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Processo nº 341/2009
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 21/Novembro/2013
Assunto: Nulidade da sentença
Erro na apreciação da prova

SUMÁRIO
   - A sentença só é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando se verifica uma ausência total de fundamentação, e não quando esta é deficiente ou incompleta (artigo 571º, nº 1, alínea b) do CPC).
- A sentença é também nula quando os fundamentos que serviram para fundamentar a decisão estão em oposição com esta própria (artigo 571º, nº 1, alínea c) do CPC).
- Não havendo especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, nem dos concretos meios probatórios que, a serem atendidos, impunham decisão diversa da recorrida, não há lugar a nova apreciação da prova.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 341/2009
(Autos de recurso civil e laboral)

Data: 21/Novembro/2013

Recorrente:
- B (Réu)

Recorrida:
- A (Autora)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, Réu nos autos da acção ordinária a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformado com a sentença que julgou procedente a acção intentada pela Autora A, vem interpor o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- O Tribunal provou que segundo os termos acordados, a A. e o R. acordaram em partilhar nos lucros e nas perdas pela percentagem correspondente à participação de cada um nas vendas das fracções;
- Mais deu por provado que de acordo com a cláusula 5ª do contrato o R. assumiu a obrigação de suportar os prejuízos que a A. viesse a sofrer, em virtude de qualquer problema resultante da titularidade das participações;
- E decidiu condenar o R. no pedido;
- Pelo que, com o devido respeito, a decisão enferma de contradição insanável na fundamentação;
- Fala-se em contradição insanável na fundamentação, quando o Tribunal depois de dar por provado que “a A. e o R. acordam em partilhar nos lucros e nas perdas pela percentagem correspondente à participação de cada um”, dá também por provado que “o R. assumiu a obrigação de suportar os prejuízos que a A. viesse a sofrer, em virtude de qualquer problema resultante da titularidade das participações”;
- E atenta a matéria de facto retratada constata-se existir o alegado vício de contradição insanável na fundamentação;
- Enferma ainda, a mesma decisão, de erro notório na apreciação da prova;
- Pois que fala-se em erro notório na apreciação da prova, quando um homem médio, posto perante a decisão, de imediato dá conta que o Tribunal decidiu contra o que ficou provado ou não provado, contra as regras de experiência, contra a prova vinculada ou contra as legis artis;
- Porquanto, o Tribunal ao dar como não provado que à Autora interessava saber quem se responsabilizaria pelos prejuízos que sofresse caso o negócio falhasse por factos imputáveis ao XXX ou ao próprio Réu;
- Condenou o Réu, como o responsável pelos prejuízos causados, no montante de HKD$453.217,32 e na sua devolução à Autora;
- A decisão ignora os elementos fornecidos pelo processo e que impunham uma decisão diversa;
- Nestes termos, requer o recorrente que seja declarada nula a sentença pelas razões acima expostas, por violação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil.
A recorrida apresentou as suas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A A. e o R. conhecem-se desde há bastante tempo, pelo que, existe entre ambos uma relação de amizade.(A)
Em meados de 1994, o R. revelou à A. que estava envolvido num negócio de compra e venda de fracções autónomas para escritório, de um edifício a construir na zona do Nape. (B)
O R. contou à A. que um amigo seu, XXX, tinha celebrado um contrato-promessa de compra e venda, mediante o qual, prometeu comprar e a sociedade “XXX” prometeu vender-lhe um conjunto de escritórios, entre o 4º e o 12º andares, de um Edifício a construir no Lote 9 B1, com área total de 78.683,57 pés quadrados, sito no Nape. (C)
Que ele tinha adquirido 10% dos direitos desse amigo, tendo pago pelos mesmos HKD$1.573.672,00 (um milhão quinhentos e setenta e três mil seiscentos e setenta e dois dólares de Hong Kong). (D)
No dia 26 de Agosto de 1994, a A. e o R. celebram um contrato que denominaram por “Contrato de Cooperação e Investimento”. (E)
No mencionado contrato o R. declara que adquiriu 10% dos direitos resultantes de um contrato-promessa de compra e venda celebrado entre XXX e a sociedade “XXX”, no qual o primeiro prometeu comprar e a segunda prometeu vender um conjunto de escritórios, entre o 4º e o 12º andares, de um Edifício a construir no Lote 9 B1, com área total de 78.683,57 pés quadrados, sito no Nape. (F)
Ainda nos termos do contrato, o R. cedeu à A. 3% dos 10% dos direitos que correspondiam à participação que tinha adquirido a XXX. (G)
Como contrapartida pela cedência dos ditos 3% dos direitos, a A. entregou ao R., no próprio dia 26 de Agosto de 1994, a quantia de HKD$472.101,60 (quatrocentos e setenta e dois mil cento e um dólares de Hong Kong e sessenta avos), tendo o R. emitido o respectivo recibo de quitação. (H)
Nos termos do contrato, a A. e o R. acordaram em partilhar nos lucros e nas perdas pela percentagem correspondente à participação de cada um nas vendas das fracções. (I)
Pela alínea D) da Cláusula 4ª do aludido contrato, a A. adquiriu ainda o direito de preferência na aquisição das fracções que correspondessem à sua participação. (J)
Pela Cláusula 5ª do contrato, o R. assumiu a obrigação de suportar os prejuízos que a A. viesse a sofrer em virtude de qualquer problema resultante da titularidade das participações. (K)
A A., através do seu mandatário, no dia 4 de Maio de 1999, enviou uma carta ao R. onde solicitava uma reunião para ambos discutirem o assunto. (L)
Na sua resposta, o R. alegou à A. que devido à conjuntura económica o “sócio dominante” deixou de pagar as prestações a que estava vinculado, e por isso, ele também perdeu o dinheiro investido. (M)
Nessa mesma resposta, o R. alegou, ainda, que em virtude de o mercado imobiliário em Macau atravessar um período recessão, seria um erro persistir no cumprimento do contrato pois isso seria muito mais ruinoso do que simplesmente desistir do negócio. (N)
A participação do R. no referido projecto imobiliário está dependente do contrato celebrado entre XXX e a sociedade “XXX”. (O)
O R. não tinha nem tem uma ligação contratual directa com a promitente vendedora do prédio a construir, a sociedade “XXX”. (P)
*
    É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
    Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
    No caso vertente, o recorrente vem nas suas conclusões da alegação invocar a nulidade da sentença, por existir contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova, pedindo que seja declarada nula a sentença ao abrigo do disposto no artigo 571º, nº 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil de Macau.
    Vejamos se tem razão.
    Defende o recorrente que tendo o Tribunal a quo dado como assente em simultâneo a matéria constante das alíneas I) e K) dos factos assentes, a decisão está viciada de contradição insanável na fundamentação, devendo, no seu entender, ser declarada nula a sentença.
    Salvo o devido respeito por entendimento contrário, julgamos não assistir razão ao recorrente.
    Ao abrigo do disposto no artigo 571º, nº 1 do Código de Processo Civil de Macau, a sentença é nula nos seguintes casos:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
    Diz o recorrente que a sentença deve ser declarada nula por padecer dos vícios indicados nas alíneas b) e c) da referida disposição legal.
    Em primeiro lugar, só há falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b)) quando se verifica uma ausência total de fundamentação.
    Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais.2
    Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.3
    No vertente caso, podemos assinalar que tanto os fundamentos de facto como os de direito estão devidamente consignados na sentença final, daí que não se descortina o alegado vício de falta de fundamentação que possa conduzir à nulidade da sentença.
No que concerne à nulidade prevista na alínea c) (oposição entre os fundamentos e a decisão), tal só existe quando se verifica contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.4
Por outras palavras, a sentença só enferma de nulidade quando os fundamentos que serviram para fundamentar a decisão estão em oposição com esta própria.
Trata-se aqui de uma situação diferente de erro material previsto nos termos do artigo 570º do Código de Processo Civil de Macau, uma vez que neste último caso a oposição é meramente aparente e resulta de o juiz ter escrito coisa diversa do que queria escrever, enquanto na nulidade, a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.5
Salvo o devido respeito, entendemos que os fundamentos adoptados pelo Tribunal a quo conduzem logicamente à decisão constante da sentença, pelo que não se verifica a nulidade da sentença referida na alínea c) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil de Macau.
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Finalmente, invoca o recorrente que houve erro notório na apreciação da prova, com fundamento em o Tribunal a quo ter decidido contra as regras de experiência, contra a prova vinculada ou contras as legis artis.
Salvo melhor entendimento, julgamos mais uma vez sem razão o recorrente.
Não obstante a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto poder ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, mas compete ao recorrente, conforme se dispõe no artigo 599º, nº 1 do Código de Processo Civil de Macau, “especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; ou quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida”.
In casu, o recorrente limitou-se a dizer que houve erro na apreciação da prova, mas não logrou indicar quais os pontos concretos que no seu entender foram mal julgados, nem os concretos meios probatórios que, a serem atendidos, impunham decisão diversa da recorrida, por isso é para rejeitar o recurso quanto a esta parte.
Aliás, é de assinalar ainda que, basicamente, nenhum facto da base instrutória foi dado como provado, com excepção da matéria dos quesitos 5º e 6º, em cuja resposta o Tribunal Colectivo apenas se limitou a reproduzir o teor da alínea K) dos factos assentes.
    E mesmo que se atendesse à matéria constante dos factos assentes, também não se descortina qualquer contradição entre os factos, sobretudo no que diz respeito à matéria questionada pelo recorrente e especificada nas alíneas I) e K), visto que a matéria reportada naquelas duas alíneas corresponde à reprodução do teor das cláusulas 4ªD e 5ª do contrato escrito em causa, nelas tratando de situações e questões diferentes, pelo que nenhuma contradição existe em relação àquela matéria.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Macau, 21 de Novembro de 2013

Tong Hio Fong (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
João Gil de Oliveira (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 547
3 Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, 2007, página 139
4 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, obra citada, página 548
5 Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, 2007, página 141
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Processo 341/2009 Página 1