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Processo n.º 23/2013 Data do acórdão: 2013-7-11 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– burla em valor consideravelmente elevado
– medida da pena
– justiça relativa
– prevenção geral do crime
S U M Á R I O
1. Da matéria de facto provada no acórdão condenatório impugnado, resulta que os dois arguidos, em vontade comum e por divisão de tarefas, acabaram por conseguirem obter à custa do ofendido o valor total de dez milhões de renminbis, dos quais ficaram três milhões para o arguido recorrente, sendo certo que o ofendido só ficou burlado por causa do acto de convencimento praticado inicialmente pelo recorrente.
2. Portanto, a mera diferença, em desfavor do recorrente, no montante de lucro final do plano delinquente comum em causa não dá para neutralizar o papel promotor e relevante que ele desempenhou ao fazer com que o ofendido tenha começado a cair na armadilha da burla.
3. Não se vislumbra, deste modo, que o tribunal recorrido tenha violado os ditames da justiça relativa ao fazer impor ao recorrente uma mesma pena de prisão achada também para o outro arguido.
4. De resto, tal pena de quatro anos e seis meses de prisão, graduada pelo tribunal recorrido para o recorrente dentro da moldura legal de prisão aplicável de dois a dez anos de prisão, já não admite, aos padrões mormente plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, e dadas as muito elevadas exigências da prevenção geral do tipo legal de crime em questão (por causa dos referidos avultados dez milhões de renminbis), mais margem para a pretendida redução, ainda que o recorrente seja um delinquente primário.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 23/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 1022 a 1034 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-07-0123-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, de modo idêntico ao 2.o arguido revel do mesmo processo chamado B, pela co-autoria material, na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), com referência ao art.o 196.o, alínea b), ambos do vigente Código Penal (CP), na pena de quatro anos e seis meses de prisão, veio o 1.o arguido A, aí já melhor identificado e então julgado na sua ausência como tal consentido por si próprio, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a redução da duração da sua pena de prisão (no seu entender, excessivamente achada nesse acórdão com desrespeito sobretudo dos critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do art.o 65.o do CP) para não mais do que três anos (e isto, alegadamente, e na sua essência, “em face dos factos dados como provados relativamente à sua actuação no iter criminis constante do douto Acórdão ora em crise, reconhecidamente de menor importância relativa na consumação da burla e manifestamente com menor e reduzido ganho relativamente ao produto da mesma”), com subsequente também possível suspensão da execução da nova pena (e isto, alegada e nuclearmente, por necessária consideração de que “teve uma menor participação na concretização da burla que veio a vitimar a Assistente, recebeu uma muito pequena parte do produto do crime, e colaborou activamente para que fosse devolvida à Assistente o montante avultado de 10 milhões de RMB, sendo ainda primário”) (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 1038 a 1062 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 1066 a 1070 dos autos), no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 1088 a 1089), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já julgada como provada pelo Tribunal Colectivo a quo no texto do seu aresto ora posto em crise, é de tomar a mesma factualidade como a fundamentação fáctica do presente aresto de recurso, por aval do art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.º 4.º do actual Código de Processo Penal.
Segundo essa factualidade provada (descrita originalmente em chinês), e na sua essência, com pertinência à solução do recurso:
– desde Março de 2003, o 1.o arguido A (ora recorrente) desempenhava as funções de gerente-geral da “C Company, Limited (C有限公司)”, dependente da “D Co. Ltd. (D有限公司)”;
– E (ofendido) era presidente do Conselho de Administração da “D Co. Ltd.”;
– em Maio de 2004, o recorrente disse ao ofendido que a “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada (“F Asia Holdings”) (F汽車投資有限公司)”, com sede principal na cidade de Yantai da Província de Shandong da China, detinha a linha de produção instalada em Shandong por uma grande fábrica europeia de automóveis, destinada à produção dos automóveis “jeep F”, e que a mesma sociedade estava a recrutar empresa concessionária em diversas províncias e cidades do Interior da China. O recorrente convenceu o ofendido para este comprar o direito de representação comercial dos automóveis “F” em diversas províncias do Interior da China;
– por isso, sob arranjos do recorrente, o 2.o arguido B, como administrador executivo da “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada”, teve encontro com o ofendido, e apresentou e promoveu directamente a este o direito de representação comercial referido;
– para obter a confiança do ofendido, o 2.o arguido entregou, para referência do ofendido, uma revista de apresentação da produção automóvel da fábrica daquela sociedade comercial;
– por causa da confiança na versão dita pelo recorrente acerca da possibilidade de obter lucros no direito de representação comercial acima referido, o ofendido mandatou o recorrente para, em representação da “D Co. Ltd.”, assinar, em 15, 20 e 25 de Maio de 2004, em Macau, com a parte representante da “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada”, o contrato de representação comercial para três províncias e duas cidades na China;
– o projecto de produção de “jeep F” foi inventado de modo falso pelo 2.o arguido, e foi apresentado e promovido ao ofendido através do auxílio e conjugação de esforços por parte do recorrente, com o fim de apropriação do capital investido pelo ofendido;
– no período de 18 a 27 de Maio de 2004, a “D Co. Ltd.”, através de empresa filial e consórcia no Interior da China, transferiu, por onze vezes, um total de vinte milhões de renminbis para a conta bancária aberta pela “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada” em Shenzhen, a título de pagamento da caução da comercialização em duas províncias da China;
– em 20, 21 e 24 de Maio e 1 de Junho de 2004, o 2.o arguido deu instrução à “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada” para, por quatro vezes, transferir um total de três milhões de renminbis para uma conta bancária em Zhuhai (possuída por uma empresa explorada por um senhor conhecido em princípios de 2004 pelo recorrente) para ser entregue ao recorrente como recompensa do acto deste de ter convencido o ofendido para feitura do referido investimento;
– em finais de Maio de 2004, o ofendido obteve a notícia de inexistência do referido projecto de produção automóvel, e exigiu, de imediato, ao recorrente que apresentasse rescisão contratual à “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada”, e que pedisse a restituição da caução paga no valor de vinte milhões de renminbis;
– em 27 de Junho de 2004, o recorrente, em representação da “D Co. Ltd.”, assinou dois documentos de rescisão contratual com o 2.o arguido como representante da “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada”;
– em 28 de Junho e 6 de Julho de 2004, a “Sociedade de Investimento dos Automóveis F, Limitada”, por duas vezes, restituiu um total de dez milhões de renminbis para a empresa filial, no Interior da China, da “D Co. Ltd.”;
– e a partir de então, o 2.o arguido, com diversos pretextos, atrasou-se na devolução do dinheiro;
– os dois arguidos, ao praticarem intencionalmente os actos acima referidos, agiram livre, voluntária e conscientemente, com vontade comum e divisão de tarefas;
– ambos os arguidos sabiam que a conduta deles era proibida e punível por lei de Macau;
– os dois arguidos são delinquentes primários.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Começou por assacar o 1.o arguido ora recorrente ao Tribunal Colectivo recorrido o excesso na medida da pena do crime de burla em valor consideravelmente elevado por que vinha condenado, tendo imputado até ao mesmo Tribunal a violação da justiça relativa.
Pois bem, da matéria de facto já descrita como provada no texto decisório impugnado, e referenciada em súmula na parte II do presente acórdão de recurso, resulta que: afinal de contas, os dois arguidos, em vontade comum e por divisão de tarefas, acabaram por conseguirem obter à custa do ofendido o valor total de dez milhões de renminbis, dos quais ficaram três milhões para o próprio recorrente, sendo certo que o ofendido só ficou burlado por causa do acto de convencimento praticado inicialmente pelo recorrente.
Assim, a mera diferença, em “desfavor” do recorrente, no montante de “lucro final” do plano delinquente comum em causa (i.e., três milhões de renminbis para o recorrente, e sete milhões de renminbis para o 2.o arguido) não dá para neutralizar o papel promotor e relevante que o próprio recorrente desempenhou ao fazer com que o ofendido tenha começado a cair na armadilha da burla. Na verdade, sem as palavras de convencimento do recorrente e os arranjos dele para preparar o encontro do ofendido com o 2.o arguido, o ofendido não teria caído na armadilha preparada por ambos.
Por outro lado, há que salientar também que foi o próprio ofendido quem exigiu ao recorrente que procedesse à rescisão contratual e que exigisse ao 2.o arguido a devolução do capital investido, e, por isso, não foi o recorrente quem tomou a iniciativa de colaborar com o ofendido para fazer restituir o capital investido.
Não se vislumbra, deste modo, que o Tribunal recorrido tenha violado os ditames da justiça relativa ao fazer impor ao recorrente uma mesma pena de prisão achada também para o 2.o arguido.
De resto, vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas no acórdão recorrido, e atendendo principalmente à circunstância de que o ofendido acabou por ficar prejudicado no valor de dez milhões de renminbis, a pena de quatro anos e seis meses de prisão, graduada pelo Tribunal recorrido para o recorrente dentro da moldura legal de prisão aplicável de dois a dez anos de prisão (como tal prevista no art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP), já não admite – aos padrões mormente plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, e dadas as muito elevadas exigências da prevenção geral do tipo legal de crime em questão (por causa dos referidos avultados dez milhões de renminbis) – mais margem para a pretendida redução, ainda que o recorrente seja um delinquente primário.
Intocada que está a pena de prisão aplicada no acórdão recorrido ao recorrente, que é superior a três anos, já é inviável qualquer hipótese de se lhe suspender a execução da prisão nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com dez UC de taxa de justiça.
Macau, 11 de Julho de 2013.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
(Sem prejuízo do entendimento que assumi no acórdão deste T.S.I., a fls. 913 - 916)



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