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Processo n.º 16/2014. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Prejuízo de difícil reparação.
Data da Sessão: 2 de Abril de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  I – Os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, tendentes ao decretamento da suspensão da eficácia de acto administrativo, são de verificação cumulativa.
  II – O requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 121.º do mesmo diploma (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar.
  III – O requisito do prejuízo de difícil reparação pressupõe a alegação de factos concretos donde resulte o mencionado prejuízo, não bastando a alegações de considerações genéricas e conclusivas que não permitam ao tribunal apurar se aquele requisito se verifica.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 29 de Novembro de 2013, que revogou a autorização de residência temporária anteriormente concedida ao requerente.
Por acórdão de 20 de Fevereiro de 2014, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido.
Inconformado, interpõe o requerente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
Termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- O procedimento de suspensão de eficácia requerida nos autos evita que ao requerente seja retirado o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente e com isso sejam também cancelados todos os direitos a ele inerentes tais como a liberdade de poder exercer as suas funções no âmbito do contrato de trabalho a que se vinculou enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente, de se deslocar e fixar em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, de viajar, sair da Região e regressar a esta com o mesmo estatuto de residente, etc.
- Evitando também que este tenha que cancelar todos os compromissos que resultam da relação contratual a que se vinculou e, bem assim colocar a empresa que o contratou numa situação de incumprimento dos compromissos a que se vinculou com terceiras empresas a curto, médio e longo prazo, conforme se pode retirar dos documentos juntos aos autos.
- E no caso, é inquestionável que a consequência necessária e directa da não manutenção da autorização de residência é o imediato cancelamento dessa mesma relação laboral e de todos os compromissos que nesse âmbito estavam projectados.
- A que acrescem os custos sociais e económicos que tal decisão acarretará para o Recorrente, nomeadamente, o facto de abruptamente o Recorrente deixar de poder auferir um salário e consequentemente deixar de se poder sustentar condignamente.
O Exm.º Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
- Em 17MAR2011, o requerente foi contratado, na qualidade de trabalhador não residente, com salário mensal de MOP$75.000, 00, pela [Companhia (1)], para desempenhar as funções de Director of Hotel Operations and F&B;
- Foi com fundamento nesse vínculo contratual com a [Companhia (1)], ao requerente foi concedido a autorização de residência temporária cuja validade terminaria em 03JAN2014;
- O vínculo contratual terminou em 15FEV2013;
- O requerente não constituiu uma nova situação jurídica determinativa da concessão da autorização de residência que lhe foi concedida, decorrido o prazo de 30 dias para o efeito fixado pelo IPIM;
- Por despacho, datado de 29NOV2013, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, foi revogada a supracitada autorização da residência temporária.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada, seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no art. 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que, não tendo a requerente alegado factos donde decorresse que a execução do acto lhe causaria previsivelmente prejuízo de difícil reparação, a providência estava condenada ao insucesso e assim decidiu, indeferindo a mesma.
O requerente recorre, entendendo que alegou oportunamente factos que integram o mencionado requisito “que a execução do acto lhe causaria previsivelmente prejuízo de difícil reparação”.
É esta a questão a apreciar.

2. Verificação cumulativa dos requisitos
No sistema administrativo de Macau e nos semelhantes, designados de administração executiva, “Os actos administrativos são executórios logo que eficazes” (n.º 1 do art. 136.º do Código de Procedimento Administrativo) (CPA).
  Por isso, a Administração não precisa de recorrer aos tribunais para executar os actos administrativos. Dispõe o n.º 2 do art. 136.º do CPA que “O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos admitidos por lei”.
  Por outro lado, a interposição de recurso contencioso de anulação do acto administrativo não tem, em regra, efeito suspensivo do acto (embora haja casos expressamente previstos na lei, em que o tem).
  No caso dos autos, a interposição do recurso contencioso de anulação não suspende a execução do acto.
Não obstante, a lei prevê, como providência cautelar, a suspensão da eficácia dos actos administrativos, estatuindo o art. 121.º do CPAC:
“Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.

É manifesto que os três requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 são de verificação cumulativa, pelo que basta a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas hipóteses previstas nos n.os 2, 3 e 4.1
Mais rigorosamente, o requisito da alínea a), que é o que está em causa (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso de anulação) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto tenha a natureza de sanção disciplinar, o que não é o caso.

3. Prejuízos de difícil reparação
A interposição de um recurso jurisdicional pressupõe um diálogo entre a decisão recorrida e a alegação do recorrente, em que este responde às considerações vertidas na decisão recorrida.
Não foi o caso dos autos.
O requerente, no seu requerimento em que pediu a providência, alegou determinados factos.
O acórdão recorrido respondeu a tal alegação.
Esperar-se-ia que, no recurso jurisdicional, o recorrente respondesse às questões suscitadas pelo acórdão recorrido a propósito do seu requerimento inicial.
Esperar-se-ia, mas não é isso que acontece.
O recorrente na sua alegação de recurso limita-se a repetir o conteúdo do seu requerimento inicial, como se não tivesse existido o acórdão que sobre aquele se pronunciou. Não responde às objecções do acórdão recorrido à sua argumentação constante do mencionado requerimento inicial.
Vejamos, no requerimento inicial, alegou o requerente, de útil, quanto ao requisito do prejuízo de difícil reparação, o seguinte:
- Face ao cancelamento da autorização de residência e consequente cancelamento da sua relação laboral não poderá o requerente fazer face às despesas em que se constituiu na expectativa de se manter em Macau;
- O cancelamento da autorização de residência e consequente cancelamento da sua relação laboral tem como consequência a supressão da única fonte de rendimento em Macau.
Quanto a esta alegação, respondeu o acórdão recorrido que:
- “Foi o requerente que optou voluntariamente por vir a trabalhar em Macau, o que não quer dizer que ele não pode ganhar o sustento da sua vida em outros sítios do mundo, pois notoriamente existe no nosso mundo grande abundância de sítios onde existem condições de vida e trabalho iguais ou até muitíssimo melhores do que em Macau”.
Percorre-se a alegação de recurso do recorrente e não se encontra qualquer resposta a esta fundamentação.
Na verdade, o recorrente, cidadão espanhol, tinha apenas autorização temporária para residir em Macau. Há-de poder viver e trabalhar em outros locais do globo. A mera alegação de que não pode continuar a viver e a trabalhar em Macau, não constitui prejuízo de difícil reparação, sem a alegação de outros factos adjuvantes, de que tanto o requerimento inicial como a alegação de recurso são carentes.
Alegou, ainda, o requerente que não pode cumprir a relação laboral a que se vinculou.
Isso é certo, mas daqui não se retira que haja para si qualquer prejuízo, designadamente, por força de ressarcimento da sua nova entidade laboral. Mas se houver, tal prejuízo não se deve qualificar como de difícil reparação.
Não merece censura o acórdão recorrido.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 2 de Abril de 2014.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 Neste sentido, para legislação semelhante, ao tempo, à de Macau, cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2000, p. 176.
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