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Processo nº 401/2013 Data: 12.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”.
Inibição de condução.



SUMÁRIO

Só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 401/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (XX), com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B. vindo a ser condenado como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão, e de 1 outro de “detenção ilícita de estupefaciente para consumo próprio”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 mês de prisão.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 3 meses e 15 dias de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 3 meses, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano; (cfr., fls. 30 a 33-v).

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Inconformado, veio o arguido recorrer.
Motivou para, a final, e em síntese, dizer que os factos dados como provados eram insuficientes para a sua condenação pelo crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, pedindo também a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 38 a 42 ).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 59 a 63).

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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“A, o ora arguido dos presentes autos, foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de consumo ilícito de estupefacientes e de substância psicotrópicas, p.° p.° pelo art.° 14 da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 mês de prisão, e, um crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas p.° p.° pelo art.° 90 n.° 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 3 meses de prisão, com suspensão por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 3 meses.
Inconformado com as decisões, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vícios do art.°s 400 n.° 2 al. a) e 114 do C.P.P.M., bem como violação do princípio in dúbio pro reo, e, violação do disposto do art.° 109 n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, no âmbito da decisão de suspensão da pena acessória aplicada.
Analisados os autos, entendemos que, em sintonia com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação de recurso, não se pode reconhecer razão ao recorrente, pois não se vislumbra que a douta Sentença ora recorrida tenha violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
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1. Em relação aos vícios do art.°s 400 n. ° 2 al. a) e 114 do C.P.P.M. e à violação do princípio in dúbio pro reo
O recorrente A alegou que não chega o exame de sangue como suficiente prova para a existência da influência prevista no art.° 90 n.° 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, imputando assim à douta sentença os vícios do art.°s 400 n.° 2 al. a) e 114 do C.P.P.M., bem como violação do princípio in dúbio pro reo.
Relativamente à interpretação do vício previsto no art.° 400 n.° 2 al. a) do C.P.P.M., permitimo-nos, desde logo, citar os ilustres acórdãos mais recentes do T.S.I.:
"Se do teor da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, se retira que o tribunal seu autor já investigou todo o tema probando (constituído in casu apenas pela matéria fáctica descrita na acusação, por não ter sido apresentada contestação pelo arguido) com pertinência à decisão do mérito da acusação, não é possível ocorrer o vício aludido no art.° 400.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal." (Proc. n.° 666/2012, de 11/07/2013).
"O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo.
Verificando-se que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a "matéria que constituía o objecto do processo" dos autos, elencando a factualidade que do julgamento resultou provada e não provada, e fundamentando, de forma adequada, esta sua decisão, não existe "insuficiência"" (Proc. n.° 333/2013 de 04/07/2013).
No caso sub judice, o tribunal colectivo a quo deu como provada toda a factualidade descrita no auto de notícia elaborada pelo P.S.P., cuja efeito equivale-se a libelo acusatório, constituindo, exclusivamente, o objecto probatório do processo o facto e o dolo de condução de veículo após o consumo de estupefacientes do recorrente A (cfr. fls. 31 v. a 32).
Entendemos muito correcta a convicção formulada pelo Tribunal a quo, de acordo com os factos dados como provados, conjugados com as regras de experiência comum, nos termos do art.° 114 do C.P.P.M., de onde se concluí uma situação de influência objectiva, em que se encontrava o recorrente A quando foi abordado pelo P.S.P., derivada necessária e inevitavelmente do consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, independendo da sua efectiva capacidade de operação mecânica.
Concordamos também que, em harmonia com a douta decisão do Processo n.° 677/2012, de 6/9/2012, do T.S.I., é adquirida a convicção sobre os factos objecto do processo pelos julgadores, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova, com conjugação com as regras da experiência, nos termos do art.° 114 do C.P.P.M., independendo da quantidade de prova produzida durante o julgamento.
In casu, entendemos que o Tribunal a quo evidenciou todos os elementos legalmente previstos pelo art.° 355 do C.P.P.M., demonstrando que os factos dados provados foram apreciados e reconhecidos pelo Tribunal a quo, com conjugação de análise analógica sob o princípio da experiência, ainda em consideração suficiente da confissão do próprio recorrente e as provas objectivas como os autos de apreensão elaborados pelo Polícia e os exames laboratoriais.
Não vemos que o Acórdão recorrido padeça de qualquer vício imputado pelo recorrente, uma vez que o Tribunal a quo já se pronunciou sobre toda a matéria objecto do processo com base na qual foram apreciados e reconhecidos os factos provados e não provados, não havendo contradição entre a decisão e a fundamentação.
Não pode, assim, ocorrer o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos do art.° 400 n.° 2 alínea a) do C.P.P.M ..
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Vale a pena ilustrar, também, no seguinte a figura correcta do princípio in dúbio pro reo, instruído pelos doutos acórdãos proferidos pelo T.S.I. nos Proc. n.°s 926/2012, de 13/12/2012, 700/2012, de 27/09/2012, 713/2011, de 17/05/2012 e outros, por ser também questão imputada pelo recorrente ao Tribunal a quo:
"O princípio "in dúbio pro reo" identifica-se com o da "presunção da inocência do arguido" e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um "non liquet".
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio "in dúbio pro reo", decidir pela sua absolvição."
Concordando com a digna resposta do M.P., vale, a pena destacar aqui, mais uma vez, a influência necessária provada pelos estupefacientes ou substâncias psicotrópicas detectadas no organismo do recorrente, independendo da sua efectiva capacidade de condução de veículo.
Por tanto, no caso sub judice, não se vê que o Tribunal a quo duvidou ou devia duvidar sobre os factos sobre os quais lhe coube condenar o recorrente pela prática dos crimes de consumo ilícito de estupefacientes e de substância psicotrópicas e de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
São, sem dúvida, prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática dos crimes referidos, nomeadamente o crime p.° p.° pelo art.° 90 n.° 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, que se constituem como riscos sérios para a saúde pública, a segurança rodoviária e a paz social da R.A.E.M ..
Concluindo que não incorreu em violação do princípio in dúbio pro reo por carecer de situação equívoca que traga favorecimento ao recorrente A.
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2. Em relação à violação do disposto do art.° 109 n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário
Na sua motivação de recurso, alega o recorrente A que o tribunal devia decidir pela suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução, nos termos do art.° 109 n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
Analisados os autos, em conformidade com a Digna Magistrada do M.P. na sua resposta à motivação do recurso, entendemos que seja correcta a decisão de não suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução, do Tribunal a quo, por força da consequência jurídica exigida pelo art.° art.° 90 n.° 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, bem como dos art.°s 40 e 65 do C.P.M., não existindo motivos atendíveis que o Tribunal a quo devesse ponderar para a hipótese de suspensão da dita pena acessória.
O rumo jurisprudencial até agora seguido pelos Tribunais tem sido de que " ... só se coloca a hipótese de suspensão caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos", sendo respectivamente afirmado pelo Ilustre Tribunal da Segunda Instância nos processos n.°s 134/2013 de 23/05/2013, 252/2012 de 26/07/2012, 390/2011 de 26/07/2012 e 707/2011 de 26/07/2012.
No entanto, podem afastar-se da hipótese de suspensão os casos de, reincidência ou existência de antecedentes criminais relacionados à condução ou atitude de confissão de arguido, como nos Processos do Tribunal de Segunda Instância n.°s 235/2011 de 26/04/2012, 533/2011 de 26/07/2012, 48/2008 de 11/09/2008, embora esteja provado que o arguido é motorista de profissão.
Nesta conformidade, parece-nos que, in casu, não há lugar à aplicação do disposto no art.° 109 n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, por estar apenas provado de que o recorrente é um dos sócios de uma companhia de lavagem de roupas.
Face à condição económica do recorrente, ao costume e funcionamento das companhias de lavagem de roupas e à , propaganda de emprego para sua companhia, não se nos configura dificuldade rigorosa de resolução de problemas derivadas da execução da pena acessória de inibição de condução, não se vislumbrando assim nenhum motivo atendível previsto no art.° 109 n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
Vale pena destacar-se aqui os doutos acórdãos do Ilustre Tribunal da Segunda Instância:
"Tratando-se de um crime em flagrante delito, pouco valor tem a confissão integral e sem reservas dos factos pelo arguido para a descoberta da verdade." (Proc. n.° 201/2009, de 11/11/2010)
"Apesar de o arguido ter chegado a confessar integral e sem reserva os factos a ele imputados, isto não constitui um motivo por si só atendível para efeitos da pretendida suspensão da interdição da condução, pois há que acautelar as elevadas exigências da prevenção geral do crime de condução em estado de embriaguez." (Proc. n.° 424/2008, de 17/07/2008)
Deve ser assim afastada a hipótese de suspensão da pena acessória de inibição de condução fixada ao recorrente, tendo em conta as necessidades de prevenção, quer geral quer especial.
Assim concordamos com a hipótese da não aplicação ao recorrente da suspensão da execução da pena de prisão.
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Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o recurso do arguido A, devendo ser completamente mantida a decisão recorrida”; (cfr., fls. 94 a 97-v).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 31-v a 32, que aqui dão-se como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem o arguido dos autos recorrer do segmento decisório que o condenou como autor de 1 crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, pedindo também a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução que lhe foi aplicada.

–– Comecemos então pela sua condenação pelo crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007.

Pois bem, nos termos do art. 90° da Lei n.° 3/2007:

“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.

No caso dos autos, provado está, (essencialmente), que no dia 20.05.2013, pelas 01:20 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel com matrícula MH-XX-XX, e sendo interceptado numa “operação stop”, foi-lhe detectado, no bolso das calças que trazia vestidas, um saco de plástico contendo o que se veio a apurar ser matéria contendo “Cannabis sativa”.

Levado ao Centro Hospitalar Conde S. Januário para ser submetido a teste de despistagem, e após o mesmo, veio-se a apurar que o arguido tinha consumido o “produto” acima referido e “Cocaína”.

O arguido tinha adquirido a “cannabis” em ZHU HAI (R.P.C.), há cerca de uma semana, tendo trazido o estupefaciente para Macau, e consumido parte do mesmo uma ou duas horas antes de conduzir, provado estando também que agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

E, não obstante o que se deixou retratado e que constitui o que do julgamento provado ficou, diz o recorrente que não está provado que no dia em questão conduzia “sob influência de estupefacientes”.

Ora, como sem esforço se mostra de concluir, é evidente a sem razão do arguido.

Para já, cremos que clara é a matéria de facto no sentido de que o arguido tinha consumido “cannabis” uma ou duas horas antes de conduzir, o mesmo se devendo dizer quanto ao teste a que foi submetido e que acusou ter consumido “cannabis” e “cocaína”.

Porém, se bem entendemos, cremos que com a questão colocada pretende o recorrente dizer que se devia provar que estava a conduzir “sob os efeitos de estupefacientes”, e, quiçá, “incapacitado”.

Ora, não se subscreve tal entendimento.

Basta ver que no caso do n.° 1 do art. 90°, exige-se uma “taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro”, (e, independentemente do seu “efeito” no condutor), enquanto que no n.° 2, (ora em questão), não se avança com “valores concretos”, estatuindo-se, apenas, que incorre no mesmo crime “quem conduzir na via pública sob influência de estupefacientes…”.

–– Quanto à “pena acessória de inibição de condução”.

Pede o recorrente a suspensão da sua execução.

Também aqui, evidente é a sua falta de razão.

Vejamos.

Nos termos do art. 109° da Lei n.° 3/2007:

“1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução”.

E sobre a questão, tem este T.S.I. entendido que: “só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., o Ac. de 19.03.2009, Proc. n°. 717/2008, e, mais recentemente, Ac. de 31.01.2013, Proc. n° 894/2012).

E, nos autos, como bem salienta a Ilustre Procuradora Adjunta, provado não está o “circunstancialismo” que permite accionar o art. 109°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007 para que se decida pela suspensão da pena acessória em questão.

Dest’arte, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida, e mostrando-se-nos ser o recurso manifestamente improcedente, há que decidir pela sua rejeição.


Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Macau, aos 12 de Setembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 401/2013 Pág. 20

Proc. 401/2013 Pág. 19