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Processo nº 469/2013 Data: 19.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “contrafacção de moeda”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Actos preparatórios.
Tentativa.


SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo”.

2. A introdução de dados na banda magnética de cartões de crédito com a intenção de os utilizar integra a prática, na forma consumada, do crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252° e art. 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M..

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 469/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo T.J.B., decidiu-se condenar B (B), com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 310 a 316 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado vem o arguido recorrer, imputando em síntese ao Acórdão recorrido os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro na qualificação jurídico-penal dos factos” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 328 a 334-v).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que s e deve julgar parcialmente procedente o recurso, condenando-se o recorrente como autor do dito crime de “contrafacção de moeda” na forma tentada; (cfr., fls. 337 a 341-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer, considerando também que se devia julgar parcialmente procedente o recurso; (cfr., fls. 354 a 357).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“VI.
Em 15 de Maio de 2012, “C (C)” entregou ao arguido B (B) mais de dez cartões Union Pay e, em seguida, o arguido B (B), sob orientação de “C (C)”, deslocou-se para Macau juntamente com um homem do Interior da China, chamado “D (D)”, que tinha sido arranjado por “C (C)” para que servisse de “piloto”. Chegados a Macau, o arguido B (B) e “D (D)” alojaram no F Hotel, aguardando pelas indicações e informações dos clientes dadas por “C (C)”, entretanto, passados alguns dias, ainda não foram recebidos de “C (C)” os dados dos clientes, por conseguinte, “D (D)” abandonou o local.
VII.
Alguns dias depois, o arguido B (B) conheceu um indivíduo do sexo masculino (arguido G (G)) no período em que estava a jogar no Casino F, na Taipa. Em seguida, para executar a aludida actividade, o arguido B (B) disse ao arguido G (G) que tinha grande quantidade de cartões Union Pay que pudessem ser usados para levantar dinheiro em Macau, e levou o arguido G (G) para o quarto n.º 1325 do Hotel J. No quarto do hotel, o arguido G (G) contactou com “C (C)”, através do computador portátil do arguido B (B), e, na dada altura, “C (C)” disse ao arguido G (G) que o arguido B (B) possuía grande quantidade de cartões Union Pay que pudessem ser usados para levantar dinheiro em vários sítios em Macau, bem como lhe pediu para levantar dinheiro com os referidos cartões Union Pay, mais lhe dizendo que poderia ficar com 4% do dinheiro levantado como retribuição. Para obter benefício ilegítimo, o arguido G (G) concordou com a sugestão acima exposta.
VIII.
Em 28 de Maio de 2012, o arguido B (B) e “C (C)” fizeram uma chamada com vídeo, através do computador portátil, onde “C (C)” forneceu os dados dos clientes ao arguido B (B) e, por sua vez, o arguido B (B), usando o computador portátil que se encontrava no quarto, o aparelho de leitura e escrita de cartões magnéticos e entre outros equipamentos, inseriu os aludidos dados dos clientes nos dois cartões Union Pay do H Bank of China (n.ºs 6228480434241785311 e 6228481362180020813) e entregou-os ao arguido G (G) para serem usados.
IX.
No mesmo dia, pelas 23H05, o arguido G (G) usou um cartão Union Pay, emitido pelo H Bank of China (n.º 6228481362180020813), na Casa de penhor ......, sita na Praça de ......, com o intuito de obter HKD15.000,00 em numerário através do uso do cartão. No uso do cartão, o empregado da casa de penhor, I (I), pediu ao arguido G (G) que exibisse o seu documento de identificação para efeito de registo, no entanto, o arguido G (G) pediu, repentinamente, o cancelamento da transacção e fugiu logo após ter tomado de novo o referido cartão Union Pay.
X.
O guarda do CPSP, que se encontrava em patrulha na entrada da casa de penhor em causa, viu o arguido G (G) a sair nervosamente daquela casa de penhor, por isso, procedeu à investigação de identidade do arguido G (G).
XI.
No decurso de investigação, o guarda encontrou na posse do arguido G (G) os seguintes objectos: dois cartões Union Pay do H Bank of China (n.ºs 6228480434241785311 e 6228481362180020813), dois cartões de acesso ao quarto do Hotel J, um recibo de depósito do Hotel J, um telemóvel preto (Samsung, modelo: SCH-S269, série número: 2007XXXXXX).
XII.
No mesmo dia, conforme as informações fornecidas pelo arguido G (G), o guarda efectuou a investigação no quarto n.º 1325 do Hotel J e, na altura, encontrou no quarto o arguido B (B) a usar um computador portátil acompanhado dos auscultadores, dum câmara de vídeo e dum aparelho de leitura e escrita de cartões magnéticos com adaptador; além disso, ainda encontrou ao lado do referido computador portátil um telemóvel, sete cartões Union Pay do K (n.ºs 6222021207019355312, 6222305075077513, 6222309219762576, 6222081207000032349, 6222081207000048147, 6222155075001884 e 4518115075096829), três cartões Union Pay do L Bank (n.ºs 6217003090000131377, 6227001488020077615 e 4367480007155461), três cartões Union Pay do H Bank of China (n.ºs 6228481362180104716, 6228481362179869717 e 6228480010865334014), um cartão Union Pay do M Bank (n.º 4392267230137848), um cartão Union Pay do N Bank (n.º 6223210041081103) e um cartão Union Pay do Bank O (n.º 5218990590541909).
XIII.
Após a PJ ter examinado os 18 cartões Union Pay supramencionados, verificou-se que as informações constantes das bandas magnéticas dos cartões Union Pay n.ºs 6228480434241785311, 6222021207019355312 e 6217003090000131377 eram iguais às informações gravadas na superfície dos mesmos cartões; nos cartões Union Pay n.ºs 6228480010865334014, 6228481362180020813, 4367480007155461 e 4518115075096829 não havia informações de banda magnética completas; e nos cartões Union Pay n.ºs 6222305075077513, 6222309219762576, 6222081207000032349, 6222081207000048147, 6222155075001884, 6227001488020077615, 6228481362180104716, 6228481362179869717, 4392267230137848, 6223210041081103 e 5218990590541909 não havia nenhuma informação (vide relatório de fls. 185 e 203 dos autos).
XIV.
O arguido B (B) agiu, de forma livre, voluntária e consciente, ao praticar o acto em causa, no sentido de contrafazer, juntamente com “C (C)”, em determinação comum, dividindo tarefas entre si, os cartões Union Pay nesta Região, pondo em circulação, como legítima, os aludidos cartões Union Pay, com o objectivo de obter benefício ilegal.
XV.
O arguido G (G) agiu, de forma livre, voluntária e consciente, ao praticar o acto em causa, no sentido de passar, conforme o pedido de “C (C)”, os cartões Union Pay falsos nesta Região, mesmo que tivesse perfeito conhecimento de que os cartões Union Pay usados eram contrafeitos pelo arguido B (B), sob orientação de “C (C)”, com a intenção de obter benefícios no uso dos aludidos cartões Union Pay como verdadeiros, mas, por razão indesejada, o resultado foi infrutífero.
XVI.
Os dois arguidos sabiam perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
Dos 16 cartões Union Pay encontrados no quarto n.º 1325 do Hotel J pelo guarda policial, o cartão n.º 6223210041081103 do N Bank foi identificado como cartão de crédito. Os restantes cartões, incluindo os que foram encontrados na posse do arguido G (G), foram identificados como cartões pré-pagos.
O 1º arguido é empregado e aufere mensalmente cerca de RMB6.000,00.
Tem como habilitações académicas o ensino primário e tem os pais, a esposa e uma filha a seu cargo.
Conforme o Certificado de registo criminal, os dois arguidos são primários”; (cfr., fls. 312-v a 314-v).

Do direito

3. Vem o arguido B recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

Imputa ao mesmo Acórdão os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro na qualificação jurídico-penal dos factos” e “excesso de pena”.

Vejamos se lhe assiste razão.

–– Da alegada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Em relação a este vício da decisão da matéria de facto, tem este T.S.I. entendido que o mesmo apenas ocorre “quando o Tribunal não emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013).

E, motivos não havendo para se alterar este entendimento, há que concluir que não padece o Acórdão recorrido do apontado vício, pois que, como sem esforço, de uma mera leitura ao veredicto em questão se constata, pronunciou-se o Colectivo a quo sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que resultou provada, identificando a que resultou não provada, não deixando também de fundamentar, quanto a nós, adequadamente, esta sua decisão.

Improcede, por isso, o recurso nesta parte.

–– Quanto à “qualificação jurídico-penal”.

Como se disse, foi o arguido condenado como autor da prática de 1 crime de “contrafacção de moeda”, p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

Diz o art. 252° do C.P.M. que:

“1. Quem praticar contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.
2. Quem, com intenção de a pôr em circulação, falsificar ou alterar o valor facial de moeda legítima para valor superior é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.

Por sua vez, nos termos do art. 257° do mesmo Código:

“1. Para efeitos do disposto nos artigos 252.º a 256.º, são equiparados a moeda:
a) Os títulos de crédito constantes, por força da lei, de um tipo de papel e de impressão especialmente destinados a garanti-los contra o perigo de imitações e que, pela sua natureza e finalidade, não possam, só por si, deixar de incorporar um valor patrimonial; e
b) Os cartões de garantia ou de crédito.
2. O disposto no número anterior não abrange a falsificação de elementos a cuja garantia e identificação especialmente se não destine o uso do papel ou da impressão”.

Entende o arguido que a sua conduta consiste apenas na prática de “actos preparatórios”, ou na prática do crime mas na forma tentada (como igualmente entende o Ministério Público).

Vejamos.

Nos termos do art. 261° do C.P.M., (sob a epígrafe “actos preparatórios”):

“1. Quem preparar a execução dos actos referidos nos artigos 252.º e 253.º, no n.º 1 do artigo 258.º, no n.º 1 do artigo 259.º ou no artigo anterior, fabricando, importando, adquirindo para si ou para outra pessoa, fornecendo, expondo à venda ou retendo,

a) formas, cunhos, clichés, prensas de cunhar, punções, negativos, fotografias ou outros instrumentos que, pela sua natureza, são utilizáveis para praticar crimes, ou

b) papel que é igual ou susceptível de se confundir com o tipo do particularmente fabricado para evitar imitações ou utilizado no fabrico de moeda, título de crédito ou valor selado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2. É punida com a mesma pena a prática dos actos preparatórios, referidos no número anterior, de falsificação dos títulos constantes do artigo 257.º

3. Não é punível quem voluntariamente:

a) Abandonar a execução do acto preparado e prevenir o perigo, por ele causado, de que outra pessoa continue a preparar o acto ou o execute, ou se esforçar seriamente nesse sentido, ou impedir a consumação; e

b) Destruir ou inutilizar os meios ou objectos referidos nos números anteriores, ou der à autoridade pública conhecimento deles ou a ela os entregar”.

Face ao assim exposto, bem se vê que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.

Com efeito, o mesmo não se limitou à prática de meros “actos preparatórios”, tal como definido está no transcrito art. 261° do C.P.M., pois que, como se deixou transcrito, provado está que “em 28 de Maio de 2012, o arguido B (B) e “C (C)” fizeram uma chamada com vídeo, através do computador portátil, onde “C (C)” forneceu os dados dos clientes ao arguido B (B) e, por sua vez, o arguido B (B), usando o computador portátil que se encontrava no quarto, o aparelho de leitura e escrita de cartões magnéticos e entre outros equipamentos, inseriu os aludidos dados dos clientes nos dois cartões Union Pay do H Bank of China (n.°s 6228480434241785311 e 6228481362180020813) e entregou-os ao arguido G (G) para serem usados”; (cfr., facto provado n.° VIII).

Nesta conformidade, e não se podendo considerar que a conduta do arguido integra a mera prática de “actos preparatórios”, vejamos agora da alegada “tentativa”.

E, também aqui, não nos parece que se possa reconhecer razão ao ora recorrente.

Com efeito, a matéria de facto que em relação ao mesmo está provada, preenche, na íntegra, o preceituado no art. 252° e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M..

Na verdade, e como atrás se deixou igualmente retratado, o mesmo, no dia 28.05.2012, “introduziu, dados de duas pessoas, (dois clientes), nos dois cartões Union Pay do H Bank of China (n.°s 6228480434241785311 e 6228481362180020813) e entregou-os ao arguido G (G) para serem usados”, certo sendo também que “agiu de forma livre, consciente e voluntária, com intenção de obter benefício ilegal, e bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida”.

–– Por fim, quanto à “pena”.

Motivos não havendo para se alterar a qualificação jurídico-penal efectuado pelo T.J.B., e verificando-se que o crime pelo recorrente cometido é punido com a pena de 2 a 12 anos de prisão, nenhuma censura merece a pena de 2 anos e 9 meses decretada, apenas em 9 meses acima do seu mínimo legal e a quase 10 anos do limite máximo.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Macau, aos 19 de Setembro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 469/2013 Pág. 18

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