打印全文
Processo nº 315/2013 Data: 12.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “emprego ilegal”.
Pena.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Nenhuma censura merece a condenação de um arguido autor de dois crimes de “emprego ilegal” nas penas parcelares de 4 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, já que sendo um crime que, infelizmente, ocorre com alguma frequência, fortes são também as necessidades de prevenção geral.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 315/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em processo sumário respondeu A, com os sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor material da prática, em concurso real, de 2 crimes de “emprego ilegal”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão cada, e em cúmulo, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 47 a 50-v).

*

Inconformado, o arguido recorreu, manifestando apenas a sua discordância com a pena que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 56 a 63).

*

Respondendo, pugna o Ministério Público no sentido da rejeição do recurso; (cfr., fls. 71 a 74).

*

Em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“A, ora arguido dos presentes autos, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de emprego ilegal p.° p.° pelo art.° 16 n.° 1 da Lei n.° 6/2004, nas penas parcelares de 4 meses de prisão por cada crime, e, em regime de cúmulo jurídico, das penas parcelares na pena conjunta de 7 meses de prisão, com suspensão de 2 anos sob condição de fornecimento de contribuição de MOP8000 à R.A.E.M. dentro de dois meses a contar da data de trânsito em julgado da sentença em causa.
Inconformado com a decisão, apenas em relação à medida da pena conjunta condenada, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando violação dos art.s° 40, 65 e 71 do C.P.M. e solicitando a redução da pena conjunta de prisão do recorrente A para medida inferior a 5 meses, substituível por multa nos termos do art.° 44 n.° 1 do C.P.M..
Analisados os autos, em completa sintonia com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, entendemos correcta a douta sentença recorrida, por força da consequência jurídica exigida pelo art.° 16 n.° 1 da Lei n.° 6/2004, bem como dos art.s° 40, 65, 71 e 48 do C.P.M..
Vale a pena destacar aqui o brilhante entendimento do Dr. Jorge de Figueiredo Dias sobre a natureza do concurso de crimes, na sua conhecida obra «Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime», 2.a Reimpressão:
"Em suma, pois, a punição do concurso de crimes constitui exactamente apenas um caso especial de determinação da pena." (fls. 393, § 392).
"Em princípio, dir-se-ia nada opor a que o tribunal considerasse que qualquer das penas parcelares de prisão deveria ser substituída, se legalmente possível, por uma pena não detentiva. Não pode, no entanto, recusar-se neste momento a valoração, pelo tribunal, da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências da prevenção, nomeadamente da prevenção especial. Por outro lado, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição." (fls. 410, § 409).
"Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena..., um critério especial: «na determinação concreta da pena (do concurso) serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» ... " (fls. 421, § 420).
In casu, entre a moldura abstracta da pena (pena de prisão até 3 anos) prevista no art.° 16 n.° 1 da Lei n.° 6/2004, o Tribunal a quo condenou com uma pena parcelar de 4 meses de prisão. Embora seja possível a aplicação imediata do disposto no art.° 44 do C.P.M. face ao preenchimento do requisito formal dessa decisão de pena parcelar condenada, o Tribunal a quo decidiu valorizar a situação de concurso dos dois crimes cometidos pelo recorrente, decidindo a não substituição de pena não detentiva prevista no art.° 44 do C.P.M., mas sim a condenação de uma pena conjunta de 7 meses de prisão, com suspensão de 2 anos nos termos do art.° 48 do C.P.M., sob condição de fornecimento de contribuição de MOP8000 à R.A.E.M. dentro de dois meses a contar da data de trânsito em julgado da sentença.
Conforme a respeitosa doutrina que nós acabamos de mostrar, nada de incorrecto feito é pelo Tribunal a quo quanto à medida de pena de cada um dos crimes em concurso.
Ainda, como se sabe que é sempre livre o tribunal para fixar a pena, dentro da moldura penal de cada crime, é obrigatório atender às exigências de prevenção criminal e à culpa do agente, e, como acima temos apreendido, é completamente aceitável pela lei uma vez o Tribunal a quo faria decisão em consideração também, em conjunto, dos factos e a personalidade do recorrente, como requisitado no art.° 71 do C.P.M..
Vejamos que, no caso sub judice, o recorrente, não residente de Macau, explorou a sua actividade comercial sem cumprimento das normas jurídicas locais, empregando trabalhadores sem autorização legal, mostrando assim o dolo intenso de perturbar a ordem e a tranquilidade social de Macau.
Como já foi demonstrado na fundamentação da decisão recorrida, tendo ponderado todas as circunstâncias e pressupostos previstos nos art.s° 40 e 65 do C.P.M., especialmente a tendência de aumento desse tipo-de-ilícito penal, que prejudica o direito de mão-de-obra dos residentes e legais, entendemos que certo é o entendimento do Tribunal a quo na decisão relativa à pena conjunta aplicada ao recorrente, pois 7 meses de prisão foi medida dentro de moldura penal, ou seja, entre 4 meses e 8 meses, nos termos do art.° 71 do C.P.M., no atendimento das exigências de prevenção criminal (geral e especial), culpa do recorrente, bem como dos factos e personalidade, em conjunto, do recorrente.
Não há espaço para reduzir a pena conjunta, ao nosso ver, nem há lugar à aplicação do art.° 44 do C.P.M..
Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso do arguido A, por não se vislumbrar nenhum vício ou violação de quaisquer normas ou regras jurídicas na douta sentença recorrida”; (cfr., fls. 89 a 90-v).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 48-v a 49, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Inconformado com a sentença que o condenou como autor material da prática, em concurso real, de 2 crimes de “emprego ilegal”, p. e p. pelo art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2009, na pena de 4 meses de prisão cada, e em cúmulo, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, vem o arguido dos autos recorrer, insurgindo-se apenas quanto à pena que lhe foi imposta.

Entende ser a mesma excessiva, pedindo uma “pena não privativa da liberdade”.

Pois bem, identificada que assim fica a questão a tratar, vejamos, consignando-se desde já que o presente recurso se nos apresenta manifestamente improcedente.

Com efeito, e como sabido é, o crime de “emprego ilegal” pelo ora recorrente cometido é punido com a pena de prisão até 2 anos; (cfr., art. 16°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004).

Em matéria de “penas” importa atentar no estatuído no art. 40° do C.P.M. onde se estatui que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, nos termos do art. 65° do mesmo Código:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

No que toca a este art. 65°, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 06.12.2012, Proc. n° 903/2012).

Dito isto, vejamos.

Será excessiva a pena parcelar de 4 meses de prisão fixada para cada 1 dos crimes pelo recorrente cometidos?

Ora, decididamente, não vemos como, sendo de subscrever o douto entendimento pela Ilustre Procuradora Adjunta exposto no seu Parecer, pouco havendo a acrescentar.

De facto, a mesma está a 3 meses do seu limite mínimo, a 8 do seu meio e a 20 do seu máximo, em causa não estando a aplicação do art. 64° do C.P.M., já que a pena aplicável não é uma “pena de prisão ou de multa”.

E, atenta a necessidade de prevenção criminal, já que se trata de 1 crime que, infelizmente, ocorre em Macau com (bastante) frequência, evidente se nos mostra que nenhuma censura merece a pena pelo Tribunal a quo fixada.

Quanto ao cúmulo jurídico, preceitua o art. 71° do C.P.M. que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

Atento o n.° 2 do transcrito comando legal, desde logo se verifica que a pena única fixada se encontra dentro na moldura penal em questão.

Por sua vez, atento o preceituado no n.° 1 do mesmo preceito, tem este T.S.I. entendido que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012).

E aqui chegados, cremos que censura também não merece a pena única de 7 meses de prisão fixada, que não deixou o Tribunal a quo de suspender na sua execução por um período de 2 anos, (mal se compreendendo aliás o inconformismo do ora recorrente no que toca ao seu pedido de uma pena não privativa de liberdade, já que, como é evidente, aplicável não é o art. 44° do C.P.M.).

Com efeito, os factos demonstram que o arguido agiu com dolo directo, intenso, incorrendo num crime que podia perfeitamente evitar, já que é dono de um restaurante, tendo aí vários trabalhadores, dos quais, os dois que deram origem aos crimes cometidos, notando-se, também, que estes já lá trabalham a algum tempo, não sendo, portanto, aquilo a que se poderia considerar uma “solução de recurso”.

Dest’arte, mostra-se-nos de considerar o presente recurso manifestamente improcedente, impõe-se a sua consequente rejeição.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 12 de Setembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


Proc. 315/2013 Pág. 10

Proc. 315/2013 Pág. 1