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Processo nº 815/2013 Data: 23.01.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla”, “furto” e “falsificação de documentos”.
Absolvição.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.

Daí que já não seja “erro” aquele que possa apenas traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.

2. Se o Tribunal dá como não provada determinada matéria de facto, constituindo tal uma “versão possível”, não se verificando que violou qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, inexiste “erro notório na apreciação da prova”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 815/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A LIMITADA” (A有限公司) e “B LIMITADA (B有限公司)”, assistentes, vem recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo T.J.B. com o qual se absolveu os arguidos C e D dos crimes pelos quais estavam acusados, alegando, em sede da sua motivação de recurso e conclusões, que o referido aresto padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, e pedindo o reenvio do processo para novo julgamento no T.J.B.; (cfr., fls. 1144 a 1164, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondendo, pugnam os arguidos e o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 1171 a 1179-v e 1188 a 1194).

*

Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este T.S.I. onde, em sede de vista, opina também o Ilustre Procurador Adjunto no sentido da improcedência do recurso.
Tem o Parecer o teor seguinte:

“Devidamente analisado todos os elementos constantes nos presentes autos, a conclusão que chegamos não pode ser outra senão a improcedência total do recurso interposto.
Em primeiro lugar, pensamos que o nosso colega junto ao tribunal "a quo" já evidenciou na sua resposta a falta de razão dos fundamentos invocados no recurso.
*****
Para nós, resta aqui só chamar a atenção pela seguinte:
Os recorrentes invocaram na sua motivação do recurso a questão de vício de erro notório na apreciação da prova, alegando que o tribunal "a quo" analisou erroneamente as provas produzidas na audiência e tirou daí uma convicção também errada.
Para esse efeito, citou as próprias declarações dos arguidos prestadas no J.I.C. para sustentar o erro verificado na decisão sobre a matéria de facto, tentando assim demonstrar a irracionalidade da conclusão tirada pelo tribunal "a quo" sobre o elemento subjectivo dos crimes imputados.
No entanto, pensamos que a recorrente se caiu num equívoco, confundindo a fronteira onde acaba o princípio de livre convicção do tribunal e onde começa verdadeiramente o vício de erro notório na apreciação da prova.
No caso em apreço, não podemos deixar de afirmar que existem meios de provas "contrárias", ambas dirigem-se para sentidos opostos, um aponta para o conhecimento do plano criminoso e outro aponta para o desconhecimento do plano montado pela outra suspeita (responsável principal dos factos) E.
Ora, é exactamente nessa situação "embaraçosa" que a lei confere ao tribunal o poder de livre apreciação da prova, no sentido de exigir ao julgador de fazer análise crítica das provas, quer através de lógica quer através de regras de experiência comum humano.
Acresce que essa análise crítica das provas, especialmente nas provas testemunhais, e feita com total observância do princípio de imediação. Pois, só assim o julgador consegue apanhar e captar o sentido real dos depoimentos ou declarações dos arguidos e das testemunhas mediante as reacções normais ou anormais destas últimas demonstradas na audiência.
Assim, nunca é o número das testemunhas nem as declarações do próprio recorrente, por si só, seja factor decisivo na matéria de convicção, bem pode acontecer que o tribunal deposite toda a sua confiança nas declarações de uma única testemunha ou arguido para levar à condenação do agente em prejuízo de inúmeros depoimentos de outras.
No caso concreto, pensamos que a dúvida principal reside-se no facto de que os arguidos têm uma relação familiar com a outra suspeita E (responsável principal dos factos), por serem todos irmãos e os arguidos terem sido contratados pela suspeita E.
Assim sendo, é natural que se leva a pensar que os arguidos podiam tomar efectivamente conhecimento sobre o plano criminoso e participavam activamente nele, tudo por causa da sua irmã.
No entanto, se bem que tal relação familiar possa criar, segundo a experiência comum, dúvida sobre a "inocência" dos arguidos, não deixe de ser verdade que a realidade é muito mais rica e é possível a existência de muitas outras situações em que se conseguem abalar tal dúvida.
Pensamos que foi assim que se sucedeu no presente caso, em que tal facto "duvidoso de relação familiar", por si só, não é capaz de levar ao tribunal a formar o juízo de certeza sobre a verificação do elemento subjectivo que deve acompanhar nos actos praticados pelos arguidos.
Por outro lado, na motivação do recurso, os recorrentes não fizeram mais do que "só" citar todos os meios de provas favoráveis à sua tese, omitindo ao mesmo tempo outros que lhe são desfavoráveis. Assim, nunca se trata de uma visão global dos factos que possa impôr ao tribunal.
Na verdade, na parte de fundamentação da sentença, o tribunal "a quo" já teve o cuidado de proceder a uma análise críticas das provas, comparando e ponderando todas as provas favoráveis e desfavoráveis. Chegando a final uma conclusão em acolher uma tese desfavorável à posição dos recorrentes.
E o mais importante é que não se descortina neste caminho do raciocínio do tribunal recorrido qualquer coisa que implica uma violação manifesta das regras de lógica e de experiência comum, assim, podemos afirmar, sem qualquer margem para dúvida, que a convicção assim formada é inatacável.
Assim sendo, pensamos que o recurso não merece de provimento”; (cfr., fls. 1210 a 1211-v).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Imputado que vem ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e inexistindo qualquer questão prévia a apreciar, passa-se a conhecer.

Pois bem, é sabido que o dito “erro notório na apreciação da prova” é um “vício da decisão da matéria de facto”, e, como repetidamente temos vindo a afirmar: “apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 05.12.2013, Proc. n.° 714/2013 do ora relator).

No caso dos autos, e após audiência de discussão e julgamento, proferiu o Colectivo do T.J.B. Acórdão onde deu “como provado” que:

“Em Dezembro de 2010, a suspeita E foi contratado pelo F, sócio da Sala VIP G, para exercer funções de gerente de relações públicas, cabendo-lhe a supervisão dos assuntos quotidianos desta Sala VIP, incluindo os assuntos relacionados com funcionamento, tesouraria e relações públicas. A suspeita E, por sua vez, contratou a sua irmã mais velha (a arguida C) e o seu irmão mais novo (o arguido D) como funcionários da tesouraria, encarregados dos assuntos relacionados com o funcionamento da tesouraria.
H e F são amigos. Em Janeiro de 2012, F conseguiu ajudar H estabelecer a Sala VIP I no Casino J. Tendo em conta que H não conhecia o funcionamento da Sala VIP e que, naquele momento, não era capaz de contratar funcionários de tesouraria, este incumbiu os funcionários da tesouraria da Sala VIP G para tomar conta da tesouraria da sua Sala VIP, razão pela qual os funcionários da tesouraria da Sala VIP G faziam também os trabalhos da tesouraria da Sala VIP I. A suspeita E dava apoio na gestão das contas e dos trabalhos e funcionamento da tesouraria da Sala VIP I.
O funcionamento da tesouraria das duas Salas VIP consistia principalmente em troca de fichas para os clientes, depósito e levantamento de comissões e emissão de K.
A Sala VIP G e a Sala VIP I movimentavam frequente e mutuamente o dinheiro da outra parte, a fim de facilitar o funcionamento (acto conhecido por "XXXX"). No entanto, as finanças e o funcionamento das duas Salas VIP eram completamente independentes.
A suspeita E tinha poderes para movimentar o dinheiro (numerário ou fichas) da tesouraria das duas Salas VIP.
Para obter benefício ilícito, entre Janeiro e Março de 2012, a suspeita E apropriava-se do dinheiro ou das fichas das Salas VIP sem consentimento dos seus sócios, com o objectivo de apropriar para si tal dinheiro.
A propósito, a suspeita E dava ordens aos arguidos C e D para, substituindo-se aos clientes das aludidas Salas VIP, celebrarem K, preenchendo declarações de dívida ou registos de levantamento e apropriar-se depois do respectivo dinheiro ou fichas que os arguidos lhe entregavam.
Parte do dinheiro ou das fichas acima referidos, eram depositados na conta do suspeito L aberta na Sala VIP M.
No dia 9 de Janeiro de 2012, pelas 01H43 da tarde, por indicações da suspeita E, a arguida C elaborou uma declaração de dívida, tendo nele introduzido os respectivos dados e assinado o seu nome no espaço reservado à assinatura do encarregado, enquanto que a suspeita E assinou esta declaração na qualidade de responsável da empresa, fazendo constar que N celebrou, no dia 9 de Janeiro de 2012, o K no valor de $8,000,000 dólares de Hong Kong junto da Sala VIP I A seguir, sem que tivesse avisado o sócio H, a arguida C tirou da gaveta da tesouraria da Sala VIP I as fichas de $8,000,000 dólares de Hong Kong e entregou à suspeita E.
Na realidade, N não chegou a pedir no dia 9 de Janeiro de 2012 o empréstimo no valor de $8,000,000 dólares de Hong Kong junto da Sala VIP I.
Na data não apurada de Fevereiro de 2012, sob indicações da suspeita E e sem conhecimento do sócio F, o arguido D tirou da tesouraria da Sala VIP G as fichas vivas de $10,000,000 dólares de Hong Kong e depositou na conta n.° XXX da Sala VIP O do Casino J. Apôs, o arguido D recebeu uma declaração de dívida em que E era devedora e' uma livrança emitida pela E.
Na data não apurada de Março de 2012, sob indicações da suspeita E e sem conhecimento do sócio F, o arguido D tirou da tesouraria da Sala VIP G as fichas vivas de $10,000,000 dólares de Hong Kong e depositou na conta do suspeito L aberta na Sala VIP M.
No dia 8 de Março de 2012, por volta das 09H58 da manhã, sob indicações da suspeita E, o arguido D elaborou uma declaração de dívida, tendo nele introduzido os respectivos dados e assinado o seu nome na qualidade de encarregado e responsável da empresa; ao mesmo tempo, rubricou no espaço destinado ao devedor P, de modo a constar que a mesma celebrou, no dia 8 de Março de 2012, o K no valor de $6,000,000 dólares de Hong Kong junto da Sala VIP I A seguir, sem que tivesse avisado o sócio H, o arguido D tirou da gaveta da tesouraria da Sala VIP I as fichas de $6,000,000 dólares de Hong Kong e entregou à suspeita E.
Na realidade, P não chegou a pedir no dia 8 de Março de 2012 o empréstimo no valor de $6,000,000 dólares de Hong Kong junto da Sala VIP I.
No dia 15 de Março de 2012, por volta das 06H39 da noite, sob indicações da suspeita E, a arguida C comunicou à R, funcionária da tesouraria da Sala VIP I, que a Sala VIP G queria contrair um empréstimo para manter o funcionamento.
Obtido autorização, R tirou da tesouraria da Sala VIP I as fichas de $10,000,000 dólares de Hong Kong e entregou à arguida C através do Q. R passou um recibo da Sala VIP I, assinado por si própria e pela arguida C, para efeitos de confirmação.
 Posteriormente, sob indicações da suspeita E, a arguida C colocou as fichas de $10,000,000 dólares de Hong Kong dentro dum saco de plástico e levou para fora da tesouraria da Sala VIP. A seguir, a arguida C deslocou-se à tesouraria da Sala VIP M e depositou as fichas de $10,000,000 dólares de Hong Kong na conta n.° XXX do suspeito L aberta na Sala VIP M. Mais tarde, tais fichas foram transferidas pelo Casino S para a Sala VIP M do T.
Por volta das 07H16 da mesma noite, a suspeita E dirigiu-se à tesouraria da Sala VIP G e tirou da gaveta o cheque do Banco da XXXX n.° XXXX e depois de preencher a data, o destinatário e o montante ($15,000,000 dólares de Hong Kong), colocou novamente o cheque na gaveta.
Depois de a suspeita E ter saído da Sala VIP G, sob indicações da mesma, a arguida C comunicou ao Q e à R, funcionários da tesouraria, que tal cheque foi emitido pelo F, sócio da Sala VIP G. R pôs no cheque um papel de nota amarelo para registar este facto, e depois colocou o cheque na gaveta da tesouraria da Sala VIP I.
Na realidade, o referido cheque pertencia ao Iao Hoi, primo do sócio F, que o tinha assinado em Fevereiro de 2012, mas não chegou a preencher data e montante.
Posteriormente, sob indicações da suspeita E, a arguida C tirou da tesouraria da Sala VIP I as fichas vivas de $15,000,000 dólares de Hong Kong e entregou à suspeita E.
No dia 16 de Março de 2012, por volta do meio-dia, e sob indicações da suspeita E, a arguida C tirou da tesouraria da Sala VIP G um cartão de depósito de fichas referente ao mês de Março, cujo nome do titular era U, preencheu os dados e assinou no espaço reservado à assinatura do encarregado, indicando que U (ofendido) levantou, no dia 16 de Março de 2012, a quantia de $14,000,000 dólares de Hong Kong junto da Sala VIP G. A seguir, a arguida C colocou novamente este cartão de depósito de fichas referente ao mês de Março na tesouraria.
Na realidade, o ofendido U não chegou a levantar a quantia de $14,000,000 dólares de Hong Kong naquele dia, junto da Sala VIP G.
Na data não apurada, sem que tivesse avisado o sócio F, a arguida C tirou da gaveta da tesouraria da Sala VIP G a quantia de $14,000,000 dólares de Hong Kong em numerário e entregou à suspeita E.
Entre as 03H06 da madrugada do dia 15 de Março e as 07H35 da noite do dia 16 de Março de 2012, a suspeita E e X, assistente de relações públicas da Sala VIP G, encontravam-se a jogar na Sala VIP M do Casino V do T. Na altura, a suspeita E trouxe consigo as fichas vivas de $6,000,000 dólares de Hong Kong e trocou em fichas da Sala VIP na tesouraria da Sala VIP M, para jogar. Depois de perder tais fichas da Sala VIP e as fichas da Sala VIP que ganhou, no valor de $365,000 dólares de Hong Kong, a suspeita E levantou, através da X, as fichas de $10,000,000 dólares de Hong Kong na conta n.° XXX do suspeito L, para jogar. Depois de perder tais fichas de $10,000,000 dólares de Hong Kong, a suspeita E trouxe novamente as fichas vivas de $7,000,000 dólares de Hong Kong e trocou em fichas da Sala VIP, para jogar.
No dia 18 de Março de 2012, por volta das 09H15 da noite, sem conhecimento do F, sócio da Sala VIP G, a suspeita E mentiu ao W, funcionário da tesouraria, que precisava de levantar da Sala VIP I as fichas de $3,850,000 dólares de Hong Kong para emprestar provisoriamente a um cliente. Para obter a confiança do W, a suspeita E disse ainda que alguém iria reembolsar a dívida no dia 19 de Março de 2012. W acreditou e tirou da tesouraria da Sala VIP I as fichas de $3,850,000 dólares de Hong Kong para entregar à arguida C. A seguir, a arguida C depositou tais fichas na conta n." XXXX do suspeito L. De seguida, W registou este facto com um papel de nota amarelo, escrevendo "empréstimo provisório de 385 como fei sou".
No dia 22 de Março de 2012, H, sócio da Sala VIP I, não conseguiu entrar em contacto com a suspeita E, razão pela qual se dirigiu à Sala VIP I e pediu ao X para conferir as contas, daí verificou que o numerário e as fichas da tesouraria não coincidiam com os montantes constantes das contas, por isso, apresentou queixa à PJ.
No dia 23 de Março de 2012, F, sócio da Sala VIP G deslocou-se à Sala VIP para conferir as contas, e verificou que o numerário e as fichas da tesouraria não coincidiam com os montantes constantes das contas no computador, por isso, apresentou queixa à PJ.
Os sócios das ofendidas encontravam-se grande parte do tempo fora da RAEM e era a suspeita E quem praticamente mandava e decidia tudo acerca do funcionamento das aludidas salas de jogo.
Todos os funcionários das ditas salas acatavam as ordens da E e praticamente ninguém contestava as suas decisões.
A la arguida está desempregada.
Tem como habilitações académicas o ensino secundário complementar e tem a mãe a seu cargo.
O 2° arguido é empregado comercial e aufere mensalmente cerca de dezoito mil patacas (MOP$18,000).
Tem como habilitações académicas o ensino universitário incompleto e tem os pais e uma menor a seu cargo.
Conforme o CRC, os dois arguidos são primários”.
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Por sua vez, e em relação aos factos “não provados” consignou-se no mesmo Acórdão que não se provaram:
“Os restantes factos relevantes da acusação que não estejam em conformidade com a factualidade acima provada, nomeadamente:
A suspeita E reportava, não periodicamente, ao H a situação da tesouraria da sala I.
A suspeita E sempre que movimentasse o dinheiro da Sala VIP G, tinha que avisar F e obter o consentimento dele. E quando movimentava o dinheiro da Sala VIP I, no valor superior a $300,000 dólares de Hong Kong, tinha que avisar o sócio H e obter o consentimento dele.
De entre os actos criminosos praticados pelo suspeito E, com o intuito de alcançar os objectivos facilmente, o suspeito E e os arguidos C e D chegaram a acordo e, em distribuição de tarefas, mentiram aos funcionários da tesouraria em haver clientes ou outras Salas VIP que queriam contrair empréstimo, ou falsificaram declarações de dívida ou registos de levantamento, e fingindo clientes das Salas VIP para celebrar K, de modo a burlar dinheiro ou fichas das Salas VIP, e apropriando-se depois de dinheiro ou fichas que lhes foram entregues, ou levando dinheiro ou fichas das Salas VIP sem consentimento dos seus sócios, com o objectivo de apropriar para si tal dinheiro.
Para facilitar a obtenção do dinheiro ou fichas acima referidas, o suspeito E, a arguida C e o arguido D chegaram-a acordo com o suspeito L e, em distribuição de tarefas, depositaram na conta deste último aberta na Sala VIP Tai Ieong uma parte do dinheiro ou fichas burlados ou subtraídos.
No dia 9 de Janeiro de 2012, pelas 01H43 da tarde, a arguida C assinou na declaração de dívida imitando a assinatura do N.
Uma vez que a arguida C conseguiu ajudar várias vezes o suspeito E no sentido de tirar numerário ou fichas junto das duas Salas VIP, este último ofereceu-lhe numerário no valor aproximado de $40,000 dólares de Hong Kong, um anel de diamante, uma pulseira de diamante e um pingente de jade, a título de remuneração.
Os actos criminosos acima referidos, praticados conjuntamente pelos arguidos C e D e pelo suspeito E, causaram à Sala VIP I prejuízos no valor de $42,850,000 dólares de Hong Kong, à Sala VIP G prejuízos no valor de $20,000,000 dólares de Hong Kong e ao ofendido U prejuízos no valor de $14,000,000 dólares de Hong Kong.
A fim de obter benefício ilegítimo, a arguida C, de forma livre, voluntária, consciente e dolosa, juntamente com o suspeito E, de mútuo acordo e em distribuição de tarefas, falsificou documentos por duas vezes, assinou tais documentos imitando a assinatura de outrém, assim como falsificou declaração de dívida ou cartão de depósito de fichas, de modo a burlar dinheiro das Salas VIP e cliente ofendidos, com o objectivo de apropriar para si tal dinheiro.
A arguida C, de forma livre, voluntária e consciente, juntamente) com o suspeito E, de mútuo acordo e em distribuição de tarefas, enganou por cinco vezes as Salas VIP ofendidas por meio de mentir aos funcionários em levantar dinheiro para manter o funcionamento, ou burlou dinheiro das Salas VIP e cliente ofendidos por meio de falsificar documentos, fazendo com que os mesmos sofressem prejuízos de valor consideravelmente elevado.
A fim de obter benefício ilegítimo, o arguido D, de forma livre, voluntária, consciente e dolosa, juntamente com o suspeito E, de mútuo acordo e em distribuição de tarefas, falsificou documentos, assinou tais documentos imitando a assinatura de outrém, assim como , falsificou declaração de dívida, de modo a burlar dinheiro das Salas VIP ofendidas, com o objectivo de apropriar para si tal dinheiro.
O arguido D, de forma livre, voluntária e consciente, juntamente com o suspeito E, de mútuo acordo e em distribuição de tarefas, enganou as Salas VIP ofendidas por meio de mentir aos funcionários em levantar dinheiro para manter o funcionamento, ou burlou dinheiro das Salas VIP ofendidas por meio de falsificar documentos, fazendo com que as mesmas sofressem prejuízos de valor consideravelmente elevado.
O arguido D, de forma livre, voluntária e consciente, juntamente com o suspeito E, de mútuo acordo e em distribuição de tarefas, apesar de ter conhecimento de que as respectivas fichas vivas pertenciam às Salas VIP ofendidas, entretanto, por duas vezes, levou e apropriou para si tais fichas sem conhecimento das Salas VIP ofendidas e sem consentimento dos sócios das mesmas.
Os dois arguidos bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.
“Em face do que ficou apurado em audiência de julgamento, ou seja, por não terem sido provados todos os elementos constitutivos dos crimes por que vêm acusados, mormente o seu elemento subjectivo, importa a absolvição dos arguidos”.

E, analisando o assim decidido, assim como o preceituado nos art°s 197°, 211° e 244° do C.P.M., (referentes aos crimes de “furto”, “burla” e “falsificação de documentos” que eram imputados aos arguidos), veio-se a concluir que “em face do que ficou apurado em audiência de julgamento, ou seja, por não terem sido provados todos os elementos constitutivos dos crimes por que vêm acusados, mormente o seu elemento subjectivo, importa a absolvição dos arguidos”.

Quid iuris?

Cremos que não se pode reconhecer razão aos assistentes ora recorrente.

Na verdade, e como temos vindo a entender, “erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade; (cfr., v.g. o Ac. de 10.10.2013, Proc. n.° 235/2012).

Daí que já não seja “erro” aquele que possa apenas traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.

Importa pois atentar no que segue:

É comummente aceite que o julgamento da causa é o que se realiza em Primeira Instância, e que o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto.

Daí que em caso algum pode o recurso servir para obter um “novo julgamento”, (em segunda instância; cfr., v.g., G.M. da Silva, in “Forum Justitiae”, Maio de 1999).

Com efeito, o objecto do recurso é a “decisão recorrida” e não o “julgamento da causa”, propriamente dita.

E óbvias razões existem para que assim seja.

De facto, a produção da prova decorre perante o Tribunal de Primeira Instância e no respeito de dois princípios fundamentais e interconectados: o da oralidade e o da imediação. E com isso, visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento da matéria de facto em processo penal: o da livre apreciação da prova por parte do julgador; (cfr., art. 114° do mesmo C.P.P.M.).
O princípio da imediação pressupõe um contacto directo e pessoal entre o Tribunal (julgador) e as pessoas que perante ele depõem, (e também com todas as outras provas produzidas), sendo esses os depoimentos (elementos probatórios) que irá valorar e que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto sendo precisamente essa relação de proximidade entre o Tribunal do julgamento em Primeira Instância e as provas que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e que (de todo em todo) o Tribunal do recurso não dispõe. Há na verdade que atender e valorar factores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam, a linguagem que utilizam, (verbal e / ou não verbal), a espontaneidade com que depõem, as hesitações que manifestam, o tom de voz com que o fazem, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, o movimento (de mãos ou de pés), repetido e/ou descontrolado, o encolher de ombros, que umas vezes pode significar ignorância e outras reprovação, a forma e a intensidade do olhar, que muito pode revelar, (v.g., desejo de vingança, ódio, compaixão, dúvida ou certeza), as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece, que as pode justificar ou tornar inaceitável.

Daí que quando a decisão do Tribunal se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a pode censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção por ele trilhado ofende as regras sobre o vaor da prova tarifada, as regras de experiência comum.

Vê-se bem assim que o duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto, não tem, (nem podia ter), a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, só podendo o Tribunal de recurso modificar aquela decisão quando não encontrar qualquer suporte nos meios de prova produzidos no processo, (ou como se disse, se se vier a verificar que a convicção formada pelo julgador contrarie as regras sobre o valor da priva tarifada, as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos).

Na verdade, e como também já teve este T.S.I. oportunidade em afirmar o “o princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer”; (cfr., v.g., o Ac. de 18.07.2013, Proc. n.° 288/2013).

Em suma, e também como já se deixou relatado, sempre que a convicção do Tribunal se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.

Perante isto, não se vislumbrando que tenha o Colectivo a quo violado qualquer regra sobre o valor de prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, não se apresentando (igualmente) a versão provada “impossível”, já que não se pode excluir a hipótese de terem os arguidos dos autos agido (apenas) em observância de instruções da “protagonista” do “buraco financeiro” causado aos assistentes – E, irmã dos arguidos – e que desconheciam que com os actos que praticavam estavam a causar prejuízo a terceiros, há pois que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

3. Em face do exposto, acordam negar provimento ao recurso.

Pagarão os recorrentes como taxa individual de justiça 6 UCs.

Macau, aos 23 de Janeiro de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa


Proc. 815/2013 Pág. 28

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