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Processo nº 865/2012
Data do Acórdão: 19SET2013


Assuntos:

Imposto do selo
Finalidade do prédio urbano


SUMÁRIO

Para a avaliação da matéria colectável para os efeitos do imposto do selo, na falta dos elementos essenciais (nomeadamente, as respectivamente licenças de construção e de utilização) no registo predial para determinar a finalidade/uso de um prédio urbano, à Administração Fiscal não será legítimo afirmar que o rés-do-chão se destina ao uso comercial e o 1º piso ao uso habitacional alegando simplesmente que o imóvel se não restringe unicamente à habitação podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento.




O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 865/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de recurso contencioso administrativo fiscal, interposto por A, devidamente identificado nos autos, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo e foram registados sob o nº 852/11-CF, foi proferida a seguinte sentença julgando procedente o recurso contencioso e anulando o acto recorrido:

1. RELATÓRIO:
A (doravante designada por “Recorrente”), casado, residente em Macau, xxxx, titular do BIR n.º xxx vem intentar o presente recurso contencioso fiscal contra a COMISSÃO DE REVISÃO DO IMPOSTO DO SELO (doravante designada por “Entidade Recorrida”),
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Os fundamentos de facto e de direito aduzidos pelo Recorrente constam da petição inicial constante de fls. 2 a 11 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Concluiu o Recorrente pedindo a revogação integral da deliberação recorrida.
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Regularmente citada, contestou a Entidade Recorrida nos termos constantes a fls. 53 a 63, onde se pugnou pela improcedência do recurso.
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Foram oportunamente apresentadas as alegações facultativas por ambas as partes.
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A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu Douto Parecer no sentido de ser anulada a deliberação.
***
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
O Recorrente dispõe de personalidade e capacidade judiciárias.
Ambas as partes estão dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.
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2. FACTOS:
Dos autos e do Processo Administrativo (P.A.) apensado, resulta assente a seguinte factualidade com interesse para o mérito da causa:
1) O Recorrente é o legítimo co-proprietário de uma quota correspondente a 50% do prédio urbano sito na Rua do Regedor, n.º 3, Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial da R.A.E.M., sob o n.º xxx. (fls. 41 a 45 do P.A.)
2) Segundo a Certidão do Registo Predial, o prédio tem a área de 48,6 metros quadrados. (fls. 42 do P.A.)
3) O prédio tem, de facto, a área aproximada de 51 metros quadrados. (fls. 107 a 109 dos autos)
4) O prédio é de natureza urbana, não constando da respectiva inscrição do Registo Predial nenhuma menção relativa à sua finalidade ou identidade estrutural.
5) Actualmente, o prédio tem uma construção composta por 2 pisos (rés-do-chão e 1º andar).
6) Relativamente a essa construção, a DSSOPT afirma não ter nenhum processo arquivado sobre a mesma. (fls. 109 dos autos)
7) Em 12/08/2009, o Recorrente e A, através de apresentação de declaração M/1, declararam junto da Direcção dos Serviços de Finanças a transmissão definitiva do prédio sito na xxx Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º xxx, a fls. 136V, do Livro B-45 e inscrito na matriz da Direcção dos Serviços de Finanças, sob o n.º 40574-00. (fls. 17 do P.A.)
8) O valor declarado pelo Recorrente e A foi de MOP2.000.000,00 (dois milhões patacas).
9) Em 12/08/2009, foi determinado pela Directora da Direcção dos Serviços de Finanças que o valor declarado pelo Recorrente e A foi provisório, o qual sujeitaria a avaliação oficiosa. (fls. 10 do P.A.)
10) Em 19/11/2009, foi avaliado pela 2ª Comissão de Avaliação de Imóveis o valor da fracção autónoma acima referida em MOP5.100.000,00 (cinco milhões e cem mil patacas). (fls. 14 a 16 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
11) Em 05/01/2011, o Recorrente reclamou junto da Comissão de Revisão do Imposto do Selo. (fls. 57 a 61 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
12) Em 09/03/2011, a Comissão de Revisão do Imposto do Selo deliberou, negando provimento à reclamação do Recorrente e mantendo a fixação do valor do imóvel transmitido acima referido em MOP5.100.000,00 (cinco milhões e cem mil patacas) (fls. 79 a 83 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13) Foi o Recorrente notificado, em 14/06/2011, dessa decisão através do ofício n.º 008B/L/CRIS/2011.
14) Em 14/07/2011, o Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra a deliberação proferida pela Comissão de Revisão do Imposto do Selo.
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3. FUNDAMENTOS:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Analisados os fundamentos invocados pelo Recorrente, a sua petição baseia-se em três razões:
1) a ilegalidade do acto recorrido por desrespeito pela força probatória derivada da certidão do registo predial, a qual indica que o bem imóvel tem apenas 48,6m2;
2) o erro nos pressupostos de facto e nos pressupostos essenciais do acto recorrido, a respeito da consideração de que o bem não se restringe unicamente à habitação, podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento;
3) a violação de lei vista uma alegada dupla tributação da mesma realidade.
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1. Da força probatória da certidão do registo predial:
Sustenta o Recorrente que a área do bem imóvel está provada plenamente por força do registo predial, sendo que, a Entidade Recorrida, ao desrespeitar a área constante no registo predial e considerar para efeitos da tributação do Imposto do Selo que o mesmo tem uma área total de 51 m2, com recurso às informações fornecidas pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), faz com que o acto recorrido enferme de violação de lei.
Vejamos.
Prevê-se nos artigos 7º e 8º do Código do Registo Predial:
“Artigo 7.º
(Presunções derivadas do registo)
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Artigo 8.º
(Impugnação dos factos registados)
1. Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em tribunal sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo.
2. Não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior.”
Quanto à aplicação do supra citado artigo 7º, ensina o Venerando TUI:1
  “O que o artigo 7.º nos diz são duas coisas:
  1.ª - O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe;
  2.ª - O registo definitivo constitui presunção de que o direito pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
  Logo, o registo a favor do ora recorrido faz presumir que ele é o proprietário do imóvel e que esse direito existe nos termos definidos no registo, com os ónus e encargos dele constantes.
  Mas o que o registo predial não faz presumir, manifestamente, é o regime de bens do casamento do adquirente, levado ao registo por constar da escritura pública de compra e venda.
  Como explica VICENTE JOÃO MONTEIRO2, referindo-se à presunção que no actual Código consta do artigo 7.º, “Esta presunção derivada do registo, apesar de elidível por prova em contrário (iuris tantum), actua no sentido de que, até essa prova, existe um direito que emerge do facto inscrito, que o mesmo pertence ao respectivo titular, e que esse direito incide sobre um objecto determinado: o prédio tal como se acha identificado na respectiva descrição”.
  O mesmo opina ISABEL PEREIRA MENDES3:
  “A presunção registral, elidível por prova em contrário, actua no sentido de que o direito registado:
  a) Existe e emerge do facto inscrito;
  b) Pertence ao titular inscrito;
  c) A sua inscrição tem determinada substância (objecto e conteúdo dos direitos ou ónus ou encargos nela definidos”.
  O casamento prova-se pela certidão respectiva e o regime de bens constante de convenção antenupcial, em contrário do regime supletivo de bens, comprova-se com certidão do respectivo documento.
  Por conseguinte, estaria fora de causa a necessidade do pedido de cancelamento de tal parte do registo, nos termos do artigo 8.º do Código do Registo Predial.”
Na mesma linha do entendimento, pronuncia-se doutamente o STJ de Portugal, no que diz respeito à área de prédio registada, que: “Não podem ser levadas a especificação, como factos assentes provados por documento, a área e as confrontações dos prédios constantes do registo predial, por não ser atribuível, nesse aspecto, à certidão, força probatória plena. A presunção juris tantum derivada do registo predial pressupõe que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas não abrange a área e as confrontações dos prédios. ” 4
No caso vertente, não obstante constar do registo predial que o imóvel tem uma área de 48,6m2, vem apurado pela entidade competente, i.e., a DSCC, que o mesmo tem, no fundo, a área aproximada de 51 m2.
Como refere a própria Entidade Recorrida, “a informação relativa à área de 51 metros quadrados a que a Comissão de Avaliação de Imóveis recorreu, foi facultada pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), tendo idêntico valor referencial face ao da Conservatória do Registo Predial (CRP), enquanto a informação da DSCC está relativamente mais actualizada.”
Não podemos deixar de concordar com a Entidade Recorrida, recorrendo à informação da DSCC que se apresenta mais actualizada para calcular o valor do imóvel, daí que é de improceder este argumento do Recorrente.
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2. Da finalidade do imóvel:
Entende o Recorrente que a Administração Tributária, ao considerar para efeitos de cálculo do Imposto do Selo, que a incidência do mesmo seria efectuada com base no pressuposto de que “(…) o dito imóvel não se restringe unicamente à habitação, podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento (…), ” incorre em erro sobre os pressuposto de facto, uma vez que, o imóvel é exclusivamente utilizado para fins habitacionais, sendo que tal presunção é contrária à lei.
Em resposta e contra essa posição, afirma a entidade recorrida que a finalidade do imóvel deve entender-se como a possibilidade de o imóvel vir a ser utilizado – a chamada utilização potencial – e não como o Recorrente entende, a utilização actual do imóvel, ou seja, o critério adoptado traduz-se em que a tributação não deve assentar no uso real pelo proprietário, mas antes deve ser tributada sobre o rendimento obtido atendendo à finalidade potencial do imóvel.
Quid Juris?
Ao abrigo do art.º 43º do RCPU, aplicável mutatis mutandis ex vi do art. 62º n.º 2º do RIS, a Administração Tributária, para efeitos de liquidação do imposto de selo por transmissão de um imóvel, procura avaliar o seu justo preço em regime de liberdade contratual.
Quanto à finalidade do imóvel, referiu-se na deliberação agora posta em crise que: “A avaliação do imóvel deve pautar-se pelo uso potencial para aquele previsto nos termos da lei, e não determinado subjectivamente pelos contribuintes. Atendendo a que o dito imóvel não se restringe unicamente à habitação, podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento, assim, devem ser observados os actuais critérios de avaliação adoptados pela Comissão de Avaliação de Imóveis (ou seja, finalidade comercial para o rés-do-chão, e residencial para os pisos superiores).”
Tal como doutamente observa a Digna Magistrada do M.P., o referido prédio não tem referência da sua destinação específica nos termos do art.º 4º da Lei n.º 6/99/M, de 17/12. Relativamente ao mesmo, não foi emitida licença de utilização nos termos dos art.º 47º a 51º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21/08, pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT).
Para além disso, é relevante para o caso presente as informações fornecidas pela DSSOPT constantes de fls. 109, designadamente, a afirmação dessa Direcção que: (fls. 109 dos autos)
“2. 由於本局沒有樓宇的案卷資料存檔,且上述地點沒有開立非法工程案卷,物業登記資料沒有顯示樓宇的組成部份及用途,而本局人員又未能進入樓宇檢查,因此未能確認樓宇是否包括地面層及一樓,以及樓宇的一樓是否不合法。基於以上原因,未能界定樓宇的用途及地面層是否可用作商業用途;
3. 關於上述樓宇現階段是否可用作商業用途,主要取決於樓宇是否符合現行的建築條例及消防條例對該用途的規定,如樓層高度、樓梯數目、走火距離及出口數目等技術因素。”
Nessa conjuntura, qual é a finalidade do prédio?
O artigo 195º do CC prevê o seguinte:
“1. São coisas imóveis:
a) Os prédios rústicos e urbanos;
b) As águas;
c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;
d) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos.
2. Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
3. Os direitos reais inerentes às coisas imóveis estão sujeitos, salvo disposição em contrário, ao regime dos imóveis.
4. Os negócios jurídicos que tenham por fim a aquisição de coisas consideradas imóveis apenas enquanto se encontrem ligadas a outras coisas imóveis estão sujeitos às regras dos negócios sobre móveis quando as partes as considerem nesta qualidade.”
À luz da norma acima transcrita, é de destacar que a transmissão de imóvel ocorrida no caso vertente não se limita à do edifício incorporado no solo (i.e., o rés-do-chão e o 1º piso), mas também o solo em si.
Focando somente no terreno (solo), não temos grande dúvida de que o mesmo pode ser destinado a fins comerciais, vista a sua natureza como terreno de propriedade privada, não havendo actualmente normas de planeamento urbano que proíbe essa possibilidade.
Todavia, o mesmo já não sucede para a edificação. Como já ficou consignado atrás, referindo-se ao prédio (edifício), nunca foram emitidas pela DSSOPT as licenças de construção e de utilização.
Como é sabido, a licença de utilização é emitida pela DSSOPT e tem por finalidade atestar a que uso se destina o edifício ou fracção e que eles se encontram aptos para o respectivo fim (cfr. Lei n.º 6/99/M, de 17/12; Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21/08; ou até os mais antigos Regulamento Geral da Construção Urbana referidos no art.º6º da Lei n.º 6/99/M, de 17/12).
No caso vertente, a falta de licenças de construção e de utilização pode porventura implicar duas coisas:
1) que a construção do edifício é uma obra ilegal;
2) que o edifício (nomeadamente o rés-do-chão) pode não estar em condições de ser usado para fins comerciais – tendo em conta os factores mencionados no ofício da DSSOPT (fls. 109 dos autos).
Aqui chegados e pese embora com razão um pouco diferente do Recorrente, é de anular o acto recorrido.
Ora, lembre-se que a decisão apurada pela Administração Tributária é que o rés-do-chão pode ter finalidade comercial, enquanto o 1º piso tem finalidade habitacional.
Acolhemos a douta opinião do M.P., que na falta dos elementos essenciais (nomeadamente, as respectivamente licenças de construção e de utilização) para determinar a finalidade/uso do prédio em causa, não será legítimo afirmar que o uso comercial do rés-do-chão e uso habitacional do 1º piso do edifício em causa sejam “previstos nos termos da lei” e que “o dito imóvel não se retringe unicamente à habitação podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento”.
Destaca-se ainda que “se tivesse sido aberto um processo por construção ilegal relativamente a este prédio, seria ainda possível determinar o preço ‘justo’ do imóvel, tendo por base factos ilegais? Poderia a Autoridade Fiscal ter em conta 2 pisos de determinada fracção autónoma para efeitos de liquidação de imposto por ter verificado a existência de um andar ilegalmente construído no terraço?”
Para nós, é porventura aceitável a avaliação baseando somente na área de 51m2 do terreno - solo (que pode ser usado para fins comerciais atenta a sua natureza da propriedade privada). No entanto, não podemos deixar de questionar a legalidade de o 1º piso – sendo integrado num edifício que pode eventualmente ser uma obra ilegal – ser avaliado como se fosse legalmente admissível para fins habitacionais.
Aqui chegados, é de concluir pela violação dos artigos 32º e 43º do RCPU, aplicável ex vi do art. 62º n.º 2º do RIS.
*
3. Da alegada dupla tributação:
De facto, na suposição de que o edifício seja uma obra legal, a forma de cálculo da Administração Tributária não padeceria do vício de dupla tributação assacada pelo Recorrente, já que, o raciocínio da Administração Tributária é avaliar o prédio tendo como base que este tem dois pisos, e que o rés-do-chão com área superficial de 51m2 se destina a fins comerciais enquanto uma outra área superficial de 51m2 do 1º piso se destina a fins habitacionais.
Seja como for, como é de anular o acto recorrido, torna-se inútil conhecer desse argumento.
*
Tudo ponderado, resta decidir.
***
4. DECISÃO:
Nos termos e fundamentos expostos, o Tribunal anula a deliberação n.º 005_A/CRIS/2011 tomada pela Entidade Recorrida em 09/03/2011.
Sem custas, por isenção legal.
Notifique e registe.

Notificada e inconformada com a sentença, veio a entidade recorrida Presidente da Comissão de Revisão do Imposto do Selo interpor recurso jurisdicional dele para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:


Vem o presente recurso interposto sobre a decisão constante na douta sentença de fls. 120 a fls, 124 dos autos, que anulou a deliberação n.º 005_ A/CRIS/2011 da Comissão de Revisão do Imposto do Selo.
IIª
A Sentença recorrida, ajuizando sobre a violação dos artigos 32.° e 43.° do RCPU pela Comissão, incorre em erro de julgamento, uma vez que não são aplicáveis ao presente caso as disposições do RCPU.
IIIª
Igualmente, como atrás foi exposto, somente as situações mencionadas nos artigos 62.°, n.º 2 e 66, n.º 1 do RIS se deverá determinar que a avaliação a efectuar deverá ser empreendida segundo o disposto no RCPU - o que não é o presente caso, incorre, deste modo em erro de julgamento.
IVa
Por outro lado, importa salientar que a deliberação foi posta em causa, pelo Tribunal "a quo ", por um facto que não foi ainda provado - a ilegalidade do 1.º piso do prédio.
Va
Aduz-se na Sentença que na falta de licenças de construção, pode porventura implicar que a construção seja ilegal - entretanto, sublinha-se que a informação fornecida pela DSSOPT sobre se a construção do 1.º piso é legal foi: a inexistência de processo de construção ilegal em relação ao prédio em causa.
VIª
Como tal, apenas se pode concluir que foi verificado pela DSSOPT dentro dos elementos existentes, que não foram encontrados quaisquer processos (seja de concessão de licenças de obras e/ou de construção ilegal) relativamente ao prédio em causa, mas não é lícito afirmar que o prédio constitui uma obra ilegal, uma vez que o Serviço competente nestas matérias também não o afirma.
VIIª
Entretanto, o facto de que porventura o edifício seja uma obra ilegal, pelas razões acima melhor apontadas, tal circunstância não afecta o processo de liquidação do imposto do selo, uma vez que o imposto do selo recai sobre os documentos ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de fruição do bem - ou seja, não importa, para efeitos fiscais, se o acto é inválido, o imposto do selo é na mesma devida.
VIIIª
Parece-nos, ainda, importante salientar que, a DSSOPT é o Serviço com competência exclusiva para o controlo e fiscalização do cumprimento dos diplomas legais sobre a construção urbana, ao passo que, de acordo com o artigo 70.º do RIS, a DSF no desempenho das funções de inspecção diz respeito somente à verificação do cumprimento das obrigações ficais pelos contribuintes (o que é lógico, uma vez que não é elemento essencial o processo de construção do prédio para efeitos de liquidação do imposto).
IXa
Por conseguinte, visto que houve aplicação incorrecta de normas jurídicas e erro de julgamento pelo Tribunal "a quo", conclui-se no sentido de não assistir fundamento gerador de qualquer anulação, uma vez que a deliberação recorrida não padecia de qualquer vício.
NESTES TERMOS, deve a douta sentença recorrida ser revogada, como é de Lei e de Justiça.

Ao recurso jurisdicional não respondeu o recorrido A.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 152 – 153).

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.


II

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, confrontada a petição do recurso contencioso e a fundamentação da sentença recorrida com as questões delimitadas nas conclusões do presente recurso jurisdicional, verifica-se que a ora recorrente se limitou a questionar a bondade da sentença recorrida de anulação no que diz respeito à questão de aplicabilidade dos artºs 32º e 43º do RCPU (Regulamento da Contribuição Predial Urbana) à avaliação do imóvel em causa e à da finalidade do imóvel e que todas as questões que constituem o objecto do presente recurso já foram devidamente rebatidas na douta sentença ora recorrida, que merece a nossa inteira concordância, assim como na pertinente observação feita no douto parecer ora junto pelo Dignº Representante do Ministério Público em sede de vista nesta Instância.

Ai opinou o Dignº Representante do Ministério Público que:

Sem prejuízo do respeito pelo entendimento diferente, afigura-se- nos que não se verificam "aplicação incorrecta de normas jurídicas e erro de julgamento" invocados pela Comissão de Revisão do Imposto de Selo nas Alegações do recurso jurisdicional em apreço (cfr. fls.130 a 140 dos autos).
Senão vejamos.
*
Lê-se, na deliberação contenciosamente recorrida (doc. de fls.15 a 19 dos autos, sublinhado nosso), a seguinte passagem: 1. A avaliação do imóvel deve pautar-se pelo uso potencial para aquele previsto nos termos da lei, e não determinado subjectivamente pelos contribuintes. Atendendo a que o dito imóvel não se restringe unicamente à habitação, podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento, assim, devem ser observados os actuais critérios de avaliação adoptados pela Comissão de Avaliação de Imposto (ou seja, finalidade comercial para o rés-do-chão, e residencial para os pisos superiores).
O que revela que a Comissão de Revisão confirmou e absorveu os critérios adoptados pela Comissão de Avaliação, que se consubstanciam na fórmula de «finalidade comercial para o rés-do-chão, e residencial para os pisos superiores».
Repare-se que no que respeite ao prédio posto à avaliação, não há título constitutivo da propriedade horizontal, nem licença de construção nem ainda a licença de ocupação. E, a Administração Fiscal não teve realizado diligências capazes de demonstrar que o rés-do-chão fosse servido efectivamente a finalidade comercial.
Sendo assim, parece-nos que não são firmes, mas sim duvidosos os critérios de «finalidade comercial para o rés-do-chão, e residencial para os pisos superiores». O que implica que a Administração Fiscal deu como assente um facto que, na realidade, não estivesse provado. Daqui resulta um erro nos pressupostos de facto da deliberação recorrida.
De outro lado, não se vislumbra, no caso vertente, disposição legal ou decisão administrativa que possa solidamente suportar o dito "uso potencial para aquele previsto nos termos da lei".Pois, foi a Administração Fiscal quem conceitua subjectivamente tal "uso potencial" e adivinhou "podendo a sua finalidade ser alterada a qualquer momento"
Tudo isto reforça-nos a sufragar a seguinte perspectiva do Memo. Juiz (cfr. último parágrafo de fls9 da sentença em crise): "No entanto, não podemos deixar de questionar a legalidade de o 1º piso - sendo integrado num edifício que pode eventualmente ser uma obra ilegal - ser avaliado como se fosse legalmente admissível para fins habitacionais."
De facto, o RIS não estabelece consagração expressa do dever de fundamentação previsto nos arts.43º do RCPU, 18º n.º3 do RIP e 41º n.º2 do RICR. E não nos parece duvidoso que a remissão consignada no n.º2 do art.62º do RIS abrange o art.32º do RCPU.
Nestes termos, somos levados à impressão de não merecer censura a posição do Memo. Juiz a quo de que «Aqui chegados, é de concluir pela violação dos artigos 32º e 43º do RCPU, aplicável ex vi do art.62º n.º2 do RIS.», embora possa ser impertinente a referência ao art.43° do RCPU.
***
Em síntese, entendemos que não existem «aplicação incorrecta de normas jurídicas e erro de julgamento» assacados à douta sentença posta em crise, pelo que não procede o recurso jurisdicional em apreço.

Cremos que já demonstramos a sem razão do recurso jurisdicional interposto pela entidade recorrida ao aderirmos à douta sentença ora recorrida no que diz respeito à questão de aplicabilidade dos artºs 32º e 43º do RCPU (Regulamento da Contribuição Predial Urbana) à avaliação do imóvel em causa e à da finalidade do imóvel, e ao douto parecer do Ministério Público, a que apenas nos limitamos a acrescentar, ex abundantia, que a remissão expressa feita no artº 62º/2 do Regulamento do Imposto do Selo* deve ser interpretada extensivamente por forma a abranger também os bens imóveis que, não sendo embora omissos na matriz, se encontram deficientemente descritos no registo predial por falta nomeadamente da menções em determinados aspectos com relevância à avaliação para efeitos fiscais, designadamente a falta de menção do fim a que se destina o imóvel.

Assim sendo, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, ex vi do artº 149º do CPAC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da entidade recorrida e confirmando a decisão recorrida.


Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Sem custas por a recorrente beneficiar da isenção subjectiva.

Registe e notifique.

RAEM, 19SET2013

Lai Kin Hong Presente
Choi Mou Pan Victor Coelho
João A. G. Gil de Oliveira



1 Ac. TUI, de 10/06/2011, no proc. n.º 19/2011.
2 VICENTE JOÃO MONTEIRO, Noções Elementares do Registo Predial de Macau, Direcção dos Serviços de Justiça, 1997, Macau, p. 31.
3 ISABEL PEREIRA MENDES, Código do Registo Predial Anotado e Comentado e Diplomas Conexos, Coimbra, Almedina, 17.ª edição, 2009, p. 178.
4 Ac. STJ, no proc. n.º 082672, in www.dgsi.pt
*Artigo 62.º
1. A avaliação prevista no n.º 2 do artigo anterior é proposta pelo chefe da Repartição de Finanças de Macau ao director dos Serviços de Finanças que, em caso de concordância, remete o processo à Comissão de Avaliação de Imóveis.
2. Às avaliações de bens imóveis omissos na matriz e às avaliações extraordinárias aplica-se o disposto no Regulamento da Contribuição Predial Urbana.

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