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Processo n.º 155/2013 Data do acórdão: 2013-7-25 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– presunção judicial
– art.o 342.o do Código Civil
– situação económica do arguido
– quantia diária da multa
– art.o 45.o, n.o 2, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Como depois de vistos todos os elementos probatórios dos autos, referidos na fundamentação da livre convicção sobre os factos tecida pelo tribunal a quo no seu acórdão, não se vislumbra como evidente que esse tribunal, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente no acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, não pode proceder o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
2. Estando provado em primeira instância que o arguido recorrente é investidor, sem ninguém a seu cargo, e com dois doutoramentos como habilitações literárias, factos esses a partir dos quais é de presumir judicialmente, nos termos permitidos pelo art.o 342.o do Código Civil, e com recurso às regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, que ele vive sem dificuldade económica, a quantia diária da multa fixada em cem patacas (dentro da margem prevista no art.o 45.o, n.o 2, do Código Penal) no acórdão recorrido já lhe é muito benévola.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 155/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
Recorrida (assistente): B (XX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 535 a 542 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-11-0185-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou apenas pela autoria material de um crime consumado de dano, p. e p. pelo art.o 206.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em noventa dias de multa, à taxa diária de cem patacas, no total de nove mil patacas, convertível, se não paga nem substituída por trabalho, em sessenta dias de prisão, e no pagamento de mil e quinhentas patacas a favor da ofendida demandante e assistente B (XX) para indemnização de danos patrimoniais desta, com juros legais contados desde a data de prolação desse acórdão até integral e efectivo pagamento, veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando, primordialmente, ao Tribunal recorrido o vício de erro notório na apreciação da prova referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), para rogar a absolvição penal e civil dele, e, subsidiariamente, a aplicação de uma pena de multa mais leve, em função do estado económico dele, não considerado devidamente pelo Tribunal recorrido aquando da medida da pena, para além de pedir a revogação da decisão, também tomada no mesmo acórdão, que o condenou a pagar trezentas patacas de despesas de transporte respectivamente a uma testemunha e à assistente, por esta parte da decisão, no entender do próprio recorrente, não ter sido fundamentada a nível fáctico e jurídico falando (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 578 a 588 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 593 a 598 dos autos), no sentido de manutenção do julgado na parte penal, sem deixar de suscitar a irrecorribilidade da decisão sobre despesas de transporte, à luz do art.o 299.o, n.o 3, do CPP.
Por outro lado, a assistente respondeu também ao recurso, a defender (a fls. 612 a 614v dos autos) a manutenção do julgado, para além de apontar também a irrecorribilidade da decisão relativa às despesas de transporte.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 625 a 626 dos autos), pugnando pela sem razão do recorrente na parte penal do recurso, e pela irrecorribilidade da decisão de despesas de transporte.
Feito o exame preliminar (em sede do qual se ordenou a notificação do recorrente para se pronunciar sobre a questão de irrecorribilidade vertida no parecer do Ministério Público e também sobre a irrecorribilidade, suscitada pelo relator, à luz do art.o 390.o, n.o 2, do CPP, da decisão relativa à indemnização cível, não tendo o recorrente vindo responder – cfr. o processado a fls. 627 a 628v dos auto), corridos em seguida os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
A. Por acórdão proferido no subjacente processo penal, o ora recorrente ficou condenado apenas pela autoria material de um crime consumado de dano, p. e p. pelo art.o 206.o, n.o 1, do CP, em noventa dias de multa, à taxa diária de cem patacas, no total de nove mil patacas, convertível, se não paga nem substituída por trabalho, em sessenta dias de prisão, e no pagamento de mil e quinhentas patacas a favor da ofendida demandante e assistente B para indemnização de danos patrimoniais desta, com juros legais contados desde a data de prolação desse acórdão até integral e efectivo pagamento, e no pagamento de trezentas patacas a favor de uma testemunha e de outras trezentas patacas a favor da própria ofendida, a título de despesas de transporte gastas por estes dois indivíduos.
B. Nesse acórdão, consta a seguinte decisão sobre os factos:
– <   1. O arguido, A, residente no apartamento E do 31o andar do Edifício XXX, na Rua de XXX, n.o XX, Taipa, RAEM.
  2. A partir do mês de Janeiro de 2009, o arguido tem sempre conflitos com a B, ofendida esta que reside no mesmo Edifício, apartamento E do 32o andar, proque o arguido acha que esta vizinha provoca todas as noites os ruídos no apartamento E do 32o andar.
  3. No dia 21 de Setembro de 2009, pelas 0h18, o arguido compareceu à porta da casa da ofendida, munido de uma marreta.
  4. No dia 8 de Fevereiro de 2010, pelas 0h41, o arguido bateu a porta de madeira da referida casa da ofendida com o cabo duma marreta com a finalidade de a danificar. Todo este decurso encontra-se registado nas imagens capturadas pela câmara montada em frente da casa da ofendida. Vide as fotografias a fls. 84 a 88.
  5. Este acto do arguido provocou directa e inevitavelmente o prejuízo na porta de madeira da casa da ofendida no valor de cerca de MOP$1.500,00.
  6. No dia 11 de Fevereiro de 2010, pelas 0h13, o arguido bateu a porta de madeira da referida casa da ofendida com o cabo duma marreta. Todo este decurso encontra-se registado nas imagens capturadas pela câmara montada em frente da casa da ofendida. Vide as fotografias a fls. 89 a 95.
  7. O arguido agiu livre, dolorosa e conscientemente, no intuito de danificar a porta da casa da ofendida, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei.
  *
  Mais se provou:
  O arguido é primário.
  O arguido é investidor, não tem ninguém a seu cargo, tem como habilitações literárias dois doutoramentos
  *
  Factos não provados:
  Não se provaram os restantes factos da acusação o e do pedido cível de indemnização que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente, ou que sejam irrelevantes para a decisão, nomeadamente:
  Não estão provados
  - No dia 21 de Setembro de 2009, pelas 0h18, o arguido agiu os factos acima referidos, com a finalidade de danificar a porta madeira da casa de ofendida.
  - No dia 11 de Fevereiro de 2010, pelas 0h13, o arguido agiu os factos acima referidos, com a finalidade de danificar a porta da madeira da ofendida.
  *
  São irrelevantes os seguintes factos constantes da petição do pedido cível:
  […]>> (cfr. o teor literal das páginas 6 a 8 do acórdão recorrido, correspondentes às fls. 537v a 538v dos autos).
C. O Tribunal Colectivo autor do mesmo acórdão teceu o seguinte, para fundamentar a sua convicção sobre os factos:
– <> (cfr. o teor literal da página 9 do acórdão recorrido, correspondente à fl. 539 dos autos).
D. A assistente foi também ouvida na audiência de julgamento (cfr. o teor da respectiva acta, a fl. 525v dos autos, concretamente).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Cabe decidir primeiro da questão de irrecorribilidade da decisão civil constante do acórdão final da Primeira Instância, e da decisão, aí tomada, relativa às duas despesas de transporte.
Sendo a quantia indemnizatória civil por que vinha condenado o arguido em primeira instância somente de mil e quinhentas patacas, a qual é inferior à metade do valor da alçada do Tribunal Judicial de Base em matéria civil (valor da alçada esse que é fixado em cinquenta mil patacas pelo art.o 18.o, n.o 1, da vigente Lei de Bases da Organização Judiciária), é legalmente inadmissível, por comando do art.o 390.o, n.o 2, do CPP, o recurso desta parte da decisão tomada no mesmo acórdão.
E no tocante às despesas de transporte, é irrecorrível, por força do art.o 299.o, n.o 3, do CPP, a decisão do Tribunal recorrido feita nessa matéria a favor de uma testemunha e da assitente, ambas ouvidas na audiência de julgamento em primeira instância (sendo certo que à assistente assim ouvida se aplica o regime de prestação da prova testemunhal, por comando do art.o 131.o, n.o 3, ex vi do art.o 327.o, n.o 2, ambos do CPP).
Resta decidir da sorte do recurso no atinente à decisão penal.
Começou o arguido por invocar o vício de erro notório na apreciação da prova, mas para o presente Tribunal ad quem, sem razão nenhuma, porquanto depois de vistos todos os elementos probatórios dos autos, referidos na fundamentação da livre convicção sobre os factos tecida pelo Tribunal recorrido no seu acórdão, não se vislumbra como evidente que esse Tribunal, ao ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente nesse acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, pelo que não pode o arguido recorrente vir sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou esse Tribunal sob aval do art.o 114.o do CPP, improcedendo, pois, o esgrimido vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, já que de facto ele agiu com dolo directo ao bater, em 8 de Fevereiro de 2010, pelo zero hora e quarenta e um minutos, e com o cabo duma marreta, a porta de madeira da casa da ofendida, tendo causando, com esse acto seu, de modo directo, prejuízo pecuniário à ofendida, em valor de cerca de mil e quinhentas patacas.
Por fim, quanto à subsidiariamente almejada redução do montante da multa, a razão também não está no lado do recorrente.
Desde logo, atentos os critérios da medida da pena ditados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, o número de noventa dias da multa achado no acórdão recorrido, dentro da moldura geral de dez a trezentos e sessenta dias, prevista no art.o 45.o, n.o 1, do CP, ex vi do art.o 206.o, n.o 1, do CP, já não admite mais margem para redução.
E estando provado que o arguido é investidor, sem ninguém a seu cargo, e com dois doutoramentos como habilitações literárias, factos esses a partir dos quais é de presumir judicialmente, nos termos permitidos pelo art.o 342.o do Código Civil, e com recurso às regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, que ele vive sem dificuldade económica, a quantia diária fixada em cem patacas (dentro da margem de cinquenta a dez mil patacas por dia, prevista no art.o 45.o, n.o 2, do CP) no acórdão recorrido já lhe é muito benévola.
Improcede, pois, e totalmente, o recurso na parte penal falando.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso na sua parte penal, e não conhecer do objecto do recurso na restante parte.
Custas do recurso (na parte penal) pelo arguido, com dez UC de taxa de justiça, e cinco mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Pagará ainda o arguido quatro UC de taxa de justiça, por ter recorrido da decisão civil do acórdão final da Primeira Instância, e da decisão aí tomada sobre as despesas de transporte, ambas legalmente irrecorríveis.
Macau, 25 de Julho de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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