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Processo nº 335/2013

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 14/Novembro/2013

   Assuntos:
- Contrato Individual de Trabalho para desempenho de funções públicas (Presidente do CA do IPIM)
- Rescisão do contrato; cláusula indemnizatória
- Interpretação do contrato
- Integração do contrato
- Boa-fé

    SUMÁRIO :
    
    1. Prevendo o contrato, em caso de rescisão unilateral da Administração, que a contraparte contratada para o desempenho das funções de Presidente do Conselho de Administração do IPIM, apenas receberá indemnização compensatória correspondente a seis meses de vencimento do Presidente, mesmo que falte mais tempo para o termo do contrato, se não vier a desempenhar funções em quaisquer instituições públicas ou se não for designado para o exercício de funções públicas ou em sociedades participadas pela RAEM, casos em que, todavia, terá direito a receber a diferença de vencimentos auferidos e deixados de auferir, voltando o interessado ao seu lugar de origem, como assessor do IPIM e sendo nomeado como vogal da C, verificados estão os pressupostos que fazem reduzir a indemnização a perceber por ele.
    
    2. Se, entretanto, após o regresso ao lugar de origem e ao desempenho das funções de vogal da C.ª de Parques, acima referidas, entrar em licença sem vencimento, por seu próprio interesse e vontade, mantém-se a situação relevante geradora de não recebimento do vencimento como Presidente do IPIM, não podendo relevar para efeitos de indemnização rescisória na totalidade essa nova situação jurídico funcional.
    
    3. Deve ter-se a boa-fé como o limite à pretensão do interessado, na medida em que terá sido ele que desaccionou o pressuposto atributivo do direito à indemnização para daí tirar vantagem ilegítima, porque desconforme às razões da atribuição do direito, bastando-nos para tanto o conceito genérico de boa-fé, princípio segundo o qual os sujeitos de uma dada relação jurídica devem actuar como pessoa de bem, com correcção e leal, tendo em atenção, não só a vertente ética do conceito, como ainda a ponderação dos interesses legítimos da contraparte.
O Relator,
  João A. G. Gil de Oliveira






Processo n.º 335/2013


Data : 14 de Novembro de 2013

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Comissão Executiva do Instituto de Promoção
           do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A - recorrente nos autos à margem identificados, em que é entidade recorrida a Comissão Executiva do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, nos termos do art. 154.° do Código de Processo Administrativo Contencioso , inconformado com a sentença proferida no Tribunal administrativo, na parte em que o Tribunal a quo indeferiu o pagamento das remunerações compensatórias relativas ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010, período durante o qual o recorrente esteve de licença sem vencimento, vem recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, alegando, em suma:
    A - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, na parte em que o Tribunal a quo indeferiu o pagamento das remunerações compensatórias relativas ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010, período durante o qual o Recorrente esteve de licença sem vencimento.
    B - Nessa parte, a sentença recorrida persiste no mesmo erro de interpretação e, a final, desvirtua novamente a cláusula 3.º, n.º 3 do contrato de trabalho em apreço nos presentes autos.
    C - o entendimento consignado na sentença recorrida a propósito da atribuição da indemnização no período em que o Recorrente esteve de licença sem vencimento - de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010 (cfr. facto E) dado como provado na sentença) não faz qualquer sentido, nem se pode resulta da ratio da cláusula ora em apreço, razão pela qual não lhes pode ser reconhecida a eficácia do necessário convencimento.
    D - Com efeito, no período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho 2010, o recorrente esteve ao abrigo de uma licença sem vencimento, tendo-se então suspendido o seu vínculo contratual, sem que o Recorrente tivesse recebido quaisquer remunerações por parte da Administração.
    E - Durante tal período impõe-se a atribuição ao Recorrente de indemnização correspondente às remunerações que auferia como Presidente do Conselho de Administração, sem qualquer desconto, uma vez que, nesse período, o Recorrente não auferiu quaisquer remunerações da Administração susceptíveis de ser descontadas.
    F - Ou seja, aplicando-se a excepção prevista na cláusula 3.ª, n.º 3 do contrato, no período de 6 de Abril a 31 de Julho de 2010, a diferença entre as remunerações como Presidente do Conselho de Administração do IPIM e as remunerações correspondentes ao exercício de outro cargo público ou similar é equivalente a zero, correspondendo precisamente à remuneração que o Recorrente auferia enquanto Presidente do IPIM, uma vez que o recorrente não auferiu, durante esse período, qualquer remuneração da Administração.
    G - Independentemente dos motivos do Recorrente - necessidades pessoais, académicas, motivos de saúde, de assistência à família, entre uma variedade de razões passíveis de ser enumeradas -, a verdade é que, para fins de aplicação e interpretação da cláusula em análise, o que é relevante é que o Recorrente não auferiu qualquer remuneração por parte da Administração.
    H - Acresce que, contrariamente ao que consta da sentença, o objectivo da cláusula 3.°, n.º 3 do contrato é apenas o de estabelecer um plafond indemnizatório, com período temporal previamente definido - a remuneração enquanto Presidente do Conselho de Administração do IPIM, num período máximo de 6 meses.
    I - A ratio da cláusula em análise é a de proteger a Administração de forma a restringir / estabelecer o montante máximo a pagar pela Administração. Não a de castigar o trabalhador.
    J - Sendo que, com ou sem desconto relativo ao exercício de outro cargo público, o montante mensal a receber pelo Recorrente equivale sempre à sua remuneração do cargo de Presidente do Conselho de Administração do IPIM.
    K - Imagine-se que o Recorrente na sequência da rescisão operada Entidade Recorrida ficava sem emprego? Ou que, em vez de ter lugar no quadro, passava a integrar funções no privado? Em ambas as situações, dúvidas não existem de que o Recorrente teria direito a seis meses de remuneração correspondentes ao seu vencimento como Presidente do IPIM (a que se somaria o seu salário caso passasse a exercer qualquer cargo na função privada).
    L - Se o Recorrente no período de 3 meses (de 6 de Abril a 31 de Julho de 2010) não recebeu qualquer remuneração por parte da Administração, não se pode ficcionar qualquer desconto.
    M - Em causa está tão-só a quantificação de uma indemnização compensatória, circunscrita ao prazo de 6 meses, nos termos predefinidos contratualmente, o que, no caso, tem de ser analisado em obediência ao facto e à contingência de o Recorrente não ter auferido quaisquer remunerações no período de 6 de Abril a 31 de Julho de 2010, em virtude de ter estado de licença sem vencimento.
    N - Pelo exposto, o recorrente tem direito a receber indemnização compensatória referente ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2011, correspondente à sua remuneração de Presidente do IPIM, não devendo as mesmas sofrer qualquer desconto.
    O - Pelas razões expostas, o entendimento consignado na sentença recorrida viola, pois, a cláusula 3.ª, n.º 3 do contrato de trabalho em apreço nos autos.
    Nestes termos, pede, deve o presente recurso ser declarado procedente e, consequentemente, parcialmente alterada a sentença recorrida no sentido de ao recorrente ser atribuída indemnização compensatória referente ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2011 (período em que esteve de licença sem vencimento) correspondente à sua remuneração de Presidente do IPIM, sem qualquer dedução.
    
    B, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, instituto esse a seguir designado abreviadamente por IPIM, com sede na XXX, Macau, tendo conhecimento de que foi interposto recurso contra a sentença de 8/3/2013 do Tribunal Administrativo, veio contra alegar, dizendo no essencial:
    1. Nos termos estabelecido no n.° 3 da cláusula 3a do contrato individual de trabalho, ora em apreço, em caso de rescisão por interesse da RAEM, é devida ao contratado, ora recorrente, uma retribuição.
    2. Após a exoneração do cargo de Presidente do Conselho de Administração do IPIM, o recorrente regressou - em 1 de Fevereiro de 2010 - à categoria de origem e, devido à sua própria vontade e no seu exclusivo interesse, esteve de licença sem vencimento dentro dos seis meses imediatos à sua exoneração (ou seja, no período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho do mesmo ano), embora pudesse, de facto, ter exercido as funções inerentes ao seu cargo de origem.
    3. A situação de licença sem vencimento suspende o direito à percepção de vencimentos (cfr. artigo 51°, n.° 2, do Estatuto Privativo do Pessoal do IPIM),
    4. As disposições da cláusula contratual atrás indicada visam garantir que, em princípio, a retribuição do recorrente, por rescisão antecipada do contrato como Presidente do Conselho de Administração do IPIM, não seja inferior às remunerações vincendas até ao termo normal do mesmo contrato.
    5. O pagamento do montante global, pedido pelo recorrente, poderá conduzir, de forma dissimulada, a uma situação de fraude jurídica [posição defendida pelo digno representante do Ministério Público e pelo Exmo. Juiz de Direito, no que toca à sentença ora impugnada]
    6. Acresce-nos dizer que, salvo melhor opinião, tal pagamento conduziria não apenas a uma fraude à lei como também a um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa da Administração.
    7. Constituiria, portanto, um desvio à indemnização compensatória, nos termos em que essa indemnização foi fixada, a não dedução da remuneração prescindida, por vontade própria e exclusivo interesse do recorrente, porquanto, por um lado, essa não dedução constituiria um ganho para o recorrente que, estando ao serviço, sofreria tal desconto, e, por outro, permitiria ao mesmo (recorrente) no gozo da licença sem vencimento, auferir remunerações inerentes ao exercício de funções privadas - quer na RAEM quer no exterior, exercício este cujo controlo torna-se difícil, senão mesmo impossível - "até ao limite de seis meses", findo o qual voltaria a exercer funções na Administração Pública, "fugindo" a essa dedução.
    8. Ao não ser deduzida a remuneração prescindida - em face da licença sem vencimento - por vontade própria e exclusivo interesse do recorrente, a Administração permitiria que o recorrente pudesse vir a auferir, como indemnizatória compensatória, um montante superior àquele que auferiria se estivesse no exercício das suas funções (na categoria de origem).
    9. Com efeito, não há lugar ao pagamento da remuneração compensatória relativa ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010, período este durante o qual o recorrente esteve de licença sem vencimento".
    Nestes termos entende dever o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença na parte recorrida, fazendo deste modo V. Exas.

O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto PARECER:
    Concordamos inteiramente com as doutas considerações expendidas pelo Exmo colega junto do tribunal "a quo", a que, de resto, o douto aresto sob escrutínio anuiu, no sentido de que no período em questão - 6 de Abril a 31 de Julho de 2010 - o recorrente só não exerceu efectivamente as funções no seu lugar de origem no IPIM por, no seu exclusivo interesse e conveniência, ter requerido a concessão de licença sem vencimento, suspendendo "motu proprio" o direito à percepção do vencimento respectivo, nos termos do art. 51º do Estatuto do Pessoal daquele organismo, ou seja, como se sustenta no parecer a que nos vimos reportando, "o recorrente era titular de um lugar do quadro do IPIM, cujas funções retomou após a sua exoneração do cargo de Presidente, e que podia ter exercido nos seis meses que se seguiram àquela exoneração, o que só não sucedeu por motivos da sua exclusiva conveniência".
    A tónica da diferenciação relativamente às hipóteses que o recorrente faz questão de contemplar (cfr al. k) das conclusões das respectivas alegações) é, pois, a acentuada nos sublinhados a que procedemos, isto é, por um lado a disponibilidade da Administração em facultar ao visado o desempenho de funções no seu lugar de origem e, por outro, a configuração da situação como da sua exclusiva iniciativa, interesse e conveniência, a não poder, pois, conferir o direito à remuneração de Presidente do Conselho de Administração do IPIM que almeja, mas apenas, como bem se acentua "à diferença entre esta e a que tinha possibilidade de auferir caso exercesse efectivamente, como estava ao seu alcance, era de seu direito e lhe foi facultado pelo IPIM, as funções do lugar de origem que retomou e depois viu suspensas a requerimento seu."
    Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos somos a entender ser de manter o decidido.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provada a factualidade seguinte:
   “A. Em 2 de Setembro de 1999, o recorrente e o Secretário-Adjunto para a Coordenação Económica celebraram um contrato, onde diz que o recorrente assumiu o cargo de Presidente do Conselho de Administração do IPIM desde 1 de Setembro de 1999 (vide fls. 3 a 7 do Anexo I, o respectivo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
B. Deste então, o recorrente tem exercido as funções como Presidente do Conselho de Administração do IPIM. A seguir, por Despacho do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 2/2010, o recorrente foi exonerado do cargo supracitado desde 1 de Fevereiro de 2010.
C. Depois de cessar o exercício de funções como Presidente do Conselho de Administração do IPIM, o recorrente regressou a seguir à categoria de origem no IPIM como técnico superior assessor.
D. Durante o período entre 1 de Março de 2010 e 5 de Abril de 2010, o recorrente acumulou funções (remunerações) como vogal do Conselho de Administração na sociedade “C, Lda.” (sociedade esta em que a RAEM tem participação de 60% no capital social).
E. Durante o período entre 6 de Abril de 2010 e 31 de Julho de 2010, o recorrente apresentou o pedido de gozo de licença sem vencimento e o qual foi autorizado.
F. Em 21 de Julho de 2011, o recorrente apresentou as seguintes alegações ao IPIM (vide fl. 24 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
   “Assunto: pedido de concessão da indemnização compensatória pela cessação das suas funções ou realização da negociação entre partes
   Ao MM.º Presidente do Conselho de Administração do IPIM, Sr. B:
   Por receber o ofício n.º 06131/DAF/2011 de 12 de Maio da Vossa Ex.ª, o signatário queria salientar os seguintes pontos que devem ser levados à atenção pelo Instituto:
   1) No que diz respeito à indemnização compensatória, o signatário já apresentou as alegações em mais de oito cartas ou informações e calculou novamente o valor da indemnização depois de receber a confirmação do erro da Comissão Executiva, e os respectivos factos não são apenas os alegados nas três cartas referidas no ofício supracitado do Instituto.
   2) O mencionado ofício está misturado e confundido com o parecer jurídico e outros pareceres, no qual uma parte tem tradução chinesa e outra parte não tem essa tradução, o que torna difícil a compreensão e incita a seriedade dos ofícios governamentais; o assessor jurídico do IPIM assinala que o seu parecer baseou-se na tradução portuguesa de documentos constantes na parte I) ;
   3) O pedido do signatário é extremamente claro e não se trata de uma situação “abstracta” referida no vosso ofício, isto é, pede, nos termos contratuais, a concessão das remunerações vincendas de 6 de Abril de 2010 a finais de Julho do mesmo ano como Presidente do IPIM, a título da devida indemnização compensatória em caso de rescisão contratual, por interesse da Administração da RAEM;
   4) O contrato individual de trabalho para o exercício de funções de Presidente do IPIM foi celebrado com a Administração de Macau. Não pretendendo o Presidente do IPIM conceder a indemnização compensatória nos termos contratuais, solicita que, ao abrigo do disposto na cláusula 7ª do mesmo contrato, seja marcada uma negociação entre os signatários daquele contrato (é a terceira vez que fez este pedido), e não tem o Presidente do IPIM competência para indeferir o pedido de concessão da indemnização compensatória;
   5) Não pretendendo o Presidente do IPIM conceder a indemnização compensatória nos termos contratuais, solicita que seja marcada uma negociação entre os signatários daquele contrato – ou seja, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e o signatário da carta – e que sejam indicadas as entidades a contactar e os procedimentos a adoptar;
   6) O signatário é disponível durante o período de 12 a 22 de Agosto, por favor comunique o signatário a data de negociação o mais rápido possível. Mais, solicita que as cartas e os documentos do Instituto sejam bem preparados, incluindo a integridade e exactidão de tradução em línguas portuguesa e chinesa, para defender a seriedade do funcionamento do Governo e os bens de interessados.”
G. Em 27 de Julho de 2011, o pessoal do IPIM elaborou a informação n.º 00768/CE/11 (vide fls. 16 a 21 do Processo Administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   “Em cumprimento da determinação verbal de V. Exa. E relativamente aos pedidos supra indicados – cujo original (em versão chinesa) e respectiva tradução (em versão portuguesa) se encontram aqui anexas -, cumpre emitir o seguinte parecer:
   1. O requerente acusa a recepção, em 15 do corrente mês, do ofício n.º 06131/DAF/2011, de 12/05/2011 do IPIM, dizendo o seguinte:
   1) - O mencionado ofício (n.º 06131/DAF/2011) está misturado e confundido com o parecer jurídico e outros pareceres, no qual uma parte tem tradução chinesa e outra parte não tem (essa tradução), o que torna difícil a compreensão e incita a seriedade dos ofícios governamentais;
   - O assessor jurídico do IPIM assinala que o seu parecer baseou-se na tradução portuguesa de documentos;
    2) Não tem o Presidente do IPIM competência para indeferir o pedido de concessão da indemnização compensatória pela cessação das suas funções como Presidente do IPIM;
    3) Pretende a concessão, nos termos contratuais, das remunerações vincendas - de 6 de Abril de 2010 a finais de Julho do mesmo ano - como Presidente do IPIM, bem como a devida indemnização compensatória em caso de rescisão contratual, por interesse da Administração da RAEM;
    4) O contrato individual de trabalho para o exercício de funções de Presidente do IPIM foi celebrado com a Administração de Macau. Não pretendendo o Presidente do IPIM conceder a indemnização compensatória nos termos contratuais, solicita que, ao abrigo do disposto na cláusula 7ª do mesmo contrato, seja marcada uma negociação entre o signatário daquele contrato - ou seja, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e o signatário da carta - e que sejam indicadas as entidades a contactar e os procedimentos a adoptar;
   2. Dito isto, no que toca às questões solicitadas, existem umas sujeitas ao dever de pronúncia, e outras ao dever de decisão.
   2.1 No que concerne as sujeitas ao dever de pronúncia, importa dizer no que respeita ao número anterior e às questões abrangidas pela:
   .Alínea 1), que:
   - O mencionado ofício não está misturado nem confundido com o parecer jurídico nem com outros pareceres. Trata-se, sim, duma forma de notificação, que não constitui novidade no ordenamento jurídico da RAEM, em que, em vez de se juntar fotocópia do parecer emitido e dos actos nele exarados (como, por exemplo, pareceres de subunidades orgânicas), se transcreve no ofício o conteúdo do parecer jurídico e dos actos nele exarados.
   Contudo, ainda que existissem dúvidas na interpretação do ofício, há meios legais disponíveis para o requerente suprir essas dúvidas, nomeadamente a consulta a consulta do processo administrativo e/ou a obtenção de certidão desse parecer.
   - O facto dos referidos pareceres e ofício terem uma parte em língua portuguesa e outra em duas línguas (chinesa e portuguesa) não torna difícil, por si só, a sua compreensão, nem afecta a sua seriedade. Há que ter em consideração que o destinatário não só não escolheu a língua oficial para receber resposta, como ainda demonstrou - nomeadamente no exercício das suas funções no IPIM - e tem demonstrado que fala suficientemente bem português, de modo a compreender claramente o sentido dos actos e formalidades do procedimento administrativo em causa.
   Por conseguinte, não vemos razão para que tenha sido invocadas faltas de compreensão e/ou de seriedade; por outro lado, existem indícios no sentido duma compreensão clara, ou, pelo menos, de não ter havido dificuldade nessa compreensão, pois o destinatário diz, na alínea 3) da sua presente carta, o seguinte: “(…) é extremamente claro, e não se trata de uma situação “abstracta” referida no vosso ofício.” O relevo é nosso
   - Embora o parecer jurídico se tenha baseado na tradução (para língua portuguesa) de documentos (cujo original estava em língua chinesa) não se nos afigura que tenha ficado prejudicada a exactidão da fundamentação do parecer.
   .Alínea 2), que: A Comissão Executiva do IPIM:
   - Não indeferiu qualquer pedido de concessão da indemnização compensatória, antes, pelo contrário, procedeu ao pagamento dessa indemnização;
   - Por deliberação de 29/04/2011 - a que se refere o parecer n.º 00392/CE/2011, de 27/04/2011, do IPIM -, concordou com a fórmula de cálculo da indemnização compensatória constante no mesmo parecer, aplicável à situação do requerente. Ora, é justamente com essa fórmula de cálculo que o requerente não se conforma.
   3. Por outro lado, quanto às questões sujeitas ao dever de decisão indicadas nas alíneas 3) e 4) igualmente ao n.º 1, importa dizer o seguinte:
   3.1 Indemnização compensatória por cessação exercício de funções do requerente como Presidente do IPIM
   - Com efeito, segundo estabelecido no n.º 3 da cláusula 3ª do citado contrato, “em caso de rescisão por interesse da RAEM, o contratado tem direito a uma retribuição de valor igual às remunerações vincendas (…), salvo se vier a exercer outras funções por designação da Administração, ou, ainda, quaisquer funções em (…) ou em sociedades em que a RAEM tem participação não inferior a 5% do capital social, casos em que terá direito à diferença entre a remuneração auferida e a que passar a auferir, (…).
   - No caso em apreço, o exponente (i) regressou à categoria de origem em 01 de Fevereiro de 2010, sem interrupção funcional e após a cessação de funções como Presidente do Conselho de Administração do IPIM e (ii) após esse regresso, acumulou funções (remunerações), de 1 de Março de 2010 a 5 de Abril do mesmo ano na sociedade 《C, Lda.》, (sociedade esta em que a RAEM tem participação de 60% no capital social), pelo que a indemnização compensatória e de montante corresponde à diferença entre a retribuição de valor igual às remunerações vincendas como Presidente do Conselho de Administração do IPIM pelo período de 6 meses e a retribuição de valor igual à categoria de origem, igualmente pelo período de 6 meses, acrescida esta da remuneração auferida como vogal da referida sociedade.
   Aplicando uma fórmula de cálculo temos:
   Indemnização compensatória = ﹝Remuneração como Presidente do Conselho de Administração do IPIM × 6 – (Remuneração no cargo de origem × 6 + Remuneração como vogal do Conselho de Administração da 《C, Lda.》)﹞
   3.2 Remunerações relativas ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho do mesmo ano
   - Nesse período o interessado esteve de licença sem retribuição, suspendendo-se o seu veículo contratual, e, por conseguinte e nomeadamente, o exercício de funções com perda de direitos, de entre os quais o direito à retribuição (cfr. artigo 51º do Estatuto Privativo do Pessoal do IPIM);
   - É irrelevante para cálculo da indemnização compensatória, a suspensão do vínculo contratual, resultante de licença sem retribuição, sendo essa indemnização calculada nos termos do disposto nas respectivas cláusulas contratuais.
   3.3 Pedido de negociação prevista na cláusula 7ª do contrato individual de trabalho
   - Esse pedido - que foi formulado e dirigido ao IPIM em 15/10/2010 - foi indeferido pela Comissão Executiva do IPIM, conforme consta da notificação feita ao requerente pelo IPIM, através do ofício n.º 06131/DAF/2011, de 12/05/2011, mediante o qual foi dado conhecimento também do teor do parecer n.º 00392/CE/2011 de 27/04/2011, do IPIM);
   - Com efeito, não se conformando o interessado com o indeferimento acima indicado, tem ao seu dispor os meios de reacção que lhe foram oportunamente comunicados através do mencionado ofício (n.º 06131/DAF/2011, de 12/05/2011, do IPIM);
   - Não há dever de decisão quanto a este pedido, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 11º do Código do Procedimento Administrativo. ﹝Tal esclarecimento já foi feito no ofício n.º 06131/DAF/2011, de 12/05/2011, do IPIM, a folhas 9﹞
   
   CONCLUSÕES
   Em face do anteriormente exposto, e com o devido respeito porventura por melhor opinião, entendemos que:
   .A interpretação do contrato individual de trabalho em causa e das respectivas cláusulas contratuais, nomeadamente as relativas ao cálculo da indemnização compensatória e à necessidade de negociação prevista na cláusula 7ª, cabe ao IPIM;
   .Relativamente às questões sujeitas ao dever de decisão, é de indeferir:
   - O pedido de correcção da indemnização compensatória, tendo em conta a fundamentação constante em 3.1 do presente parecer, que é a mesma que foi aprovada em 29/04/2011 pela Comissão Executiva do IPIM e a que se refere o parecer n.º 00392/CE/2011, de 27/04/2011, do IPIM;
   - O pedido de remunerações concernentes ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho do mesmo ano, com base na fundamentação constante em 3.2 do presente parecer.
   . No âmbito do dever de pronúncia deve ser dada resposta às questões referidas nas alíneas 1) e 2) do n.º 1 do presente parecer.
   Macau, 27 de Julho de 2011.”
   H. Por deliberação de 10 de Agosto de 2011, o Conselho de Administração do IPIM concordou com a informação n.º 00768/CE/11 supracitada (vide fls. 14 a 15 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
    I. Em 18 de Agosto de 2011, o IPIM emitiu o ofício n.º 13098/DAF/2011 ao recorrente, notificando-o da deliberação supracitada (vide fls. 4 a 13 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
    J. Em 26 de Setembro de 2011, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso junto do presente Tribunal contra a deliberação da alínea H), através do mandatário judicial.”
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. Tal como o recurso vem colocado e vista a forma como foi contra alegado, está em causa, no fundo, a interpretação da cláusula 3ª do contrato individual de trabalho nos termos do qual o recorrente foi contratado para exercer as funções de Presidente do Conselho de Administração do IPIM, já que por despacho da Comissão Executiva do IPIM lhe foi indeferido o pedido de correcção da indemnização compensatória e de pagamento das remunerações relativas ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010.
    Pretende o recorrente o pagamento integral em termos compensatórios da rescisão operada pela administração das remunerações correspondentes ao vencimento como Presidente do IPIM.
    Pretende a entidade recorrida pagar tão somente a diferença entre o vencimento auferido no lugar de origem, a que o recorrente retornou, operada a rescisão, acrescida da remuneração como vogal na empresa de parques e a remuneração deixada de auferir como Presidente.
    
    2. Tal cláusula é do seguinte teor:
    "Em caso de rescisão por interesse do Território, o contratado terá direito ao pagamento da retribuição de valor igual às remunerações vincendas até ao termo do presente contrato ou das renovações posteriores, mas nunca superior a seis meses de remuneração, salvo se vier a exercer outras funções por designação da Administração, ou, ainda, quaisquer funções em instituições públicas ou em sociedade em que o Território tenha participação não inferior a 5% no capital social, casos em que terá direito à remuneração correspondente à diferença entre a remuneração auferida e que passar a auferir, até ao limite de seis meses." (vd. doc. 2 junto com o recurso contencioso).
    
    O que está agora em causa é apenas o pagamento das remunerações relativas ao período de 6 de Abril de 2010 a 31 de Julho de 2010.
    Trata-se de uma pura interpretação desta cláusula do contrato denominado individual de trabalho, não importando discutir da natureza do mesmo, nomeadamente quanto à sua vertente administrativa, visto o objecto das funções para que o recorrente foi contratado, não havendo normas específicas, para além das contratualizadas, no que à indemnização rescisória respeita, sendo de relevar, neste particular aspecto da indemnização rescisória, - não excluída mesmo nos contratos administrativos puros1 - a relação sinalagmática constituída.
    A declaração negocial deve ser apreendida com “o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” - art. 228º, n.º 1 do CC. E se estivermos perante uma situação não regulada, a integração há-de respeitar as regras do artigo 231º, n.º 1 do CC, na falta de norma supletiva, devendo-se procurar a vontade das partes se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, se estes não forem atingidos pela primeira solução.2
     Analisando a cláusula em referência, verifica-se que aí se estabelece que haverá indemnização compensatória de “retribuição de valor igual a seis meses de remuneração como Presidente do Conselho de Administração do IPIM, sem sofrer qualquer desconto ”se não se verificar nenhuma das excepções previstas no n.º 3 da cláusula 3ª do contrato individual de trabalho, excepções essas que se traduzem no exercício de:
    - outras funções, por designação da Administração;
    Ou ainda,
    -quaisquer funções em
    a) sociedades em que a RAEM tem participação não inferior a 5% do capital social; ou
    b) instituições públicas, casos esses em que há direito à diferença entre a retribuição de valor igual a seis meses de remuneração como Presidente do CA do IPIM e a remuneração que passa a auferir, até ao limite de seis meses.
    É esta a interpretação que se mostra correcta, são as apontadas excepções que impedem o pagamento da indemnização e é isso mesmo que a entidade recorrida defende - e bem - na sua contestação, no artigo 2º.
    Situações como a de, após a rescisão do contrato, ir para o privado, ficar desempregado, são situações não contempladas no contrato como impeditivas de atribuição de indemnização. Já não assim o facto de voltar ao funcionalismo público, situação que se mostra coberta pela alínea b) supra referida.
    O facto de o contratado, ora recorrente, após a rescisão, ter voltado ao lugar de origem, recebendo a diferença entre o seu ordenado mensal como funcionário e aquele que teria como presidente do CA do IPIM cai na referida previsão.
    O facto de voltar para o seu lugar de origem (na medida em que veio a prestar serviço em instituições públicas – técnico superior assessor do IPIM – afectou a atribuição da indemnização, fazendo diminuir a indemnização rescisória que estava prevista.
    
    3. Aliás, não se deixa de observar que há duas normas paralelas àquela cláusula que se respigam da legislação do Regime Jurídico da Função Pública e que podem ajudar a sustentar esta interpretação. A primeira é o artigo 5º do DL 85/89M, de 21/Dez, relativo à cessação e suspensão da comissão de serviço que prevê:
    “4. Quando a comissão de serviço for dada por finda ao abrigo da alínea a) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3, há lugar ao pagamento do vencimento do mês em que ocorrer a sua cessação, acrescido de compensação indemnizatória nos seguintes termos: (***)
    a)De valor igual às remunerações vincendas até ao termo normal da comissão de serviço, mas nunca superior a seis meses de remuneração, se o trabalhador, durante aquele período, não voltar a exercer, no Território, funções públicas ou outras para as quais seja designado pela Administração ou, ainda, quaisquer funções em instituições públicas ou em sociedades em que o Território tenha participação não inferior a 5% no capital social;
    b)De valor correspondente à diferença entre a remuneração anteriormente auferida e a que passar a auferir durante o período que faltar para o termo da comissão de serviço, até ao limite de seis meses, caso não se verifique interrupção funcional, quer pelo facto de o trabalhador retomar funções no lugar de origem no Território, quer por vir a exercer funções em quaisquer das situações previstas na alínea anterior.”
    E o artigo 26º do ETPM:
    “Nas situações referidas nos n.os 5 e 6, o contratado tem direito ao pagamento do vencimento do mês em que ocorrer a cessação de funções, acrescido de uma indemnização definida nos seguintes termos:
    a) De valor igual às remunerações vincendas até ao termo normal do contrato, mas nunca superior a três meses de remuneração, caso o trabalhador, durante aquele período, não volte a exercer, no Território, funções públicas ou outras para as quais seja designado pela Administração ou, ainda, quaisquer funções em instituições públicas ou em sociedades em que o Território tenha participação não inferior a 5% no capital social;
    b) De valor correspondente à diferença entre a remuneração anteriormente auferida e a que passar a auferir, durante o período que faltar para o termo do contrato, até ao limite de três meses, caso não se verifique interrupção funcional e o trabalhador venha a exercer funções em qualquer das situações previstas na alínea anterior.”
    Deste cotejo se observa que as normas supra referidas aludem ao mero facto de o trabalhador voltar a exercer “funções públicas”, situação essa igualmente prevista no contrato sub judice, (na parte em que se refere a funções em Instituições públicas, expressão demasiado abrangente e que não deixa de abranger a Administração central e os institutos públicos entre outros), não se podendo, pois, deixar de considerar, que o retorno do recorrente ao lugar de origem afasta a indemnização ali prevista.
    Seguramente que se tratava de uma situação que a Administração não ignorava e não deixou de contemplar como excludente da indemnização.
    Somos, desta feita, a concluir que o facto de o recorrente voltar ao seu lugar de origem releva para excluir ou fazer diminuir a indemnização, sendo, como é óbvio, irrelevante, que tenha pedido posteriormente a licença sem vencimento. Tal facto em nada faz bulir com a indemnização contratualizada, na exacta medida em que o exercício de funções públicas por retorno ao lugar de origem não deixou de interferir com ela (a indemnização).
    
    
    4. Essa indemnização que foi contratualizada nesses termos até se pode justificar com o facto de uma das partes, neste caso a Administração, pretender compensar a contraparte, no caso de rescisão unilateral, por cessação de um lugar de prestígio, compensando-o materialmente por via de garantia de manutenção do mesmo salário, no caso de o designar para outras funções ou para uma empresa ou instituto ou no caso de ele vir a exercer funções em instituições públicas, ressarcimento que é atingido por via de garantia, no mínimo, do pagamento da remuneração de Presidente por seis meses.
    Nem se despreza o facto de ele voltar ao lugar de origem. Garante-se-lhe tão-somente o mesmo salário anterior, com um limite máximo de seis meses, contrariamente ao que teria acontecido se o recorrente tivesse entretanto, já antes da rescisão, abandonado a função pública e tivesse ido, para a privada, ou tivesse caído no desemprego, não se contemplando, aí, a hipótese de lhe garantir apenas e tão somente a diferença de vencimento entre o que passasse a auferir e o que recebia como Presidente do CA do IPIM, pois que teria direito a tudo.
    
    5. Embora seja assunto que se mostra prejudicado, face ao entendimento supra e à verificação do pressuposto referido, nem se diga, como chegou a entidade recorrida a defender na sua contestação que o acto voluntário da rescisão unilateral da Administração, sabendo que o recorrente ia voltar ao lugar de origem, como funcionário, correspondeu a uma designação para outro lugar. Não deixamos, no entanto, de dizer que não acolhemos esta tese, nem sequer com esforço de imaginação conseguimos conceber tal construção, pois que uma designação, mesmo em sentido amplo, não pode deixar de corresponder a um acto de colocação, nomeação, contratação em qualquer lugar, não se podendo entender que o retorno ao lugar de origem, por mera inércia, possa ser entendido como tal.
    Resumindo, foi por o recorrente voltar ao lugar de origem, no exercício de um direito que já tinha e que já integrava a sua situação jurídico-funcional anterior, que tal passou a ser impeditivo de receber a indemnização por inteiro, pois que esta era excluída ou reduzida em casos contados, tal como o que se veio a verificar.
    
    6. Constata-se até que esta interpretação não sofreu contestação, tendo o próprio recorrente aceitado este entendimento até ao momento em que pediu licença de vencimento. O problema só se coloca, pois, a partir de 6 de Abril de 2010 até 31 de Julho de 2010.
    
    7. Passemos à análise de outra questão e que vem pouco tratada nas diferentes alegações nesta sede recursória. Trata-se do facto de o recorrente, após cerca de um mês da rescisão, ter sido designado vogal do Conselho de Administração na “C, Lda (sociedade em que a RAEM tem participação de 60% no capital social).
    Verifica-se, com tal facto, um outro pressuposto excludente ou redutor da indemnização prevista na aludida cláusula 4ª, qual seja o supra citado pressuposto em a).
    Esta nomeação só tem relevância para somar o seu vencimento nessas funções àquele que auferia como funcionário do IPIM, tendo direito ao remanescente.
    Em boa verdade, ocorrem duas causas que integram as excepções impeditivas ou redutoras da indemnização clausulada: desempenho em instituições públicas e designação para funções públicas ou empresas participadas pela RAEM.
    Não está em causa, repete-se, o cálculo a que a entidade recorrida procedeu nos primeiros meses após a rescisão.
    Sobrevém, entretanto, em 6 de Abril de 2010, o pedido de licença sem vencimento, tendo o recorrente cessado todas as funções públicas que vinha desempenhando.
    Qual o efeito dessa licença sem vencimento no cálculo da indemnização? É aqui que reside o dissídio: enquanto o recorrente pretende que lhe seja paga a totalidade do vencimento como Presidente assim não entende o IPIM.
    Não assiste razão ao recorrente. Tal como decidido foi pela entidade recorrida e sufragado por douta sentença proferida na 1ª Instância, estamos em crer que ele terá apenas direito à diferença de vencimentos entre os que auferiria no desempenho de funções públicas, não fora a licença sem vencimento e o vencimento que tinha como Presidente do CA do IPIM, não fora a rescisão.
    É verdade que o o artigo 51º do Estatuto do IPIM, implica a perda de vencimento no período de licença sem vencimento, mas foi ele que se colocou voluntariamente numa situação de nada receber, não podendo, por causa disso, daí tirar proveito. Diremos que, assim não sendo, estaríamos perante uma situação que invalidaria a razão atributiva da indemnização. Porquê? O recorrente recebe indemnização porque passa a exercer funções públicas e deixando de as exercer continuaria a recebê-la.
    Dirá o recorrente que, na hipótese de ficar no desemprego ou ir para o sector privado, situação que chega a configurar nas suas peças, se impunha a atribuição da indemnização. É certo, desde que tal se verificasse no momento da rescisão, situação que nunca podia acontecer no caso vertente, pois que a Administração contratante e o recorrente não ignoravam que ele sempre teria o direito de voltar ao lugar de origem. O que não se compreende bem é que o recorrente pretenda retirar de uma situação que ele próprio cria, em seu benefício, um outro proveito que contraria a natureza da indemnização. Esta é atribuída no pressuposto de que o recorrente podia continuar a desempenhar as suas funções, mas que ele por acto próprio e voluntário vem a enjeitar. Ora, se o recorrente se coloca, por sua iniciativa, em condições de não poder exercer funções públicas, não faz sentido que seja ressarcido pelo não desempenho de funções que não quer exercer.
    O argumento com que o recorrente esgrime, a possibilidade de ir para a privada ou ficar no desemprego não colhe, na medida em que este contrato rege aquela relação particular e essa situação não foi configurada nem o podia ser por não caber ao caso sob apreciação. A interpretação daquela cláusula contratual tem de ser feita para a situação em concreto, não sendo aplicável a uma generalidade hipotética e abstracta de quaisquer outras situações que se pudessem configurar.
    Para além de que estaria aberta a porta ao abuso e não diremos de direito, nos termos do artigo 326º do CC, na exacta medida em que não se configura a existência de qualquer direito, mas que não deixaria de frustrar as razões subjacentes à atribuição de tal indemnização pensada para aquela relação específica. O recorrente, rescindido o contrato, pedia logo a licença, deixando de exercer funções sem direito a remuneração ou rejeitando qualquer proposta que lhe fosse feita no sentido do desempenho de quaisquer outras funções e auferiria por inteiro do vencimento como Presidente do CA. Se assim se pudesse admitir, então por que razão as partes não clausularam, desde logo, uma indemnização correspondente ao vencimento de Presidente, por certo período, sem mais? Não, configurando-se a qualidade que o “contratado” para Presidente detinha, pretendeu garantir-se-lhe a diferença, no pressuposto de que ele exerceria aquelas funções ou outras.
    
    8. Se não estamos numa situação de fraude à lei, servindo de enquadramento básico a relação contratual estabelecida, a entender-se, por mera hipótese de raciocínio, que a situação não está prevista no contrato - e parece-nos que está, pois, como se viu, após a rescisão ocorrem os pressupostos da redução da indemnização rescisória -, se entendemos que a passagem posterior à situação de licença sem vencimento não cai na previsão contratual, então, sempre funcionariam aí as regras do artigo 231º do CC, devendo ter-se a boa-fé como o limite à pretensão do recorrente, donde não se acolher a sua interpretação, já que terá sido ele que desaccionou o pressuposto atributivo do direito à indemnização para daí tirar vantagem ilegítima, porque desconforme às razões da atribuição do direito, bastando-nos para tanto o conceito genérico de boa-fé, princípio segundo o qual os sujeitos de uma dada relação jurídica devem actuar como pessoa de bem, com correcção e lealdade3, tendo em atenção, não só a vertente ética do conceito, como ainda a ponderação dos interesses legítimos da contraparte..4
    Anota-se que é o exercício de funções públicas ou equiparadas , seja em empresas ou instituições públicas, que integra o pressuposto da atribuição da indemnização concretizada na diferença de vencimentos. Se o recorrente deixa, por vontade sua, de as exercer, parece que afastado se mostra o pressuposto de recebimento dessa indemnização, na totalidade, pois que que já se esgotaram anteriormente, pelo desempenho de funções públicas, as condicionantes da sua atribuição.
    
    9. Temos falado até aqui nos pressupostos da atribuição de uma indemnização integral ou reduzida correspondente ao vencimento do Presidente do CA por 6 meses. Mas está na hora de ser mais rigoroso e constatar que a citada cláusula só fala em pagamento da diferença de remunerações. E parece que bem, na medida em que, na situação em concreto, só essa se podia configurar, pois as partes sabiam perfeitamente o que acontecia se sobreviesse rescisão unilateral da Administração, ou seja, na pior das hipóteses, o regresso à origem com recebimento do vencimento correspondente.
    Portanto, só se fala em pagamento eventual da diferença, verificados os pressupostos da atribuição da indemnização rescisória e se traduzem no desempenho de serviço em lugar designado pela Administração, em companhia participada da RAEM ou serviço em instituições públicas. É que não faria sentido calcular uma indemnização em função das flutuações da vontade do interessado: no momento da rescisão está em funções, mais tarde, deixa de o estar, por vontade própria, para ali voltar se tal pudesse acontecer e assim ir alternando. Se o recorrente deixa de exercer essas funções, parece que se poderia eventualmente configurar, numa interpretação mais restritiva, que até deixaria de haver lugar a qualquer indemnização, sendo certo que a entidade recorrida, numa interpretação mais favorável ao recorrente, não enjeita a possibilidade de lhe pagar a diferença.
    O não pagamento de qualquer quantia é, no entanto, questão que não vem equacionada, razão por que não nos prenderemos com essa abordagem.
    O que não se pode, por força de razão, é, no mínimo, de deixar de computar na diferença os vencimentos que ele voluntariamente deixou de auferir.
    
     Tratadas as questões colocadas nesta sede e balizadas pelas respectivas conclusões do recurso, resta decidir, não se acolhendo a interpretação contratual do recorrente, julgando-se em conformidade pela improcedência do recurso.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo o que decidido foi pelo Mmo Juiz no Tribunal Administrativo.
    Custas pelo recorrente.
               Macau, 14 de Novembro de 2013
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Vítor Coelho Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
(anexo declaração de voto)












Proc. nº 335/2013


Declaração de Voto
Voto a decisão, na parte em que se reporta ao período de 6/04/2010 a 31/07/2010, mas não acompanho a fundamentação respeitante ao período anterior (aliás, escusada, segundo nos parece, por não estar em causa). Na verdade, sendo diferente o conteúdo da cláusula relativamente ao teor do preceito onde ela se inspirou, estamos em crer ter sido intenção dos contratantes não incluir o regresso ao lugar de origem (voltar a exercer funções públicas) no elenco das excepções que retiram o direito ao pagamento da diferença indemnizatória entre o vencimento desse lugar e o das funções cessadas em virtude da rescisão.

TSI, 14/11/2013

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José Cândido de Pinho








1 - Marcello Caetano, Manual de Dto Adm., 10ª ed., I, 638
2 - PLAV, CC Anot., I, Coimbra Editora, 4ª ed., 226
3 - Pessoa Jorge, Obrigações, 1966, 122 ou Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 1970, 343
4 - Castro Mendes, Dto Civil, teoria Geral, 1979, III, 648 e segs.
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335/2013 32/34