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Processo nº 412/2013 Data: 26.07.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de auxílio (qualificado).
Vantagem patrimonial.


SUMÁRIO

Comete o crime de “auxílio” (qualificado) p. e p. pelo n.° 2 do art. 14°, da Lei n.° 6/2004, o arguido que transporta pessoas indocumentadas para Macau a troco de pagamento de quantias monetárias acordadas, ainda que este pagamento seja, num primeiro momento, efectuado a terceiros e não directamente ao arguido.

O relator,

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José Maria Dias Azedo
Processo nº 412/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Digno Magistrado do Ministério Público requereu o julgamento de a (XXX) e B (XXX), com os sinais dos autos, imputando-lhes a prática em co-autoria de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004; (cfr., fls. 54 a 55, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

Realizado o julgamento, e não obstante provada ter ficado toda a factualidade imputada aos arguidos, decidiu o Tribunal que aquela integrava tão só o crime de “auxílio (simples)” do n.° 1 do mencionado art. 14° da Lei n.° 6/2004; (cfr., fls. 111 a 115).

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Inconformado, o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorreu, imputando à decisão recorrida o vício de “erro de direito” e pedindo a condenação dos arguidos nos termos constantes da acusação deduzida; (cfr., fls. 125 a 129).

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Em resposta, pugna o arguido pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 131 a 135).

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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte Parecer:

“Em 29/11/2012, A e B, ora arguidos foram acusados pelo Ministério Público pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 crime de auxílio p.° p.° no art.° 14 n.° 2 da Lei 6/2004, de 02/08.
Em 31/05/2013, os dois arguidos foram condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 1 crime de auxílio p.° p.° no art.° 14 n.° 1 da Lei 6/2004, de 02/08, na pena de prisão efectiva de 3 anos, sendo provados todos os factos constantes da acusação do Ministério Público.
Na fundamentação do acórdão, o Tribunal a quo apontou que foi apenas dada como facto provado a intenção de obter vantagem ou benefício dos arguidos, mas não dado como facto provado o recebimento de tal vantagem com sucesso, requalificando assim o crime imputado aos arguidos pela acusação.
Inconformado com a decisão, vem a Digna Magistrada do Ministério Público recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, considerando que houve errada qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos, pugnando pela sua condenação de 1 crime de auxílio p°. p°. pelo art.° 14 n.° 2 (e não n.° 1) da Lei n.° 6/2004.
Atenta a matéria de facto dada como provada, cremos que o recurso deve ser julgado procedente.
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Permitimo-nos citar, desde já, os ilustres acórdãos proferidos pelo Tribunal de Segunda Instância, respectivamente a seguir:
"Não obstante não receber dinheiro dos ilegais, não deixa de se mostrar integrada a previsão típica do crime do n. ° 2 do art. 14° da Lei 6/2004, de 2 de Agosto de 2004, se o arguido conluiado com outrém foi enviado para Macau para tratar de encaminhar imigrantes ilegais que pagaram por essa vinda aos co-agentes do arguido no Interior da China." (no Proc. n.° 528/2010, 22/07/2010) ; e
"Comete o crime de "auxílio" (qualificado) p. e p. pelo n. ° 2 do art. 14°, da Lei n. ° 6/2004, o arguido que transporta pessoas indocumentadas para Macau a troco de pagamento de quantias monetárias acordadas, ainda que este pagamento seja, num primeiro momento, efectuado a terceiros e não directamente ao arguido." (Proc. n.° 913/2012, de 28/02/2013)
Além do mais, ao estudar os projectos das leis relativo ao combate à imigração clandestina, especialmente da Lei 2/90/M que foi revogada pela vigente Lei n.° 6/2004, sabemos que existe uma remissão dos conceitos e critérios da vantagem patrimonial ou benefício material mencionados no crime de auxílio para o art.° 12 do Lei n.° 14/87/M («Regime penal da corrupção»), revogada pelo Decreto-Lei n.° 58/95/M que se aprovo o Código Penal, a saber :
"Artigo 12. °
(Conceito de benefícios ou vantagem patrimonial)
É designadamente havido como benefício ou vantagem patrimonial qualquer prenda, donativo, honorário, recompenso ou comissão que consisto em dinheiro, valores de qualquer espécie, interesse ou participação em qualquer negócio ou outra obrigação, oferta, ou promessa de qualquer dos actos descritos, ainda que condicional."
Não duvidamos mais então que a vantagem patrimonial ou o benefício material mencionado no crime de auxílio inclui sempre a mera promessa de prática do auxílio ou o auxílio com condição.
Analisados os autos, especialmente os factos provados durante o audiência de julgamento, os dois arguidos transportaram dolosamente pessoas não residentes de Macau para entrar na R.A.E.M. sob condição de receber uma remuneração de RMB700 (cfr. fls. 112v.). No entanto, não conseguiram realizar o tal recebimento, independendo do pagamento derivado da parte empregadora ou da de imigrantes, por serem detidos pelo polícia.
Salvo o devido respeito, ao nosso ver, parece-nos que nunca se prevê a aplicação do regime de tentativa previsto no art.° 21 do C.P.M. às actividades relativos o transporte ou auxílio paro a entrada ilegal de indocumentados, uma vez que se devia aplicar o art.° 13 da Lei n.° 6/2004 que pune o crime de aliciamento, caso agente não pratique actos de execução do crime de auxílio. Ou ainda, nenhum crime é praticado se não se preencherem os pressupostos previstos no art.° 13 da Lei n.° 6/2004.
Baseia-se este raciocínio na consideração do bem jurídico que se prevê ser protegido na Lei n.° 6/2004, sendo inexplicável e insignificante a moldura de pena da tentativa do acto de auxílio com vantagem patrimonial menor à do acto de auxílio sem vantagem patrimonial. Pois será contra a intenção legislativa de estipulação de uma circunstância de agravação, quando o acto de auxílio seja efectuado com vantagem patrimonial ou benefício material, através a disposição do n.° 2 do art.° 14 da Lei n.° 6/2004.
É de concluir que é correcta a requalificação jurídica dos actos praticados (provados) pelos arguidos, de 1 crime de auxílio p°. p°. pelo art. ° 14 n.° 1 da Lei n.° 6/2004, para 1 crime de auxílio p°. p°. pelo art. ° 14 n.° 2 da Lei n.° 6/2004.
Tendo em conta a alteração de qualificação jurídica, deve-se fixar novamente pena adequada, em consideração das molduras abstractas das penas previstas para o crime, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção criminal previstos no art.° 65 do C.P.M., bem como da necessária ponderação dos fins da protecção de bens jurídicos e a reintegração dos arguidos na sociedade previstos no art.° 40 do mesmo Código.
Pelo exposto, deve ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, fixando-se nova pena conforme a lei”; (cfr., fls. 150 a 152).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 112 a 113-v, que não vem impugnados nem se mostram de alterar, e que aqui dão-se com integralmente reproduzidos.

Do direito

3. O presente recurso vem interposto pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, e tem como objecto o Acórdão do T.J.B. que condenou os arguidos dos autos como co-autores de 1 crime de “auxílio (simples)”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004.

Bate-se o Recorrente pela alteração da qualificação jurídico-penal operada, pedindo a condenação dos mesmos arguidos como co-autores de um crime de “auxílio” mas do n.° 2 do citado art. 14°, (e não do n.° 1, como decidido foi).

Mostra-se de conceder provimento ao recurso, pois que atenta factualidade provada, este tem também sido o entendimento que este T.S.I. tem vindo a adoptar; (cfr., v.g., o Ac. de 28.02.2013, pela Ilustre Procuradora Adjunta citado no seu Parecer, tirado no Proc. n.° 913/2012, do ora relator).

Vejamos.

Estatui o dito art. 14° que:

“1. Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos”.

E, no caso dos autos, provado está que acordada estava a “compensação” dos arguidos (recorridos) pela sua tarefa em “transportar pessoas indocumentadas para Macau”.

Também como já decidiu este T.S.I., “não obstante não receber dinheiro dos ilegais, não deixa de se mostrar integrada a previsão típica do crime do n.º 2 do art. 14º da Lei 6/2004, de 2 de Agosto de 2004, se o arguido conluiado com outrem foi enviado para Macau para tratar de encaminhar imigrantes ilegais que pagaram por essa vinda aos co-agentes do arguido no Interior da China”; (cfr., Ac. de 22.07.2010, Proc. n.° 528/2010).


Assim, inquestionável parece ser que a conduta dos arguidos dos autos integra a prática de 1 crime p. e p. pelo n.° 2 do art. 14° da Lei n.° 6/2004.

Nesta conformidade, e sendo o crime cometido punido com a pena de prisão de 5 a 8 anos de prisão, e visto que foram os arguidos condenados numa pena individual de 2 anos e 9 meses de prisão, evidente é que não se pode manter a dita pena, sendo, assim, e atentos os critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., de fixar uma pena de 5 anos e 9 meses de prisão para cada um dos arguidos ora recorridos.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar procedente o recurso, ficando os arguidos condenados pela prática de 1 crime p. e p. pelo n.° 2 do art. 14° da Lei n.° 6/2004 na pena individual de 5 anos e 9 meses de prisão.

Custas pelos arguidos recorridos com taxa de justiça individual de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.500,00.

Macau, aos 26 de Julho de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 412/2013 Pág. 12

Proc. 412/2013 Pág. 11