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Processo nº 523/2013 Data: 24.10.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno”.
Princípio da legalidade.
Pornografia.
Pudor público.
Moral pública.



SUMÁRIO

1. “Pornografia” é a representação de elementos de cariz sexual explícito, sobretudo quando considerados obscenos, em textos, fotografias, publicações, filmes ou outros suportes, com o objectivo de despertar o desejo sexual.

2. Não é de considerar “pornográfico” o anúncio em que se publicita o serviço de massagens e em que em ambos os lados do mesmo se apresenta a imagem de 3 jovens do sexo feminino em fato de banho ou roupa interior.

3. O artigo em questão pode ser “inconveniente”, “de mau gosto”, (ou até “sensual”), porém, não se apresenta susceptível de ofender (em “grau elevado” e com “intensidade”) os “sentimentos gerais da moralidade sexual”.

O relator,

______________________


Processo nº 523/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguida com os sinais dos autos, respondeu em processo sumário no T.J.B., vindo, a final, a ser absolvida da prática de um crime de “venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno”, p. e p. pelos art°s 1°, 2° e 4°, n.° 1, da Lei n.° 10/78/M, que lhe era imputada; (cfr., fls. 27 a 29-v).

*

Do assim decidido, veio o Ministério Público recorrer.
Motivou para, em sede de conclusões e em síntese, afirmar que a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação – violação – do art. 2°, n.° 1 da meniconada Lei n.° 10/78/M; (cfr., fls. 33 a 35).

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Respondeu a arguida pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 44 a 47).

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Admitido o recurso, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a esta Instância.

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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta o seguinte douto Parecer:

“Em 24/06/2013, A, ora arguida foi acusada pela prática de 1 crime de venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno p.° p.° no art.° 4 n.° 1, com conjugação do art.° 1 da Lei n.° 10/18/M, sendo absolvida pelo Tribunal a quo.
Na fundamentação da douta sentença, o Tribunal a quo entendeu que, mesmo que sejam dados como provados todos os factos objectivos mencionados no libelo acusatório, ou seja, no auto de notícia da P.S.P., não se constata nos cartões apreendidos representação ou descrição directamente relacionada com actos sexuais, não preenchendo assim os requisitos objectivos previstos e regulados no art.° 2 n.° 1 da Lei n.° 10/18/M, e, faltando o dolo da arguida.
Inconformado com a decisão, vem o Ministério Público recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, considerando que houve errado entendimento jurídico-penal da conduta da arguida, pugnando pela violação do at.° 400 n.° 1 do C.P.P.M., bem como do art.° 2 n.° 1 da Lei n.° 10/18/M.
Atenta à matéria dos factos dados como provados, bem como os cartões apreendidos nos autos, cremos que o recurso deve ser julgado procedente.
Vejamos o preceito do art.° 2 da Lei n.° 1 0/78/M, de 08/07 :
“Artigo 2.°
(Conceito de pornografia)
1. Para efeitos desta lei, são considerados pornográficos ou obscenos os objectos ou meios referidos no artigo anterior que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública.
2. São designadamente compreendidas neste conceito:
a) A representação ou descrição de actos sexuais ou a exposição dos órgãos genitais, num contexto de pura exibição sexual:
b) A exploração de formas de perversão sexual, bem como a de situações sexuais, através do recurso a técnicas de sobre excitação visual e/ou sonora."
Verifica-se que, com conjugação das extracções do Plenário da Assembleia Legislativa, é meramente exemplificativo a enumeração do preceito acima referido, podendo ser considerados pornográficos ou obscenos outros objectos ou meios além dos enumerados, desde que ofendam o pudor público ou a moral pública.
Reserva-se a matéria da convicção à competência dos tribunais, em cada caso concreto, pois existe uma grande discrepância nos valores da moral, de acordo com as considerações dos legisladores, uma coisa não é contra o pudor público para os ocidentais mas pode ser muito má para os chineses.
In casu, como demonstrou na sua fundamentação da douta sentença, o Tribunal a quo entendeu que não há representação ou descrição, nos cartões em causa, com directa referência ao acto sexual, dependendo do diferente entendimento, de acordo com a diferença de cultura, de quem os recebe.
Salvo o devido respeito, certo é que são conclusivas as palavras de "pornográficos ou obscenos", reguladas no preceito do art.° 2 da Lei n.° 10/78/M, de 08/07. Necessário é, assim, investigar se os factos decorridos nos presentes autos se enquadram nesses conceitos de "pornográficos ou obscenos", independendo da existência da representação ou descrição ostensivas.
Como acima dito, é exemplificativa a enumeração do preceito acima referido, podendo ser considerados pornográficos ou obscenos os objectos ou meios desde que ofendam o pudor público ou a moral pública. Reparemos que é de uma cultura geral e pública, mas não de cada uma das pessoas que recebe o cartão.
Acreditamos que, em sintonia com a douta resposta do M.P. à motivação do recurso, a absoluta maioria dos residentes de Macau, dentro à qual mais de 86.5% da população total é chinesa, percebe o significado real, ou seja, a actividade real a que se referem os cartões apreendidos (v. fls. 9), conforme as experiências comuns nesta comunidade e a cultura chinesa de Macau, relacionando-a necessariamente com as actividade de prostituição, muito provavelmente sem licença administrativa aprovada, que ofendem, sem dúvida, o pudor público ou a moral pública de Macau.
Necessário é destacar que a arguida, sendo também uma residente chinesa de Macau, sabe obviamente o efeito e a mensagem, nomeadamente da propaganda da actividade de prostituição, que os cartões que a arguida estava a distribuir na via pública, podem transmitir, distribuindo-os apenas aos transeuntes masculinos, conforme os factos dados como provados (v. fls. 28).
É difícil convencer-nos que só os homens precisavam do serviço de massagem, bem como da necessidade normal e formal das massagistas serem exibidas em trajes como os cartões mostram?!
Por mais nada haver para acrescentar, entendemos que tendo em conta a natureza de enumeração exemplificativa do art.° 2 n.° 2 da Lei n.° 10/78/M, bem como a ideia legislativa sobre os objectos ou meios pornográficos ou obscenos, os actos praticados pela arguida estão, objectiva 'e subjectivamente, preenchidos os requisitados do crime de venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno, violando a sentença recorrida o art.° 400 n.° 1 do C.P.P.M. e do art.° 2 da Lei n.° 10/78/M.
Pelo exposto, deve ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a sentença recorrida e condenando a arguida conforme a lei”; (cfr., fls. 57 a 59).

*

Teve lugar a audiência de julgamento do recurso com integral observância do formalismo legal.

*

Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem o Ministério Público recorrer da sentença prolatada pelo Mmo Juiz do T.J.B. que absolveu a arguida dos autos da imputada prática de 1 crime de “venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno”, p. e p. pelos art°s 1°, 2° e 4°, n.° 1 da Lei n.° 10/78/M.

E, como se deixou relatado, considera que incorreu o Tribunal a quo em “erro de interpretação e aplicação do art. 2°, n.° 1 da Lei n.° 10/78/M”, pedindo a condenação da arguida como autora da prática do mencionado crime.

É assim esta Instância chamada a decidir se a conduta da arguida integra a prática do crime que lhe era imputado.

A tanto se passa.

Tendo em conta a “questão” trazida à nossa apreciação, mostra-se adequado consignar desde já o que segue.

Consagrando um dos princípios fundamentais do Direito Penal, o “princípio da legalidade”, prescreve o art. 1° do C.P.M. que:

“1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.
2. Só pode ser aplicada medida de segurança ao estado de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento.
3. Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”.

No mesmo sentido preceitua o art. 29° da L.B.R.A.E.M., onde, como um dos “direitos fundamentais dos residentes” – extensivo a “não residentes” por força do art. 43° - estatui que:

“Nenhum residente de Macau pode ser punido criminalmente senão em virtude de lei em vigor que, no momento da correspondente conduta, declare expressamente criminosa e punível a sua acção”.

E comentando o dito princípio, escreve Figueiredo Dias que: “o princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que como tal preveja uma certa conduta significa que, por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento, tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo-o e impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal) para que ele possa como tal ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos. Neste sentido se tornou célebre a afirmação de v. Liszt segundo a qual a lei penal constitui a “magna Charta do criminoso”. Tem-se argumentado que, sendo assim, a lei penal representa uma espécie de carta de alforria para o agente mais hábil, mais refinado e (às vezes) mais rico e poderoso, numa palavra (própria da ciência criminológica), para o agente dotado de maior “competência de acção”. Será verdade. Mas importa fazer neste contexto duas precisões: a primeira é a de que um tal agente não é, em definitivo, um “criminoso” se não for como tal considerado por uma sentença passada em julgado (supra, 6.° Cap., §41 e ss.); a segunda a de constituir este, apesar de tudo, um razoável preço a pagar para que possa viver-se numa democracia que proteja minimamente o cidadão do arbítrio, da insegurança e dos excessos de que de outro modo inevitavelmente padeceria a intervenção do Leviathan estadual”; (in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, pág. 168 a 169, onde o referido Professor dá exemplos de aplicação prática do mencionado princípio, merecendo destaque o recentemente ocorrido nas Filipinas, em que um cidadão difunde a partir desse País um vírus informático, (“I Love You”), com danos no mundo inteiro, tendo porém ficado impune dada a inexistência, ao tempo, de um tipo legal de crime na ordem jurídica do país que previsse e punisse tal conduta).

No mesmo sentido, em comentário ao C.P.M. – in C.P.M. Anot. pág. 1 e 2 – e em relação ao mesmo “princípio da legalidade ou tipicidade” afirmam L. Henriques e S. Santos que: “é necessário que o comportamento humano coincida formalmente com a descrição feita em norma incriminadora para que possa integrar uma infracção penal.
Pouco importa que alguém haja cometido um facto anti-social, excitante da reprovação pública, francamente lesivo do minimum de moral prática que o direito penal tem por função assegurar, com as suas reforçadas sanções, no interesse da ordem, da paz, da disciplina, social: se esse facto escapou à previsão do legislador, isto é, se não corresponde, precisamente, a parte objecti e a parte subjecti, a uma das figuras delituosas anteriormente recortadas in abstracto pela lei, o agente não deve contas à justiça repressiva, por isso mesmo que não ultrapassou a esfera da licitude jurídico-penal (cfr. NELSON HUNGRIA – Comentários ao Código Penal Brasileiro, Vol. I, 15)”.

Constata-se assim que o “princípio da legalidade (de intervenção) penal” – que de algum modo já encontra expressão na “Magna Carta Libertatum” (de 1215) e mais tarde no “Bill of Rights” (de 1689) – quer dizer, antes de mais, que um facto não é crime, e então, não é penalmente punível, se como tal não estiver qualificado em lei (anterior à sua prática).

Feita a observação supra, avancemos.

Pois bem, nos termos do art. 1° da dita Lei n.° 10/78/M:

“1. É proibido afixar ou expor em montras, paredes ou em outros lugares públicos, pôr à venda ou vender, exibir, emitir ou por outra forma dar publicidade a cartazes, anúncios, avisos, programas, manuscritos, desenhos, gravuras, pinturas, estampas, emblemas, discos, fotografias, diapositivos, filmes, e em geral quaisquer impressos, instrumentos de reprodução mecânica e outros objectos ou formas de comunicação audio-visual de conteúdo pornográfico ou obsceno.
2. Ressalvam-se a exposição e a venda de objectos e meios referidos neste artigo, no interior de estabelecimentos que, especialmente licenciados, se dediquem exclusivamente a este tipo de comércio, em termos a regulamentar.
3. Sem prejuízo de outras restrições que vierem a ser estabelecidas em diploma regulamentar, a concessão da licença especial será obrigatoriamente condicionada ao seguinte:

a) Proibição de qualquer forma de propaganda;

b) Proibição de venda a ou através de menores de 18 anos de idade;

c) Proibição de instalação de tais estabelecimentos nas Ilhas e a menos de 300 metros de templos, estabelecimentos de ensino e de parques e jardins infantis;

d) Prévio pagamento de contribuição industrial, cuja taxa será equivalente a trinta vezes da fixada para a 1.ª classe da rubrica 332 da Tabela Geral das Indústrias e Comércios anexa ao Regulamento da Contribuição Industrial em vigor”.

E, sob a epígrafe “Conceito de pornografia” preceitua o art. 2° que:

“1. Para efeitos desta lei, são considerados pornográficos ou obscenos os objectos ou meios referidos no artigo anterior que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública.
2. São designadamente compreendidas neste conceito:

a) A representação ou descrição de actos sexuais ou a exposição dos órgãos genitais, num contexto de pura exibição sexual;

b) A exploração de formas de perversão sexual, bem como a de situações sexuais, através do recurso a técnicas de sobre excitação visual e/ou sonora”; (sub. nosso).

No caso dos autos, entendeu o Mmo Juiz a quo que a conduta da arguida não constituía o crime que pelo Ministério Público lhe era imputado, dado que: (1) o objecto (“anúncio”) pela mesma distribuído não tinha conteúdo pornográfico ou obsceno; e (2) dado (também) que provado não tinha ficado o elemento subjectivo do ilícito em questão.

Sem mais demoras, comecemos pela “natureza do anúncio”.

Pois bem, (ainda que a questão não deixe de comportar – necessariamente – algum “subjectivismo”, como naturalmente acontece nos juízos de valor), cremos que, (pelo menos, para a generalidade das pessoas), com a expressão “pornografia”, e mais concretamente, o adjectivo “pornográfico”, quer-se qualificar algo de “imoral”, “impuro”, “indecente”, “sujo”, “indecoroso”, “impúdico”, “lascivo”, “imundo”, “grosseiro”…

Em conformidade com o “Grande Dicionário de Língua Portuguesa”, “pornografia” é a “representação de elementos de cariz sexual explícito, sobretudo quando considerados obscenos, em textos, fotografias, publicações, filmes ou outros suportes, com o objectivo de despertar o desejo sexual”, sendo, por sua vez, “obsceno” o que é “contrário à decência e ao pudor”, o que “provoca vergonha, nojo ou repulsa”; (cfr., pág. 1100 e 1126).

Retidas estas noções, continuemos.

Em causa estando uns “anúncios” que a arguida distribuía, importa, antes de mais, atentar se em conformidade com o estatuído no art. 2°, n.° 1, atrás transcrito, continham os mesmos “imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou moral pública”.

Ora, o “pudor” é normalmente entendido como o sentimento de vergonha ou timidez causado por algo que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa, podendo também ser entendido como o mal-estar causado pela nudez ou por questões relacionadas com a sexualidade.

Também a “moral” é usualmente considerada como conjunto dos costumes e opiniões de um indivíduo ou de um grupo social respeitantes a um determinado comportamento, ou como o conjunto de normas de conduta consideradas mais ou menos absoluta e universalmente válidas.

Note-se também que aquando do debate na Assembleia Legislativa de Macau do projecto-lei que depois de aprovado veio a constituir a Lei n.° 10/78/M, (depois de se afirmar que a “intenção da lei era só uma: combater eficazmente a pornografia”), e numa tentativa de precisar o sentido e alcance dos “conceitos” aqui em questão, teve o seu então Presidente, (Dr. Carlos Assumpção), oportunidade de enfatizar que ““pudor público” não se refere a um sentimento de vergonha que certas pessoas têm ou a sentimento de vergonha individual, mas sim, a um sentimento de vergonha da média das pessoas em determinada época e em dada sociedade. Também o conceito de “moral pública” é um conceito da média das pessoas, das suas concepções ético-sociais, que em dado momento vigoram em dada sociedade”; (cfr., “Colectânea de Leis Penais Avulsas” Vol. 1, pág. 114).

E, nesta conformidade, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que o presente recurso deve ser julgado improcedente.

Com efeito, e como descrito está na sentença recorrida e pelo Exmo. Recorrente não vem impugnado, provado está (apenas) que a arguida foi surpreendida na via pública com um maço de “cartões” – anúncios – que se preparava para distribuir a transeuntes, onde se publicitava a prestação de “serviços de massagens (em hotéis)”, sendo que em ambos os lados dos ditos cartões existia a fotografia de 3 jovens do sexo feminino em fato de banho de duas peças, (“bikini”), ou roupa interior, (“lingerie”).

E, sendo esta a “factualidade” apurada, cremos pois que não é tal conduta subsumível ao estatuído no art. 2°, n.° 1 da Lei n.° 10/78/M.

Os “anúncios” em questão podem (certamente) ser considerados “inconvenientes”, “desagradáveis” ou até de “mau gosto”, mas não nos parece que os mesmos sejam “pornográficos” ou “obscenos” e que “ultrajam ou ofendam o pudor público ou moral pública”.

De facto, o “fato de banho de duas peças” é uma peça de vestuário que de há muito tempo para cá é “vulgar”, e a apresentação das jovens representadas nos anúncios com roupa interior também não parece que seja de tal forma “chocante” para se considerar que verificado está o condicionalismo descrito no aludido art. 2°, n.° 1.

Com efeito, para tal, afigura-se-nos que necessário seria que as “imagens” em causa fossem “de cariz sexual explícito” e susceptíveis de ofender, (“violar”), em “grau elevado” e com (alguma) “intensidade”, os “sentimentos gerais da moralidade sexual”, o que não cremos ser o caso.

Importa não olvidar que os “valores” em questão não se alteram apenas em consequência da sua “localização geográfica”, “usos e costumes”, sendo que o mesmo também sucede com o “decorrer dos tempos” e com a normal e natural evolução de concepções sobre o que é aceitável, (tolerável), e não o é; (tenha-se presente, por exemplo, a polémica das calças e da mini-saia no vestuário feminino).

Aliás, no caso, mostra-se relevante também ter em atenção que a dimensão dos anúncios é pouco superior a de 1 “cartão de visita”, (próximo do tamanho de um maço de cigarros), e que nos mesmos estavam impressos números de telefone e o tipo de serviço em questão sobrepostos à imagem das jovens neles representadas, que estas não estavam despidas, não se visualizando nenhuma parte íntima do seu corpo.

Poder-se-á, eventualmente, considerar que as imagens são “sensuais”, e até que tem uma certa “carga sexual”, porém, tal, em nossa opinião, não constitui “pornografia” ou “obscenidade”.

Note-se, que pronunciando-se também sobre a nudez feminina e em questão análoga à ora em apreciação, em Ac. de 27.11.1964 – há quase “meio século” – teve a Relação de Lisboa oportunidade de julgar improcedente um recurso onde em causa estavam (também) 3 imagens frontais de 3 senhoras desnudadas da cintura para cima, considerando que as mesmas, ainda que “inconvenientes e ferindo as regras da decência”, não eram obscenas ou susceptíveis de ferir o pudor público; (cfr., “Jurisprudência das Relações”, T. V, pág. 883).

Tratando de idêntica questão também o Prof. Beleza dos Santos já escreveu (na “Revista de Legislação e Jurisprudência” n.° 54°, pág. 401 e n.° 55°, pág. 3 e seguintes) que “não se podem considerar ultrajantes da moral pública quaisquer palavras escritas ou desenhos que sejam simplesmente inconvenientes, que, ferindo apenas as regras da decência, não são no entanto obscenas, não atingem o pudor público”.

Não se olvida igualmente que muitos valores culturais e usos e costumes, perduram no tempo, mantendo-se (muitas vezes) inalterados por longos períodos, e que, como é óbvio, “tudo tem um limite”.

Todavia, como cremos já ter deixado consignado, (e sem se deixar de ter em conta que Macau pretende ser uma “cidade internacional”, que até já acolheu várias “exposições de produtos para adultos”, a última das quais no passado mês de Agosto), afigura-se de considerar que as imagens aqui em causa não parecem (suficientemente) “chocantes”, “fortes” ou “intensas” para se dar como preenchido o elemento objectivo do ilícito criminal previsto no art. 1° da aludida Lei n.° 10/78/M.

Aliás, as mesmas afiguram-se mesmo menos “ofensivas” que muitas outras publicadas em diários locais, a propósito da publicitação, (nomeadamente), de “casas de massagens” e outros “estabelecimentos de diversão nocturna”, (ou até como simples meio de ilustrar notícias), onde as representadas surgem (bastante) mais “expostas”, em posturas menos “recatadas”, e em imagens de maior dimensão, não se conhecendo, pelo menos até ao momento, qualquer rumor no sentido de alguém se ter considerado pelas mesmas moralmente ofendido.

Por fim, (e para não nos alongarmos), cabe dizer também que nem da acusação constava, nem tão pouco do julgamento em 1ª Instância resultou provada outra matéria, nomeadamente quanto à alegada “actividade de prostituição” que, seja como for, e em nossa opinião, não se mostra relevante para o ilícito em questão.

Assim, e evidente se nos afigurando que verificadas também não estão as “circunstâncias” do n.° 2 do mesmo artigo, já que as imagens em questão também não “representam ou descrevem actos sexuais, expondo órgãos genitais, num contexto de pura exibição sexual”, (e independentemente do demais, concretamente, do “elemento subjectivo”), há pois que concluir que bem andou o Mmo Juiz a quo, censura não merecendo a decisão absolutória que proferiu e aqui objecto do presente recurso.

Tudo visto, resta decidir.

*

Decisão

3. Em face do exposto, acordam julgar improcedente o recurso.

Sem custas, (dada a isenção do Ministério Público).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$2.000,00.

Macau, aos 24 de Outubro de 2013

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(但本人主張應裁定檢察院的上訴理由成立―詳見隨附的投票聲明)。

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  

就中級法院第523/2013號刑事上訴案
2013年10月24日合議庭裁判書的
投 票 聲 明
  本人對上訴庭今天於本案內發表的有關確認一審無罪開釋判決的決定,不表贊同,理由如下:
(一)
  本案嫌犯被檢察院指控觸犯了關於打擊色情及猥褻物品的公開販賣、陳列及展出的7月8日第10/78/M號法律第1條第1款和第4條第1款所聯合規定懲處的不法行為。
  原審法官經開庭審理案件後,作出一審無罪開釋裁判。
  檢察院不服,向中級法院提起上訴,力指原審判決違反了第10/78/M號法律第2條第1款所指的色情物品的定義,故請求直接改判嫌犯是犯下了被指控的不法行為。
(二)
  為判斷檢察院的上訴理由是否成立,首先須分析一審判決的下列判案理由:
  「......
  已證明之事實:
  2013年06月22日晚上約10時30分,治安警察局警員在......酒店......門外(區域-G)進行反罪惡巡邏行動時,發現嫌犯......手上持有一些咭片不斷向途經上址之男途人派發,因此,治安警察局警員將嫌犯......截停,並在嫌犯自願及同意下,對嫌犯隨身物品進行搜查,結果發現嫌犯手持下列咭片:
  1. 第一種樣式之咭片【一面印有三名身穿比堅尼泳衣,年約20至30歳的不知名女子的相片、及印有(24小時上酒店按摩、價錢合理、黑珍珠及一個聯絡電話:6XXXXXX9);咭片另一面印有三名身穿比堅尼泳衣,年約20至30歲的不知名女子的相片,印有葡萄牙妹及聯絡電話6XXXXXX9】,合共11張。
  2. 第二種樣式之咭片【一面印有三名身穿比堅尼泳衣,年約20至30歳的不知名女子的相片、及印有(24小時上酒店按摩、價錢合理、及一個聯絡電話:6XXXXX19);咭片另一面印有三名身穿比堅尼泳衣,年約20至30歲的不知名女子的相片,及印有聯絡電話6XXXXX19】,合共13張。
  隨後,治安警察局警員在嫌犯同意及自願簽署入屋聲明書後,在嫌犯寓所內進行搜索工作,結果在嫌犯寓所屬其房間內之梳妝枱右方位置發現有四盒上述第一種樣式的咭片,合共約1950張,以及三盒上述第二種樣式的咭月,合共約1450張。
  上述咭片是一名化名“B"的中國籍女子於2013年06月22日下午交予嫌犯,並同時支付澳門幣500元予嫌犯以作為五天期間內派發上述咭片的報酬。
*
  同時,嫌犯聲稱其個人狀況如下:
  ......
***
  未獲證實的事實:
  有關咭片符合第10/78/M號法律第2條(色情定義)的規定。
  嫌犯在明知有關咭片含有色情及猥褻內容仍然公開派發。
  嫌犯是在自由、自主及有意識的情況下故意實施上述行為,亦明知此等行為是法律所禁止和處罰的。
***
  第10/78/M號法律第2條的規定如下:
第二條
(色情的定義)
  『一、為著本法律之效力,凡上條所指的物品或工具,其上言詞、描述或形象有損公德或有傷風化者,即視為色情或猥褻物品或工具。
  二、下列情事尤其在本定義之列:
  a. 性行為的表演或描述,或性器官的暴露但只以涉及淫褻方面為限;
  b. 透過視覺及/或聽覺上過份刺激的技術,而對性變態或性態作圖利的利用。」
  在本案中,有關咭片上之內容並無直接關於性行為的表演或描述,而有關咭片上之內容,會否讓人聯想到性愛亦需視乎文化背景而定;因此,本法院不能毫無疑問地認定有關咭片上之文字、內容及圖片已完全符合上述規定內所指“有損公德或有傷風化"的範圍,故就『關於色情及猥褻物品的公開販賣、陳列及展出罪』所要求之客觀要素並不成立。
*
  本法院在綜合分析了嫌犯對控訴書所作之聲明及證人在審判聽證所作之證言,以及本卷宗所載之書證而作出事實的判斷。
***
  由於未能證實『關於色情及猥褻物品的公開販賣、陳列及展出罪』的客觀及主觀要素,因此,應判嫌犯無罪」。
  此外,根據一審庭審筆錄內容,嫌犯在庭上「自願且主動對訴訟標的作出聲明,聲稱有關咭片只提及按摩,不覺得有色情成份」。
(三)
  從一審判決書的判案理由來看,原審法官是因對涉案咭片上之文字、內容及圖片是否已完全符合第10/78/M號法律第2條所指的有損公德或有傷風化的範圍抱有疑問,而首先認定嫌犯被指控的不法行為的罪狀客觀要素並不成立,並進而認定該罪狀的主觀要素也不成立。
  然而,一如檢察院在上訴狀內所指,就有關咭片上之文字、內容及圖片是否符合法律所指的有損公德或有傷風化的範圍之探究,僅涉及法律審的層面,而非屬事實審的範疇,因此原審法庭理應不該把「有關咭片符合第10/78/M號法律第2條(色情定義)的規定」之句子視為爭議事實版本,並將之列為未獲證實的事實,也不該因其在法律審上所持的立場,而在事實審層面上指出未能證實「嫌犯在明知有關咭片含有色情及猥褻內容仍然公開派發」、未能證實「嫌犯是在自由、自主及有意識的情況下故意實施上述行為,亦明知此等行為是法律所禁止和處罰的」。
  的確,既然原審法庭已查明一名化名「B」的中國籍女子於2013年6月22日下午把涉案的印有穿比堅尼泳衣女子的相片、「24小時上酒店按摩」、「價錢合理」和聯絡電話號碼的咭片交予嫌犯,並同時向她支付澳門幣500元,以作為她在五天期間派發咭片的報酬,且她亦於當天晚上被發現在本澳一酒店門外不斷向途經的男途人派發涉案咭片,那麼從這些既證事實,已可根據《民法典》第342和第344條的規定,在事實層面上推斷出她自己是在自願、自主及有意識的情況下,故意作出上述派發涉案咭片的行為,並清楚知悉咭片的內容。
  至於該等咭片是否應被視為色情物品,則全屬法律審的問題,故即使嫌犯在庭上聲稱「有關咭片只提及按摩,不覺得有色情成份」,這並不必然代表她的派發咭片行為不會受到第10/78/M號法律第1條第1款和第4條第1款的制裁。
  換言之,判案的關鍵在於上述咭片是否符合第10/78/M號法律第2條第1款就色情所下的法律定義。如符合的話,嫌犯便罪成,反之便不罪成。
  按照此第1款的法律定義的行文,凡第1條所指的物品或工具,其上言詞、描述或形象有損公德或有傷風化者,即視為色情或猥褻物品或工具。
  據此,涉案咭片上的內容即使並不帶有第2條第2款a和b項所列舉的任一明顯屬色情例子的情事,仍有可能符合第2條第1款的「色情」定義。
  第1條所指的物品或工具中,就包括任何印刷品。
  涉案咭片明顯屬印刷品。
  現須分析咭片上的內容是否有損公德或有傷風化。如有的話,便屬涉及具色情內容的物品。
  涉案咭片的兩面均印有三名身穿比堅尼泳衣、年約二十至三十歳的女子相片,也印有聯絡電話號碼,其中一面更尤其印有「24小時上酒店按摩」和「價錢合理」的字眼。
  相片屬形象的一種。
  上述相片,再結合「24小時上酒店按摩」和「價錢合理」的言詞和咭片上的聯絡電話號碼,便實質構成了一個有關以電召方式於任何時間由年輕女子上酒店、並身穿比堅尼泳衣提供價錢合理的按摩服務的廣告。
  本人相信,在澳門社會一般大眾的眼裏,提供正派按摩服務的女士是不會身穿比堅尼式泳衣向客人提供服務,故此,涉案咭片上的廣告訊息實在涉及有損風化的不正派按摩服務。
  涉案咭片因而理應被視為受上述法律第2條第1款的法定定義所亦涵蓋的物品。
  凡於公眾地方派發帶有涉及符合上指第2條第1款法定「色情」定義的內容的印刷品者,如屬初犯,均須承擔第4條第1款所規定的刑罰。
(四)
  綜上,本人主張上訴庭理應裁定檢察院的上訴理由成立,改判嫌犯是觸犯了原被指控的不法行為,並對其科處相應的刑罰。
    第一助審法官
    陳廣勝

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