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Proc. nº 792/2012
(Recurso contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Setembro de 2013
Descritores:
-Notificação postal
-Aviso de recepção assinado por terceira pessoa
-Tempestividade do recurso contencioso
-Caducidade do direito de recorrer

SUMÁRIO:

I - A notificação de um acto desfavorável tem natureza receptícia, individual e pessoal.

II - A notificação por via postal sob registo respeita os cânones da comunicação pessoal e o direito que o destinatário tem de receber o acto na sua esfera de perceptibilidade.

III - A notificação por carta registada com aviso de recepção, comum nos procedimentos administrativos, considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio real do destinatário, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e dá-se por consumada no dia em que foi assinado o aviso de recepção, mesmo que por pessoa diversa do notificando.

IV - Deve, por maioria de razão, dar-se por realizada a notificação se o AR foi assinado por terceira pessoa com prévia autorização dada pelo notificando para o efeito, salvo nos casos de impossibilidade absoluta referente à pessoa do representante.

V - O prazo de interposição de recurso contencioso tem natureza substantivo, pelo que corre continuamente.

VI - Verifica-se a caducidade do direito de recorrer se, verificada a notificação nos termos referidos, a petição de recurso deu entrada no tribunal fora do prazo do art. 25º do CPAC.






Proc. nº 792/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo masculino, titular do BIRHK nº XXXXXXX (X), residente em Flat XX, X/F, XX, XX X/, XX, XX, em Hong Kong, interpôs directamente neste TSI recurso contencioso do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 27/04/2012, que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária nº P2633/2007/01/R.
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Contestou a entidade recorrida pugnando antes de tudo pela extemporaneidade do recurso.
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O recorrente pronunciou-se pela tempestividade da petição inicial e o digno Magistrado do MP tomou idêntica posição.
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Apreciando.
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II - Pressupostos processuais
1 - O tribunal é competente em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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2 - Outras excepções: Caducidade do direito de recorrer.
2.1 - Para análise desta excepção suscitada pela entidade recorrida, alinhemos previamente a matéria de facto mais relevante:
a) Como quadro dirigente, foi em 27/05/2008 autorizada a residência temporária em Macau ao recorrente, residente de Hong Kong, até 27/05/2011 (fls. 43 do p.a. e 31 do apenso “traduções”).
b) Pelo ofício 09730/GJFR/2008 foi o recorrente notificado de que deveria manter a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização e eu qualquer alteração ou extinção dessa situação jurídica deveria ser comunicada ao Instituto no prazo de 30 dias, sob pena de cancelamento.
c) Nessa ocasião, o recorrente prestava serviço à “Companhia XX Macau Airport Service”, como “Senior Duty Manager”, auferindo o salário mensal de Mop$ 38.881,00.
d) Nessa qualidade permaneceu ao serviço desta empresa entre 16/02/1996 e 31/10/2008.
e) A partir de 2/02/2009 passou a trabalhar para “XX XX Internacional Limited”, como director geral, auferindo o salário mensal de Mop$ 150.000,00.
f) Em 31 de Março de 2011 o recorrente apresentou declaração, dando conta da desligação do serviço com a primitiva empresa no dia 31/10/2008 (fls. 28 – 30 do p.a.).
g) Em 1 de Julho de 2011 o recorrente apresentou um pedido de renovação da autorização de residência e outro de desculpa pela tardia comunicação da mudança de empregador (fls. 31 – 32 do p.a.).
h) O recorrente apresentou em Abril de 2011 um “mapa de endereço de contacto”, informando que a pessoa a contactar, no caso de dificuldade de comunicação ao requerente, seria XXX, seu amigo. (fls. 39 do p.a. e 47 do apenso “traduções”).
i) O Secretário para a Economia e Finanças em 27/04/2012 decidiu indeferir o pedido de renovação da autorização de residência por o recorrente não ter feito a comunicação da alteração de empregador durante o período da concessão da autorização inicial de residência conforme o impunha o disposto nos arts. 18º e 19º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 (fls. 40 – 42 do p.a. e fls. 30 a 33 do apenso “traduções”).
j) Foi enviada ao recorrente uma carta regista com AR para a sua morada “Jardins do Oceano XX Court, Xº andar, ap. X”.
k) Esta carta foi levantada e assinada por XXX, ou XX, mediante a apresentação do respectivo documento de identificação e com autorização prévia do recorrente, tal como consta do documento de fls. 58 a 60 do p.a., em 14 de Junho de 2012.
l) O recurso contencioso deu entrada neste tribunal no dia 28 de Setembro de 2012.
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2.2 – Apreciando
Está em causa saber se o recurso contencioso foi tempestivamente interposto, tendo em conta o prazo que a lei consigna para o efeito (art. 25º, do CPAC) e a circunstância de a carta ter sido enviada para o endereço do destinatário, embora recebido por terceira pessoa.
São vários os problemas que a doutrina costuma erigir em torno da problemática da notificação. Ora se fala de questões relacionadas com a “inexistência de notificação”, como de “omissão de notificação”, ora se abordam problemas derivados do próprio procedimento de notificação e da forma de respeitar este dever, etc1.
Em boa verdade, do que se trata essencialmente aqui, pois de tudo o resto se sabe já, é apurar do valor do recebimento da notificação por terceira pessoa.
É que sendo o objecto da comunicação um acto administrativo, ainda por cima desfavorável à esfera do seu destinatário, cremos que qualquer outra afirmação se torna inviável senão a de reconhecer que o caso é de transmissão de um acto receptício. Isto é, decidida a questão que o recorrente colocou à Administração através de uma decisão direccionada à produção de efeitos numa situação individual e concreta (art. 110º do CPA), então a comunicação teria que ser concomitantemente individual2. E por outro lado, atendendo à função garantística que a notificação representa e ao papel integrativo de eficácia que se lhe reconhece, também teremos que abraçar a ideia de que a notificação a realizar não podia deixar de ser pessoal.
Simplesmente, a exigência da notificação não visa criar a certeza do conhecimento efectivo do acto, mas apenas a certeza jurídica da sua cognoscibilidade3. Na realidade, o valor da segurança realiza-se através de uma forma objectiva de conferir certeza legal à cognoscibilidade do acto por aquele a quem o seu conteúdo afectou4. Sérvulo Correia é, aliás, muito claro com as palavras que a seguir se reproduzem: “A cognoscibilidade significa a virtualidade da notificação possibilitar o conhecimento do acto notificando desde que o interessado se não recuse a adquirir essa ciência ou não crie um obstáculo destinado a impedir a comunicação”. Para prosseguir: “O que importa não é a efectiva transmissão do conhecimento, mas a criação de todas as condições para que ela tenha lugar, salvo falta da necessária colaboração do destinatário”. E por fim, rematar: “Podemos, pois, concluir que, quando uma pretensa notificação não foi produzida nos termos legalmente exigidos, se não cria a necessária situação objectiva de certeza legal da cognoscibilidade do acto notificando”5.
Portanto, desde que a notificação seja traduzida por uma comunicação oficial - quer dizer, efectuada pelo órgão próprio e com esse específico propósito, observando a forma da lei - respeita-se o direito que o destinatário tem de receber o acto na sua esfera de perceptibilidade6. Neste sentido, a notificação por via postal sob registo respeita os cânones da comunicação pessoal7. Na realidade, “quando se diz que a comunicação do acto administrativo deve ser pessoal, quer afirmar-se a necessidade de ela ser dirigida para a esfera de perceptibilidade do interessado (sendo portanto, um acto com destinatário individualizado), sem se curar de saber se o destinatário teve efectivo conhecimento do conteúdo da notificação” 8.
Ora, a notificação através dos correios é feita sob a forma registada, não havendo razão para distinguir neste aspecto o processo judicial do procedimento administrativo, significando isto que se deve aplicar, aqui, por razões de certeza, a regra do art. 201º do CPC, considerando-se provado o envio da notificação e o seu recebimento9.
A notificação por carta registada com aviso de recepção, aliás comum nos procedimentos administrativos10, considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio do notificando, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e dá-se por feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção. O conteúdo do artigo 254º do CPC aplica-se, com as necessárias aplicações, a qualquer notificação que haja de ser realizada11. Assim, dado o seu carácter receptício, é preciso que o seu conteúdo seja real e efectivamente dado a conhecer aos notificandos. E nesse caso, a notificação por carta registada com AR cumpre esse papel, sendo que o Aviso de Recepção funciona como formalidade "ad probationem" de entrega do documento ao destinatário12.
Assim, apenas se pode dar por consumada a notificação se o aviso vier assinado, mesmo que por pessoa diversa do notificando, desde que a morada do destino da correspondência seja, efectivamente, a do domicílio real da pessoa a notificar.
Pois bem. No caso em apreço, verificou-se o envio para a morada constante do recorrente, aquela por ele mesmo fornecida junto da Administração. De modo que se não pode deixar de considerar efectuada a notificação nos termos acabados de descrever.
Acresce que, na hipótese em apreço, ainda concorre uma outra circunstância que nos haverá de conduzir a semelhante conclusão. É esta: o recorrente indicou a identidade de terceira pessoa que por si podia ser notificada, de seu nome XXX (fls. 30 do p.a. e fls. 47 do apenso “traduções”). Ora, foi precisamente esta pessoa que, na residência do notificando, terá levantado o aviso e que nos correios procedeu ao levantamento da carta, de resto com escrita autorização do declarante, conforme se pode ler a fls. 60 do p.a.
É caso para perguntar: Não foi este representante capaz de fazer transmitir a carta ou o conteúdo da notificação ao destinatário? Não houve contacto tempestivo entre um e outro? Que importância isso terá? Vejamos.
O recorrente traz aos autos aquilo que para si se afigura ser causa de justificação (diz ele que estava em Hong Kong a cuidar da mãe doente e que quando se deslocou a Macau não encontrou este representante). Só que essa razão não é relevante, sem outros dados adicionais para afastar a regra que confere ao levantamento da carta, por quem tinha poderes para tal, o valor de notificação. Por isso, pensamos que este caso tem a solução que deriva dos termos acima expostos, sem necessidade de apelo analógico à presunção que resulta da aplicação conjunta dos arts. 182º, nº2 e 184º do CPC. É que no caso presente não vale a pena accionar qualquer espécie de exercício presuntivo, se a pessoa que assinou o AR e levantou a carta tinha efectivos poderes para o efeito. Tudo o que tiver ocorrido, ou não ocorrido, a partir desse momento passa-se no âmbito das relações internas entre ambos, salvo o caso de impossibilidade absoluta referente à pessoa do representante.
Não podemos, portanto, deixar de considerar efectuada a notificação no dia do levantamento da carta a notificação13, ou seja, em 14 de Junho de 2012.
Ora, o recurso, atendendo à residência do recorrente em Macau, deve considerar-se sujeito ao prazo de 30 dias, nos termos do art. 25º, nº2, al. a), do CPAC. Tal prazo tem natureza substantiva, face ao nº3, do artigo citado, pelo que corre continuamente. Consequentemente, deveria o recurso ter sido apresentado até ao dia 16 de Julho de 2012 (14-Sábado). O que quer dizer que é extemporânea a apresentação da respectiva petição no dia 28 de Setembro desse ano, estando assim verificada a excepção da caducidade do direito de recurso14, nos termos do art. 46º, nº2, al. h), do CPAC.
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III - Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente a excepção de caducidade do direito de recorrer e, em consequência, absolver a entidade recorrida da instância.
Custas pelo recorrente.
TSI, 19 / 09 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho

1 Ver, por exemplo, J. M. Sérvulo Correia, “Inexistência e Insuficiência de Notificação do acto Administrativo”, em «Estudos em Homenagem do Professor Doutor Marcelo Caetano», Coimbra Editora, Pág. 583 e sgs; Pedro Gonçalves, “Notificação dos actos Administrativos – Notas sobre a génese, âmbito, sentido e consequências de uma imposição constitucional”, na obra «Ab Uno Ad Omnes”, da Coimbra Editora, pág. 1091 e sgs; J. M. Sérvulo Correia, “Inexistência e Insuficiência de Notificação do acto Administrativo”, em «Estudos em Homenagem do Professor Doutor Marcelo Caetano”, Coimbra Editora, Pág. 583 e sgs.
2 Sérvulo Correia, ob. cit., pág. 605.
3 Pedro Gonçalves, ob. cit., pág. 1099.
4 Sérvulo Correia, ob. cit., pág. 595.
5 Ob. cit., pág. 595.
6 Pedro Gonçalves, ob. cit., pág. 1115 e 1117.
7 Aliás, pessoal também se considera no processo civil a citação por carta registada com AR, nos termos do art. 180º, nº2, al. a), do CPC.
8 Autor e ob. cits., pág. 1117.
9 M. Esteves de Oliveira e outros, CPA anotado, I, pág. 361, autores que, diferentemente do que sustentou o STA no seu Ac. de 12/04/94, Proc. nº 032284, entendem que as notificações procedimentais não precisam de se servir da regra das notificações judiciais (nº3, do art. 1º do DL 121/76), segundo a qual elas se presumem efectuadas no terceiro dia posterior à data do registo (ob. e loc. cits.).
10 Ac. STA, de 8/07/97, Proc. nº 040134.
11 Neste sentido, em termos de jurisprudência comparada, ver Ac. STA de 8/07/97, Proc. nº 040134; 24/05/2000, Proc. nº 041194.
12 Na jurisprudência comparada, ver Acs. STA de 11/02/2009, Proc. nº 90647/08; de 7/07/2005, Proc. nº 0553/05; 13/11/2003, Proc. nº 01889/02; de 04/05/2000, Rec. nº 45 905; de 08/07/97, Rec. nº 40 134. Também do TCA/S, de 21/03/2013, Proc. nº 05067/09.
13 Caso semelhante e com idêntica fundamentação, ainda que referente a uma citação judicial, ver recente acórdão do TSI, de 7/03/2013, Proc. nº 808/2012.
14 Excepção de natureza dilatória (não obstante haver jurisprudência em Portugal em sentido diferente, como por exemplo, o Ac. TCA/S de 10/01/2013, Proc. nº 07674/2011).
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