打印全文
Processo nº 527/2013 Data: 19.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto”.
Atenuação especial da pena.
Cúmulo jurídico.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. Provado estando que num espaço temporal inferior a 1 mês cometeu o arguido vários crimes de “furto”, (6, sendo punido por 5 dada a desistência em relação a 1), e que não obstante a recuperação de alguns bens, mantém os ofendidos um prejuízo de cerca de MOP$500.000,00, inviável é uma atenuação especial da pena.

3. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico deve-se considerar “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 527/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão de 15.07.2013 do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- 3 crimes de “furto de valor elevado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) do mesmo C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão cada; e,
- 1 crime de “furto de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. a) do dito C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão; (cfr., fls. 490 a 506 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido, veio o arguido recorrer para, em síntese, pedir a atenuação especial da pena ou a sua redução; (cfr., fls. 525 a 533).

*

Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 536 a 540-v).

*

Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando pela também pela total improcedência do recurso; (cfr., fls. 563 a 564-v).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 495 a 501, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática em concurso real de:
- 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- 3 crimes de “furto de valor elevado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) do mesmo C.P.M. na pena de 1 ano e 3 meses de prisão cada;
- 1 crime de “furto de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. a) do dito C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e,
em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão.

E, como se deixou relatado, pede, apenas a atenuação especial ou redução da pena, valendo a pena aqui transcrever o que (em síntese) alega para justificar tal pedido:

“Vindo o Recorrente acusado da prática de seis crimes de furto, foi em Audiência de Discussão e Julgamento aceite pelo Recorrente a desistência de queixa do 6.º ofendido o B.
Ficando o Recorrente acusado da prática de cinco furtos.
De acordo com o Douto Acordão a fls. 28 e 29, apurou-se que houve a restituição ao 3.º ofendido C e 4.º ofendido D dos respectivos telemóveis, tendo o Recorrente causado a cada um dos ofendidos danos patrimoniais no montante respectivamente de MOP$20.600,00 (vinte mil e seiscentas patacos) e MOP$23.278,00 (vinte e três mil duzentas e setenta e oito patacos).
De acordo com a douta Acusação Pública o aprendido nos autos resultou na recuperação dos seguintes valores HKD 91.810,00; MOP$300,00; RMB$10.055,00; fichas de HKD$14.000,00.
Adicionando o depósito de indemnização efectuado voluntariamente pelo Recorrente no montante de MOP$50.000,00 (cinquenta mil patacas), no total ficou disponível para efeitos de indemnização aos ofendidos nos autos o montante de MOP$ 172.373,90 (cento e setenta e duas mil trezentos e setenta e três patacos e noventa avos) valor este que será repartido por todos os ofendidos nos termos seguintes (vide fls. 29 da Sentença):
- Ao primeiro ofendido será entregue o montante de MOP$ 111.37090 restando o balanço de MOP$321.836,30 contando-se juros de mora desde a data da Sentença;
- Ao segundo ofendido será entregue o montante de MOP$31.135,70 restando o balanço de MOP$89.975,l0 contando-se juros de mora desde a data da Sentença;
- Ao terceiro ofendido será entregue o montante de MOP$5.295,90 restando o balanço de MOP$15.304,10 contando-se juros de mora desde a data da Sentença;
- Ao quarto ofendido será entregue o montante de MOP$5.984,40 restando o balanço de MOP$17.294,00 contando-se juros de mora desde a data da Sentença;
- Ao quinto ofendido será entregue o montante de MOP$14.473,80 restando o balanço de MOP$41.826,20 contando-se juros de mora desde a data da Sentença;
- Tendo havido desistência de queixa-crime atribuiu-se a título de indemnização ao B o montante de MOP$4.113,40 restando o balanço de MOP$11.886,70 contando-se juros de mora desde a data da Sentença.
De acordo com o supra exposto verifica-se que houve a restituição de objectos furtados nomeadamente dos telemóveis dos 3.º ofendido C e 4.º ofendido D e houve ainda a reparação parcial a título de indemnização a todos os ofendidos nos termos do disposto no art. 66.º n.º 2 al. c) do Código Penal.
No final o Recorrente causou danos patrimoniais ao 3.º e 4.º ofendidos que se integram na moldura penal do simples furto previsto no art. 197.º n.º 1 do Código Penal, e salvo o respeito por diferente entendimento, deveria ter sido no âmbito desta circunstancialidade subsumida a pena a ser aplicada em concreto relativamente ao 3.º ofendido com a respectiva atenuação especial da pena nos termos do art. 201.º do Código Penal.
Para além de outras circunstâncias favoráveis ao Recorrente e que concorrem para uma atenuação especial da pena, como o facto de ter havido confissão integral e sem reserva, ter havido reparação através de indemnizaç60, o modo como o Recorrente demonstrou em Audiência de Discussão e Julgamento o seu arrependimento e por fim o facto de a testemunha indicada pela defesa e os documentos aduzidos comprovarem que existiu uma circunstância limitada no tempo que trouxe ao Recorrente, perturbação e descontrolo psicológico que estiveram na origem desta sequência de furtos.
Não se pede que o Recorrente seja eximido de culpas, mas, apontou-se o motivo porque aos 54 anos de idade um indivíduo de bem sem registo criminal anterior, subitamente no espaço de um mês comete o desatino de começar a furtar objectos em Casinos!
No mínimo é estranho e foge às regras empíricas, como tal, só uma circunstância, uma solicitação decorrente de uma situação exterior faz sentido!
Ou seja, só um evento suficientemente forte poderia estar na origem deste comportamento desviante, e esta circunstância deveria ter sido ponderada, no modesto entendimento do Recorrente com mais solidez, pois, não se trata de uma pessoa que cometeu furtos toda uma vida!
Ao contrário, a forma quase leviana como praticou os furtos e a facilidade como foi "apanhado" são a prova mais do que suficiente para demonstrar a inabilidade do Recorrente para fazer carreira no mundo marginal à LEI!
Em face a todo o exposto, no modesto entendimento do Recorrente, deveria ter sido outra a pena aplicada em concreto, ou seja, deveria ter sido atenuada especialmente a pena em cúmulo jurídico, atento o estatuído no art. 71°, n.° 1 e 2 do C.P.M., que preceitua que na determinação da pena única se deve considerar, "em conjunto, os factos e a personalidade do agente”; (cfr., fls. 527 a 531).

“Quid iuris”?

–– Comecemos então pela pretendida “atenuação especial da pena”.

Pois bem, nos termos do art. 66° do C.P.M.:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;

e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;

f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.

3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Tendo presente o assim preceituado tem este T.S.I. vindo a entender que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 11.07.2013, Proc. n° 357/2013).

Por sua vez, especialmente para o crime de “furto”, prescreve o art. 201° do mesmo C.P.M. que:

“1. Quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou o agente reparar o prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
2. Se a restituição ou reparação for parcial, a pena pode ser especialmente atenuada”.

Ora, dos autos resulta que a conduta do ora recorrente integra a prática de 6 crimes de “furto”, todos eles tendo como vítimas, indivíduos que se encontravam (a jogar) nos casinos.

O primeiro, em 18.10.2012, causando ao ofendido um prejuízo total de MOP$433,207,00; o segundo, em 02.11.2012, causando ao ofendido um prejuízo de HKD$110.000,00 e RMB$6.000,00; o terceiro em 07.11.2012, causando ao ofendido um prejuízo de HKD$105.000,00; o quarto em 08.11.2013, causando um prejuízo de HKD$27.600,00; o quinto nesta mesma data, causando um prejuízo de MOP$56.300,00, e o sexto, neste mesmo dia 08.11.2013, causando um prejuízo de MOP$16.000,00, vindo a ser detido no dia 09.11.2012, na sequência das queixas apresentadas e diligências de investigação entretanto encetadas pelas autoridades policiais, sendo que lhe foram encontradas as quantias e objectos descritos na matéria de facto dada como provada.

Certo sendo que apenas acabou por ser condenado por 5 crimes, dada a desistência da queixa por parte do “6° ofendido”, será esta uma situação justificadora de uma atenuação especial da pena?

Vejamos.

Desde logo, cabe dizer que a situação dos autos não se nos apresenta como “excepcional” ou “extraordinária”.

De facto, dizer-se, (em sede de recurso), que “algo estranho” estava na origem de tal conduta, nenhuma relevância tem.

Por sua vez, a “confissão”, após “detenção com a mão na massa”, na posse não justificada de objectos pertencentes a terceiros, também, há que reconhecer, pouca relevância tem para efeitos de atenuação especial da pena.

E, nestas circunstâncias, o “arrependimento” e alegada “restituição parcial”, não podem justificar a pretendida atenuação especial.

Com efeito, o arguido agiu com dolo directo e intenso, causando prejuízos elevados e consideráveis, não nos parecendo que o alegado “arrependimento” e “restituição parcial”, (em grande parte, em resultado da apreensão efectuada, e não por vontade do arguido), possam conduzir à dita atenuação especial.

Aliás, afigura-se-nos mesmo que da matéria de facto provada resulta até, (e recorde-se que pode este T.S.I. tirar ilações da factualidade dada como assente), que o arguido, animado com o sucesso e lucro fácil da sua “actividade” se preparava para continuar com a mesma de forma ainda mais intensa, pois que como resulta da mesma factualidade, só no dia 08.12.2012 levou a cabo três furtos…

Seja como for, mesmo a se por de parte tal “consideração”, e tendo presente o “prejuízo efectivo” pelo recorrente causado aos ofendidos, e que neste momento ainda ronda MOP$500.000,00, evidente se nos mostra que bem andou o Colectivo do T.J.B. ao fixar as penas parcelares, nos termos em que o fez, sem a pretendida atenuação especial, sendo de notar que também não se acolhe o argumento no sentido de a pena abstracta aplicável deve ser a correspondente ao “prejuízo efectivamente causado”, já que, no “furto”, o valor a ter em conta para efeitos da pena (abstracta) é o do “valor do bem furtado”.

Dito isto, pouco se mostra de acrescentar, já que as penas parcelares se nos apresentam em total sintonia com o estatuído nos art°s 40° e 65° do C.P.M., próximas dos respectivos limites mínimos, afigurando-se-nos mesmo algo benevolentes.

Quanto à “pena única”, diz (e bem) o recorrente que se deve considerar, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E, como temos vindo a entender: “na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, e mais recentemente, de 07.02.2013, Proc. n.° 1010/2012).

Nesta conformidade, o que se verifica é que o recorrente apresenta uma clara tendência para a prática do crime, e, em causa estando uma moldura penal com limite mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão, e limite máximo de 7 anos, (cfr., art. 71°, n.° 2 do C.P.M.) censura também não merece a pena única de 5 anos decretada.

Tudo visto, e apresentando-se-nos o recurso como manifestamente improcedente, à vista está a solução.
Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 6 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 19 Setembro de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa





Proc. 527/2013 Pág. 18

Proc. 527/2013 Pág. 1