打印全文
Proc. nº 294/2013
Recurso Cível e Laboral
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Julho de 2013
Descritores:
-Art. 385º do CPC
-Litigância de má fé
-Dolo e negligência

SUMÁRIO:

I - O dolo, para ser determinante de uma condenação por litigância de má fé, nos termos do art. 385º, nº2, do CPC, deve ter subjacente uma prática eivada de objectivos indecorosos, altamente censuráveis do ponto de vista ético, deontológico e jurídico-processual, uma actuação processual dolosa merecedora de repressão, porque incompatível com a lisura, com o debate em campo aberto onde se não usem armas infamantes, com uma esgrima leal e sem estratagemas geradores de uma situação que torne a simples qualidade de “parte” demandada num estigma social ou num labéu ultrajante. A condenação por má fé, no caso de dolo, tem ínsita uma ideia de consciência e de vontade de agir contra aqueles valores, enfim supõe uma noção de malícia.

II - Por outro lado, e para o mesmo efeito, a negligência grave tem que ser aquela que se mostre imperdoável, que revele um descuido tão grande que só uma carga condenatória é capaz de reparar os estragos produzidos no interesse público da boa administração da justiça, cujo accionamento deve ter sempre por base a boa fé estruturada no princípio descrito no art. 9º do CPC. A “culpa grave (culpa lata) de que fala o preceito não se contenta com qualquer espécie indiferenciada de negligência, antes exige uma negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).












Proc. nº 294/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“A Limited”, sociedade comercial constituída nas Ilhas Caimão, com sede em ……., intentou no Tribunal Judicial de Base recurso da decisão do Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, de 13/12/2011 e publicado no B.O., II série, de 4/01/2012, o qual concedeu registo da marca N/37776 “X Travel” para a classe 39 a favor de “B Corp.”.
*
Na oportunidade, foi proferida sentença naquele tribunal, que julgou extinta a instância por falta de objecto e condenou a recorrente na multa de 10 UC por litigância de má fé.
*
É dessa decisão – mas confinada à parte em que condenou a recorrente por litigância de má fé - que ora recorre jurisdicionalmente “A Limited”, em cujas alegações apresenta as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença, limitado porém à parte em que esta condenou a ora Recorrente como litigante de má-fé ao abrigo do disposto no artigo 385.º, nºs 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil;
2. Fundou-se a decisão recorrida no facto de se ter entendido que a Recorrente não teve “cuidado e atenção mínima, no momento da interposição do recurso, ou posteriormente, quando foi interpelada pelo Tribunal para juntar documento comprovativo da decisão recorrida, não viria formular a pretensão de recorrer, ou, pelo menos, não insistiria a pretensão deduzida (...) ”;
3. A este propósito acrescenta ainda o Meritíssimo Juiz a quo, que “Só por negligência de grau tão grave é que a recorrente veio a impugnar uma coisa que não existia e, consequentemente, que não devia ignorar a falta de fundamento do seu pedido e, também por ignorância completa é que se manteve em silêncio, mesmo que fosse notificada a inexistência da decisão que pretendia recorrer.”;
4. Porém, e salvo o devido respeito por opinião diversa - e muito é - estamos em crer que não se deveria ter decidido in casu por tão extrema medida, face as circunstâncias atenuantes que a Recorrente invocará a seu favor no presente recurso, embora admita a sua falha, da qual se penitencia. Porém, estamos em crer que ponderados todos os circunstancialismos relevantes para uma judiciosa decisão deste específico ponto não se deveria ter tomado a decisão tão radical de condenar a recorrente como litigante de má-fé, pois se é certo, como se admite, que a ora Recorrente actuou de forma pouco cuidada ainda assim a sua falha não é de molde a integrar uma actuação eivada de má fé processual;
5. Em suma, não obstante a Recorrente aceitar desde já que a sua conduta foi em certo ponto negligente, entende também que essa mesma negligência não deverá ser considerada como “grave”;
6. Sobre a litigância de má fé dispõe o art. 385.º, n.º 2 do Código de Processo Civil: “ (…) 2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a)tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; e d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”;
7. Efectivamente, segundo o art. 9.º do Código de Processo Civil, as partes devem agir de acordo com os ditames da boa-fé, não devendo, designadamente, formular pedidos ilegais, articular factos contrários à verdade, requerer diligências meramente dilatórias e omitir o dever de cooperação;
8. A condenação por litigância de má-fé pressupõe assim um juízo de censura sobre o comportamento contrário à ideia de um processo justo e leal, procurando atribui lisura à lide e uma maior responsabilização das partes na condução do processo;
9. Segundo a definição da al. a) do n.º 2 do art. 385.º do Código de Processo Civil, deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar é uma das condutas integráveis na litigância de má fé, relacionada com o dever da parte de indagar, antes de propor a acção - e porque não, no caso sub judice durante o decurso do pleito -, da fundamentação da sua pretensão;
10. E o corpo deste número determina que a conduta de má-fé pode ser praticada tanto por dolo como negligência grave. Não integrado já este conceito os comportamentos que se fiquem pela nível menos grave da negligência que não chega a ser grave;
11. O conceito de negligência grave, por via da sua determinação, só pode ser preenchido por recurso à actividade imperativa da Doutrina e da Jurisprudência e corresponde, essencialmente, como é consabido, ao conceito de negligência grosseira e consciente;
12. “Se se prova que a parte sabia que a sua pretensão ou defesa carecia de fundamento e que, não obstante este conhecimento, as deduziu, a parte agirá dolosamente. A pretensão e a defesa são, em concreto, absolutamente injustificadas. Se a parte apenas deduziu a pretensão que não tem fundamento, não porque assim quis, sabendo que a situação era falta de fundamentação, mas porque, ao não indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano do facto e do direito, acaba por praticar uma acção negligentemente, ou seja, em violação dos deveres de indagação e cuidado”;
13. E para que seja condenável por litigante de má fé, “deverá ela ter agido com culpa grave ou negligência grosseira”;
14. Ora e como supra se disse, é precisamente na qualificação da negligência que eivou a actuação da Recorrente, que esta não pode acompanhar e antes discorda, salvo o devido respeito, da decisão recorrida.
Vejamos porquê,
15. Com efeito, no recurso interposto no dia 3 de Fevereiro de 2012, a Recorrente suscitou a questão da decisão proferida pela Direcção dos Serviços de Economia (DSE) na sequência do requerimento do registo da marca N/37776 para a classe de produtos/serviços n.º 39, que tinha sido efectuado pela ali recorrida “B Corp.”;
16. Também é inquestionável que Recorrente alegou ali que a DSE promoveu publicação do referido pedido no Boletim Oficial da R.A.E.M. de 4 de Janeiro de 2012;
17. Não obstante, dos autos não resulta que a Recorrente actuou com qualquer tipo de malícia ou intenção de ludibriar quem quer que seja, seja a B Corp., a DSE ou o Tribunal;
18. Na verdade, no dia em foi interposto o recurso que originou a condenação da Recorrente por litigância de má-fé, a recorrente deu entrada de vários articulados análogos, tendo o recurso relativo ao registo da marca N/37776 sido interposto por manifesto lapso da Recorrente;
19. Foi essa circunstância de no mesmo dia, quase no mesmo acto, terem sido interpostos muitos recursos pela ora Recorrente contra registos de marcas essas sim registadas pela Recorrida B Corp., em que estão em causa sempre as mesmas marcas para diversas categorias de serviços, como resulta dos documentos juntos aos autos, que levou a que a Recorrente, por lapso seu sem dúvida, tivesse também interposto um recurso que tinha por objecto um registo que não estava efectivamente publicado;
20. E tal era a confundibilidade do recurso do registo de marca em questão com os demais recursos análogos submetidos no mesmo dia, que nem a entidade recorrida, a referida “B Corp.”, fez referência a tal lapso aquando da elaboração da sua resposta de 7 de Junho de 2006;
21. Tendo mesmo a dita “B Corp.” respondido ao recurso como se a marca em questão tivesse sido efectivamente objecto de decisão e publicação por parte da DSE!;
22. É que, conforme será forçoso concluir pela leitura do Boletim Oficial onde alegadamente se encontrava, mas efectivamente não se encontrava, publicada a decisão da DSE, foram mesmo dezenas os processos de registos de marcas publicados naquele jornal oficial naquele dia, tendo a todos eles sido atribuído números de processos sequenciais e por essa razão muito semelhantes entre si;
23. Para azar da Recorrente, o processo in casu N/37776 não foi de facto publicado mas o mesmo não sucedeu com o processo como o número imediatamente anterior N/37775 e também com o processo com o número imediatamente seguinte N/37777!
24. Tudo isto circunstâncias que não desculpam o lapso da Recorrente, do qual ela não se quer esquivar, mas que aqui expressamente invoca como circunstâncias que atenuam a sua culpabilidade;
25. Foi tão só e apenas por ter laborado neste lapso de ter recorrido mecanicamente de várias publicações que efectivamente se realizaram, em casos em tudo análogos ao sub judice, que a ora Recorrente interpôs erradamente também o recurso no processo N/37776;
26. E por razão estamos em crer que não se tratou de uma negligência grosseira passível de culminar numa condenação como aquela contra a qual ora se reage pela via recursiva;
27. Na doutrina Portuguesa, Cavaleiro de Ferreira, ainda que criticando a adopção desse conceito, ensina que tal negligência “deve corresponder à culpa temerária”
28. Já Maia Gonçalves, na esteira de Cuello Calón, afirma, igualmente, que se trata de “ (...) uma negligência temerária, bem conhecida do direito espanhol, de contornos mal definidos, mas que a doutrina e a jurisprudência do país vizinho definem como podendo consistir na falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos actos correntes da vida (...) ”;
29. A jurisprudência portuguesa tem-se pronunciado, também, no sentido de que a expressão negligência grosseira corresponde à figura de culpa temerária;
30. No caso sub judice, não ocorre, no entender da Recorrente, a temeridade que a condenação por litigância de má-fé pressupõe;
31. E há, a propósito, dois elementos que devem ser chamados à colação e recordados uma vez mais;
32. O primeiro, ter a Recorrente efectuado no dia em que interpôs o recurso in casu variadíssimos pedidos semelhantes, de forma quase que “mecânica” relativamente a matérias também elas semelhantes e que beneficiavam sempre a mesma entidade;
33. E o segundo, que comprava o primeiro argumento, o facto de nem essa entidade recorrida ter notado que a marca em questão não tinha sido objecto de decisão por parte da DSE. Antes pelo contrário, respondeu ao Recurso como se o registo tivesse sido efectivamente feito e publicado em seu favor;
34. Não se revela, assim, na óptica da Recorrente, uma atitude “particularmente censurável de leviandade ou descuido”;
35. Acresce ainda que, “para existir litigância de má-fé exige-se actuação dolosa ou maliciosa.”;
36. Com efeito “a condenação como litigante de má-fé, exige-se grande cautela para evitar condenações injustas.”;
37. Ou seja, este tipo de condenações destina-se essencialmente a punir “aqueles que pretendem ofender o interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça”, que no presente caso permaneceu intacto;
38. Pelo que, do exposto fica sobejamente demonstrado que a negligência da Recorrente no caso sub judice não é grave ou grosseira que justifique a condenação por litigância de má fé, razão pela qual deve ser revogada a respectiva parte da decisão da sentença recorrida; e
39. A decisão recorrida deve ser revogada e expurgada da Ordem Jurídica, sendo substituída por outra que absolva a Recorrente da condenação em multa de 10 UCs por litigância de má fé, assim se fazendo, como é timbre deste Venerando Tribunal.».
*
Não houve resposta da parte contrária a este recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
- Em 30 de Julho de 2008, a recorrida B Corp. requereu o registo da marca N/37776 para a classe de produtos/serviços nº 39 a qual consiste em “XTravel”
- Foi publicado no B.O. nº 40 da II Série, de 3 de Outubro de 2008, o pedido de registo de marca.
- Não houve decisão da Direcção dos Serviços da Economia sobre o pedido de registo em causa.
***
III - O Direito
A sentença proferida no Tribunal Judicial de Base julgou extinta a instância por ter entendido que não havia objecto que pudesse ser impugnado, em virtude de não ter sido concedido ou recusado o registo da marca requerida pela “Y”.
Não está em causa tal decisão.
Foi, porém, com base nela que o tribunal “a quo” decidiu condenar a recorrente por litigância de má fé. Fê-lo com os seguintes termos:
«Dos factos acima referidos, não pode deixar de censurar a conduta da recorrente a título de litigância de má fé.
Pois, para justificar o direito de recorrer, a recorrente, no mínimo, tem que saber a existência da decisão e o respectivo conteúdo. Não pode litigar no tribunal por algo que não existia.
Se a recorrente tivesse o cuidado e atenção mínima, no momento da interposição do recurso, ou posteriormente, quando foi interpelada pelo Tribunal para juntar documento comprovativo da decisão recorrida, não viria formular a pretensão de recorrer ou, pelo menos, não insistiria a pretensão deduzida.
Só por negligência de grau tão grave é que a recorrente veio a impugnar uma coisa que não existia e, consequentemente, que não devia ignorar a falta de fundamento do seu pedido e, também por ignorância completa é que se manteve em silêncio, mesmo que fosse notificada a inexistência da decisão que pretendia recorrer.
Assim, deve a mesma ser condenada em litigante de má fé ao abrigo do disposto no artº 385º, nºs l e 2, alínea a) do C.P.C..
Tendo em conta as circunstâncias do caso, é de condenar a recorrente na multa de 10 Ucs(…). Ao abrigo do disposto do artº 385º, nº l e 2, a) do C.P.C., condena-se a recorrente na multa de 10 Ucs.».
A ora recorrente no recurso admite a falha, reconhece a forma pouco cuidada como actuou e por ela se penitencia. Contudo, entende que o caso não era para tão extrema medida, para tão radical decisão, por não estar em causa uma negligência que seja grave.
E na explicação para a negligência, aponta a recorrente duas circunstâncias. Por um lado, por muitos terem sido os registos de marca concedidos pela DSE e publicados no mesmo Boletim Oficial de 4 de Janeiro de 2012. E se entre eles estava os nºs N/3775 e N/3777, reconhece que não estava o registo N/3775. Por outro lado, devido ao facto de ter interposto no mesmo dia muitos recursos judiciais contra actos de concessão de registo à mesma “Y”.
Então, vejamos.
Dispõe o artigo 385º, do CPC de Macau:
1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.

Como bem se extrai do nº2, qualquer das acções ou omissões abstractamente previstas nas suas alíneas apenas pode ser imputada à parte a quem se atribua «dolo» ou «culpa grave».
Antes de mais nada, é muito pouco credível que alguém, para além da pura perda de tempo, venha ao processo judicial pelejar contra um acto se souber que ele inexiste. Muito pouco sensato seria que a parte, se disso tivesse consciência, decidisse mesmo assim avançar para o uso do processo com as consabidas consequências ao nível da tributação em custas processuais. E mais difícil se nos afigura congeminar tal hipótese se a situação fosse de tal ordem que o tribunal ficasse sem deixar de proceder à condenação por litigância de má fé. Três consequências tão negativas que só se antevêem em casos limite e raros de dolo à vista.
Ora, aqui, não se crê que o caso seja de dolo, por não haver minimamente indícios de que a recorrente quisesse vir ao tribunal pugnar por um direito subjectivo que sabia ainda não ter qualquer substrato fáctico. O dolo, para ser determinante de uma condenação por má fé, deve ter subjacente uma prática eivada de objectivos indecorosos, altamente censuráveis do ponto de vista ético, deontológico e jurídico-processual. Uma actuação processual dolosa merece repressão porque incompatível com a lisura, com o debate em campo aberto onde se não usem armas infamantes, com uma esgrima leal e sem estratagemas geradores de uma situação que torne a simples qualidade de “parte” demandada num estigma social ou num labéu ultrajante. Ora, de nada disso estamos a falar no caso em apreço, seguramente.
Mesmo assim, a sentença avançou para a condenação no pressuposto de que o uso do processo por parte da recorrente traduzia uma “negligência grave”.
Só que a negligência “grave”, para densificar a má-fé material – é sobre essa que nos debruçamos agora, pois não está em causa qualquer má-fé instrumental de índole adjectiva-processual1 - que constitui o fundamento crucial da condenação também se não verifica no caso em apreço. A negligência grave tem que ser aquela que se mostre imperdoável, aquela que revele um descuido tão grande que só uma carga condenatória é capaz de reparar os estragos produzidos no interesse público da boa administração da justiça, cujo accionamento deve ter sempre por base a boa fé estruturada no princípio descrito no art. 9º do CPC. A condenação por litigância de má fé pressupõe um juízo de censura sobre o comportamento contrário à ideia de um processo justo e leal, adoptado por participante processual, procurando moralizar a lide e uma maior responsabilização das partes na condução do processo2.
Portanto, em suma, a condenação por má fé tem ínsita uma ideia de consciência e de vontade de agir contra aqueles valores, enfim supõe uma noção de malícia, no caso do dolo. E quando assente em “uma culpa grave (culpa lata), a lei não se contenta com qualquer indiferenciada espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão) ”3.
Ora, mergulhando no caso dos autos, que houve falta de cuidado, não se pode duvidar e a própria recorrente já a aceitou em acto de contrição que expressou nas alegações do presente recurso jurisdicional. Todavia, nela não vemos ofensa ao princípio da boa fé, nem sequer a podemos ter por negligência grosseira e, portanto, condenável.
A recorrente deu uma justificação para o uso do processo. E a justificação fornecida não se pode dizer absurda, estapafúrdia, incoerente ou descabida. Pelo contrário, é plausível, tendo em conta que nem a própria “Y” dela se deu conta, já que desenvolveu toda a sua resposta (ver fls. 49 e sgs.) como se realmente o registo da marca N/37776 lhe tivesse sido concedido! Ou seja, nem a contra-interessada notou que não precisava de perder tempo e de gastar dinheiro numa escusada resposta. Parece-nos ser esse o sinal claro de que a existência de tantos processos judiciais interpostos com a mesma finalidade, travados a propósito de idênticos objectos e entre as mesmas pleiteantes acabou por ser a causa directa de uma perturbação que a todos enredou desculpavelmente. Eis, afinal de contas, como a objectividade do caso, que apenas podia atingir um dos interessados numa luta inglória, acabou por arrastar outro interessado para a mesma batalha desnecessária, revelando assim o quão passível de confusão ela foi capaz de ser, sem distinção de pessoas atingidas.
Dito por outras palavras, o caso não é tão reprovável que justifique a punição por condenação de má fé pela qual o tribunal “ a quo” enveredou.
Dito isto, o recurso merece provimento.
***
IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a aqui recorrente por litigância de má fé.
Sem custas.
TSI, 25 / 07 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado”, II, 263; Tb. Ac. do TSI, de 19/04/2012, Proc. nº 453/2010.
2 Ac. TUI, de 13/01/2010, Proc. nº 42/2009.
3 Na jurisprudência comparada, ver, por exemplo, Ac. STJ, de 28/05/2009, Proc. nº 9B0681.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------