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Processo nº 130/2012
Data do Acórdão: 28NOV2013


Assuntos:

Acto administrativo
Contrato administrativo
Subconcessão do serviço púlbico
Conduta da Administração
Declaração negocial


SUMÁRIO

Sendo embora a YYY Macau beneficiária da concessão do serviço público para o transporte aéreo de passageiros, bagagem, carga e correio da e para a RAEM, ao abrigo do Regulamento Administrativo nº 10/2004, nem por isso ela passou a poder agir como se fosse um órgão administrativo no contrato de sub-concessão celebrado com a recorrente XXX MACAU.

Assim sendo, a rescisão pela YYY Macau desse contrato de subconcessão não é mais do que uma declaração negocial e nunca um acto administrativo.



O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 130/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de recurso contencioso de anulação, interposto pela massa falida da XXX MACAU – Sociedade de Aviação, Limitada, devidamente identificada nos autos, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo e foram registados sob o nº 694/10-ADM, foi, na sequência da suscitação quer pela entidade recorrida e pelos contra-interessados, nas respectivas contestações, quer pelo Ministério Público, em sede de vista inicial, da questão da “incompetência” do Tribunal Administrativo por preterição do tribunal arbitral, proferida a seguinte decisão declarando incompetente o Tribunal Administração por existência de uma cláusula compromissória que atribui a competência ao tribunal arbitral para a resolução dos conflitos sobre a interpretação, validade e execução do contrato de subconcessão, celebrado entre a recorrente e a sociedade YYY Macau, e absolvendo a “entidade recorrida” YYY Macau e os contra-interessados da instância:

XXX MACAU – Sociedade de Aviação, Limitada, ora recorrente, vem interpor o presente recurso contencioso da declaração da nulidade ou anulação do acto administrativo praticado pelo Conselho da Administração da Companhia de Transportes Aéreos YYY Macau, S.A.R.L. datado de 30 de Março de 2010, pelo qual foi deliberado no sentido de rescindir a sub-concessão da exploração de transportes aéreos e em consequência, revogar o respectivo Certificado de Operador de Transporte Aéreo (AOC) , invocando para tal os vícios do acto recorrido da preterição da formalidade legal, simulação do acto, erro sobre os pressupostos de facto, bem como a violação da lei. A recorrente indicou ainda como contra-interessados o Secretário para os Obras Públicas e Transportes e a Autoridade de Aviação Civil de Macau.
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Regularmente citado, a entidade recorrida invocou as excepções de incompetência e acto irrecorrível, defendendo a legalidade da deliberação em causa e pediu pela improcedência do presente recurso.
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  Os contra-interessados, o Secretário para os Obras Públicas e Transportes, invocou as excepções de incompetência, litispendência e falta do acto administrativo recorrido, enquanto a Autoridade de Aviação Civil de Macau contestou no sentido da falta do acto administrativo e defendeu a legalidade do cancelamento do AOC da recorrente.
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O Digno Procurador Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência da excepção da incompetência e verificação da inutilidade superveniente dos autos (vide fls. 409 a 411 dos autos, aqui que se dá por integralmente transcrito.)
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Após de ter sido notificado, a recorrente pronunciou no sentido de não concordância do parecer supra referido.
***
Nota-se que a competência é uma questão prejudicial que se obsta ao tribunal conhecer do mérito do litígio em causa, ao abrigo do art.º 3.º do C.P.A.C., pelo que, vamos apreciar se esta excepção tem merecimento ou não.
Prevê-se no art.º 39.º-A do Decreto-Lei n.º 26/96/M de 11 de Junho (com redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro) o seguinte:
“(Âmbito)
  No domínio do contencioso administrativo, pode ser submetido a arbitragem o julgamento de questões que tenham por objecto:
  a) Contratos administrativos;
  b) Responsabilidade da Administração ou dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo a efectivação do direito de regresso;
  c) Direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos de conteúdo patrimonial, designadamente quantias que devam ser pagas a título diferente do tributário.”
Quanto ao conceito do contrato administrativo, estipula-se no art.º 165.º do C.P.A. o seguinte:
“(Conceito de contrato administrativo)
  1. Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
  2. São contratos administrativos, designadamente, os contratos de:
  a) Empreitada de obras públicas;
  b) Concessão de obras públicas;
  c) Concessão de serviços públicos;
  d) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
  e) Fornecimento contínuo;
  f) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública.”
e vê-se no 113.º do C.P.A.C. o seguinte:
“(Finalidade e cumulação de pedidos)
  1. A acção sobre contratos administrativos tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
  2. O conhecimento da acção sobre contratos administrativos não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
  3. O pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato pode ser deduzido, inicial ou supervenientemente, em acção sobre contratos administrativos quando aquele pedido e os formulados nos termos do n.º 1 estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência ou quando a procedência de todos os pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas ou cláusulas contratuais.”
Face ao exposto, não resta dúvida de que as questões relativas à interpretação, validade ou execução dos contratos administrativos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual, podem ser objecto de arbitragem, e seguem a forma processual de “Acções”, prevista no 《Capítulo V》do C.P.A.C., enquanto o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica dos actos administrativos relativos à formação e execução do contrato permite-se apenas nas acções sobre contratos administrativos nos termos referidos.
Lê-se o seguinte no “Contrato de Sub-concessão” :
  “9.1 Os conflitos sobre a interpretação, a validade e execução deste Contrato serão submetidos a julgamento de um tribunal arbitral, que funcionará em Macau, salvo se recaírem sobre questões da competência exclusiva dos tribunais de Macau. ”
In casu, a recorrente vem pedir a declaração da nulidade ou anulabilidade da deliberação da entidade recorrida que rescindiu a sub-concessão da recorrente para explorar os transportes aéreos. Conforme as disposições do Contrato de Sub-concessão, este direito de rescisão cinge-se nos termos do disposto da Cláusula 14.4 do Contrato de Sub-concessão, pela qual se dispõe: “Este contrato atribui a cada uma das partes os direitos de resgate e de rescisão, sem prejuízo de outros direitos e compensações contempladas nesta Subconcessão .”
Uma característica especial dos contratos administrativos diferencia-se dos contratos normais bilaterais pelo “poder de autoridade” que se concede à Administração prerrogativas manifestamente contrária ao princípio basilar do contrato – princípio de igualdade e mostra-se inequivocamente no art.º 167.º do C.P.A.:
“(Poderes da Administração)
  Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode:
  a) Modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro;
  b) Dirigir o modo de execução das prestações;
  c) Rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização;
  d) Fiscalizar o modo de execução do contrato;
  e) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.”
Portanto, não se verifica, no caso sub judice, uma rescisão contratual decorrente do exercício do poder de autoridade, mas simplesmente, do poder paralelo da reacção da contraente contra ao incumprimento ou inexecução dos deveres consagrados no contrato.
A questão em causa também não recai sobre litígios com competência exclusiva dos tribunais em Macau, ao abrigo do artº 20º do C.P.C.M.
Baseando na conclusão acima apurada, verifica-se, de um lado, a incompetência do tribunal, por força da cláusula compromissória no contrato de sub-concessão, nos termos do art.º 31 º, n.º s 1 e 2 e art. º 33º, n.º2 do C.P.C.M., ex vi do art.º 1º do C.P.A.C., e por outro, não existe, in casu, um acto administrativo, nos termos do art.º2º, n.º2 do C.P.A., mesmo que a deliberação recorrida foi proferida em sede de execução dum contrato administrativo.
Por último, mesmo que se identificasse o acto recorrido como um acto administrativo, a incompetência do tribunal pela preterição da tribunal arbitral impede-se a sanação do erro da escolha do meio processual (forma de recurso contencioso em vez de accões) pela redistribuição do processo, conforme estipulado no art.º12º do C.P.A.C.
***
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal decide absolver a entidade recorrida e os contra-interessados da instância.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 6UC.
Registe e notifique.

Notificada e inconformada com o decidido nessa decisão, veio a recorrente massa falida da XXX MACAU – Sociedade de Aviação, Limitada interpor recurso jurisdicional dele para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

I. As questões de execução do Contrato de Sub-concessão são distintas do litígio sobre a sua rescisão unilateral pela Recorrida, pois que, se bem que num e noutro caso haja que apreciar o clausulado do contrato, as questões de execução requerem que se avalie as prestações que cada uma das partes realizou ou deixou de realizar e corrija o que foi mal feito ou se faça o que se omitiu ou se compense a parte contrária por essa omissão, enquanto que o litígio sobre a rescisão requer que se avalie a decisão de pôr fim a um serviço público com base em determinados fundamentos.
II. As questões de execução são abordáveis na perspectiva comercial da exploração da actividade, enquanto que o litígio sobre a rescisão reclama a consideração do interesse público.
III. A cláusula arbitral do Contrato de Sub-concessão não pode ser interpretada extensivamente para abranger a rescisão do Contrato de Sub-concessão na competência dos árbitros.
IV. A norma do artigo 113.º, n.º 1, do CPAC que delimita o âmbito da acção sobre contratos administrativos também não contempla expressamente os litígios sobre a sua rescisão.
V. Contudo, negar por esse motivo à jurisdição administrativa o poder de conhecer do recurso contencioso da XXX MACAU equivaleria a deixar sem tutela jurisdicional o direito que a Recorrente reclama de ver anulado ou declarado nulo o acto rescisório da Recorrida, com as devidas consequências legais, o que contraria o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
VI. Este princípio determina que qualquer direito subjectivo ou interesse legitimo relevante no quadro das relações jurídico-administrativas tem de receber dos tribunais administrativos a protecção indispensável à sua defesa, quando outro não seja o foro competente por força de regra legal ou convencional especial.
VII. Sendo assim, o Tribunal Administrativo tem jurisdição e é competente para decidir o pedido de anulação ou declaração de nulidade do acto recorrido.
VIII. O acto recorrido é um acto administrativo porque teve o interesse público por fundamento e porque provocou directamente o fim da prestação dum serviço público e a prática dum outro acto administrativo, a saber a revogação do AOC da XXX MACAU pela AACM.
IX. Consequentemente, deve revogar-se a sentença recorrida que julgou procedentes as excepções de incompetência do tribunal e de falta de objecto do recurso contencioso ou não caracterização do acto recorrido como acto administrativo, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que se proceda aí à discussão da matéria de facto e seja proferida sentença sobre o mérito da causa.
Pelo exposto, e com douto suprimento
deve o presente recurso ser julgado procedente, decidindo-se que, improcedem as excepções de incompetência do tribunal e falta de objecto do recurso contencioso ou não caracterização do acto recorrido como acto administrativo, revogando-se pois a sentença ora recorrida e determinando-se que os autos baixem ao Tribunal a quo, para aí seguirem os seus trâmites, discutindo-se e julgando-se a matéria de facto e produzindo-se a final sentença sobre o mérito da causa,
com o que se fará a costumada Justiça!

Contra-alegaram tanto YYY Macau como os contra-interessados Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transporte e Autoridade de Aviação Civil de Macau, pugnando pela improcedência do recurso – cf. 449 a 481 dos p. autos.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede vista o seu douto parecer, reiterando a sua posição já acolhida pelo Tribunal a quo e pugnando pela improcedência do recurso – cf. 504 e v. dos p. autos.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Podemos adiantar já o fracasso do presente recurso por ser manifestamente improcedente.

No fundo o que a recorrente pretende é tentar convencer este TSI de que a rescisão do contrato de subconcessão, celebrado entre ela e a sociedade YYY Macau, se trata de um acto administrativo destacável de um contrato administrativo relativo à execução do mesmo contrato, e portanto contenciosamente impugnável perante o tribunal administrativo.

Ora, conforme demonstramos infra, esta é uma questão falsa, uma vez que in casu nem sequer estamos aqui perante uma conduta da Administração, directa ou indirecta.

Admitimos que a posição adoptada pelo nosso legislador é a impossibilidade de os tribunais arbitrais julgarem da legalidade dos actos administrativos destacáveis relativos à execução de um contrato administrativo, que em princípio é matéria da competência exclusiva da jurisdição pública.

Para convencer este Tribunal de que o Tribunal Administrativo é competente para conhecer da alegada ilegalidade da rescisão do contrato de subconcessão, celebrado com a sociedade YYY Macau, a recorrente tem de demonstrar que o tal contrato é um verdadeiro contrato administrativo e a rescisão é pelo menos um acto administrativo.

Reza o artº 166º do CPA que os órgãos administrativos, na prossecução das atribuições da pessoa colectiva em que se integram, podem celebrar contratos administrativos.

Ou seja, a celebração de um contrato administrativo requer a intervenção de um órgão administrativo.

In casu, estamos perante um contrato celebrado entre a XXX MACAU e a YYY Macau, ambas sociedades comerciais, nenhuma delas susceptível de ser qualificada como órgão administrativo.

É verdade que a YYY Macau é beneficiária da concessão do serviço público para o transporte aéreo de passageiros, bagagem, carga e correio da e para a RAEM, ao abrigo do Regulamento Administrativo nº 10/2004, mas nem por isso ela passou a poder agir como se fosse um órgão administrativo no contrato de sub-concessão celebrado com a ora recorrente XXX MACAU.

Por outro lado, mesmo que abstraíssemos a falta da qualidade por parte da YYY Macau de ser qualificada como órgão administrativo, a rescisão por ela decidida nunca pode integrar-se no conceito de acto administrativo.

A propósito do conceito do acto administrativo, ensina o Saudoso Prof. Rogério Soares que o acto administrativo é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos – in Direito Administrativo, 1978 Coimbra, pág. 76.

E, tal como o Dignº Representante do Ministério Público destaca doutamente no douto parecer emitido em sede da vista inicial na primeira instância que:

Repare-se que a rescisão do contrato de concessão encontra prevista nas Cláusulas 24ª (alínea c) do nº 3), 25ª (nº 4) e 30ª. As disposições nestas Cláusulas demonstram que a rescisão do contrato de concessão assume a natureza de sanção cuja aplicação representa o exercício pelo concedente dum dos típicos poderes de autoridade consagrados no artº 167º do CPA.

Diferentemente, a Cláusula 14.4ª do contrato de subconcessão estipula expressamente: Este contrato atribui a cada uma das partes os direitos de resgate e de rescisão, sem prejuízo de outros direitos e compensações contemplados nesta Subconcessão.

Ora bem, a «Reciprocidade» de direitos de resgate e de rescisão implica que as duas partes da Subconcessão estão na paridade para efeitos de exercer estes direitos, pelo que a rescisão do contrato de subconcessão não pode representar o poder de autoridade, mas sim o direito potestativo.

Daí que a rescisão tomada pela entidade recorrida não configura a sanção administrativa nem acto administrativo, mas sim uma declaração negocial pela qual a entidade recorrida exercia o seu direito potestativo, e integra no conceito de «execução» do contrato de subconcessão. – vide as fls. 410 dos p. autos.

Pela sua sensatez, subscrevemos integralmente este douto entendido do Ministério Público.

Assim, para além de não estarmos perante uma conduta de um órgão administrativo, o acto ora recorrido carece da dignidade para ser classificado como um acto administrativo por se tratar de simples declaração negocial desprovida de qualquer estatuição autoritária.

Portanto, bem andou o Tribunal a quo ao declarar como declarou incompetente o Tribunal Administrativo para conhecer do presente “recurso contencioso de anulação”.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente.


Registe e notifique.

RAEM, 28NOV2013


(Relator) Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira

(Segundo Juiz-Adjunto) Estive presente
Ho Wai Neng Mai Man Ieng
Proc. 130/2012-1