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Processo nº 157/2013 Data: 19.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “exploração ilícita de jogo”.
Escutas telefónicas.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
In dubio pro reo.
Pena.




SUMÁRIO

1. Se as escutas telefónicas foram ordenadas e efectuadas quando nos autos se investigava um crime de “associação secreta”, as mesmas mantém-se válidas mesmo que, em momento posterior, se venha a deduzir acusação pela prática de um crime punível com pena inferior a 3 anos de prisão; (cfr., art. 172°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M.).

2. A “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas se verifica quando o Tribunal não emite pronúncia sobre (toda) a matéria objecto do processo.

3. O princípio “in dubio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 157/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência no T.J.B. responderam:
(1°) A;
(2°) B;
(3°) C;
(4°) D;
(5°) E;
(6°) F;
(7°) G;
(8°) H; todos, com os sinais dos autos.

Realizado o julgamento, foram todos os identificados arguidos condenados como autores da prática de 1 crime de “exploração ilícita de jogo”, p. e p. pelo art. 1°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M de 22.07, na pena (individual) de 1 ano de prisão; (cfr., fls. 1945 a 1953 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os (4°, 5°, 6° e 7°) arguidos D, E, F e G recorreram.

*

Em sede das conclusões apresentadas, e nas suas motivações de recurso, colocam os (4° e 5°) arguidos D e E, e nessa ordem, as questões da “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “falta de fundamentação”, “inadequação da pena privativa da liberdade” e “violação do princípio in dúbio pro reu”; (cfr., fls. 2009 a 2029).

*

Por sua vez, na sua motivação e conclusões, pedem os (6° e 7°) arguidos F e G uma pena não privativa de liberdade; (cfr., fls. 1978 a 1987).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (ccfr., fls. 2057 a 2065).

*

Remetidos os autos a este T.S.I., com eles subiu um outro recurso interlocutório pelos (1° a 7°) arguidos, A, B, C, D, E, F e G interposto; (cfr., fls. 1804 a 1814).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o douto Parecer de fls. 2178 a 2185, pugnando pela improcedência dos recursos.

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 1948-v a 1951, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem os (4°, 5°, 6° e 7°) arguidos D, E, F e G recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que os condenou como autores da prática de 1 crime de “exploração ilícita de jogo”, p. e p. pelo art. 1°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M de 22.07, na pena (individual) de 1 ano de prisão.

E, como se deixou relatado, com estes recursos, subiu um outro, “intercalar”, pelos 1° a 7° arguidos dos autos antes interposto, e que tem como objecto um despacho datado em 04.10.2012 do Mmo J.I.C., a fls. 1832 e 1832-v, que indeferiu um anterior requerimento no sentido de se considerar nulas as escutas telefónicas efectuadas nos autos; (cfr., fls. 1804 a 1814).

Certo sendo que foram tais “escutas” utilizadas para a formação da convicção do Tribunal a quo, mostra-se adequado começar por este recurso interlocutório.

3.1. Do “recurso interlocutório”.

Nas suas conclusões, dizem os recorrentes:

“1.ª O presente recurso é interposto do despacho do Tribunal a quo de 4 OUT 2012 que indeferiu o requerimento de 19 JUL 2012 apresentado pelos recorrentes, por via do qual estes arguiram que estes autos assentaram inteiramente e desde o seu início em prova nula e inutilizável – escutas telefónicas em relação a crime punível com pena não superior a 3 anos -, devendo, por conseguinte ser anulados.
2.ª Assim, vindo cada um dos recorrentes acusado pelo Ministério Público (M.P.) por um crime de exploração ilícita de jogo previsto no artigo 1.º, al. 1) da Lei 8/96/M, crime punível com prisão até 3 anos ou multa, quer os meios de obtenção de prova quer os meios de prova que utilizados pelo M.P. para sustentar tais acusações por crimes puníveis até 3 anos são juridicamente inválidos.
3.ª Isto porque segundo o art.º 172.º, n.º 1, al. a) do C.P.P. só são admissíveis e, portanto, utilizáveis como meio para a obtenção de prova as escutas respeitantes à investigação de crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos.
4.ª Foi pelo menos logo em 29 ABR 2011 que o M.P. soube que a investigação em curso visava única e exclusivamente o crime de exploração ilícita de jogo, abandonando desde essa data as muito genéricas referências anteriores que fizera à prática de crimes integrados numa associação secreta bem como ao crime de usura para jogo.
5.ª Não se diga que por ter estado em causa ab initio – isto sempre sem conceder – um “crime de associação secreta”, tal traria uma ilimitada legitimidade dai em diante a todas e quaisquer escutas, fossem quais fossem os crimes que a determinado momento tivessem passado a estar em causa, situação essa que surge repudiada em termos veementes e categóricos designadamente no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de MAR 2009 (Proc. 551/02.2PWLSB.L1).
6.ª A lei determina clara e taxativamente que não poderia ter sido decidido o recurso a esse meio de obtenção de prova precisamente por NÃO se estar perante crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos.
7.ª Por esse meio de obtenção de prova ser nulo, nada do que foi praticado ou carreado para os autos na sua sequência e em sua decorrência é válido e legal e, por isso, não deveria ter sido utilizado pelo M.P. para fundar e sustentar a sua acusação e não poderá ser agora, por maioria de razão, utilizado ou valorado pelo Tribunal para julgar os recorrentes, atenta a sua nulidade consequencial.
8.ª São absolutamente nulas e, como tal, não podem ser utilizadas nem valoradas em nenhum momento e fase processual destes autos, quaisquer das diligências e quaisquer resultados das diligências feitas na fase de inquérito pela polícia judiciária e pelo M.P. que tenham tido a sua raiz nas escutas.
9.ª Ora, sabe-se que todos os factos abstractamente incriminatórios, mormente os de fls. 483, 612 e 617, foram acedidos, adquiridos e obtidos através das escutas realizadas aos recorrentes e a terceiros, isto é, toda a investigação teve como base, foi evoluindo e foi-se desenvolvendo com base e amparada em exclusivo nas referidas escutas.
10.ª E se na base de toda a investigação estão tais escutas, se são estas escutas que alimentaram toda a investigação posterior, por consequência o que está na base do despacho de acusação e aquilo que o sustenta é prova nula, proibida e, logo, de todo em todo inutilizável.
11.ª Ou seja, as escutas efectuadas que, além de terem conduzido à obtenção de todos os demais meios de prova, servem igualmente de prova nos presentes autos, são ilegais, entre o mais para efeitos de sua utilização em julgamento, conforme se prevê no n.º 1 do art.º 109.º do C.P.P.
12.ª Sabe-se que toda a investigação e todas as diligências de investigação e probatórias praticadas – v.g., a determinação da identidade de todos os arguidos, as buscas e as apreensões – derivaram, tiveram a sua causa e tiveram como fonte imediata e sine qua non as referidas escutas nulas.
13.ª Logo, a nulidade de tais escutas tornou igualmente nulos todos os demais actos e todas as demais diligências posteriores praticados nestes autos, ou seja, a nulidade das escutas contaminou irremediavelmente todo o processo.
14.ª A violação de “requisitos ou condições de fundo” na realização de escutas relativamente a crimes fora do catálogo reconduz-se a uma situação de “proibição de prova” que gera a impossibilidade da utilização no processo dos elementos assim obtidos através das escutas, isto por força do disposto no n.º 3 do art.º 113.º.
15.ª Além de se tratar de uma proibição de prova, trata-se de uma nulidade insanável.
16.ª O efeito consequencial (ou “efeito-à-distância”) de escutas nulas sobre as quais tenha radicado inteiramente toda a estratégia investigatória e todas as subsequentes operações de recolha de prova, é o da nulidade de todos os actos processuais posteriores e a da proibição de prova e da sua utilização e valoração em julgamento.
17.ª Por conseguinte, por os presentes autos assentarem inteiramente e desde o seu início em prova nula e inutilizável, deveriam os mesmos ter sido anulados, anulando todas as escutas e demais actos posteriores praticados nos autos, designadamente as buscas domiciliárias e as apreensões.
18.ª Como consequência, deveria ter sido determinada também a anulação das fases posteriores ao inquérito e deveriam ainda ter sido estes autos remetidos ao cuidado do M.P. para, enquanto titular legal do inquérito, determinar que diligências pretenderia promover, designadamente para proceder à eventual abertura de uma nova investigação, desta feita expurgada dos notórios vícios geradores de nulidade acima indicados.
19.ª Ora, ao não ter assim decidido, violou o Tribunal recorrido, ao delas fazer uma errada interpretação e aplicação, as normas constantes do 2.º parágrafo do art.º 30.º e do art.º 32.º, ambos da Lei Básica, bem como ainda as normas constantes da al. a) do n.º 1 do art.º 172.º, do art.º 173.º, do art.º 174.º, do n.º 3 do art.º 113.º e do n.º 1 do art.º 109.º, todos do C.P.P, o que aqui se invoca nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 3 do art.º 400.º, do mesmo diploma legal”.

Em resposta, considera o Ministério Público que:

“1. Nos termos do art.º 172.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, as escutas telefónicas só podem ser efectuadas se a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova quanto a crimes específicos.
2. A competência para ordenar ou autorizar a escuta telefónica é exclusivamente do juiz.
3. A validade da escuta telefónica depende de se reuniram os requisitos de forma (crimes previstos pelo art.º 172.º, n.º 1, al.s a) a e) do Código de Processo Penal) e de substância (a diligência revela-se de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova) quando o juiz a autorizou.
4. O Juiz do Juízo de Instrução Criminal autorizou por várias vezes as diligências de intercepção sob pressupostos de investigação do crime de “sociedade secreta”.
5. Apesar de o Ministério Público não ter usado a referência de “associação criminosa” no despacho constante das fls. 572 dos autos, segundo os dados constantes dos autos, toda a investigação ainda se concentrou nas actividades de apostas ilegais em jogos de futebol organizadas por associação criminosa.
6. O referido crime é punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, e o Juiz do Juízo de Instrução Criminal já explicou claramente os motivos da autorização das escutas telefónicas, pelo que reúnem-se os requisitos de forma e de substância previstos no art.º 172.º do Código de Processo Penal, e não se verifica a nulidade.
7. O Ministério Público entende que são legais e válidas as escutas telefónicas em causa, cuja validade não será afectada pela acusação posterior, ou pela decisão condenatória ou absolutória. E as escutas telefónicas não se tornam nulas por o Ministério Público ter acusado os recorrentes da prática do crime punível com pena mais leve.
8. Por serem legais e válidas as escutas telefónicas, não se verifica questão da validade dos actos subsequentes decididos pela utilização das provas proibidas.
Pelos expostos, o Ministério Público entende que é improcedente o recurso interposto pelos recorrentes e deve ser rejeitado o recurso”.

E, no seu Parecer consignou a Ilustre Procuradora Adjunta que:

“A, B, C, D, E, F e G, ora arguidos dos presentes autos, inconformados com o douto despacho de indeferimento do requerimento da anulação de todas as escutas telefónicas e demais actos posteriores., designadamente as buscas domiciliárias e as apreensões, bem como da anulação da fase posterior ao inquérito, designadamente as buscas domiciliárias e as apreensões, bem como da anulação da fase posterior ao inquérito, designadamente a marcação da audiência de julgamento e do envio dos autos ao cuidado do M.P. para os devidos efeitos, vêm recorrer para o Tribunal de Segunda Instância em 25/10/2012, invocando o vício do art.° 400 n.°s 1 e 3 do C.P.PM., e a violação das normas constantes do 20° parágrafo do art.° 30 e do art.° 32 da Lei Básica, bem como ainda as normas constantes dos art°.s 172 n.° 1 al. a), 173, 174, 113 n.° 3, 109 n.° 1, todos do C.P.P.M..
Analisados os autos, entendemos que não se pode reconhecer razão aos recorrentes, pois não se vislumbra que o douto douto despacho ora recorrido tenha violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
Em completa sintonia com o Digno Magistrado do M.P. no seu parecer (tls. 1828 a 1831) e na sua resposta à motivação do recurso (fls. 1924 a 1926), entendemos correcta a decisão do Tribunal a quo, de indeferimento do requerimento da anulação de todas as escutas telefónicas e demais actos posteriores, por força dos art.°s 172 e 251 n.° 1 al. c) do C.P.P.M..
À luz da experiência, funcionando sempre às escondidas, na actividade de exploração ilícita de jogo, os agentes costumam entrar em contacto por telefone com os clientes apostadores em vez de os encontrar pessoalmente, a fim de reduzir o perigo de serem descobertos e de aumentar a eficiência da prática de tal actividade ilegal.
Revela-se, assim, de grande interesse a diligência de intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas entre os agentes, e entre os agentes e os clientes apostadores, para a descoberta da verdade e para a prova quanto aos crimes.
ln casu, os autos tiveram origem nos factos Prima facie susceptíveis de enquadrar no crime de Associação ou sociedade secreta p.° p.° pelo art°, 2 da Lei n°. 6/97/M, de 30/07, cuja moldura penal é de 5 a 12 anos de prisão.
Por tanto, no exercício da competência exclusiva atribuída ao Mttm.° J.I.C., não existe nenhuma inadequação ou dúvida quanto à decisão de autorização das diligências de escuta telefónica, nos termos dos art.°s 172 e 251 n.° 1 al. c) do C.P.P.M., uma vez que o Mttm.° J.I.C. entendeu que este meio de colecção de prova é importante e necessário para a descoberta da verdade (fls. 56).
Como se sabe, os pedidos de prorrogação da autorização de escutas telefónicas e os novos pedidos de escuta de outras linhas telefónicas suspeitas foram promovidos e autorizados pelo M.P. e pelo J.I.C., com base nos relatórios elaborados pela Polícia Judiciária, constantes respectivamente de fls. 375 a 380, 478 a 485 e 563 a 569 dos autos, cuja menção se verifica sempre nas promoções do M.P. (cfr. fls. 382, 488 e 572).
Fácil é confirmar que Polícia Judiciária formulou os seus pedidos acima referidos com o fim de descobrir o modo de funcionamento e a dimensão da rede da associação criminosa chefiada pelo arguido A e outros que se dedicava à actividade de exploração ilícita de jogo, na esteira do art°. 2 da Lei n°. 6/97/M, de 30/07.
Não conseguimos ver nenhum indício de que as autoridades, quer policial quer judiciais, seguem uma direcção de limitação de investigação do crime de exploração ilícita de jogo p.° p.° pelo art.° 1 n.° 1 da Lei n.° 8/96/M, de 22/07, nos termos que os recorrentes se evidenciam na motivação do recurso.
É de concluir" que as diligências de escutas telefónicas estão todas legalmente autorizadas e cumpridas, nos termos dos art.°s 172, 173 e 251 n.° 1 al. c) do C.P.P.M., sendo correcta a decisão de indeferimento do requerimento da anulação de todas as escutas telefónicas, não havendo lugar à anulação dos actos posteriores, designadamente as buscas domiciliárias e as apreensões, bem como à anulação da fase posterior ao inquérito, designadamente a marcação da audiência de julgamento e do envio dos autos ao cuidado do M.P. para os devidos efeitos, por não se vislumbrar vício do art.° 400 n.° 1 e 3 do C.P.PM. ou violação das normas constantes do 2.° parágrafo do art.° 30, nem dos art.° 32 da Lei Básica e dos arto.s 174, 113 n.° 3, 109 n.° 1 do C.P.P.M..
Pelo exposto, entendemos que deve ser rejeitado o recurso interlocutório interposto pelos arguidos A, B, C, D, E, F e G por ser manifestamente improcedente”; (cfr., fls. 2178 a 2185).

Aqui chegados, vejamos.

–– Antes de mais, há que dizer que se certo é que no presente recurso são os 1° a 7° arguidos os “recorrentes”, o mesmo já não se verifica em relação ao Acórdão condenatório do T.J.B., em que apenas são recorrentes os (4°, 5°, 6° e 7°) arguidos, D, E, F e G.

Ora, como é sabido, se o recorrente de um recurso interlocutório (com subida diferida), não interpuser também recurso da decisão final, é porque com esta se conformou, (supervenientemente) inútil sendo o conhecimento do dito recurso interlocutório.

Assim, e observado que foi o contraditório, apenas se procederá ao conhecimento do recurso em questão no que diz respeito aos supra referidos (4°, 5°, 6° e 7°) arguidos, ficando o mesmo extinto em relação aos (1°, 2° e 3°) arguidos A, B e C.

–– Pois bem, atento o que se alega, constata-se que a questão a decidir tem a ver com os “pressupostos legais das escutas telefónicas” efectuadas nos autos.

Vejamos, (sem demoras).

Nos termos do art. 172° do C.P.P.M.:

“1. A intercepção ou gravação de conversações ou comunicações telefónicas só pode ser ordenada ou autorizada, por despacho do juiz, se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

c) Relativos a armas proibidas, ou a engenhos ou matérias explosivos ou análogos;

d) De contrabando; ou

e) De injúrias, de ameaças, de coacção e de intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone.

2. É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime”.

Invocando o transcrito comando legal, e entendendo que reunidos não estavam os ditos pressupostos, dizem os recorrentes que são as escutas efectuadas nulas.

De facto, (e em síntese), afirmam os recorrentes que a dado momento do inquérito se deixou de investigar o crime de “associação secreta”, p. e p. pelo art. 2° da Lei n.° 6/97/M com pena de 5 a 12 anos de prisão, e que, a partir daí, dado que o processo apenas prosseguiu para a investigação do crime de “exploração ilícita de jogo”, punível com a pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, (cfr., art. 1° da Lei n.° 8/96/M), ilegais foram as escutas telefónicas efectuadas por não verificação do estatuído na alínea a) do n.° 1 do art. 172° atrás transcrito.

Ora, não se mostra de acolher este entendimento.

Os presentes autos tiveram início em 03.03.2011, e por despacho de 17.03.2011, promoveu o Ministério Público as referidas escutas telefónicas, invocando-se a necessidade de investigação dos crimes de “associação secreta” e o de “exploração ilícita de jogo”, (cfr., fls. 54), que vindo a merecer a concordância do Mmo Juiz de Instrução Criminal, foi objecto de despacho de autorização; (cfr., fls. 56).

Em 01.04.2011, nova promoção veio a ser feita, nos mesmos moldes da anterior, sobre a mesma recaindo nova decisão de autorização; (cfr., fls. 382 a 385).

Em 15.04.2011, invocando as anteriores diligências efectuadas, requereu-se a continuação das diligências até o dia 04.05.2011, o que foi também autorizado; (cfr., fls. 488 a 491 e 491-v).

Em 29.04.2011, novo pedido foi efectuado, pedindo-se a prorrogação das escutas até 24.05.2011, o que foi igualmente autorizado; (cfr., fls. 572 a 575).

Em 19.05.2011, efectuou a P.J. a detenção de vários indivíduos, de entre os quais, I, A, F, B, C, D, G e H, todos indiciados da prática do crime de “associação secreta” e “exploração de jogo”; (cfr., fls. 918 a 925-v).

E, (apenas) em 21.12.2011, proferiu o Ministério Público despacho de arquivamento quanto ao crime de “associação secreta”, deduzindo acusação contra os arguidos dos autos, pela sua prática do crime de “exploração ilícita de jogo”; (cfr., fls. 1269 a 1273).

Poder-se-á assim dizer que foram feitas escutas telefónicas quando nos autos se procedia tão só à investigação do crime de “exploração ilícita de jogo”?

Como parece claro, de sentido negativo terá de ser a resposta, pois que só com o despacho do Ministério Público datado de 21.12.2011 se decidiu pelo arquivamento dos autos quanto ao crime de “associação secreta”, e, como se viu, muito antes, em 24.05.2011, tinham já terminado as escutas, evidente sendo desta forma que estas ocorreram em conformidade com os pressupostos legais, nomeadamente, o art. 172°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M..

Dest’arte, nenhum motivo havendo para se reconhecer razão aos ora recorrentes, impõe-se a improcedência dos recursos em apreciação.

3.2. Dos recursos do Acórdão.

–– Comecemos pelo recurso dos (4° e 5°) arguidos D e E.

Como se deixou relatado, entendem os mesmos que a decisão recorrida padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “falta de fundamentação”, “excesso de pena” e violação do princípio “in dubio pro reo”.

Também aqui não cremos que tenham os recorrentes razão, muito não se mostrando de dizer.

Quanto à alegada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, importa ter presente que a mesma apenas se verifica quando o Tribunal não emite pronúncia sobre (toda) a matéria objecto do processo, (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013), o que, de forma evidente, não ocorreu, já que, de uma mera leitura à decisão recorrida se verifica que o T.J.B. pronunciou-se sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que ficou provada, identificando a que não se provou, e fundamentando, adequadamente, esta sua decisão.

Por sua vez, e no que toca ao princípio “in dubio pro reo”, tem este T.S.I. entendido que o mesmo identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”, e que, “perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. o Ac. de 06.04.2000, Proc. n.° 44/2000 e de 07.02.2012, Proc. n.° 54/2013).

Ora, no caso dos presentes autos, em nenhuma parte da sentença recorrida se podendo colher qualquer “dúvida” ou hesitação do Tribunal a quo, (nem os recorrentes a identificando), mais não é preciso dizer.

Aliás, a decisão é clara, nela se demonstrando a convicção pelo Tribunal alcançada quanto à matéria de facto de forma explícita, nenhum motivo havendo para se considerar que houve violação do princípio em questão.

No que toca à “fundamentação”, e face ao que já se disse, idêntica é a solução.

De facto, se a fundamentação existe e é adequada na parte que diz respeito à “decisão da matéria de facto”, o mesmo sucede com a “decisão de direito”, onde o Tribunal expõe os factos pelos recorrentes praticados que integram o crime que lhes é imputado, e, assim, e seguidamente a sua decisão de os condenar como co-autores de 1 crime (continuado) de “exploração ilícita de jogo”.

Por fim, quanto à “pena”, e como se viu, ao crime em causa cabe a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.

E, não deixando de ponderar no estatuído no art. 64° e 65° do C.P.M., entendeu o Tribunal a quo que adequada era uma pena não privativa da liberdade, fixando-a em 1 ano de prisão, que decidiu não suspender na sua execução.

Será de censurar o assim decidido?

Também aqui cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, face ao tipo de crime, e às necessidades da sua prevenção, justa e adequada se nos mostra a opção pela pena de prisão (e não pela multa), nos termos do art. 64° do C.P.M..


Continuando, atento o estatuído nos art°s 40° e 65° do C.P.M. que regulam a matéria de determinação da medida da pena, tendo presente a moldura penal, o dolo directo e intenso dos arguidos, o acentuado grau de ilicitude, já que o crime foi cometido em comparticipação, e os prejuízos pelo mesmo causados, excessiva não se mostra a pena de 1 ano de prisão, que corresponde a 1/3 do limite máximo da pena.

Por sua vez, motivos também não se vislumbram para se suspender a mesma pena em questão ao abrigo do art. 48° do C.P.M., já que face ao que se deixou exposto e à personalidade dos arguidos pela matéria de facto revelada, inviável se nos mostra um juízo de prognose favorável o que impede, de todo, a dita suspensão da execução da pena.

–– Quanto aos recursos dos (6° e 7°) arguidos, F e G, e em que pedem uma pena não privativa de liberdade, mostra-se também de se julgar os mesmos improcedentes.

De facto, como atrás se deixou exposto em relação aos recursos dos 4° e 5° arguidos, motivos não havia para se optar por uma pena de multa, ao abrigo do art. 64° do C.P.M., certo sendo também que motivos não existem para se suspender as penas aplicadas, mostrando-se as mesmas justas e equilibradas e em total sintonia com o estatuído nos art°s 40, 65° e 48° do dito C.P.M..

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam:

- declarar extinto o recurso interlocutório no que diz respeito aos (1° a 3°) arguidos, A, B e C.
- julgar improcedentes os recursos interlocutórios e final dos (4°, 5°, 6° e 7°) arguidos D, E, F e G.

Custas pelos (4°, 5°, 6° e 7°) arguidos D, E, F e G, com taxa (individual) de justiça que se fixa 10 UCs.

Macau, aos 19 de Setembro de 2013

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 157/2013 Pág. 28

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