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Processo n.º 313/2013
(Recurso cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 31/Outubro/2013


ASSUNTOS:
- Marcas;
- Carácter distintivo
- Sã concorrência.
- Denominação geográfica, COTAI

SUMÁRIO :
     1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
  2. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
    
    3. Uma denominação geográfica pode integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
    4. A marca “CotaiArena” não é registável, não, neste caso, porque contenha a palavra “Cotai”, mas porque se presta a engano e confusão, pois que é destinada a uma diversidade de serviços que não têm conexão entre si, é oferecida a uma determinada classe (n.º 35) que, nos termos das leis de Propriedade Industrial e muito particularmente do Acordo de Nice, publicado em Macau, a classe para que foi requerido o registo não abrange e exclui até expressamente alguns dos serviços para que foi proposta.
              
              O Relator,
















Processo n.º 313/2013
(Recurso Civil)
Data : 31/Outubro/2013

Recorrente : A.

Recorrida : B Limited

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A. ("LVS"), recorrente nos autos acima referenciados, notificada que foi da sentença proferida nestes autos, que revogou o despacho proferido pela Exma Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, que concedera o pedido de registo da marca N/XXXXX, vem alegar, dizendo em síntese:
    a) A marca N/XXXXX CotaiArena é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: COTAI.
    b) A palavra ARENA constitui, na marca em causa, expressão de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia.
    c) ARENA é uma expressão de fantasia porque, mesmo que se admita tratar-se de vocábulo que se reporta a "uma área fechada, quase sempre de forma corcular ou oval, desenhada para apresentações musicais, teatrais ou eventos desportivos" e que possa ser utilizada como sinónimo de "estádio", a marca N/XXXXX, destinada a assinalar serviços diversos da classe 35.ª, nada tem que ver com tal descrição.
    d) A marca CotaiArena possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os serviços da Recorrente dos produtos de outros comerciantes.
    e) Ao considerar que a marca CotaiArena é composta por sinais que designam apenas características de produtos, isto é, a sua proveniência geográfica, e por termos usuais e correntes, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação das normas contida nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.° do RJPI.
    Termos em que, pede, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca N/XXXXX.
    Foram colhidos os vistos legais
    
    II - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    “1. Em 12 de Julho de 2010, a sociedade comercial denominada A. apresentou o pedido de registo de marca "CotaiArena", que tomou os n.º N/XXXXX, para assinar os seguintes produtos ou serviços inseridos na classe 35ª :
    "Organização de exposições para fins comerciais ou publicitários; planeamento e realização de feiras comerciais, exposições e apresentações com fins económicos ou publicitários; serviços de consultadoria relativos a feiras comerciais; locação de espaços para publicidade e de balcões e cabinas, equipados, para exposição; serviços de publicidade e de promoção; serviços de consultadoria relativos a publicidade."
    2. Tendo o pedido do registo sido publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 33, II Série, no dia de 18 de Agosto de 2010.
    3. Por despacho de 13 de Dezembro de 2011, da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual, foi concedido o pedido do registo da marca registanda.
    4. O despacho de concessão do registo da marca ora em apreço foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n° 1, II Série, de 4 de Janeiro de 2012.
    Fundamentou-se o despacho recorrido no facto de a marca registanda N/XXXXX, composta pela indicação geográfica "Cotai", e pelas características dos produtos "Arena", carecem de eficácia ou capacidade distintiva, não merece a protecção de marca”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por indagar se se deve manter o registo da marca em apreciação n.° N/XXXXX “CotaiArena” para a classe de produtos n.° 35, tal como admitido pela Direcção dos Serviços de Economia ou, ao invés, se se deve manter a sentença recorrida que determinou a recusa do registo.

    2. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.1
    É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
    Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno socioeconómico, retirar-se-ão as suas funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
    Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.2
    Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
    Pode até constituir uma garantia3, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
    Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
 
  3. Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados.
Não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,4 sempre o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supracitado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre, importando reter, como pertinente no caso “sub judice”, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.

4. Feito este enquadramento, atentemos na argumentação vertida na douta sentença recorrida:
    “Assim, por um lado, sem dúvida nenhuma, palavra "COTAI" é uma indicação da proveniência geográfica - COloane e TAIpa (CO+TAI) - expressão essa que é usada, hoje em dia, vulgar e frequentemente pelo Governo, imprensa e população.
    Ora, a verdade é que "COTAI" já é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por consequência, este sinal parece estar incluído da art. 199, n.º 1 alínea b) como proveniência geográfica.
    Por outro lado, segundo o Wikipédia, a palavra "Arena" é vocábulo que exprime uma área fechada, quase sempre de forma circular ou oval, desenhada para apresentações musicais, teatrais ou eventos esportivos. É composta de um grande espaço aberto ao centro, rodeado por corredores e acentos para os espectadores. O termo arena muitas vezes é utilizado como sinônimo para se referir a um estádio.
    E segundo o dicionário português Lex, co., a palavra "Arena" significa-se um espaço no circo onde os artistas actuam; recinto onde correm os touros; campo de discussão. E o sinónimo é estádio.
    Quer um, quer outro, "Arena" é uma palavra com significado de "um espaço onde se realizam exposições, espectáculo e apresentações", palavra essa, antes da apresentação do pedido de registo da ora Parte Contrária, é usual na linguagem corrente.
    Importa pois ter em conta que na análise das marcas deve proceder-se por intuição sintética, ou seja, ser apreciadas no seu conjunto e só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade.5
    Assim, há que analisar a marca em causa no seu conjunto.
    Tal como é sabido, relativo à palavra "Cotai", a DSE não concedeu a ninguém o direito no uso exclusivo.6
    Ou seja, entendemos que a palavra "COTAI" não é uso exclusivo da Parte Contrária, resta apenas de ver se a palavra "ARENA" possa utilizar-se para efeito de capacidade e eficácia distintiva.
    Na palavra do Prof. Oliveira Ascensão, a marca tem de ser perfeitamente distintiva, sendo "preocupação da lei afastar do domínio da marca todos os elementos genéricos ou os destinados a comunicar outras indicações".
    Há eficácia distintiva real quando o consumidor médio - normalmente atento - está apto a distinguir o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes, para evitar confusões ou erros fáceis.
    Por isso, o carácter distintivo de uma marca só pode ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido e, por outro, em relação à percepção que dele tem o público consumidor ou utilizador final, na palavra do Prof. Oliveira Ascensão, a eficácia distintiva deve ser aferida "pelo consumidor, não pelo técnico do sector, não a pessoa especialmente atenta, mas o público consumidor",
    Tal como acima analisado, a palavra "ARENA" além é usual na linguagem corrente, também tem as características de produto, ou seja, "genérica", porque pode ser aplicáveis aos vários sectores de actividade, para promover os seus produtos ou serviços para o mercado ou público em geral, sejam eles de que natureza tratar. Ou seja, qualquer tipo de produtos ou serviços pode ser associada à palavra "Arena", a palavra em si é vaga e abstracta. Assim, se a palavra "COTAI" não goza protecção por ser descritiva, e a palavra "Arena" também não goza protecção por ser genérico e ser usal na linguagem corrente. Assim, não veja a combinação dessas duas palavras podem criar o resultado diferente, pois, ambas palavras (isoladamente ou combinadamente) continuam estar sujeitos no âmbito do art. 199, n.º l, alínea b) e c) do RJPI.
    Assim concluímos, na nossa modesta opinião, independentemente de essas expressões se encontrarem juntas ou separadas, careciam, no fundo, de capacidade distintiva suficiente para poder distinguir de outros bens ou serviços, e caso fosse concedido o registo da marca em apreço a favor da recorrente, qualquer outra pessoa ficaria inibida de usar essas mesmas expressões (que no fundo são expressões muito usadas no nosso dia a dia), passando a ter a recorrente o uso exclusivo de tais expressões, como um direito monopolizado, o que, a meu ver, não será essa a intenção do legislador.
    Concluindo, por a marca registanda "CotaiArena" não ter eficácia distintiva, ao abrigo do art. 199° n.° 1 al. b) e c) do RJPI, entendemos que a marca registanda não pode ser objecto de apropriação exclusiva e irregistável.”
    
    5. Somos, no essencial, a ratificar o supra expendido, mas, não obstante considerarmos acertadas as afirmações quanto à proveniência geográfica inserida na marca, já não aderimos à posição de que se trata de uma marca não distintiva, genérica e usual.
    A expressão “CotaiArena”, mista de dois vocábulos justapostos não é usual e afigura-se-nos ter capacidade distintiva, podendo considera-se uma expressão fantasia.
    Deve ser vista no seu conjunto e como adiante veremos a localização não está de todo proibida sob pena de sacralização de um dado nome geográfico.
    A expressão “arena”, não é tão comum ou generalizada como se afirma, tal como aconteceria com a expressão “estádio” - seria mais problemática a expressão “Estádio do Cotai” -, destina-se a um espaço que se assemelha a uma arena no sentido literal do termo, construída em primeiro lugar e inovatoriamente pela recorrente e não é enganadora enquanto se destina a uma classe de serviços, como espectáculos musicais, desportivos ou exibicionais, não deixando de possuir capacidade distintiva. Já não seria assim se ela se destinasse a um espaço que fosse uma arena no seu sentido tout court. Nessa altura perdia o carácter distintivo porque enquanto substantivo comum para significar uma coisa genérica a sua função de distinguir perder-se-ia perante uma generalidade de arenas que pudessem coexistir.
     Já não se evidenciaria a confundibilidade da expressão, não obstante poder haver outros espaços, com nomes mais comuns por que são designados normalmente os pavilhões com funções multiusos, exibicionais, desportivos ou artísticos, não se vislumbrando que tal marca pudesse causar engano ao consumidor, nomeadamente a respeito da natureza, das qualidades, da utilidade ou da proveniência do produto ou do serviço desenvolvido num espaço a que se desse o nome conotativo de arena.
    
    6. Não fora, no entanto a confundibilidade que neste caso específico pode resultar por virtude da classe a que se destina, pensa-se que, em tese, se poderia considerar tal marca como uma marca complexa e neste particular caso a expressão “Cotai” seria absorvida pelo conjunto, não obstante termos afirmado já, noutros momentos que “Sobre isto diremos tão somente que a recorrente confessa aqui o que já se vem adivinhando, em face do número de processos em que reivindica tais marcas, que há da sua parte uma preocupação em apoderar-se do nome do “Cotai”, zona geográfica delimitada e perfeitamente definida, esquecendo-se que nessa faixa (trip) onde opera, há outras operadoras, donde dever ter-se um especial cuidado de forma a prevenir a monopolização do nome de uma determinada zona, não se podendo permitir que se confunda e identifique uma dada operadora, ainda que a primeira, com uma zona geográfica, o que seria muito injusto para as restantes.”

    7. Com isto, no fundo, somos a ratificar o que também já se afirmou, de que o nome de uma dada cidade, país ou região, pode compor uma dada marca. Não, o que se diz é que esse elemento não pode ser o elemento nuclear e destrinçador dessa marca. Não podem ser registadas as marcas compostas exclusiva ou essencialmente por elementos que descrevam o produto/serviços (as suas características, qualidades, proveniência geográfica, entre outros aspectos), por elementos usuais na linguagem do comércio, por determinadas formas (forma imposta pela própria natureza do produto, forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou forma que lhe confira um valor substancial) ou por uma única cor - cfr. art. 199º, n.º 1 do RJPI.
No que às denominações de origem e às indicações geográficas respeita têm estas adquirido uma vantagem económica crescente e desempenham uma função relevante no tráfico comercial, valendo aqui uma reflexão, quando é evidente a pretensão de um determinado interessado na sua referência, ainda que em sede do regime da marca e na pretensão do seu registo.7
A indicação geográfica, de acordo com o RJPI aparenta uma fisionomia semelhante à denominação de origem. Todavia, a sua estrutura é débil quando comparada com a denominação de origem, embora mais elástica.
Na verdade, a indicação geográfica individualiza produtos originários de uma região ou localidade quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica.
Expressamente, resulta do RJPI (art. 254.º/3) que, enquanto na denominação de origem as qualidades e as características dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico, compreendendo os factores naturais e humanos, na indicação geográfica, a reputação, uma qualidade determinada ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica, independentemente dos factores naturais e humanos. Na indicação geográfica o elo que une o produto à região determinada é mais débil que na denominação de origem. Ou seja, na indicação geográfica a reputação do produto ou uma sua qualidade pode ser atribuída à região sem influência directa dos factores naturais e humanos. Por outro lado, aquela menor ligação, na indicação geográfica, do produto à região determinada resulta, igualmente, da não exigência de que todas as operações de produção, transformação e elaboração ocorram na área determinada (como se estabelece para a denominação de origem), bastando que uma delas ocorra na área delimitada.
A denominação de origem exige um vínculo acentuado do produto com a região demarcada, ao contrário da indicação geográfica que se basta com uma breve aparência de ligação com a região.
Mas ficam muitas dúvidas quanto à utilização exclusiva de uma denominação geográfica em vista de uma eventual concorrência desleal. As denominações de origem e as indicações geográficas são instrumentos ao serviço das empresas. São meios de identificação dos produtos no mercado. Num mercado intercomunicativo, caracterizado por uma acérrima concorrência entre os produtos, por uma maior consciencialização dos consumidores para o factor qualidade, a denominação de origem e a indicação geográfica podem desenvolver um importante papel enquanto afiançadores de um monopólio, podem ser elementos-chave de uma estratégia comercial visando a conquista de um lugar competitivo marcado pela tipicidade de um produto. Para o consumidor um produto com denominação de origem ou indicação geográfica significa qualidade, características determinadas, garantidas. Mas, além de satisfazer o interesse dos consumidores, a denominação de origem e a indicação geográfica são instrumentos do comércio nas mãos dos produtores e dos comerciantes. São instrumentos ao serviço de um interesse reditício: estes direitos privativos permitem às empresas uma margem de rendimento superior; a qualidade tem preço. A denominação de origem e a indicação geográfica são propriedade comum (propriedade colectivística) dos produtores e comerciantes da região determinada. Aliás, estes sinais distintivos do comércio surgiram como meios dos produtores e comerciantes de uma região conseguirem colocar os seus produtos no mercado; associaram os seus interesses comuns (e que são igualmente económicos quando se traduzem num esforço conjunto na luta contra as falsificações e imitações do que é genuíno) em volta de um sinal identificador.8
Ora, estas preocupações, tecidas ainda que a propósito do regime das denominações de origem e indicações geográficas (cap. VI do RJPI,) não devem deixar de estar presentes se, por via da sua inclusão numa determinada marca, se atingem os valores que por outra via não deixariam de ser acutelados, tais como a transparência, benefício de todos os operadores, sã concorrência, tipicidade do serviço por referência a um lugar geográfico em função de uma qualidade e excelência para que todos contribuem e não é apanágio de uma única operadora. Mas levar essa preocupação à exclusão da integração de um nome geográfico numa marca vai ao arrepio dos princípios gerais do direito marcário, contraria uma praxis comum e generalizada, importando, sobretudo, salvaguardar os princípios da livre concorrência, transparência, defesa do consumidor, princípios estes que, no caso, se não mostram postergados.
    
     8. Podemos assim concluir, no que ao nome geográfico respeita, COTAI, que, se o nome geográfico for empregue como simples denominação de fantasia, não suscita quaisquer problemas. O mesmo se diga quando estivermos perante uma denominação genérica (v.g. água de Colónia). Uma marca geográfica não tem como função certificar ou sequer informar acerca da proveniência do produto ou serviço, servindo apenas o propósito de o identificar no mercado, na mesma medida que tal ocorre com marcas não geográficas: o nome da região ou localidade funcionará, nestes casos, como uma designação neutra, do ponto de vista geográfico (não tendo, em si mesma, o efeito de valorizar o produto). Mas, quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
    Em contrapartida, se a marca for constituída, exclusivamente, por indicações que possam servir para designar essa proveniência geográfica, estaremos perante uma marca inválida por falta de capacidade distintiva, cujo registo deve ser recusado ou anulado.
     No caso subjudice, como se disse acima, a palavra Arena será o tal elemento diferenciador. Só que, não obstante ser uma denominação genérica, ainda que não generalizada e muito comum quando aplicada a espaços exibicionais ela destina-se a um conjunto de bens que nada têm a ver exactamente com o serviço para que a palavra inculca, com excepção da pretensas feiras, actividade que não se mostra incluída na classe 35 da Classificação de Nice.
    Esta classe prevê as actividades seguintes: “Publicidade; gestão de negócios comerciais; administração comercial; trabalhos de escritório.”
“Nota explicativa
Esta classe inclui essencialmente os serviços prestados por pessoas ou por organizações cujo fim principal é:
1) a ajuda na exploração ou direcção de uma empresa comercial ou
2) a ajuda na direção dos negócios ou das funções comerciais de uma empresa industrial ou comercial, assim como os serviços de elaboração de publicidade que se encarregam essencialmente de comunicações ao público, de declarações ou de anúncios por todos os meios de difusão e respeitante a todas as espécies de mercadorias ou de serviços.
Inclui nomeadamente:
— o agrupamento para terceiros de produtos diversos (exceto o seu transporte) permitindo ao consumidor vê-los ou comprá-los comodamente; estes serviços podem ser assegurados por lojas de venda a retalho, grossistas, através de vendas a catálogo, por correio ou via eletrónica, por exemplo, via sites de Internet ou tele-compras;
— os serviços compreendendo o registo, a transcrição, a composição, a compilação ou a sistematização de comunicações escritas e de registos, tal como a exploração ou a compilação de dados matemáticos ou estatísticos;
— os serviços das agências de publicidade assim como dos serviços tais como a distribuição de prospetos, diretamente ou pelo correio, ou a distribuição de amostras. Esta classe pode referir-se a
publicidade relativa a outros serviços tais como os que respeitam a empréstimos bancários ou publicidade pela rádio.
Não inclui nomeadamente:
— os serviços tais como as avaliações e relatórios de engenheiros que não estão em relação directa com a exploração ou a direção dos negócios numa empresa comercial ou industrial (consultar a lista alfabética de serviços)”.9

Nem sequer por via de um significado secundário ou conotativo - que não se demonstra - se descortina a relação com as actividades pretendidas, o que faz recear pela possibilidade de confusão, por uma menor protecção do público e não deixa de inculcar no sentido de um desiderato de arrebanhamento da expressão Cotai que nessa situação deixa de ser um elemento marginal, antes assumindo uma função marcaria aglutinadora.
    
    9. Este entendimento vai, pois, na esteira de outras decisões deste Tribunal de Segunda Instância, tomada por diferentes Colectivos, em que não foi apenas a denominação geográfica o factor decisivo na inadmissibilidade das marcar sujeitas a juízo.
     Foi, entre outros, o caso da mesma marca “CotaiArena” - numa situação próxima à dos presentes autos - que não foi aceite como registável, não, nessa situação, porque contivesse a palavra “Cotai”, mas porque se prestava a engano e confusão, pois que destinada a uma diversidade de serviços que não tinham conexão entre si, sendo oferecida a uma determinada classe (n.º 43) que, nos termos das leis de Propriedade Industrial e muito particularmente do Acordo de Nice, publicado em Macau, a classe para que foi requerido o registo não abrange e exclui até expressamente alguns dos serviços para que foi proposta (proc. 179/2013);
    “COTAI STRIP COTAIExpo” para serviços de viagens (proc. 128/2013); “COTAI STRIP COTAITravel”, não obstante a existência da palavra “Travel” em itálico e que tem o sentido de uma actividade ligada a transporte, deslocação e movimentos físicos, por não se saber se se tratar duma marca do produto ou duma publicidade à zona geográfica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento, bem como por poder não se saber, em concreto, qual a entidade exploradora desse produto ou dessas actividades, uma vez que existem diferentes entidades titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar que praticam as mesmas actividades na referida zona( proc. n.º 25/2013);
    “COTAI STRIP COTAI Shuttle”, em que a expressão remetia para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar, tendo, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado, e em que adição de um novo termo à marca, concretamente, “Shuttle”, formando tal composição, nada trazia de significativo no sentido de uma identificação de produto, serviço ou actividade, se a intenção era reportar-se a bens tão diversos como serviços de segurança para indivíduos ou haveres; serviços de guarda-nocturno; serviços de inspecção de bagagem; serviços de vigilância; serviços de porteiro; serviços de organização de casamentos e de festas para eventos especiais; serviços de acompanhantes; serviços de aluguer de roupa; serviços de aconselhamento e consultadoria relacionadas com os serviços mencionados acima, etc. (proc. n.º 103/2013);
    “COTAI STRIP COTAIArena”, por consistir em sinais nominativos que serviam apenas para designar a espécie e a proveniência de serviço a que se destina, carecendo de capacidade distintiva, também ela para a classe 35 (processo 102/2013).
    
    10. Aliás, se nos pronunciamos pela dessacralização do nome “Cotai”, nos termos que acima ponderados foram, não deixamos de observar que essa expressão não deixa de integrar nomes de marcas que foram já concedidos às diferentes interessadas nos autos, argumento este que não se mostra definitivo, pois que como afirmámos noutro local “Assim se responde ao argumento utilizado pela DSE de que já foram admitidas a registo as mesmas ou marcas similares. Tal argumento, ainda que possa impressionar, não tem validade jurídica pois que é desmentido por tantas outras decisões, sempre importará saber se essas decisões foram aqui escrutinadas, não sendo despiciendo assinalar que ainda que as decisões dos tribunais devam preservar o valor da segurança e certeza, não é menos certo que elas não são vinculativas, em termos genéricos, salvaguardadas as situações de uniformização de jurisprudência nos respectivos termos legais”.
    O que importa sobretudo observar é que neste caso em particular e em suma, estamos perante uma expressão composta por duas palavras justapostas que, embora possam tem carácter distintivo, perdem-no em concreto, quando projectada a marca nos serviços a que se destina, destina-se a uma classe de produtos que não se relaciona com o espaço designado como “arena”, podendo prestar-se a confusões junto do público consumidor, donde a denominação geográfica deixar de assumir um papel marginal.
    Em face do exposto, o recurso não deixará de soçobrar.
    
    IV- DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente A.
                Macau, 31 de Outubro de 2013,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
2 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
3 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
4 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
5 Luís M. Couto Gonçalves, in “Direito da Marcas”, 2ª edição, pág. 137
6 Título Exemplificativo : COTAI STRIP, N/16216, classe 3, titular pela A
7 - Seguindo o texto de Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, Indicações de proveniência, denominações de origem e indicações geográficas., www.apdi.pt, texto que corresponde à exposição feita no 5.º Curso de Pós-Graduação em Propriedade Industrial organizado pela Faculdade de Direito de Lisboa e pela Associação Portuguesa de Direito Intelectual.

8 - Sempre o mesmo texto acima citado.
9 - Fonte do INPI, Classificação de Nice – 10ª edição – Lista das classes e notas explicativas
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313/2013 24/24