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Processo nº 482/2013 Data: 19.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ameaça”.
Vícios de decisão da matéria de facto.
In dúbio pro reo.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. Só ocorre o vício de “contradição insanável” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

3. O erro notório na apreciação da prova tão só existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Este vício existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis, e tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores. De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo. Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

4. O “princípio in dúbio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore, sempre, em favor dele, um “non liquet”.

Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 482/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No T.J.B. respondeu A (XXX), arguido com os sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 do C.P.M., na pena de multa de 60 dias, a taxa diária de MOP$110.00, perfazendo a multa global de MOP$6.600,00, ou 40 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 149 a 152 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, e porque inconformado, o arguido recorreu, imputando à decisão recorrida, os vícios de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dúbio pro reo”; (cfr., fls. 160 a 163).

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Em Resposta e posterior Parecer, é o Ministério Público de opinião que o recurso não merece provimento, sendo de se confirmar, na íntegra, a sentença recorrida; (cfr., fls. 166 a 169 e 180 a 182).

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Nada obstando, cumpre decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 150 a 150-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 do C.P.M., na pena de multa de 60 dias, a taxa diária de MOP$110.00, perfazendo a multa global de MOP$6.600,00, ou 40 dias de prisão subsidiária, imputando à decisão recorrida “vícios da matéria de facto” e “violação ao princípio in dúbio pro reo”.

É porém evidente que nenhuma razão lhe assiste, sendo de se rejeitar o presente recurso dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos, (necessária não sendo uma grande fundamentação para se demonstrar o entendimento já adiantado).

Nos termos do art. 400° do C.P.P.M.:

“1. O recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. O recurso pode ter também como fundamentos, desde que o vício resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.

No que diz respeito aos vícios do n.° 2 do transcrito comando legal, tem este T.S.I. repetidamente afirmado que:

– o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.° 275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013).

– só ocorre o vício de “contradição insanável” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 18.04.2013, Proc. n° 185/2013), e que,

– o erro notório na apreciação da prova tão só existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Este vício existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis, e tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores. De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo. Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.05.2013, Proc. n.° 293/2013 do ora relator).

No caso dos autos, tendo o Tribunal a quo emitido pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que do julgamento resultou provada e não provada, e fundamentando também adequadamente esta sua decisão, não se vislumbrando igualmente qualquer incompatibilidade ou incongruência na dita matéria de facto, e não se mostrando de considerar a decisão em causa ilógica, impossível ou violadora das regras sobre o valor das provas legais, regras de experiência ou legis artis, evidente é que não padece a mesma decisão de qualquer vício, limitando-se o recorrente a tentar controverter o que claro está, o que, como é óbvio, não colhe.

–– Quanto à alegada violação do “princípio in dúbio pro reo”, importa ter presente que este identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore, sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Como em relação ao mesmo já teve este T.S.I. oportunidade de consignar: “perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. o Ac. de 06.04.2000, Proc. n.° 44/2000 e de 07.02.2012, Proc. n.° 54/2013).

Porém, no caso, em local algum da decisão recorrida se consegue retirar qualquer dúvida por parte do Tribunal a quo, apresentando-se a decisão recorrida, como já se disse, lógica e clara, evidente sendo que também nesta parte improcede o recurso.
–– Por fim, constatando-se que do julgamento provados ficaram todos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de ameaça pelo qual foi o ora recorrente condenado, e nenhuma outra questão tendo o mesmo colocado (ou que se deva conhecer a título oficioso), à vista está a solução.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$2.500,00.

Macau, aos 19 de Setembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 482/2013 Pág. 12

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