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Processo n.º 413/2013 Data do acórdão: 2013-9-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– manifesta improcedência do recurso
– rejeição do recurso
S U M Á R I O

Mostrando-se evidentemente infundado o recurso, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos dos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 413/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 370 a 375v dos autos de Processo Comum Colectivo n.º CR3-12-0191-PCC do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o tinha condendo, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de dois crimes de extorsão, p. e p. pelo art.o 215.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e três meses de prisão, veio o arguido A, então julgado à revelia, e ulteriormente notificado pessoalmente desse veredicto, recorrer ordinariamente para este Tribunal, para rogar, a título principal, a sua absolvição total (por, no seu entender, e em síntese, o Tribunal Colectivo a quo ter errado na aplicação do direito, porquanto dos factos tidos por provados na decisão recorrida nada resultava no sentido de o próprio recorrente ter praticado quaisquer factos que integrassem, mesmo que só em parte, os elementos objectivos do crime de extorsão do art.o 215.o, n.o 1, do CP, relativos ao emprego de “violência” ou de “ameaça com mal importante”), ou, pelo menos, a aplicação, a seu favor, da figura de crime continuado, ou, ainda subsidiariamente, a suspensão da execução da pena de prisão, tendo acabado por imputar ao Tribunal a quo a incorrecta aplicação dos art.os 215.o, 29.o e 71.o do CP e ainda do art.o 248.o, n.o 3, do Código Civil (CC) (cfr. o teor da motivação de recurso, apresentada em original a fls. 437 a 450 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador no sentido final de defendida improcedência do recurso, para além de suscitar a questão prévia de a motivação do recurso ter sido apresentada fora do tempo (cfr. a resposta de fls. 465 a 470v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 503 a 504), pugnando primeiro pela extemporaneidade do recurso, sem ter deixado de preconizar subsidiariamente o não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, é de decidir da sorte do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem materialmente impugnada a matéria de facto já dada por fixada nas páginas 5 a 8 do texto do acórdão recorrido (ora a fls. 372 a 373v), até porque as três questões levantadas pelo arguido como objecto do seu recurso desse aresto são do foro eminentemente jurídico, é de considerar a mesma matéria de facto como totalmente reproduzida no presente acórdão de recurso, nos termos do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal (CPP).
Por outro lado, fluem do exame dos autos também os seguintes dados:
– o arguido ora recorrente foi julgado à revelia em primeira instância, e foi notificado pessoalmente, em 16 de Maio de 2013, do acórdão condenatório, ora recorrido, de 5 de Abril de 2013 (cfr. mormente o teor da certidão de notificação a que alude a fl. 386);
– em 27 de Maio de 2013, às 23:59 horas, começou a transmissão, por telecópia, da motivação do recurso do arguido e dos documentos conexos, e essa transmissão, no caso ininterrupta, só foi concluída três minutos depois (cfr. o teor nomeadamente de fls. 416 a 433), tendo o respectivo original sido apresentado à Secção Central do TJB em 28 de Maio de 2013, às 10:41 horas (cfr. o carimbo da entrada aposto na fl. 436).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe afirmar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal ad quem cumpre só resolver as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, perante os dados processuais pertinentes já acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, é de julgar ainda tempestiva a apresentação do recurso do arguido. De facto, e consabidamente, devido à limitação congénita do método de transmissão de documento por telecópia, não se pode transmitir num só segundo todo o documento por meio de telecópia, enquanto já é possível apresentar pessoal ou presencialmente o documento num só segundo. Portanto, tendo a transmissão por telecópia in casu começado, e sem interrupção, ainda antes da chegada do 11.o dia contado da notificação pessoal do acórdão recorrido, e tendo o original da motivação sido entregue no 1.o dia útil seguinte (ou seja, e no caso, no 11.o dia contado da mesma notificação pessoal), é de conhecer do recurso do arguido, com legitimidade e interesse processuais para o interpor.
E agora quanto ao mérito do recurso:
Da análise da fundamentação fáctico-jurídica do acórdão recorrido, sabe-se que:
– o arguido ficou aí condenado pela autoria material, na forma consumada, de dois crimes de extorsão, tendo o primeiro dos quais sido cometido concretamente em princípios de Março de 2006 contra B, e o segundo praticado contra C concretamente no período de 15 de Março de 2006 a Abril de 2006;
– o referido crime contra B foi praticado de modo seguinte, na sua essência: no dia 1 de Março de 2006, o arguido participou à Polícia Judiciária de Macau (PJ) que B, em comparticipação com D e E, lhe tinha emprestado dinheiro para jogar em estabelecimento de casino de Macau, com cobrança efectiva de juros ilícitos, o que levou a que a PJ tenha começado a investigar B nomeadamente; em 4 de Março de 2006, o arguido, através da D, fez dizer ao B que “... já participei o caso à PJ, se não pretende ser capturado e condenado em pena a propósito da usura e do sequestro, então não pode exigir o pagamento do dinheiro emprestado no valor de 300 mil dólares de Hong Kong...”, e ao mesmo tempo exigiu também ao B que lhe pagasse 30 mil dólares de Hong Kong como “despesas de transporte”; o ofendido B, por ter medo de ser capturado e condenado em pena, fez pagar efectivamente 30 mil dólares de Hong Kong ao arguido no dia 4 de Março de 2006;
– enquanto o segundo dito crime contra C foi cometido de forma seguinte, nos seus traços essenciais: em 5 de Março de 2006, o arguido participou às Autoridades de Segurança Pública da cidade de Fuzhou do Interior da China que ele foi raptado em 27 de Fevereiro de 2006 no Hotel Lisboa de Macau por oito pessoas incluindo D e E, na sequência do que estas duas pessoas vieram a ser detidas criminalmente pelas mesmas Autoridades Chinesas; pelo menos em 15 de Março de 2006, o arguido, através de uma senhora de identidade não apurada, exigiu dinheiro ao namorado da D, chamado C, como condição de desistência da queixa possibilitadora da libertação inclusivamente da D; em 5 de Abril de 2006, à tarde, num restaurante sito no Hotel Lisboa de Macau, o arguido exigiu ao ofendido C que lhe pagasse dinheiro, para o próprio arguido fazer libertar D dentro de três dias, caso contrário D iria ser condenada pelo menos em sete anos de prisão; essas palavras e conduta do arguido fizeram com que o ofendido C tenha sentido medo e tido preocupação da liberdade pessoal da D e da E; em 12 de Abril de 2006, à noite, o ofendido C e B chegaram ao referido restaurante do Hotel Lisboa para entrega do dinheiro ao arguido; e às 23:39 horas desse dia 12, B entregou dinheiro exigido pelo arguido nas mãos deste.
Como das circunstâncias fácticas já apuradas no acórdão recorrido, não pode resultar minimamente que aquando da prática dos dois casos de extorsão por que o arguido vinha condenado, os dois ofendidos respectivos (ou seja, B e C) e/ou as outras duas senhoras conhecidas pelos dois ofendidos (e chamadas D e E) estavam a dever dinheiro ou indemnização pecuniária ao arguido, há que cair por terra a tese defendida pelo arguido na sua motivação de que os “actos de extorsão” por si praticados em relação aos dois ofendidos não eram mais do que actos que materialmente representariam o exercício normal de um direito a que alude o art.o 248.o, n.o 3, do CC.
É certo que podia o arguido exercer o seu direito de queixa criminal contra quem quer fosse se assim entendesse, mas o que ele não poderia ter feito é ter exigido de algum indivíduo assim criminalmente participado ou do namorado de alguma senhora assim criminalmente participada o pagamento de algum dinheiro como condição da “falada desistência da queixa”, quando nenhuma dessas pessoas lhe deviam qualquer dinheiro.
A exigência do pagamento do dinheiro ao qual o arguido não tinha direito afasta claramente a aplicabilidade do n.o 3 do art.o 248.o do CC.
E do acabado de ser concluído, decorre que não pode proceder também a tese defendida pelo arguido de que ele, ao exigir dinheiro aos dois ofendidos acima identificados, não tenha chegado a empregar qualquer ameaça com mal importante.
Na verdade, é mais que evidente que a “perseguição criminal conducente à detenção e condenação penal a final” representa um mal importante para o indivíduo sob investigação criminal ou para o namorado da pessoa assim sob investigação.
E no respeitante à subsidiariamente pretendida aplicação da figura de crime continuado, tem que naufragar também manifestamente o recurso, porquanto em toda a factualidade já dada por provada no acórdão recorrido não se pode vislumbrar a mínima presença de qualquer “situação exterior” de que se fala no art.o 29.o, n.o 2, do CP como um dos requisitos cumulativos da activação da ficção legal de crime continuado.
Tendo o pedido de suspensão da execução da pena de prisão sido colocado pelo arguido na sua motivação como logicamente decorrente da pretendida procedência da questão do crime continuado, já não é necessário, por estar irremediavelmente prejudicado, o conhecimento dessa rogada suspensão da pena.
Em suma, improcede claramente o recurso, sem mais desenvolvimento por supérfuo, atento o espírito do art.º 410.º, n.º 3, do CPP, devendo o recurso, como tal, ser rejeitado em conferência (art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP).
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente, com custas pelo arguido recorrente, com sete UC de taxa de justiça e cinco UC de sanção pecuniária (referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal).
Comunique a presente decisão aos dois ofendidos.
Macau, 19 de Setembro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)


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