alínea O da Especificação).
Da base Instrutória:
- Em 15 de Agosto de 1991 foi celebrado um acordo escrito nos termos constantes da cópia fls. 51 e 52 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 1º).
- Esse acordo foi celebrado entre “XX Real Estate Company Limited” na qualidade de procuradora da “B” e a “Fábrica de Indústria Desportiva XX” propriedade do Réu A (resposta ao quesito 2º).
- Nesse acordo a primeira prometia vender e o segundo prometia comprar o 2º andar do prédio em causa pelo preço de HKD$832,000.00 (resposta ao quesito 3º).
- A “XX Real Estate Company, Limited” era a promotora e agente de vendas do edifício (resposta ao quesito 4º).
- A partir da celebração do acordo referido em 1) o Réu H passou a ter o uso exclusivo dos seus 54 lugares do 2º andar do Edifício em causa (resposta ao quesito 5º).
- Em 23 de Novembro de 1991 foi celebrado um acordo escrito nos termos constantes do documento de fls. 158 e 159 (resposta ao quesito 6º).
- Esse acordo foi subscrito pela “Companhia de Investimento XX, Limitada” como procuradora da “B”, pela “XX Real Estate Company, Limited”, por I, J e K e pela Advogada Drª XXX (resposta ao quesito 7º).
- Nesse acordo a “B“ prometia vender e I, J e K prometiam comprar “todo o piso do 1º andar com 53 lugares de estacionamento”, numerados de 1 a 53 na planta anexa ao contrato, pelo preço de HKD$1,971,000.00 (resposta ao quesito 8º).
- Em 14 de Julho de 1992, I, J e K cederam a sua posição contratual ao Autor C, sendo esta cessão tiulada por averbamento exarado no escrito particular referido em 6), tendo sido subscrito por aqueles, pelo autor, pela “XX Real Estate Company Limited” e pela advogada Drª XXX (resposta ao quesito 9º).
- O 1º andar ao prédio é constituído por 53 lugares numerados conforme consta da planta anexa ao contrato-promessa (resposta ao quesito 10º).
- Em Fevereiro de 1993, completado o pagamento do preço, o Autor C recebeu da “B” os 53 lugares de estacionamento que compõem a fracção (resposta ao quesito 12º).
- Dos quais passou a ter o uso exclusivo até à presente data (resposta ao quesito 13º).
- A quota de “54/107 avos” que consta do negócio a que se alude em M) representa os 54 lugares do 2º andar do acordo a que se alude em 1) (resposta ao quesito 16º).
- Enquanto o denominador 107 da quota é a soma dos lugares de estacionamento dos 1º e 2º andares, nos quais existem apenas, respectivamente, 53 e 54 lugares (resposta ao quesito 17º).
- Aquando do negócio a que se alude em M) o que a “B” quis vender e o Réu A quis comprar forma 54 lugares de estacionamento do 2º andar do Edifício em causa (resposta ao quesito 20º).
- O preço pago por C e mulher e F e mulher G no negócio a que se alude em N) foi de HKD$1,971,000.00, correspondente a MOP$2,035,057.00, o qual havia sido estipulado no contrato-promessa a que se alude em 1) (cfr. fls. 57 a 58) (resposta ao quesito 23º).
- O Autor C pagou aos promitentes compradores cedentes a quantia que estes haviam já pago à vendedora e pagou a esta a quantia em falta no montante de HKD$1,060,450.00 (resposta ao quesito 24º).
- Os compradores viram no numerador do número fraccionário “53/107 avos” relativo à fracção “LR/C” os 53 lugares de estacionamento objecto do acordo a que se alude em 6) (resposta ao quesito 25º).
- Os Autores ficaram convencidos de que compraram e lhes foi vendido o objecto do mesmo contrato-promessa: “todo o piso do 1º andar com 53 lugares de estacionamento”, representado na referida planta integrante do contrato (cfr. fls. 370 a 371) (resposta ao quesito 26º).
- O sentido comummente dado ao numerador nas vendas de lugares de estacionamento pelo sistema de quotas na prática estabelecida no comércio jurídico em Macau é da que a quantidade de parques adquiridos figura no respectivo numerador (resposta ao quesito 27º).
- No negócio a que se alude em N) a “B” e os compradores quiseram vender e comprar respectivamente, a fracção autónoma “LR/C” (resposta ao quesito 28º).
- A colecta de contribuição predial actualmente a cargo dos Autores C e mulher incide sobre os 53 lugares de estacionamento que integram a totalidade da fracção autónoma “LR/C” (cfr. fls. 71) (resposta ao quesito 29º).
- E os Autores pagam, como sempre pagaram desde o início da posse da mesma fracção, as despesas de condomínio correspondentes à sua totalidade (resposta ao quesito 30º).
- No negócio a que se alude em O) o que os vendedores quiseram vender e os compradores quiseram comprar foi a metade da fracção autónoma “LR/C” (resposta ao quesito 31º).
- O contrato de 14 de Julho de 1992, a que se alude em 9), foi celebrado pelo escrito cuja cópia consta de fls. 141 a 143 e que aqui se dá por integramente reproduzido (resposta ao quesito 32º).
- As partes neste contrato vincularam-se às cláusulas que dele constam (resposta ao quesito 33º).
- Os Autores sabiam e sabem que o contrato a que se vincularam é o que se alude em 32) (resposta ao quesito 34º).
- O Réu A desconhecia à data do acordo a que se alude em 1) que o segundo andar do prédio seria afectado às partes comuns do prédio (resposta ao quesito 35º).
- Só anos depois de se ter instalado, o Réu, após ter sido interpelado pelos moradores, soube pela empresa construtora que o 2º andar do edifício estava era parte comum do mesmo (resposta ao quesito 36º).
- O Réu instou o Autor marido a que abandonasse as instalações que este ocupava (resposta ao quesito 42º).
- Provado o que consta de fls. 305, 370 e 373 dos autos (resposta ao quesito 45º).
   
   Conhecendo
1. Delimitação do objecto dos recursos
   Há três recursos interpostos:
   O primeiro, foi interposto pelo réu A do despacho saneador da parte de não conhecer da arguição da nulidade nem relegar para a decisão ulterior;
   O segundo é interposto pelo réu da decisão final que declarou nula a escritura pública de compra e venda de 18 de Fevereiro de 2001 e ordenou o seu cancelamento do seu registo, e a consequente declaração da validade da escritura pública de 25 de Abril de 2003 e de 21 de Outubro de 2004;
   O terceiro interposto pela Intervinte principal provocada Companhia de Investimento Imobiliário Mutural Limitada, impugnando em primeiro lugar a decisão da matéria de facto de fl. 419 e ss, nomeadamente da resposta ao quesito nº 25º, 26º e 28º e em segundo lugar, da insuficiência da fundamentação da sentença e da contradição entre a decisão sobre a matéria de facto e a decisão recorrida.
   
2. Do recurso interlocutório
   Quanto ao primeiro recurso, face ao despacho do Mmº Juiz titular do processo de fls. 163 a 164, que na última parte pronunciou expressamente que “quanto ao incidente de falsidade, oportunamente nos pronunciaremos”, que não podia deixar de ser entendido com uma relegação para o conhecimento ulterior até à decisão final, afigura-se ser manifestamente improcedente o recurso ora interposto.
   Efectivamente como a próprio réu veio reconhecer a existência das duas versões do contrato – Versão A e Versão B – que consistem tão só a deferência do preço, não haverá lugar em bom rigor uma verdadeira falsidade, por ambas eram verdadeiras (podendo embora ter vício na declaração negocial – reserva mental ou simulação relativa). Ainda por cima, enquanto o questionário nº 23 veio precisamente para este efeito e a resposta a este questionário (fl. 421), o Tribunal não omitiu a pronúncia sobre a questão.
   Impõe-se a improcedência do recurso interlocutório.
   
3. Recursos da decisão final
   Quanto aos recursos da decisão final, cumpre conhecer as seguintes questões:
   Do recurso do réu A:
- Nulidade do negócio pela simulação;
- Erro de declaração ou erro – obstáculo
- Prova por confissão – depoimento das partes
   Do recurso da Companhia Mutural:
   - Julgamento da matéria de facto na resposta aos quesitos nº s 25, 26 e 28.
   - Deficiência e insuficiência da fundamentação, com a violação do disposto no artigo 562º nº 2 do Código de Processo Civil;
   - Contradição entre a decisão sobre a matéria de facto e a decisão recorrida, por ter o Tribunal partido de pressupostos errados para a decisão da matéria em causa, contrariando obviamente à decisão no acórdão proferido na resposta aos quesitos.
   
   Como ambos os recorrentes assacaram contra a decisão da matéria de facto, em princípio esta questão deveria ser apreciada em primeiro lugar, pois a sua decisão pressupõe a decisão de direito, porém, por a questão que se colocou quer pelo recorrente A quer pela recorrente Companhia, tem a ver com a vontade real das partes na escritura datada de 21 de Outubro de 2003, na qual foram outorgantes a Recorrente Companhia, então representada pela Companhia de Investimento Imobiliário XX, Limitada, por seu turno representada pela sua mandatária XXX (testemunha da Recorrente), os Autores e o irmão do primeiro Autor, mais concretamente, as respostas dadas como provadas aos quesitos nºs 25, 26 e 28, com base nos depoimentos das testemunhas e do ilegal depoimento das partes.
   Os autores propuseram a presente acção com fundamento tão só da simulação do contrato. Não podemos deixar de adiantar que, se este fundamento caísse, ou seja, não se verificasse a simulação, cai logo a consequente decisão sobre a declaração vontade real das partes. Os recorrentes, sendo réus, não só não invocaram o alegado erro na sua contestação, nem tinha deduzido o pedido reconvencional, não pode, agora por meio de recurso, levantar uma nova questão da que o Tribunal a quo nunca poder conhecer, por não tinham sido invocada a causa de pedir que pudesse provocar a aplicação do instituto do erro-vício ou erro de declaração.
   Ou seja, a decisão da presente acção só pode ser, no caso da procedência do recurso, revogação da decisão que declarar nulo o negócio contido na escritura pública de 18 de Fevereiro de 2000, já não o reconhecimento da mesma como declaração da vontade real das partes nele participantes.
   Pelo que, a primeira questão a que cumpre conhecer será a decisão que declarou nulo o negócio da compra e venda de 54/107 avos da Fracção autónoma “L-R/C e do cancelamento do respectivo registo.
   
   Para conhecer melhor das questões ora elencadas, não podemos deixar de resumir a história do que aconteceu:
   
   1. Em 15 de Agosto de 1991 foi celebrado um acordo escrito nos termos constantes da cópia fls. 51 e 52, celebrado entre “XX Real Estate Company Limited”, promotora e agente de vendas do edifício, na qualidade de procuradora da “B” e a “Fábrica de Indústria Desportiva XX” propriedade do Réu A, uma empresa em nome individual, sem personalidade jurídica, propriedade do Réu A, em que a primeira prometia vender e o segundo prometia comprar o 2º andar do prédio em causa pelo preço de HKD$832,000.00.
   A partir da celebração deste acordo, o Réu H passou a ter o uso exclusivo dos seus 54 lugares do 2º andar do Edifício em causa.
   2. Em 23 de Novembro de 1991 foi celebrado um acordo escrito nos termos constantes do documento de fls. 158 e 159, subscrito pela “Companhia de Investimento XX, Limitada” como procuradora da “B”, pela “XX Real Estate Company, Limited”, por I, J e K e pela Advogada Drª XXX, pelo qual a “B“ prometia vender e I, J e K prometiam comprar “todo o piso do 1º andar com 53 lugares de estacionamento”, numerados de 1 a 53 na planta anexa ao contrato, pelo preço de HKD$1,971,000.00.
   Em 14 de Julho de 1992, I, J e K cederam a sua posição contratual ao Autor C, sendo esta cessão titulada por averbamento exarado no escrito particular, tendo sido subscrito por aqueles, pelo autor, pela “XX Real Estate Company Limited” e pela advogada Drª XXX.
   Em Fevereiro de 1993, completado o pagamento do preço, o Autor C recebeu da “B” os 53 lugares de estacionamento que compõem a fracção, dos quais passou a ter o uso exclusivo até à presente data.
   3. Neste objecto dos contratos de promessa de compra e venda, foi constituído um prédio urbano composto de rés-do-chão e 25 andares, com os nºs 253 a 283 da Avenida XXX, nº 169 a 193 da Rua dos XXX e nºs 5 a 59 da Praceta do XXX, descrito sob o nº 22007, a fls. 109v do livro B115, e inscrito na matriz sob o artigo 71624, e terreno encontra-se concedido por arrendamento à “B”, que se tomou proprietária do edifício. No contrato da concessão ficou clausulada a finalidade de estacionamento para os primeiro e segundo andares, como consta da respectiva inscrição n.º 27496 do livro F37.
   Foi constituída a propriedade horizontal sobre o mesmo prédio, que foi inscrita sob o n.º 2660, a fls. 74 do Livro F18M. A fracção autónoma “LR/C” é composta de rés-do-chão e 1º andar. No rés-do-chão, esta fracção só tem a rampa de acesso dos veículos que devem aceder ao 1º andar. O primeiro andar é um piso coberto. O segundo andar ficou a constituir para comum no título constitutivo da propriedade horizontal “para parque de estacionamento privativo de todas as fracções de utilização habitacional”.
   A licença de utilização do prédio, emitida com o nº 11/93, em 15 de Janeiro de 1993, consigna que “O estacionamento localizado no 2º andar, é parte comum do edifício”. Este segundo andar é um piso descoberto com 54 lugares de estacionamento.
   O denominador 107 da quota é a soma dos lugares de estacionamento dos 1º e 2º andares, nos quais existem apenas, respectivamente, 53 e 54 lugares.
   4. Em 18 de Fevereiro de 2000 foi celebrada no cartório da Notária Privada Drª XXX, uma escritura de compra e venda na qual a “B” vendeu ao Réu A uma quota de 54/107 avos da fracção autónoma “LR/C”, sendo inscrita no registo predial a correspondente aquisição sob o n.º 10808G (alínea M da Especificação).
   A quota de “54/107 avos” que consta do negócio representa os 54 lugares do 2º andar do acordo de 15 de Agosto de 1991.
   5. Em 21 de Outubro de 2003 foi celebrada uma escritura pública no cartório do Notário Privado Dr. XXX através da qual a “B” vendeu em comum e partes iguais a C e mulher e a F e mulher G, uma quota de 53/107 avos da fracção autónoma “LR/C”, pelo preço de MOP$856,960.00 (alínea N da Especificação).
   6. Em 18 de Novembro de 2004 através de escritura pública outorgada perante o Notário Privado Dr. XXX, F e mulher G venderam aos autores a metade da “quota” de “53/107 avos” da fracção autónoma “LR/C” (alínea O da Especificação).
   7. Os Autores sabiam e sabem que o contrato a que se vincularam é o contrato de 14 de Julho de 1992, celebrado pelo escrito cuja cópia consta de fls. 141 a 143, e ficaram convencidos de que compraram e lhes foi vendido o objecto do mesmo contrato-promessa: “todo o piso do 1º andar com 53 lugares de estacionamento”, representado na referida planta integrante do contrato.
   Os autores pagam, como sempre pagaram desde o início da posse da mesma fracção, as despesas de condomínio correspondentes à sua totalidade
   O Réu A, à data do acordo de 15 de Agosto de 1991, desconhecia que o segundo andar do prédio seria afectado às partes comuns do prédio. Mas só anos depois de se ter instalado, o Réu, após ter sido interpelado pelos moradores, soube pela empresa construtora que o 2º andar do edifício estava era parte comum do mesmo.
   
   Destes factos provados, demonstram-se que, no início, houve dois negócios paralelos: contratos de promessa de compra e venda dos imóveis distintos, um dos 54 lugares de estacionamento situados no 2º andar e outro dos 53 lugares de estacionamento situados no 1º andar.
   Independentemente da alegada existência de duas versões do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 14 de Julho de 1992, trata-se do negócio distinto do de 15 de Agosto de 1991.
   Só que no momento da escritura pública da compra e venda prometidas, os sujeitos quem celebrou o negócio de 15 de Agosto de 1991 celebraram o contrato definitivo em 18 de Fevereiro de 2000 (fl.377) pelo qual o vendedor vendeu os 54/107 lugares descritos como “LR/C” que de facto é composta, pela descrição predial, de rés-do-chão e 1º andar (no rés-do-chão, esta fracção só tem a rampa de acesso dos veículos que devem aceder ao 1º andar) e quem celebrou o negócio de 14 de Julho de 1992 assinou o contrato definitivo em 21 de Outubro de 2003 pelo qual o vendedor vendeu os 53/107 lugares descritos como “LR/C”.
   Os autores, promitentes compradores do negócio de 14 de Julho de 1992 e dos compradores do contrato definitivo em 21 de Outubro de 2003, invocando os seguintes fundamentos para a declaração da nulidade da escritura pública de 18 de Fevereiro de 2000 e a consequente cancelamento do registo:
   - fraude à lei,
   - simulação do contrato e
   - impossibilidade do objecto no negócio dissimulado.
   Por sua vez, o Mmº Juiz Presidente na sentença ora recorrida pecou o instituto de simulação, julgou procedente a acção e declarando nula a escritura em mira.
   Quanto à questão da simulação, não podemos deixar de considerar que, ao contrário do decidido, assiste razão aos ora recorrentes, já que com os factos alegados na p.i. e provados, é manifestamente impossível para o preenchimento dos pressupostos legais da simulação, previstos nos artigos 232º e 233º do Código Civil, já que se não mostra alegado um facto essencial: para além do facto de ter a divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declarada, o intuito de enganar (ou de enganar e prejudicar) terceiros.
   Prevê o artigo 232º do Código Civil que:
   “1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
   2. O negócio simulado é nulo.”
   E prevê o artigo 233º (Simulação relativa) que:
   “1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
   2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.
   3. Para efeitos do número anterior, considera-se suficiente a observância no negócio simulado da forma exigida para o dissimulado, contanto que as razões determinantes da forma do negócio dissimulado não se oponham a essa validade.”
   Tanto a intenção como o intuito de enganar terceiros, que o interessado na declaração de nulidade do negócio simulado tem de provar, constituem questão de facto (artigos. 232º e 335º do Código Civil). E essa referida intenção, tal como qualquer outra questão de facto em que esteja em causa verificar estados de natureza psíquica, tanto pode ser quesitada autonomamente como em conjunto com os factos alegados que exprimem as manifestações exteriores da vontade, admitindo-se também que a intenção não seja sequer objecto de quesitação, sendo-o apenas os factos alegados que a revelam.2
   Se não tiverem sido alegados nenhuns factos exteriores reveladores do engano que decorreu para terceiros em consequência da divergência entre a vontade real e a declarada e um tal engano não for inferível designadamente dos factos descritivos dessa divergência, não deixa a intenção de enganar obviamente de continuar a constituir questão de facto, mas, dada a sua essência conclusiva, em tais particulares circunstâncias, a sua quesitação não será admissível por estar inviabilizado determiná-la por ausência de factos respeitantes à própria ocorrência enganosa.3
   Omitiram totalmente alegar factos que corporizassem o essencial intuito de enganar terceiros, não sendo obviamente possível ao tribunal (para mais na fase de recurso), por evidente colisão com o princípio dispositivo, considerar suprida tal omissão de alegação do interessado,4 tendo por preenchida a figura da simulação, apesar de o autor não ter alegado um facto inquestionavelmente situado no núcleo essencial da causa de pedir de uma acção de declaração de nulidade por simulação.
   Nem sequer pode considerar o negócio do contrato-promessa de 14 de Julho de 1992 e da escritura pública de 21 de Outubro de 2003 ser negócio dissimulado do contrato-promessa de 15 de Agosto de 1991 e da escritura pública de18 de Fevereiro de 2000, por se tratarem negócios distintos.
   Nesta conformidade, não tendo sido verificados todos os requisitos da simulação, não é de recolher e se manter a decisão da nulidade do negócio por simulação.
   Chegado aqui, parece que deve ser revogada a decisão e em consequência revogar todas as decisões derivadas desta decisão, nomeadamente o cancelamento do respectivo registo da escritura pública, bem assim o reconhecimento da declaração correspondente à vontade real das partes, pois perdeu-se a base legal para a procedência dos mesmos pedidos, mas o problema não pára aqui, pois, com a matéria de factos provados respeitantes à 1ª escritura pública, cumpre o Tribunal a conhecer de uma questão de que podia conhecer, a título oficioso: o negócio contido nesta escritura pública padeceu da nulidade pelo vício de impossibilidade legal do objecto, questão essa que tinha sido objecto de pronúncia expressa nas respectivas alegações recursórias.
   
   Se não vejamos.
   Do conteúdo da escritura pública de 18 de Fevereiro de 2000, a B declarou vender ao réu A 54/107 avos de fracção autónoma designada por LR/C do r/c e 1º andar para estacionamento.
   O tribunal a quo deu expressamente provado o facto importante com a resposta ao quesito 20º:
   “Aquando do negócio a que se alude em M) (alínea M da Especificação que se disse que: “Em 18 de Fevereiro de 2000 foi celebrada no cartório da Notária Privada Drª XXX, uma escritura de compra e venda na qual a “B” vendeu ao Réu A uma quota de 54/107 avos da fracção autónoma “LR/C”, sendo inscrita no registo predial a correspondente aquisição sob o n.º 10808G) o que a “B” quis vender e o Réu A quis comprar forma 54 lugares de estacionamento do 2º andar do Edifício em causa.
   O julgamento deste facto não tinha sido objecto de qualquer impugnação, deve assim ser uma das bases fácticas para a decisão da causa, bem como o presente recurso.
   Sendo esta a vontade das partes na venda das 54/107 avos de lugares de estacionamento do 2º andar, trata-se uma impossibilidade legal do objecto, por o objecto da venda ser parte comum do edifício, “privativo de todas as fracções de utilização habitacional”(inscrição nº 2660, do L F18M).
   Mesmo sem a matéria de facto dada como assente pela resposta ao quesito nº 20º, a venda de 54/107 avos de lugares de estacionamento do designado “LR/C” do R/C e do 1º andar também seria um negócio configurador da impossibilidade do objecto, pois o designado LR/C que é composto pelo rés-do-chão, a rampa de acesso dos veículos que devem aceder ao 1º andar e este, que é um piso coberto e tem apenas 53 lugares de estacionamento. Quer dizer o objecto da venda não correspondeu ao objecto que está registado.
   A este propósito não podemos deixar de referir o seguinte:
   Um, do registo predial resultou um manifesto equívoco, pois, se o 2º andar fosse parte comum do edifício, os números dos primitivos lugares de estacionamento constante do contrato de promessa (que fora celebrado no momento em que as partes desconheceram esse facto) não poderia mantinha no registo como referência de todos os lugares de estacionamento, disponível para a venda.
   Dois, pior ainda, das inscrições nºs 72579G e 96859G, constam respectivamente que as partes adquiriram os 53/214 avos referiam 214 lugares de estacionamento.
   Feita esta referência, pretendemos apenas dizer que a remoção desta deficiência do registo não está no nosso alcance, mormente por não se delimitar como objecto dos recursos nem como questões de que este Tribunal podia conhecer oficiosamente, devendo as partes promover a sua solução em sede própria.
   Ainda a este propósito, devemos dizer a falta da razão do recurso da B:
   Por um lado, na impugnação da decisão pela contradição entre a decisão da matéria de facto e a decisão recorrida, pois, a recorrente por um lado afirmou que “sendo falso que as duas escrituras públicas são consequências necessárias da celebração dos contratos promessa … porque houve uma alteração superveniente das circunstâncias … ”;
   Por outro lado, ao impugnar a consideração por nulo o negócio do contrato promessa de venda de 54 lugares do 2º andar, defendendo que à altura as partes não sabia nem podia saber que com a constituição da propriedade horizontal sobre o prédio que o segundo andar é parte comum do edifício.
   Num polo, já não seria relevante o desconhecimento do facto de ser parte comum no momento do contrato de promessa, ainda que aceitássemos a tese dos recorrentes as duas escrituras públicas são consequências necessárias da celebração dos contratos promessa, não poderiam dizer que no momento das escrituras públicas não tinham conhecimento de tais factos, quando já deveriam tê-lo dos elementos constantes da licença de utilização.
   Noutro polo, independentemente do facto constante da resposta ao quesito nº 20, as partes da escritura de 18 de Fevereiro de 2000, sendo impossível proceder à venda prometida dos lugares de estacionamento do 2º andar (alegando, no recurso, haver alteração das circunstâncias), resolveram por alterar a venda prometida do 2º andar para a do R/C e do 1º andar, esquecendo de um facto de que as mesmas não poderiam desconhecer, que na fracção designada “LR/C” só se compuseram 53 lugares de estacionamento.
   Quer um quer outro, afigura-se o negócio da escritura pública de 18 de Fevereiro de 2000 ser da prestação impossível do objecto, o que conduz a nulidade do mesmo nos termos do artigo 395º do Código Civil, por isso, deve este Tribunal, a título oficioso, declarar nulo o negócio contido da escritura pública de 18 de Fevereiro de 2000, nulidade esta que conduz à consequência do cancelamento do respectivo registo feito.
   É de manter a decisão das 1ª e 2ª partes, com fundamento algo diverso da decisão recorrida, improcedendo os recursos interpostos pelos réus e a interveniente Companhia, nestas partes.
   
   Decididas estas questões, já não seria necessária apreciar dos restantes pedidos, uma vez que, por um lado, vendo declarado nulo o negócio cujo objecto estava em conflito com o negócio a que os autores pretendiam validar, fica erecto o seu negócio feito pela escritura pública de 21 de Outubro de 2003, por outro, tal como acima ficou consignado, os réus não invocaram na contestação o erro de declaração incorrido neste negócio, que se afigura ser absolutamente uma nova questão para o Tribunal, nem deduziu reconvenção com intuito de invalidar o mesmo negócio.
   Quer isto implicar que, embora os recorrentes pudessem impugnar a decisão na apreciação dos últimos dois pedidos, já não podiam impugnar uma decisão com os fundamentos de que se configura questões de que este Tribunal não podia conhecer. Ou seja, com a decisão acima tomada, afiguram-se manifestamente improcedentes os recursos da restante parte.
   
   Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em:
   - Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo réu A, custas nesta parte pelo recorrente.
   - Negar provimento aos recursos interpostos pelo réu A e pela chamada B, mantendo-se a decisão, na íntegra, embora com fundamento algo diverso.
   Custas pelos recorrentes.
RAEM, aos 11 de Julho de 2013
  Choi Mou Pan
  João A. G. Gil de Oliveira
  Ho Wai Neng
1 In Pires de Lima, Jur. Rel. 14º - 197.
2 Vide o acórdão do STJ de Portugal de 2012-10-16 proferido no processo nº 649/04.2TBPDL.L1.S1.
3 Id. sup.
4 Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pag. 585.
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