打印全文
Processo n.º 893/2012 Data do acórdão: 2013-7-11 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009
– art.º 25.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009
– tráfico de menor gravidade
– detenção indevida de utensílio
– consumo ilícito de estupefacientes
– art.º 71.º, n.º 3, do Código Penal
– cúmulo jurídico
S U M Á R I O
1. O disposto nos art.os 25.o, n.o 1 e 19.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, só relevaria em favor da arguida recorrente quando e só quando estivesse em causa a prática apenas dos crimes de detenção indevida de utensílio e/ou consumo ilícito de estupefacientes.
2. No caso dos autos, como lhe foi imputada também a co-autoria de um crime de tráfico de menor gravidade do art.o 11.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 17/2009, punível somente com pena de prisão de um a cinco anos, delito esse pelo qual ficou finalmente condenada ela no acórdão recorrido, é já totalmente precludida, por ser forçosamente impossível na prática, a sua pretensão de se passar a aplicar pena de multa à luz do art.o 64.o do Código Penal aos outros dois crimes referidos, ou a determinar a suspensão, somente, da execução da pena de prisão achada no aresto recorrido para qualquer destes dois crimes menos graves.
3. É que por comando do art.o 71.o, n.o 3, do Código Penal, mesmo que o tribunal a quo tivesse optado por aplicar pena de multa a estes dois delitos, as multas em questão também seriam obrigatoriamente convertidas em prisão na necessária operação do cúmulo jurídico com a pena de prisão a aplicar ao crime de tráfico de menor gravidade, em relação ao qual, sendo punível com prisão, pelo menos, de um ano, também é inconcebível qualquer hipótese de substituição, nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal, da pena de prisão por igual tempo de multa.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 893/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 617 a 624 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-11-0066-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou, tal como tinha sido imputado na acusação pública, pela co-autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.o, n.º 1, alínea 1), da vigente Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de um ano e seis meses de prisão, de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da dita Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo dessas três penas, na pena única de um ano e nove meses de prisão efectiva, veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo concluído e peticionado o seguinte, em essência, na sua motivação de recurso (apresentada a fls. 666 a 671v dos presentes autos correspondentes):
– da matéria de facto já dada por provada pelo Tribunal Colectivo recorrido e dos instrumentos de consumo de droga descobertos pelo pessoal da Polícia Judiciária na residência da arguida ora recorrente, já se vê que ela era toxicodependente nessa altura;
– contudo, lamentavelmente, o pessoal da Polícia Judiciária não ordenou a realização urgente de perícia médico-legal do estado de toxicodependência da recorrente, ao contrário do disposto no art.o 25.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, nem o Tribunal recorrido mandou oficiosamente fazer essa perícia para efeitos a relevar do art.o 19.o, n.o 1, da mesma Lei, antes de determinar a espécie e a medida das penas aplicáveis aos crimes de consumo ilícito de estupefaciente e de detenção indevida de utensílio;
– razões por que a decisão tomada pelo Tribunal recorrido na parte referente à determinação da espécie da pena desses dois crimes está a enfermar do vício de ilegalidade;
– em todo o caso, deverá sempre ser suspensa, em prol do disposto nos art.os 48.o e 64.o do vigente Código Penal (CP) e no art.o 19.o da Lei n.o 17/2009, a execução da pena de prisão por que vinha condenada a recorrente.
Ao recurso respondeu (a fls. 676 a 678v dos autos) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 688 a 690), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já julgada como provada pelo Tribunal a quo (e descritos como tal a fls. 619 a 621 dos autos), é de tomar a mesma factualidade como a fundamentação fáctica do presente aresto de recurso, por aval do art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.º 4.º do actual Código de Processo Penal.
Segundo essa factualidade provada (descrita originalmente em chinês, e aqui traduzida para português pelo ora relator), e na sua essência, com pertinência à solução do recurso:
– desde meados de 2009, a 1.a arguida A (ora recorrente) começou a vender droga a outrem em Macau, e, ao mesmo tempo, ela própria também consumia a droga;
– a 1.a arguida chegou, por várias vezes, a vender droga, pelo menos, a quatro indivíduos masculinos e três indivíduos femininos;
– em 15 de Outubro de 2009, às 23:21 horas, o pessoal da Polícia Judiciária interceptou, para efeitos de investigação, a 1.a arguida, que se encontrava a andar no Istmo Ferreira do Amaral, depois de ter acabado de entrar em Macau por via da Porta do Cerco, tendo ela confessado ao pessoal da Polícia Judiciária que tinha comprado droga no Interior da China e a tinha guardado dentro da vagina;
– subsequentemente já dentro das instalações da Polícia Judiciária, a 1.a arguida tirou da sua vagina os produtos estupefacientes em questão, os quais, segundo o exame laboratorial feito depois, continham comprovadamente 8,281 gramas líquidos de Metanfetamina (controlada na Tabela II-B da Lei n.o 17/2009) e 3,678 gramas líquidos de Diazepam (controlada na Tabela IV da mesma Lei);
– foi a 2.a arguida, chamada B, quem deu dinheiro para a 1.a arguida ir comprar esses produtos estupefacientes no Interior da China, com o fim de fornecerem ou venderem parte dos mesmos a outrem, e de consumirem parte dos mesmos;
– em 16 de Outubro de 2009, a Polícia Judiciária procedeu à busca da residência conjunta das duas arguidas, onde acabou por descobrir diversos objectos para consumo de droga e com vestígios de substâncias estupefacientes consumidas conjuntamente por elas, de entre os quais se contando um cachimbo de cor violenta (com vestígios de Cocaína e de Cannabis), um frasco de vidro com 23 ml líquidos de líquido transparente contentor de Cocaína, Metanfetamina e Ketamina, e um frasco de vidro com 49,5 ml líquidos de líquido transparente contentor de Metanfetamina;
– as duas arguidas sabiam claramente da natureza das substâncias estupefacientes em causa;
– a conduta acima descrita delas não obteve qualquer autorização legal;
– ambas, ao praticarem os actos acima referidos, agiram livre, voluntária e conscientemente, sabendo claramente que os ditos actos eram proibidos e puníveis por lei;
– segundo os certificados de registo criminal, as duas arguidas não têm antecedentes criminais;
– a 1.a arguida declarou trabalhar como croupier em casino, com cerca de dezasseis mil patacas de rendimento mensal, precisar de sustentar a mãe, e ter por habilitações literárias o curso superior completo.
Na fundamentação do seu acórdão, o Tribunal recorrido chegou a afirmar (ora concretamente a fl. 621v a 622 dos autos) que:
– tendo em conta a quantidade de referência de uso diário estipulada pela Lei n.o 17/2009 para a Metanfetamina (quantidade diária essa que é de 0,2 grama), os 8,281 gramas líquidos de Metanfetamina, detidos conjuntamente pelas duas arguidas, já constituem quantidade necessária ao consumo por 41 dias. Contudo, como não se conseguiu apurar qual a quantidade concreta desses gramas é que se destinou ao fornecimento a outrem, assim, por força do princípio de in dubio pro reo, é de considerar que a parte destinada ao fornecimento a outrem é de quantidade diminuta;
– considerando a gravidade dos actos criminais do caso dos autos e as necessidades de prevenção criminal, a multa não consegue prosseguir de modo adequado as finalidades da punição, pelo que é de impor a pena de prisão.
Do exame dos autos, sabe-se também que a 2.a arguida foi julgada à revelia.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo o recurso sub judice nesses parâmetros, cabe observar que a tese defendida pela 1.a arguida ora recorrente a propósito dos art.os 25.o, n.o 1 e 19.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 somente relevaria em seu favor quando e só quando estivesse em causa a prática apenas dos crimes de detenção indevida de utensílio e/ou consumo ilícito de estupefacientes.
Com efeito, no caso dos autos, como lhe foi imputada também a co-autoria de um crime de tráfico de menor gravidade do art.o 11.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 17/2009, punível somente com pena de prisão de um a cinco anos, delito esse pelo qual ficou finalmente condenada ela no acórdão recorrido, é já totalmente precludida, por ser, de qualquer maneira, forçosamente impossível na prática, a sua pretensão de se passar a aplicar pena de multa à luz do art.o 64.o do CP aos outros dois crimes referidos, ou a determinar a suspensão, somente, da execução da pena de prisão achada no aresto recorrido para qualquer destes dois crimes menos graves.
É que por comando do art.o 71.o, n.o 3, do CP, mesmo que o Tribunal a quo tivesse optado por aplicar pena de multa a estes dois delitos, as multas em questão também seriam obrigatoriamente convertidas em prisão na necessária operação do cúmulo jurídico com a pena de prisão a aplicar ao crime de tráfico de menor gravidade (em relação ao qual, sendo punível com prisão, pelo menos, de um ano, também é inconcebível qualquer hipótese de substituição, nos termos do art.o 44.o, n.o 1, do CP, da pena de prisão por igual tempo de multa).
É agora momento de saber se é de suspender a execução da pena única de prisão finalmente encontrada pelo Tribunal recorrido à recorrente.
Pois bem, embora a recorrente só tenha ficado condenada pela co-autoria de um crime de tráfico de menor gravidade (por causa da detenção, conjuntamente com a 2.a arguida, em 15 de Outubro de 2009, de 8,281 gramas líquidos de Metanfetamina, com o fim de fornecer ou vender parte não concretamente apurada dessa quantidade a outrem em Macau), de um crime de detenção indevida de utensílio e de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, não se pode esquecer de que o Tribunal a quo também já deu por provado que desde meados de 2009, ela ora recorrente já começou a vender droga a outrem em Macau e que chegou a vender, por várias vezes, droga a sete indivíduos, pelo menos.
Por isso, essa conduta anterior dela tem que ser considerada também e naturalmente muito em seu desfavor, aquando da decisão da questão de suspensão, ou não, da execução da pena única da prisão.
Assim sendo, e ponderando também nas prementes necessidades de prevenção geral do crime de tráfico de menor gravidade, crê-se que é de manter o juízo sensato de valor já formado pelo Tribunal recorrido em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP, em sintonia com o qual não se pode suspender a execução da pena única de um ano e nove meses de prisão da arguida ora recorrente.
Improcede, assim, o recurso in totum, sem necessidade de indagação, por prejudicada, do mais alegado pela recorrente na motivação.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com oito UC de taxa de justiça.
Macau, 11 de Julho de 2013.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
(nos termo de declaração de voto que anexo ao Ac. de 31.03.2011, Proc. n.º 81/2011)



Processo n.º 893/2012 Pág. 1/11