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Proc. nº 149/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Setembro de 2013
Descritores:
-Matéria de facto
-Ampliação da base instrutória


SUMÁRIO:

Nos termos do art. 629º, nº4, do CPC, pode o tribunal de segunda instancia anular a sentença recorrida para que o tribunal “a quo” proceda à ampliação da matéria de facto, se aquela que foi apurada se mostrar insuficiente à boa e justa decisão da causa.








Proc. nº 149/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
B, do sexo feminino, natural da República Popular da China, residente em Macau, intentou no TJB acção com processo ordinário contra C, natural da RPC, com os demais sinais dos autos, pedindo condenação deste no pagamento da quantia mensal de Mop$ 10.000,00 a título de alimentos, em consequência do divórcio litigioso entre ambos judicialmente decretados.
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Na oportunidade foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar à autora a título de alimentos, a quantia mensal de Mop$7.000,00.
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É contra esta sentença que agora se rebela C, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«- A sentença recorrida inclui conteúdo contraditório e incorre no erro no reconhecimento de assuntos, quer nos factos provados, quer nos fundamentos de facto;
- A sentença recorrida reconheceu erradamente que as nove empresas do recorrente ainda estão em funcionamento e que o recorrente obtém um lucro considerável.
- Porém, estas situações fizeram com que a sentença recorrida padecesse de dois vícios importantes - “erro no reconhecimento de facto” e “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
- Ademais, a recorrida tem capacidade de trabalho, mas não trabalha de propósito, isso revela que as condutas da recorrida têm a natureza de má fé.
- Pelo que não se deve suportar os pedidos da recorrida.
- Além disso, a sentença recorrida provou que o recorrente devia exercer o poder parental sobre os dois filhos, mas não considerou ou deu pouca atenção a este elemento na fixação dos alimentos mensais.
- Por isso, deve-se manter a fixação do valor dos alimentos em MOP$2.000,00 por mês.
- Senão, violam-se os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade.
Pelos expostos, deve-se julgar procedente o 10 pedido do recurso e revogar a sentença recorrida; se for indeferido o 10 pedido, pede-se para julgar procedente o 2º pedido, ou seja reduzir o valor dos alimentos mensais de MOP$7.000,00 para MOP$2.000,00, equivalente ao valor fixado no processo de divórcio litigioso».
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A recorrida respondeu ao recurso, concluindo as suas alegações pelo seguinte modo:
«- O recorrente indicou nas suas alegações novos factos que não constaram da matéria de facto na sentença recorrida.
- Por ser aplicável no recurso ordinário o modelo de “julgamento de novo” em vez de reexame, as partes não podem alegar novos factos no recurso.
- Por isso, os novos factos indicados pelo recorrente nas suas alegações não devem ser considerados.
- Nos termos do art.º 1857.º do Código Civil, por não ser considerado culpado na sentença de divórcio, a recorrida tem direito a alimentos a ser pagos pelo culpado, ou seja o recorrente.
- Atente a todos os factos provados, a sentença recorrida condenou o recorrente a pagar mensalmente à recorrida MOP$7.000,00, a título de alimentos, não violando os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade.
- Por isso, deve-se manter a sentença recorrida».
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
“ - Por decisão proferida em 11 de Maio de 2010, transitada em julgado em 9 de Setembro de 2010, foi declarado dissolvido o casamento entre a A. e o R., que havia sido celebrado em 19 de Dezembro de 1987 - Proc. n.º CV2-08-0039-CDL, cujo teor aqui se dão reproduzidos integralmente. (cfr. Certidão de sentença a fls. 32 a 39) (A)
Conforme ficou assente na sentença aludida em A), a A. e o R. contraíram o casamento, sem convenção antenupcial, em 19/12/1987. (B)
Conforme ficou decidida na sentença aludida em A), ora R. (A. naquele acção de divórcio) foi declarado o único e exclusivo culpado. (C)
No decorrer da acção de divórcio foi estabelecido um regime de alimentos provisórios, devendo o R. pagar, mensalmente, à A. MOP$2.000,00 (duas mil patacas). (cfr. certidão de despacho a fls. 40-42) (D)
Na constância do matrimónio nasceram dois filhos, sendo, actualmente um maior e outro menor, ambos a cargo do pai. (2º)
A A. tem actualmente 52 anos de idade. (3º)
A A. está actualmente desempregada. (4º)
A A. está actualmente a viver em Macau e tem gastadas as despesas diariamente. (5º)
A A. tem as despesas de alimentação, pequeno-almoço, almoço jantar e lanche, a quantia mensal de MOP$3.000,00. (6º)
A A. tem as despesas de deslocações, nomeadamente para compra do passe de autocarros, a quantia mensal de MOP$100. (7º)
A A. tem as despesas de vestuário, roupas, sapatos e malas, a quantia mensal de MOP$1.000,00. (8º)
A A. tem as despesas de cuidados médicos e medicamentosos, dentista e seguro pessoal, a quantia mensal de MOP$1.000,00. (9º)
A A. tem com as despesas de condomínio, serviços de água, electricidade, gás, telecomunicações, a quantia mensal de MOP$1. 600,00. (12º)
O R. tem casa própria na China, bem como um veículo ligeiro. (13º)
O R. dedica-se à transação de terrenos e investimentos, conforme o relatório do Instituto de Acção Social. (14º)
O R. é sócio de 9 (nove) sociedades, conforme o já referido relatório social. (15º)
被告一直需要供養一名未成年女兒XXX,也是照顧兒子XXX在外國讀書的生活費及學費。(16º)
原告亦有一個沒有任何負擔的物業-澳門......大馬路...號......閣...樓...座。(17º)
Por cheque datado de 21 de Abril de 2011, o R. pagou os montantes de alimentos provisórios referidos em D). (18º)
Desde meados de Setembro de 2006 que a A. tem contraído empréstimos junto de amigos e família. (19º)
Empréstimos esses destinados a assegurar um mínimo indispensável à sua subsistência. (20º) ”
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III - O Direito
Foi a acção instaurada no TJB com vista à condenação do réu, ex-cônjuge da autora, no pagamento da quantia mensal de Mop$ 10.000,00 a título de alimentos definitivos, na sequência do divórcio decretado entre ambos, e ao abrigo do disposto nos arts. 1844º, 1845º e 1857º, todos do Código Civil.
Efectuado o julgamento da matéria de facto, o tribunal “a quo” ajuizou estarem verificados os requisitos da obrigação alimentar por parte do réu e, nesse sentido, procedeu à sua condenação.
E para o efeito da determinação do montante da obrigação, atendeu às despesas mensais e necessárias da autora, nelas avultando as referentes a alimentação, deslocações e transporte, vestuário e calçado, cuidados de saúde e despesas do lar.
Ora bem. Embora a sentença tenha acentuado exclusivamente o quadro pessoal e material da autora, não fazendo qualquer exercício expresso de avaliação de idêntico quadro do réu, acabou por concluir que, “devidamente ponderado”, a este devia fixar a obrigação de prestar alimentos à sua ex-mulher no montante de Mop$ 7.000,00.
Temos que admitir, contudo, que este valor não terá sido fixado arbitrariamente e que, pelo contrário, foi o resultado de uma ponderação interior (que as palavras do julgado não externam) que terá passado pelo confronto de situações vividas por ambas as partes. Isto é, da comparação da matéria provada relativamente a cada um dos litigantes, entendeu que aquele valor realizava as necessidades alimentares da impetrante.
Portanto, partiu logicamente o Ex.mo julgador da circunstância de ter sido provado que o réu foi o declarado o único e exclusivo culpado do divórcio (al. C) da matéria assente), que a A. tem 52 anos de idade (resposta ao quesito 3º), que está desempregada (resposta ao quesito 4º), que tem despesas de vária natureza que ascendem a Mop$ 6.700,00 (resposta aos quesitos 6º, 7º, 8º, 9º, 12º), que tem um imóvel sito na Av. da ...... livre de ónus (resposta ao quesito 17º), que tem contraído vários empréstimos junto de amigos e família com vista a assegurar a sua subsistência (resposta aos quesitos 19º e 20º).
Ao mesmo tempo, levou em linha de conta que o R. tem casa própria na China, bem como um veículo ligeiro (resposta ao quesito 13º), além de ter participação em 9 (nove) sociedades (resposta ao quesito 15º) e de assegurar as despesas dos dois filhos (resposta ao quesito 16º).
Ainda assim, é bom de ver que os autos não contêm matéria suficiente, salvo melhor opinião, para formar uma convicção firme e segura acerca dos proventos do réu. E não esqueçamos que a medida dos alimentos deve partir de uma proporção entre os meios de quem tiver que prestá-los e a necessidade de quem houver que recebê-los (art. 1845º, nº1, CC). Ora, no que respeita à propriedade de imóveis, se o réu (recorrido) tem uma casa na China (resposta ao quesito 13º), também a autora possui um imóvel na Av. da ...... em Macau (resposta ao quesito 17º).
Por outro lado, se sabemos que a autora não tem rendimentos, nenhuns dados seguros os autos nos fornecem acerca dos rendimentos do réu. Apenas foi provado que tem participação em nove sociedades (resposta ao quesito 15º). Mas, que sociedades são essas? Ainda estão activas? Geram lucros? Têm sido tributadas fiscalmente em cada ano? Estes dados são necessários como modo de fornecer balizas que enquadrem os rendimentos do réu no âmbito das despesas que enfrente, nomeadamente as que resultam do encargo alimentar dos filhos que tem a seu cargo (resposta ao quesito 2º).
E isso é importante saber-se, tanto mais que foi alegado pelo réu na sua contestação que ele, depois de voltar dos Estados Unidos, “não teve trabalho fixo” (art. 16º), que “não tem nenhuma receita das nove empresas em causa” (art. 20º) e que “não tem mais receitas disponíveis” (art. 23º), embora tivesse ficado apurado que se dedica “à transacção de terrenos” (resposta ao quesito 14º).
Não estamos com isto a afirmar que o valor atribuído na 1ª instância é elevado ou curto. Pode até acontecer que, mesmo com a obtenção de novos dados, a pensão venha a ser fixada em igual montante. O que estamos a dizer é que a fixação de um valor, qualquer que ele seja, deve ter em atenção o conjunto dos rendimentos e necessidades de cada um dos ex-cônjuges.
Assim sendo, e sempre sem prejuízo do muito respeito que merece a decisão recorrida, cremos que a boa justiça para este caso concreto implica a necessidade de ampliação da matéria de facto, de forma a se apurar da real situação material do réu, a quem, aliás, compete provar a impossibilidade ou dificuldade de cumprir total ou parcialmente a sua obrigação alimentar nos termos em que foi peticionada (se tem ou não “rendimentos disponíveis”; se as sociedades referidas estão ou não activas, isto é, se já deixaram de funcionar ou operar e que delas não colhe nenhum rendimento, tal como o réu afirmou na sua contestação – o que haverá de poder provar, por exemplo, através da declaração anual de cada uma delas para efeito de tributação de rendimentos). Realmente, ainda que o tribunal se tivesse servido da declaração do filho, segundo a qual as despesas dele e da irmã se cifram em um milhão de patacas (ver motivação a fls. 169 dos autos), a verdade é que esse elemento não consta da matéria assente, ou seja, não é “facto provado”.
Por outro lado, no que concerne ao valor do rendimento da actividade de “transacção de terrenos”, embora ele não esteja quesitado, pode o tribunal salvo melhor opinião, servir-se de documentos que o demonstrem, de forma a servirem de matéria complementar à matéria da resposta ao quesito, desde que se cumpra o disposto no art. 5º do CPC, nº3, “ex vi” art. 567º, ambos do CPC.
Posto isto, cremos que a situação cabe na previsão do art. 629º, nº4 do CPC. Isto é, para se poder alcançar a boa e justa decisão da causa, torna-se necessário ampliar a base instrutória a fim de se apurar a referida matéria de facto e assim, dessa forma, se vir a colher o mais alargado leque de elementos necessários à comparação dos rendimentos dos ex-cônjuges com vista a uma mais ponderada fixação do valor dos alimentos a fixar.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, porque reputada insuficiente a matéria de facto apurada, acordam em anular a decisão recorrida, devendo os autos baixar à 1ª instância para, sem prejuízo dos factos já assentes, ser ampliada a base instrutória nos termos acima definidos.
Custas a fixar a final.
TSI, 12 / 09 / 2013
(Relator) José Cândido de Pinho


(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong


(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan