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Processo nº 578/2013 Data: 16.01.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “apropriação ilegítima em caso de acessão ou coisa achada”.
Crime “semi-público”.
Queixa.
Ofendido.
Tesoureiro.



SUMÁRIO

1. Estatuindo o n.° 3 do art. 200° do C.P.M. – onde se prevê o crime de “apropriação ilegítima em caso de acessão ou coisa achada” – que o seu “procedimento penal depende de queixa”, constata-se ser este um crime “semi-público”, em que a lei condiciona a promoção do processo penal pelo Ministério Público à prévia queixa do ofendido; (cfr., art. 38° do C.P.P.M.).

2. “Ofendido” para efeitos do “direito de queixa” não é apenas o “dono” (proprietário) da coisa atingida pelo crime, sendo de ter em conta que nem o art. 105° do C.P.M. que trata desta matéria utiliza a expressão “titular do direito” mas sim “titular do interesse” (que a Lei quis proteger).

3. Nesta conformidade, o possuidor ou mero detentor, a quem a coisa foi entregue pelo “dono”, tem legitimidade para apresentar queixa pelo crime do art. 200° do C.P.M..

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 578/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado como autor de 1 crime de “apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada”, p. e p. pelo art. 200° do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 141 a 144-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1. Por sentença condenatória de 28 de Outubro de 2011, proferido pelo Tribunal a quo, condenou o ora Recorrente A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de “Apropriação ilegítima em caso de acessão”, p. e p. pelo artigo 200º nº 1 do CP, na pena de 5 meses de prisão, suspendendo a sua execução por um ano;
2. Tendo ainda o Tribunal a quo condenou o ora Recorrente a pagar uma quantia de HKD$90,000.00, a título de indemnização, a favor da alegada ofendida B;
3. O presente recurso tem por objecto sobre a questão da ilegitimidade da acção penal promovida pelo Ministério Público em virtude da queixa de crime apresentada pela Sra. B.
4. O crime de “Apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada”, p.p.p. artigo 200º nº 1 do CP enquadra-se no âmbito do chamado “crime semi-público”, logo o seu procedimento penal depende de queixa por parte da pessoa que tem legitimidade para tal, conforme o artigo 200º nº 3 do CP conjugado com o artigo 38º nº 1 do CPP;
5. Dúvida se coloca em saber se a Sra. B tinha ou não direito de queixa, bem como, tinha ou não a legitimidade na apresentação da queixa de crime contra o ora Recorrente.
6. Salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito, entende-se o ora recorrente que Sra. B não tem legitimidade para apresentar a presente queixa, por não sendo o titular do direito da mesa;
7. O nº 1 do artigo 200º do CP tem como requisito essencial a apropriação ilegítima da coisa alheia (“…apropriar ilegitimamente de coisa alheia…”), e para que o crime esteja efectivamente consumado, seria necessário provar que o titular da coisa sofreu um prejuízo efectivo;
8. E mesmo estando verificados todos os requisitos necessários do artigo 200º nº 1 do CP, teria que alguém que tenha legitimidade para apresentar a queixa para efeitos de imputação da responsabilidade penal ao ora Recorrente, tal como referimos anteriormente;
9. A Sra. B não tem qualidade de ofendida no presente processo penal, uma vez que não sabemos quem era o titular do direito de uso sobre esse dinheiro em causa (os HKD$90,000.00), mas prova-se que não é da titularidade da alegada ofendida B, caso contrário, não teria ela indemnizado essa mesma quantia à entidade patronal XXX;
10. A situação seria diferente se o dinheiro em causa pertencer da Sra. B, e neste caso, teria ela toda a legitimidade de apresentar a queixar de crime contra o ora Recorrente, mas não foi isso que se verificou;
11. De acordo com os autos, não sabemos quem era o titular do direito de uso sobre esse dinheiro em causa, os HKD$90,000.00, mas prova-se que não é da titularidade da alegada ofendida;
12. Deve salientar que, a Sra. B pagou os HKD$90,000.00 a favor da sua entidade patronal, por sua iniciativa e vontade própria;
13. O alegado prejuízo foi causado pela própria alegada ofendida;
14. Não se deve considerar juridicamente que a Sra. B tinha adquirido a titularidade do direito de queixa contra o ora Recorrente, pelo facto de a ter indemnizado a favor da sua entidade patronal uma vez que o direito de queixa não é endossável, ou seja, não é transmissível para terceiros, salvo as situações previstas no nºs 2 a 5 do mesmo preceito legal;
15. Salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito, entende o ora Recorrente que o Tribunal a quo violou os artigos 105º nº 1 e 38º, nº 1, respectivamente do CP e CPP, por aceitado a Sra. B, na qualidade de ofendida no presente processo penal, interpretando, assim, erradamente o conceito de ofendido, previsto no nº 1 do artigo 105º do CP.
16. Como explica Manuel Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas-Santos, “De acordo com o nº 1 (do artigo 105º do CP), ofendido considera-se o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Foi assim consagrado o chamado critério estrito, imediato ou típico de ofendido, tradicional do direito processual penal português, devendo essa titularidade do interesse jurídico-penal violado ou posta em perigo ser determinado com base no critério que se extrai do tipo legal preenchido pelo facto. Este conceito não se confunde com o que resulta do art.º 122º, esse sim lato e extensivo (todas as pessoas civilmente lesadas pela infracção penal) que se poderá apelidar de lesado, como é referido no nº 1 desse artigo e na sua epígrafe (Indemnização do lesado).” – vd. Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Sima-Santos, Código Penal de Macau (anotado), Imprensa Oficial de Macau, pág. 263;
17. Segundo a explicação dos citados autores, quem teria a legitimidade de apresentar a queixa de crime, seria a entidade patronal, na medida em que foi esta mesma entidade que sofreu efectivamente prejuízo, e não a alegada ofendia, Sra. B.
18. Pelo que, entende-se o ora Recorrente que existe um vício processual na acção penal promovida pelo Ministério Público, devido da falta de legitimidade por parte da Sra. B.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverá ser dado provimento ao recurso em apreço e, por via dele, ser ordenado a revogação da decisão recorrida e consequentemente absolver o ora Recorrente do processo”; (cfr., fls. 190 a 201).

*

Em Resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 210 a 213).

*

Admitido o recurso, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, opinando no sentido do provimento do recurso; (cfr., fls. 221 a 222-v).

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Nada obstando, cumpre decidir; (cfr., art. 19° do Regulamento Interno de Funcionamento deste T.S.I.).

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 142 a 142-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Insurge-se o arguido dos autos contra a sentença prolatada pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada”, p. e p. pelo art. 200° do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.

Resulta das conclusões de recurso apresentadas e atrás transcritas que a única questão pelo ora recorrente suscitada identifica-se com a da “legitimidade da queixa” apresentada.

Sem demoras, vejamos se lhe assiste razão.

Nos termos do art. 200° do C.P.M., onde se prevê o crime de “apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada”:

“1. Quem se apropriar ilegitimamente de coisa alheia que tenha entrado na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro ou caso fortuito, ou por qualquer maneira independente da sua vontade, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Na mesma pena incorre quem se apropriar ilegitimamente de coisa alheia que haja encontrado.
3. O procedimento penal depende de queixa”; (sub. nosso).

Por sua vez, (e como excepção ao “princípio da oficialidade” consagrado no anterior art. 37°), estatui o art. 38°, n.° 1 do C.P.P.M. que:

“1. Quando o procedimento penal depender de queixa, é necessário que a pessoa com legitimidade para a apresentar dê conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”; (sub. nosso).

Atento ao que se estatui no n.° 3 do transcrito art. 200° do C.P.M. e tendo assim o crime previsto neste mesmo art. 200° a natureza de crime “semi-público”, aqueles em que a lei condiciona a promoção do processo penal por parte do Ministério Público à prévia queixa do ofendido, e, constituindo, desta forma, o “instituto do direito de queixa, condição objectiva de procedibilidade”, (cfr., Ac. do S.T.J. de 18.06.1985, in B.M.J. n.° 348/280), continuemos.

No caso dos presentes autos, e em síntese, provado ficou que o arguido se “apropriou” de uma quantia monetária que se encontrava entregue à guarda de B, na qualidade de trabalhadora, mais concretamente, tesoureira, de uma sala de jogo de um dos casinos locais, colhendo-se também dos autos que foi esta mesma B que efectuou a queixa pelo ocorrido, e que até já “devolveu” tal quantia ao seu empregador.

Nesta conformidade, importa saber se válida e eficaz é a queixa (por esta B) apresentada.

Pois bem, referindo-se (concretamente) aos “titulares do direito de queixa” prescreve o art. 105°, n.° 1 do C.P.M.:

“1. Quando o procedimento penal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”; (sub. nosso).

E, resulta, (efectivamente), do assim estatuído que, o “titular do direito de queixa” é, em regra, o “ofendido”, considerando-se como tal, o “titular dos interesses protegidos pela incriminação”.

Será então que à queixosa dos autos assistia legitimidade para a queixa apresentada?

Vejamos.

Antes de mais, mostra-se de salientar que o crime aqui em questão, inserido que está no capítulo dos “crimes contra propriedade”, leva a crer que o “titular do direito de queixa” é (apenas) “o “titular do direito de propriedade” sobre o bem lesado com o crime.

E, então, a se entender assim, evidente parece que não sendo a queixosa dos autos “proprietária”, (“dona”), das quantias pelo arguido apropriadas, à mesma não assistia legitimidade para a sua queixa.

Porém, e sem prejuízo do respeito que se tem por opinião em sentido diverso, não se mostra de acolher esta perspectiva.

Na verdade, importa atentar que prescreve o art. 105°, n.° 1 do C.P.M. que “quando o procedimento penal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”, (sub. nosso), por aqui se mostrando de concluir desde logo que, o legislador, pelo menos para efeitos de legitimidade quanto ao exercício do direito de queixa, elegeu, como figura central, o “titular do interesse que a incriminação quis proteger”, e não, (apenas, e tão só), o “titular do direito”, (de propriedade sobre a coisa).

E, nesta conformidade, cremos que, tal como sucede com o crime de “furto”, também um “crime contra a propriedade”, a relação jurídico-penalmente relevante (para a questão da legitimidade da queixa) seja uma “relação de facto”, tutelando-se, desta forma, (também) a posse ou mera detenção, como disponibilidade material da coisa; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 28.02.2001, Proc. n.° 6040980, www.dgsi.pt, onde se consignou nomeadamente que “relativamente ao crime de furto simples, que só pode ser perseguido mediante prévia queixa, também é ofendido e titular do interesse que a lei quis especialmente proteger aquele que, não sendo o dono da coisa móvel subtraída, tem sobre esta a disponibilidade de fruição das respectivas utilidades. Assim, o legítimo possuidor da coisa, que lhe havia sido emprestada pelo seu proprietário, tem legitimidade para exercer o direito de queixa”).

Aliás, não se mostra de olvidar que o agente do crime, (tanto do de “apropriação de coisa achada” como de “furto”), quando o(s) comete, pouco se importa com a exacta determinação do verdadeiro proprietário da coisa. O que ele quer, é fazer sua a coisa. E quem efectivamente perde, é quem, naquele momento tinha a posse e disponibilidade da coisa. [Tratando de “idêntica questão”, relativa (porém) ao crime de “dano”, também um crime “contra a propriedade”, e que se crê útil para o caso dos autos, valendo aqui a pena ponderar, decidiu-se também no Ac. da Rel. do Porto de 12.03.2008, Proc. n.° 074699, que: “numa primeira e linear leitura, o crime de dano é um crime contra a propriedade e, por isso, o bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a propriedade, sendo, portanto, o titular daqueles interesses o do direito de propriedade, em regra atingido numa «dimensão ou direito decorrente daquele: o domínio exclusivo sobre a coisa, isto é, o direito reconhecido ao proprietário de fazer da coisa (e de lidar com ela como) o que quiser, retirando dela, no todo ou em parte, as gratificações ou utilidades que essa pode oferecer» - Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Artigos 202º a 307º, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, 1999, pág. 207.
Sucede, no entanto, que, por vezes, os direitos de uso e fruição das coisas que pertencem ao titular do direito de propriedade (v. o art. 1305º do C. Civil) não se encontram na sua disponibilidade, digamos deste modo, sendo casos emblemáticos os da posse (que é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício desse direito - art. 1251º do C. Civil) e da mera detenção (ou posse precária) - art. 1253º, als. a), b) e c), do C. Civil.
«Daí que em termos de lógica material, e não na base de uma pura e estéril relação jurídica formal, custe a admitir-se que, se entre o que tem a coisa e a própria coisa existe tão-só uma relação de mera posse, se diga que o bem jurídico violado tenha sido a propriedade.
Quem é ofendido na fruição das utilidades que da coisa podem ser retiradas é, na hipótese anterior, o mero possuidor. Daí que a relação jurídico-penalmente relevante seja a relação de gozo».
Mas como qualificar aquela relação?
Serão meras relações de facto com a coisa, especificamente indicadas na posse, detenção ou posse precária, ou nas relações jurídicas decorrentes do direito de propriedade e nos direitos reais complexivamente considerados ou em todos estes e, ainda, nos direitos pessoais de gozo?
«Temos para nós que o bem jurídico aqui protegido se deve ver como a especial relação de factos sobre a coisa - poder de facto sobre a coisa -, tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica».
Nesta dimensão, então, o dano corresponde a uma certa forma de agressão, ilegítima, e, por isso, susceptível de censura jurídico-penal, ao estado actual das relações, ainda que provisórias, mas correctamente estabelecidas, dos homens com os bens materiais, na sua exteriorização material.
Vale, nesta perspectiva, portanto, o valor de uso (mais relevante no domínio das coisas móveis, onde se constata uma proliferação acentuada de tipos contratuais: leasing, aluguer de longa duração), de forma que, existindo um dano, quem perde é quem podia retirar utilidades da coisa.
«Para ter valor dogmático, que não valor político-criminal, a noção de bem jurídico tem que ser vista como um pedaço da realidades merecedor de tutela jurídico-penal. Ora, enquanto pedaço da realidade não é o direito de propriedade que nos interessa, mas antes a especial relação que intercede entre o detentor da coisa e a própria coisa. É esse pedaço relacional, essa especial ligação, esse domínio, que em princípio afasta os outros do gozo da própria coisa, que fazem com que essa concreta e viva relação seja objecto de tutela jurídico-penal. Que as mais das vezes essa relação seja sustentada jurídico-civilmente pelo direito de propriedade não significa que deva ser este o objecto de tutela».
«Para além disso, convém salientar que estamos perante um crime semi-público: um crime que depende de queixa. Ora, esta determinação normativa deve levar-nos a reflectir em um pequeno ponto. Bem sabemos que construção do tipo e a defesa dos bens jurídicos se não liga directamente com a chamada natureza jurídico-processual da norma. No entanto, somos, do mesmo modo, daqueles que defendemos intransigentemente a existência de uma modelação essencial relativamente a toda a apreciação do texto-norma. Fazer depender a entrada do ilícito típico na discursividade jurídico-penal do exercício do direito de queixa não é inócuo, mesmo dogmaticamente (desde logo para a própria qualificação jurídico-processual). Ora, para se determinar o titular do direito de queixa exige a lei que se considere “como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. Incriminação e legitimidade clara e bem distintas no próprio inciso legal, O que é um bem. No entanto, resulta outrossim claro que o legislador, pelo menos para efeitos da legitimidade quanto ao exercício do direito de queixa, elegeu, como figura central, e correctamente, acrescente-se, o titular do interesse que a incriminação quis proteger e não o titular do direito. Ora, não é isto se somenos para se afirmar, também por aqui, que o que conta é o titular do interesse: aquele que tem, por conseguinte, repete-se, a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica» - por tudo, José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Artigos 202º a 307º, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, 1999, págs. 27/33.
Ou seja, e em resposta à pergunta acima deixada, o titular desses interesses tanto pode ser o proprietário como quem, não sendo aquele, se encontre legitimado a deter, usar e fruir a coisa”; (no mesmo sentido quanto ao crime de “dano”, cfr., o Ac. do S.T.J. de 30.09.1999, Proc. n.° 06P2166, onde se declara ofendido, “não só o proprietário, mas também o possuidor, a quem está confiada a coisa”, e mais recentemente, da mesma Rel. do Porto de 25.09.2013; e no que toca ao crime de “roubo”, os Ac. do S.T.J. de 12.07.2006 e de 25.10.2006, onde, em situação próxima ao caso dos presentes autos se consignou que “sujeito passivo do crime de roubo pode ser não só o proprietário da coisa, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo o «caixa» do supermercado”)].

Aqui chegados, atento o que se deixou relatado, e não se olvidando (também) que a queixosa até teve que “repor” a quantia – que lhe tinha sido confiada e – que o arguido se apropriou, motivos não nos parecem existir para não se lhe reconhecer legitimidade para a queixa que (oportunamente) apresentou.

Nesta conformidade, constatando-se da improcedência da questão suscitada, (e outras questões não tendo sido colocadas, ou sendo de conhecer a título oficioso), à vista está a solução.

Decisão

4. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.

Pagará o arguido 4 UCs de taxa de justiça.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 16 de Janeiro de 2014

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Choi Mou Pan (com declaração de voto que se segue)

上訴案第578/2013號


表決聲明
本人不能同意合議庭大多意見的決定,理由如下(因時間關係,本聲明只能用原來草案的語言文本,從中摘錄而成):
上訴人提出的唯一爭議,是涉及在本案中應如何認定誰人具備《刑法典》第200條所規定及處罰之“在添附情況下或對拾得物、發現物之不正當據為己有罪”中的受害人身份。
上訴人認為本卷宗作出檢舉之人,即娛樂場貴賓會帳房職員B,不具備《刑法典》第105條所賦予的刑事告訴權,因此,亦導致續後由檢察院以此為基礎的控訴缺乏正當性。理由是B並未因為本案的發生而產生實際損失,同時其本人亦非為本案所涉及損失金錢的擁有人。否則,也不會在事後向其僱主“XXX”作出相應的賠償。
首先,可以肯定的是,被指控的《刑法典》第200條的罪名即所保護的法益屬於物之所有權,因此,亦被歸納於《刑法典》第二編第二章的範圍內,而在性質上亦與盜竊罪非常接近。的確,不能說在此章節中立法者只單單考慮狹義上的所有權(propriedade),相反,普遍認為應包括一切廣義上能夠從物件的使用當中獲得益處或價值的情況,哪怕該種使用的理由並非來源於所有權,例如:佔有、單純持有或使用權等。1
但是,在這裡,包括依照《民法典》第1193條(擁有權利之推定)規定推定占有人擁有本權,但存在有利於他人之推定且該推定所依據之登記係在占有開始前作出者除外”,法律對此項行為的歸罪所要保護的不是所有權的法律主體(titular do direito),而是利益的主體(titular do interesse),即那些至少擁有對物的用益處分權能的法律代表性者。2
我們知道,本法院在2009年1月15日第2/2009號上訴案中作出了有關非不動產登記的所有權的法律持有人推定為所有權人,並擁有合法的對盜竊罪的刑事告訴權。但是,不同的是本案中的情況,帳房職員不應被視為受害人,因為她沒有“至少擁有對物的用益處分權能的法律代表性者”。從而,她本人不應該具備告訴權。
作為娛樂場貴賓會帳房職員,以及配合已證事實的描述,可以得知向賭廳客人進行金錢或籌碼的交收是其本人的工作範圍內的事情,這是因為透過其本人與其僱主(娛樂場貴賓會)所訂立的勞動合同,雙方確立了雙向的權利與義務。而作為工作者一方,在一個帶有從屬性質的勞資關係中,必須根據僱主的指示及領導下提供勞動(出納工作)是構成這一勞資關係中必不可少的一環,而對應地工作者亦會從中獲得報酬的權利。
我們認為,作為出納員來說,對於屬於僱主的金錢的掌控及管理,在性質上並非一個權利的行使,相反是在履行一個透過勞動合同而產生之義務,當中具體可表現為對客人進行金錢兌換和交收,根本不能從對公司財產的管理中獲得任何個人的好處。
出納員對於案中涉及的金錢的管理及保管並不行使任何包括所有權、佔有、單純持有或使用物權,同時不會從這管理及保管的金錢中獲得任何收益。
雖然,案發後由B向公司因自己的失誤所作出了賠償,但是,這乃基於雙方的勞資關係上。因為工作者的疏忽行為導致僱主的金錢損失,屬於一個民事上的損害賠償責任。嚴格來說,B有權利在將來對上訴人行使求償權以彌補因向僱主作出賠償而引起的經濟損失。但從確定本案受害人身份的角度考慮,應認定其僱主(娛樂場貴賓廳)為真正的損失者。那麼,事實上B的僱主應該主動在本案之中行使告訴權,使得公司的損失得到賠償。
在上訴人作出不法行為的一刻,可以認定為這些金錢的所有權人(娛樂場貴賓會)帶來了真正的、直接的經濟損失。
因此,鑑於本案的確缺乏真正受害人---娛樂場貴賓會---正式提起之告訴,導致繼後的程序,包括控訴、審判都缺乏了正當性來進行,應撤銷所有訴訟程序,並開釋嫌犯。
2014年1月16日
蔡武彬




1 José de Faria Costa在Figueiredo Dias 主編的“Comentário Conimbricense do Código Penal”,Tomo II, 的註解,pag. 30。
2 Idem sup. p 33。
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Proc. 578/2013 Pág. 24

Proc. 578/2013 Pág. 23